ANÁLISE ECONÔMICO-ECOLÓGICA DOS EFEITOS DA MUDANÇA CLIMÁTICA NA REGIÃO DELIMITADA PELA INDICAÇÃO DE PROCEDÊNCIA “VALES DA UVA GOETHE” EM SANTA CATARINA - BRASIL

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VI Congresso Internacional Sistemas Agroalimentares Localizados Os SIAL face às oportunidades e aos desafios do novo contexto global Brasil

ANÁLISE ECONÔMICO-ECOLÓGICA DOS EFEITOS DA MUDANÇA CLIMÁTICA NA REGIÃO DELIMITADA PELA INDICAÇÃO DE PROCEDÊNCIA “VALES DA UVA GOETHE” EM SANTA CATARINA - BRASIL

VIEIRA, Adriana Carvalho Pinto. 1 GARCIA, Junior Ruiz. 2 BRUCH, Kelly Lissandra3 1

Universidade Extremo Sul Catarinense/UNCSA,

Professora Doutora, Criciúma, Santa Catarina, Brasil 2

Universidade Federal do Paraná/Economia,

Professor Assistente, Curitiba, Paraná, Brasil 3

Universidade Federal do Rio Grande do Sul/Gestão do Agronegócio Pós-doutoranda, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil

Abstract — One of the ecological economics aims is understand the close and intense relationship between economic activity and the natural environment. With that one can use the knowledge generated to better indicate which decisions should be taken. With its application, we search in this work to analyse the possible impacts of climate change in the delimited region named "Vales da Uva Goethe", located on the southern of Santa

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Catarina State - Brazil. The survey was conducted to eighteen vitiviniculture producers from the delimited region, in order to identify changes in production, productivity and quality of grapes grown in the region. It is noteworthy that the survey has the aim to take only the perceptions of producers with respect to changes in production without any mention, by the researcher, about the effects of climate change in the region or agricultural cultivation.

Keywords: climate change impacts, geographical indication, vitiviniculture,

1. INTRODUÇÃO A fruticultura é um ramo do agronegócio, que segundo Buainain & Batalha (2007), está entre os principais geradores de renda, emprego e de desenvolvimento rural do agronegócio nacional. Os índices de produtividade e os resultados comerciais obtidos nas últimas safras são fatores que demonstram não apenas a vitalidade como também o potencial desse segmento produtivo. Atualmente, existem pelo menos 30 grandes polos de produção de frutas espalhados por todo o país. (VIEIRA e BUAINAIN, 2011) A viticultura e vinicultura seguem as regras do agronegócio que, para serem competitivas, devem produzir em grandes volumes, assegurar prazos de entrega e atender a parâmetros de conformidade técnica estabelecidos pelos clientes. Desta maneira, os produtores conseguirão obter baixos custos unitários, possibilitando preços mais competitivos tanto no mercado interno como no externo, levando em conta o padrão de qualidade pré-estabelecido. No Brasil, a videira foi introduzida em 1532 através de Martin Afonso de Souza na Capitania de São Vicente. Posteriormente no período colonial, estas foram propagadas em diversos pontos do país, por colonizadores portugueses. Segundo Guerra et al (2009), a viticultura somente ganhou impulso e tornou-se atividade e importância socioeconômica a partir do final do século XIX, com a chegada dos imigrantes alemães e posteriormente italianos, sobretudo no Estado do Rio Grande do Sul. 2

