\" Autores populistas\": epistemologia e teoria da história na crítica ao conceito de populismo 1

May 21, 2017 | Autor: Wesley Carvalho | Categoria: Revisionismo, Populismo, Historiografía, Trabalhismo
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"Autores populistas": epistemologia e teoria da história na crítica ao
conceito de populismo[1]


Resumo: Mais do que o tradicional conceito de populismo ou a
realidade histórica a que este se refere, o objeto deste texto é o
pensamento da corrente revisionista que lhe pretende ser superação. Tomarei
como expoentes os autores Jorge Ferreira e Daniel Aarão Reis, os quais,
ainda que tenham formulações distintas, comungam de perspectivas
fundamentais. Observarei como sua caracterização e diagnóstico do
populismo, bem como a solução apresentada para o suposto imbróglio, contém,
antes de insuficiências empíricas, pressupostos problemáticos para a
abordagem histórica: encerram concepção subjetivista e idealista, a serem
demonstradas. O resultado mais destacado é uma leitura mistificadora sobre
a situação política de dominação em que se encontra a classe trabalhadora
em sociedades burguesas. Uma vez que no centro da discussão revisionista
estariam os preconceitos políticos marxistas dos "autores populistas",
trago também ao debate uma reflexão sobre o historiador (revisionista)
enquanto sujeito do conhecimento e seu sentido invariavelmente político.

Palavras-chave: classe trabalhadora; Estado; populismo.


Summary: The subject of this study, more than the concept of populism
or the reality it refers, is the historiographical approach that criticizes
it. As representative of this tendency, we have the authors Jorge Ferreira
e Daniel Aarão Reis, who we will name here as "revisionists". Although they
have different formulations, they share common prepositions, which are
fundamental. Our attention here will be concentrated on theorical issues,
and not on the empirical failures of their compreension. This study will
show that their caracterization of populism, as well as the solution
presented to supposed problems, means the promotion of subjectivist and
idealist conceptions of history. As onde of the main results, we have a
mistifying compreension of the political opressive situation of the working
class on burgeois societies. Once the revisionistas assume that the
"populists authors" have marxists prejudgements, this study will bring
epistemological considerations on the political sense of historical
knowledge.


Key words: working class; State; populism


É a partir de seu objeto de crítica que os autores em questão definem
suas perspectivas e justificam seu trabalho historiográfico. Assim, o
primeiro passo desta análise é observar o que é o conceito de populismo
segundo o revisionismo. Há um certo número de sentidos, mas a questão pode
ser sumarizada: o populismo significaria um controle e dominação estatais
de proporções quase absolutas diante de uma sociedade tomada como
vitimizada e débil; significaria que os governantes detém as "razões de
todo o processo", que ditam os rumos da história para uma sociedade
inconsciente de seus interesses. De forma mais precisa, a leitura de
populismo se concentraria na ideia de "manipulação", a qual seria a
"problemática nuclear", a "ideia básica"[2] dos