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Segundo Vieira, Watanabe e Bruch (2012), a viticultura é atividade tradicional em nove regiões brasileiras. Como zonas de viticultura temperada destacam-se as regiões da Fronteira, Serra do Sudeste, Serra Gaúcha, Campos de Cima da Serra e regiões Central e Norte do Estado do Rio Grande do Sul; as regiões do Vale do Rio do Peixe, Planalto Serrano e Planalto Norte e Carbonífera, no Estado de Santa Catarina; a região Sudeste do Estado de São Paulo e, a região Sul do Estado de Minas Gerais. A região Norte do Paraná é tipicamente subtropical e as regiões Noroeste do Estado de São Paulo, Norte do Estado de Minas Gerais e Vale do Sub-Médio São Francisco (Pernambuco e Bahia), caracterizam-se como zonas tropicais, com sistemas de manejo adaptado às suas condições ambientais específicas. Atualmente, a viticultura ocupa uma área de, aproximadamente, 80 mil hectares, com vinhedos estabelecidos desde o extremo sul do país, em latitude de 30º 56’ 15’’S, até regiões situadas muito próximas ao equador, em latitude de 5º 11’ 15’’S. A produção de uvas é da ordem de 1,2 milhões de toneladas/ano. Deste volume, cerca de 45% é destinado ao processamento, para a elaboração de vinhos, sucos e outros derivados, e 55% comercializado para consumo in natura. Do total de produtos industrializados, 77% são vinhos de mesa e 9% são sucos de uva, ambos elaborados a partir de uvas de origem americana. Cerca de 13% são vinhos finos, elaborados com castas de Vitis vinifera. Grande parte da produção brasileira de uvas e derivados da uva e do vinho é destinada ao mercado interno. O principal produto de exportação, em volume, é o suco de uva, sendo cerca de 15% do total destinado ao mercado externo; apenas 5% da produção de uvas de mesa é destinada à exportação e menos de 1% dos vinhos produzidos são comercializados fora do país. O Brasil exporta hoje vinhos para 22 países, dentre os principais Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra e República Tcheca (IBRAVIN, 2012). Segundo Guerra et al (2009), as condições climáticas diferenciadas e solos do Brasil possibilitam um resultado adicional com um enorme potencial de obtenção de produtos com características diferenciadas, aptas a agradarem os diferentes paladares dos consumidores.

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Atualmente, o grande desafio da vitivinicultura brasileira é estar aberta ao novo, absorvendo novas tendências e ajustando-se aos novos conceitos e padrões de vinhos estabelecidos pelo crescente mercado consumidor, sem perder sua autenticidade, seu caráter de regionalidade, expressão maior da evolução e das experiências acumuladas através da história desta bebida, que permanecem ajustadas à geografia, aos valores e à cultura da região produtora. (VIEIRA, WATANABE, BRUCH, 2012) E analisando o contexto da vinicultura e vitivinicultura, conforme destaca Monteiro (2011, p. 1), “a mudança do clima prevista para as próximas décadas como resultado do aquecimento global coloca em risco a produção agrícola no Brasil”, incluindo estes setores. Alguns estudos já indicam que o clima tem sofrido mudanças significativas ao longo do século XX, que se acentuaram neste início de século XXI, com destaque para eventos severos em âmbito local conforme mostram os estudos do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPPC). Essas mudanças na dinâmica climática muito provável afetarão a atividade vinícola e vitivinícola brasileira. Assim, o objetivo deste trabalho é analisar, a partir dos pressupostos da Economia Ecológica, os possíveis impactos decorrentes da mudança na dinâmica climática na vitivinicultura da região delimitada pela Indicação de Procedência “Vales da Uva Goethe”, localizada na Região Sul do estado de Santa Catarina. A pesquisa foi realizada com a aplicação de um questionário a dezoito produtores de uva e vinho da região de Indicação de Procedência “Vales da Uva Goethe”, localizada no sul do Estado de Santa Catarina, cujo objetivo foi o de identificar alterações na produção, na produtividade e na qualidade da uva cultivada na região. Cabe destacar que o levantamento das informações teve por objetivo obter apenas as percepções dos produtores quanto às variações na produção sem a menção explícita, por parte do pesquisador, sobre os efeitos da mudança climática na região ou no cultivo agrícola. As informações obtidas na aplicação dos questionários foram analisadas a luz dos prognósticos sobre os efeitos das mudanças climáticas. O trabalho está organizado em três seções além desta introdução e das considerações finais. Na primeira seção serão apresentadas observações iniciais acerca da percepção 4

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da mudança climática sob a abordagem Econômico-Ecológica. Na sequência será apresentada brevemente uma caracterização da região de Indicação de Procedência “Vales da Uva Goethe”, localizada no estado de Santa Catarina. Por fim, na última seção será realizada a apresentação e análise das informações coletadas junto aos produtores da região nesta primeira fase de estudo.

2. MUDANÇA CLIMÁTICA E A ANÁLISE ECONÔMICO-ECOLÓGICA

O intenso e rápido avanço científico-tecnológico, econômico e social vivenciado pela sociedade desde o século XVIII, iniciado com a Primeira Revolução Industrial, por um lado, alterou profundamente o estilo de vidas das pessoas, por outro, desencadeou um processo de degradação dos ecossistemas sem precedentes. A escala de intervenção humana na dinâmica dos ecossistemas está promovendo uma série de alterações na intensidade dos eventos climáticos (GARCIA, 2012), por exemplo, o aquecimento da temperatura média do Planeta, períodos de estiagem mais intensos e prolongados etc. Desde a década de 1970, a magnitude que os problemas ambientais atingiram no início do século XXI mostra que este será o grande desafio a ser enfrentado pela sociedade. Em determinadas regiões, a degradação do ambiente natural já compromete a qualidade de vida ou bem-estar do ser humano por um longo período de tempo, veja os inúmeros hábitats aquáticos localizados em regiões intensamente urbanizadas que se encontram profundamente degradados, “ilhas” de calor, perda de fertilidade do solo, desertificação de grandes áreas agrícolas, aumento da temperatura média etc.. Segundo Comune (1994, p. 45-46), “se no passado à economia condicionou a utilização do meio ambiente, sem se preocupar com a degradação e exaustão de seus recursos, atualmente parece ser o meio ambiente que deve condicionar a economia”. Conforme destacam Thomas e Callan (2010, p. 1-2), “Como sociedade, já reconhecemos que a atividade econômica e o ambiente natural estão inexoravelmente, conectados e que essa profunda relação está no núcleo da gestão e da economia ambientais”. Por exemplo, a emissão de dióxido de carbono (CO2) decorrente de queima 5

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de combustíveis fósseis possivelmente está afetando a dinâmica climática do planeta – é considerado um dos principais gases de efeito estufa. Os combustíveis fósseis são extraídos do sistema natural e queimados na economia, resultando na liberação de dióxido de carbono na atmosfera. As trocas de energia entre os ambientes são afetadas pela concentração desse gás na atmosfera, significam que o Planeta Terra ficará mais quente. Como resultado da queima desses combustíveis, ao longo dos dois últimos séculos, o volume de CO2 na atmosfera tem aumentado significativamente (COMMON; STAGL, 2005), portanto, contribuindo para elevação da temperatura do planeta. Recentes relatórios publicados pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), Banco Mundial, Nações Unidas e Comunidade Europeia, chamam a atenção para a intensificação das mudanças climáticas em função, basicamente, da elevação da concentração de gases de efeito estufa na atmosfera do Planeta, decorrente em grande medida da ação humana e pela ausência ou ineficácia dos acordos e políticas de redução das emissões desses gases em âmbito global. Segundo Monteiro (2011), o cenário futuro de intensificação das mudanças climáticas coloca em risco a produção agrícola brasileira. O autor destaca que o aumento na temperatura média poderá reduzir a área favorável aos cultivos de soja, café, milho, arroz entre outras, causando um prejuízo estimado em R$ 7,5 bilhões em 2020. No caso da vitivinicultura de clima temperado, o autor afirma que a elevação da temperatura média poderá resultar em invernos menos rigorosos, com ondas de calor, afetando assim o repouso vegetativo das videiras, provocando perda de uniformidade na brotação e dificuldades no manejo, além de contribuir para o surgimento de doenças. Neste contexto, um importante objetivo do estudo econômico-ecológico é compreender a estreita e intensa relação existente entre a atividade econômica e o meio ambiente natural, para que se possa utilizar o conhecimento gerado para melhor indicar quais decisões devem ser tomadas pela sociedade. Segundo Thomas e Callan (2010, p. 13), “A contribuição das ciências econômicas para esse processo de aprendizado é fornecer ferramentas analíticas que ajudem a explicar as interações entre o mercado e o meio ambiente, as implicações dessas relações e as oportunidades de soluções efetivas”.

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Uma importante resposta para enfrentar esse grande desafio é dada pela Economia Ecológica. Essa escola do pensamento é resultado da inquietação “silenciosa”1 de um conjunto de cientistas, destacando-se o trabalho de Nicholas Georgescu-Roegen: The Entropy Law and the Economic Process (publicado em 1971), quanto

ao tratamento que deve ser dado à inter-

relação entre o sistema econômico e o natural. Essa abordagem integra em seu corpo teórico-analítico diversas áreas do conhecimento, tais como economia, ecologia, termodinâmica2, ética e uma série de outras ciências naturais e sociais. Essa característica proporciona a construção de uma visão integrada, holística, dinâmica e biofísica da inter-relação entre o sistema econômico e natural, cujo objetivo é fornecer contribuições estruturais para a solução de problemas ambientais. É uma abordagem transdisciplinar da problemática ambiental, o qual procura integrar e sintetizar conhecimentos de inúmeras áreas do conhecimento (científico ou não), que não tem por objetivo criar uma nova disciplina, mas, é uma forma pluralística de se abordar a problemática ambiental (COSTANZA, 1994). Em síntese, a abordagem apresentada pela Economia Ecológica defende um tratamento mais holístico no estudo da relação entre o sistema econômico e o sistema natural, caracterizado por uma perspectiva transdisciplinar. Neste sentido, a visão de mundo da Economia Ecológica, em relação às abordagens monodisciplinar ou mesmo interdisciplinares, é mais ampla no que se refere às variáveis que devem estudadas. Essa perspectiva reconhece a finitude dos recursos naturais, a complementariedade entre capital feito pelo homem e o natural, a irreversibilidade da degradação ambiental e das decisões econômicas e sociais, limiares de resiliência dos ecossistemas, a importância da primeira e da segunda lei da termodinâmica na análise econômica, o sistema econômico como um sistema aberto a entrada e saída de matéria e energia, entre outros pressupostos. Nesta perspectiva, a sustentabilidade do sistema econômicoecológico passa pela definição de uma hierarquia de objetivos em função dos custos de

1. 1 Silenciosa porque as diversas obras que discutiam a problemática ambiental e como a ciência econômica deveria tratá-la em seu escopo analítico permaneciam ocultas nos principais centros de discussão e na elaboração e implantação das políticas públicas e decisões privadas. 2. 2 É o estudo das transformações da energia. 7

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oportunidade – perda de bens e serviços ecossistêmicos – envolvidos na decisão dos agentes (COSTANZA, 1994).

3. A REGIÃO DE INDICAÇÃO DE PROCEDÊNCIA VALES DA UVA GOETHE – SC (IPVUG)

Os primeiros imigrantes italianos chegaram a Urussanga em 1878, vindos de Lougarone, Província de Beluno, região de Veneza, em função dos problemas econômicos e políticos decorrentes do processo de unificação da Itália que então se formava. Urussanga significa, em tupi-guarani, "rio de águas frias". Estes colonos começaram a exploração das áreas de terras destinadas a eles sob inumeráveis dificuldades. Muito trouxeram, envoltos em musgos para melhor conservarem a humidade, bacelos de suas vinhas de Lougarone. Estes bacelos foram o início de todas as culturas de uvas existentes na região. Vencidas as primeiras dificuldades, principalmente contra os índios Xokleng que muito hostilizaram os imigrantes, a colônia prosperou rapidamente. Em 1885 a cidade foi elevada à sede de Distrito de Paz e em outubro de 1900, à categoria de Vila e Município. Todavia, as vinhas trazidas de Veneza não tiveram a mesma sorte, e iniciou-se uma busca por uma vitis que se adaptassem a esta nova região (PROGOETHE, 2013). Em 1851, em Salem, Massachusetts, EUA, Edward Staniford Rogers, realiza trabalhos de hibridação em viticultura. O objetivo era unir a rusticidade e resistência das videiras americanas com o sabor rico e delicado das videiras europeias. Na hibridação de Muscat Hamburg (Black Hamburg) e Carter, obteve 45 seedlings que passaram a ser conhecidos como os "híbridos do Rogers". Ele numerou cada um destes seedlings e o número 1 ele nomeou de "Goethe" em homenagem ao proeminente pensador alemão. Assim, nasceu a variedade Goethe, que apresenta 87,5% de genes de variedades de Vitis vinifera e apenas 12,5% de genes de videiras americanas em seu genoma, sendo uma variedade com características olfativa e gustativa de moscato (PROGOETHE, 2013).

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Não se adaptando as variedades europeias à região, foram buscadas outras variedades, americanas e híbridas, para que a cultura da produção do vinho pudesse ser mantida na nova pátria destes colonos italianos. A resposta, depois de muitas tentativas, foi a variedade Goethe, dentre outras, a qual se adaptou à região, onde os solos são ricos em enxofre, elemento decisivo para o desenvolvimento da variedade. Apresenta-se hoje esta com uma identidade climática, cultural e histórica com os municípios de Urussanga e Pedras Brancas, denominada de “Vales da Uva Goethe”. Esse território, localizado entre o mar e as montanhas, apresenta um diferencial de gradientes térmicos: altas temperaturas no verão e massas de ar frio que vêm do Planalto com temperaturas negativas no inverno. A adaptação da variedade na região às condições locais e características próprias a diferenciam das outras variedades (PROGOETHE, 2013). Entretanto, com a chegada da mineração, muitos dos colonos abandonaram a vinicultura e vitivinicultura, indo trabalhar nas carvoarias, em razão dos salários mais atraentes nas minas e a promessa de aposentadoria após 15 anos de trabalho. Mas para aqueles que permaneceram no campo e preservaram suas raízes e a sua cultura, a uva foi um símbolo de resistência. Mas, a união entre a tradição do conhecimento dos imigrantes italianos da região de Urussanga e a uva Goethe permitiu a produção de um vinho diferenciado, com identidade própria. Para alcançar maior reconhecimento nacional, os produtores da Região de Urussanga se associaram em 2007 e criaram a PROGOETHE (Associação dos Produtores da Uva e do Vinho Goethe da Região de Urussanga), uma associação de produtores de vinho da uva Goethe com objetivo de buscar o reconhecimento da Indicação de Procedência (IP), concedida em 2012 pelo Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI) conforme consta na Revista de Propriedade Industrial n. 2145 de 14 de fevereiro de 2012. Os produtores buscaram o apoio do SEBRAE (Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (EPAGRI) para solicitar a primeira Indicação Geográfica (IG) do estado de Santa Catarina, denominada “Vales da Uva 9

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Goethe”, em uma área delimitada pelos municípios de Urussanga, Pedras Grandes, Cocal do Sul, Morro da Fumaça, Orleans, Nova Veneza, Içara e Treze de Maio (conforme se visualiza no Mapa 1). O objetivo de obter o reconhecimento da IP é garantir uma constância na demanda pelo produto e, se possível, agregar valor, buscar uma melhoria na geração de renda de seus associados e fomentar o desenvolvimento local. (VIEIRA; WATANABE; BRUCH, 2012). Essa região está intimamente ligada à cultura e tradição na produção da uva e vinho Goethe (savoir faire ou fator humano), apresentando solos e condições climáticas distintas (fatores naturais). Com o reconhecimento da indicação de procedência, criou um “clima” favorável ao enoturismo em Urussanga. Diante desse cenário, o governo do estado de Santa Catarina reconheceu a importância dos “Vales da uva Goethe”, na região delimitada pela Indicação de Procedência, como território único em Santa Catarina, reforçando o pedido da proteção junto ao INPI.

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Mapa 1 – Localização do Vales da Uva Goethe, Santa Catarina, Brasil

Fonte: Preparado pelos autores com base em IBGE (2013a).

A presente pesquisa tem como base metodológica a taxionomia apresentada por Vergara (2009), que a qualifica em relação a dois aspectos: quanto aos fins e quanto aos meios de investigação. Quanto aos fins a pesquisa é caracterizada como descritiva e quanto aos meios de investigação classifica-se como bibliográfica. Também possui caráter qualitativo, uma vez que será utilizado o método de estudo de caso na condução de sua investigação. A essência do estudo de caso é “a tentativa de iluminar uma decisão ou conjunto de decisões: por que elas foram tomadas, como foram implementadas e com que resultado” (YIN, 2005). Ainda segundo o autor, a preferência pelo uso do estudo de caso deve ser dada quando do estudo de eventos contemporâneos, em situações nas quais os comportamentos relevantes não podem ser manipulados, mas em que é possível se fazerem observações diretas e entrevistas sistemáticas.

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As vinícolas integrantes da IP que elaboram vinhos à base de uva Goethe e pertencentes à PROGOETHE são: Vinícola Mazon - Fundada na década de 1970 pelos irmãos Genésio e Jayme Mazon, a Vinícola tem por objetivo seguir a tradição da linha materna da família, os Debiasi, preenchendo uma lacuna no tradicional ramo da vitivinicultura de Urussanga; Vitivinícola Urussanga – Proveniente de Longarone, Região do Vêneto, Itália, os Damian estabeleceram-se em Urussanga em fins do século XIX; Vinícola Quarezemin - Atua desde 2002 na região; Vinícola Felippe – A família e proveniente da região da Toscana na Itália, vindo para a região no final do século XIX. A vinícola é administrada pela terceira geração de imigrantes e preserva até hoje métodos tradicionais ao lado de novas tecnologias. A vinícola possui localização privilegiada, na comunidade histórica de Azambuja, sede da colonização italiana no sul de Santa Catarina e componente do roteiro: Caminhos da Imigração Italiana; Vinícola Trevisol - A tradição em produzir vinhos surgiu há mais de 100 anos na família Trevisol. Com parreirais de uva Goethe centenários, a quinta geração continua a fabricar a bebida mais tradicional de Urussanga. Além destas, também cultivam a uva e elaboram vinhos artesanais os associados Rodolfo Della Bruna, Denner Quarezemin, Deivson Baldin, Raul Savio, Rafael Sorato, Márcio Scremin e Antonio de Lorenzi Cancelier (PROGOETHE, 2012). As entrevistas foram realizadas com 18 produtores associados à PROGOETHE, entre vinicultores e vitivinicultores, distribuídos na região delimitada pela IPVUG, conforme apresentado no

GRÁFICO 1

a sua localização.

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GRÁFICO 1: MUNICÍPIOS IPVUG X QUANTIDADE DE VINICULTORES E VITIVINICULTORES

Fonte: elaborado pelos autores a partir dos dados coletados nas entrevistas.

Os dezoito entrevistados apresentam como principal atividade a produção de uva, vinho e uva e vinho. Dentre eles, quatro são produtores de uva, quatro apenas produzem vinho, e o restante produzem uva e vinho, conforme apresentado no Gráfico 2.

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GRÁFICO 2: PRINCIPAL ATIVIDADE DOS ENTREVISTADOS

Fonte: elaborado pelos autores a partir dos dados coletados nas entrevistas A história da produção vitivinícola na região delimitada pela IPVUG se confunde com a história da imigração italiana no final do século XIX. As videiras foram plantadas logo no início da colonização. A uva Goethe foi trazida pelo advogado italiano Sr. Caruso MacDonald e distribuída aos colonos. As plantações da uva logo se espalharam por toda a região, o aroma das videiras floridas e, mais tarde, dos frutos maduros, além da grande extensão dos parreirais. A Goethe se tornou a uva mais típica, apresentando características especificas que a diferencia das demais variedades cultivadas na região (REBOLLAR et al., 2008). Na década de 1950 a região passou a ser considerada a “capital do vinho”, posteriormente culminando com a outorga do título de “capital catarinense do bom vinho”, pelo estado de Santa Catarina. Decorrente da divulgação, o Governo de Getúlio Vargas, por intermédio do Ministério da Agricultura, decidiu apoiar a vitivinicultura na região. Cria a Subestação de Enologia, como órgão subordinado ao Instituto de Fermentação, para realizar pesquisas com diferentes espécies de uvas, o qual se destacou a Goethe. A expansão dos cultivos da variedade Goethe incentivou a expansão

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das vinícolas na região, com ampla capacidade a tal ponto de atender às demandas de todas as vinícolas por muitas décadas. (REBOLLAR et al., 2008). A produção da uva Goethe teve uma trajetória bastante conturbada na região da IPVUG, marcada por angústias, dificuldades, superação e sucesso. O carvão e a cerâmica traçaram novos rumos para a economia dos municípios, o que provocou um desestímulo, para vários produtos agrícolas, dentre eles e uva e o vinho, na década de 1960. Algumas vinícolas encerram suas atividades, pela falta de matéria prima. A própria Estação de Enologia (atual Epagri) passou por um período de turbulência, abandono e decadência. (MAESTRELLI, 2011) A partir das décadas de 1970 e 1980, alguns empreendedores da região investiram na elaboração dos vinhos de qualidade a partir da uva Goethe, visando ao resgate da cultura da uva, do vinho e das tradições esquecidas, por uma nova geração (MAESTRELLI,

2011).

Nesse sentido,

alguns

descendentes

ítalos-brasileiros

mantiveram os vínculos com os seus antepassados, confirmado pelo . Gráfico 3, o qual demonstra os dados relatados nas entrevistas com os vinicultores e vitivinicultores, informando o tempo de experiência com a produção da uva Goethe. Gráfico 3: Tempo de experiência dos vinicultores e vitivinicultores da IPVUG

Fonte: elaborado pelos autores a partir dos dados coletados nas entrevistas.

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A produção atual de vinho segundo relatado pelos entrevistados, gira em torno de 808 mil litros no total. Felipe Filho, Trevisol e Del Nono são os três produtores que mais produzem, dentre os entrevistados, conforme pode ser analisado no Gráfico 4. Gráfico 4: Produção média anual de vinho dos produtores entrevistados da IPVUG

Fonte: elaborado pelos autores a partir dos dados coletados nas entrevistas. A partir dessa breve caracterização da IPVUG é possível observar a importância da região na produção de vinho no estado de Santa Catarina, além da experiência dos produtores. Esse quadro pode contribuir para uma avaliação da percepção dos produtores quanto às possíveis variações na qualidade ou na quantidade produzida ao longo do tempo na região, e se essas possíveis variações podem ser estar relacionadas à fatores climáticos.

Essa seção tem por objetivo apresentar os resultados da consulta realizada junto aos produtores de vinho e uva da IPVUG para verificar a percepção desses produtores quanto à possíveis variações na produtividade e na qualidade da uva cultiva na região, na tentativa de avaliar se há alguma indicação por parte dos produtores de que essa variação possa estar associada a variação climática. Desse modo, a pesquisa de campo procurou levantar algumas informações sobre qual era a percepção dos produtores desde o início do cultivo da uva na região – entrada do produtor na atividade – em relação à ocorrência de possíveis mudanças na 16

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produtividade. Ao todo, como já destacado, foram entrevistados dezoito produtores, destes, dez informaram que notaram mudanças na produtividade, mas oito produtores informaram que não verificaram nenhuma variação na produtividade. Os dados da Pesquisa Agrícola Municipal do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2013b) indicam uma elevada variabilidade na produtividade da produção de uva na IPVUG e no estado de Santa Catarina (Gráfico 5). A variabilidade na IPVUG é bem maior que a verificada para o Estado de Santa Catarina, enquanto a primeira registrou um desvio padrão de 1,99 na produtividade média registrada entre 1990 e 2011, em Santa Catarina o desvio padrão era de 1,5.

Gráfico 5 – Evolução da produtividade média da produção de uva em IPVUG e no estado de Santa Catarina: 1990-2011

Fonte: Preparado pelos autores com base em IBGE (2013b).

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Em 1990, a produtividade da produção de uva em Santa Catarina era de 15 toneladas por hectare, mas em 2011, era de 13,5 toneladas por hectare, ou seja, uma queda 11% no período. Cabe destacar que alguns períodos registraram quedas maiores, por exemplo, em 1996, a queda na produtividade alcançou 61% daquela verificada em 1990. No entanto, a produtividade da IPVUG em 1990, era de 11,6 toneladas por hectare, mas em 2011, a região registrou uma produtividade de 17,5 toneladas por hectare, um aumento de 34% em relação a 1990. Daqueles produtores que notaram mudanças na produtividade, sete deles relataram que houve aumento na produtividade, mas três relataram que houve queda. Essa percepção do aumento ou redução na produtividade é coerente com as informações divulgadas pela Pesquisa Agrícola Municipal do IBGE, que mostra uma grande variabilidade na produtividade média registrada na produção de uva na região, como destacado anteriormente, superior a variabilidade estadual. Desse modo, o que explicaria essa variabilidade na produtividade de uva na IPVUG? Segundo as informações repassadas pelos produtores, os fatores que podem explicar a queda ou aumento da produtividade, ou seja, a variabilidade, destacam-se: influência do clima, manejo ou manutenção do parreiral, melhoramento da qualidade da uva, técnicas para antecipar possíveis ações climatológicas, manejo da poda com auxílio das técnicas apresentadas pela Epagri, desenvolvimento do parreiral. A influência do clima na variabilidade da produtividade foi percebida por quatro produtores, com destaque para o fato de que três deles informaram queda na produtividade. Ainda, segundo os resultados da pesquisa, quando perguntado aos vinicultores e vitivinicultores sobre a sua percepção desde o início do cultivo de uva, se havia notado mudanças na qualidade da uva, metade dos entrevistados responderam que sim e metade que não (somente 15 entrevistados responderam), conforme demonstrado no Gráfico 6.

Gráfico 6: Percepção dos vinicultores e vitivinicultores na sua percepção com relação a qualidade da uva

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Fonte: elaborado pelos autores a partir dos dados coletados nas entrevistas.

No caso da qualidade da uva, a verificação com informações de outras regiões ou do Estado de Santa Catarina é mais complicado, em função da falta de padrão e mesmo de informações sobre a qualidade da uva em âmbito regional e local. Cabe destacar ainda que, dentre os produtores que responderam “sim” (8 no total), quando questionados se a qualidade de uva melhorou, sete deles confirmaram que sim. O interessante é que os fatores elencados para essa melhoria está o clima que se mostrou favorável, embora não seja possível saber se foi em função da melhor distribuição de chuvas, variabilidade da temperatura média entre outros. Os produtores ainda informaram outros fatores que podem explicar o aumento na qualidade da uva além do clima favorável, a saber: manutenção no parreiral, orientações técnicas, auxílio da Epagri, investimento em tecnologia, estação meteorológica, idade do parreiral.

CONSIDERAÇÕES FINAIS A união entre a tradição do conhecimento dos imigrantes italianos da região delimitada pela Indicação Vales da Uva Goethe, no sul de Santa Catarina - Brasil, 19

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permitiu a produção de um vinho diferenciado, com identidade própria da uva Goethe. Para alcançar maior reconhecimento nacional, os produtores da Região de Urussanga se associaram e criaram a PROGOETHE. A pesquisa foi realizada com a aplicação de um questionário a dezoito produtores de uva e vinho da região de Indicação de Procedência “Vales da Uva Goethe”, localizada no sul do Estado de Santa Catarina, cujo objetivo foi o de identificar alterações na produção, na produtividade e na qualidade da uva cultivada na região. Destaca-se que o levantamento das informações teve por objetivo obter apenas as percepções dos produtores quanto às variações na produção sem a menção explícita, por parte dos pesquisadores, sobre os efeitos da mudança climática na região ou no cultivo agrícola. As informações obtidas na aplicação dos questionários foram analisadas a luz dos prognósticos sobre os efeitos das mudanças climáticas. Embora ainda em estágio preliminar, esse estudo pode verificar que existe sim uma percepção por parte dos produtores de uva e vinho da IPVUG quanto a variações na produtividade e na qualidade da uva, e que esta variabilidade pode estar relacionada aos efeitos das mudanças climáticas na região. Desse modo, esses resultados indicam a necessidade de um aprofundamento no estudo para levantar mais elementos que possam subsidiar a definição de novas práticas de manejo, de políticas para a região entre outras ações que se façam necessárias para manutenção da atividade.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS BUAINAIN, A.M.; BATALHA, O. Cadeia produtiva de frutas. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Secretaria de Política Agrícola, Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura; Antônio Márcio Buainain e Mário Otávio Batalha (coordenadores). – Brasília: IICA, MAPA/SPA, 2007 (B) (Agronegócios; v. 7) COMMON, M.; STAGL, S. Ecological economics: an introduction. Cambridge University Press, New York, 2005. COMUNE, A. E. Meio ambiente, economia e economistas: uma breve discussão. In: May, P. H. & Seroa da Motta, R. (orgs.). Valorando a natureza: análise econômica para o desenvolvimento sustentável. Editora Campus, São Paulo, p. 45-59, 1994.

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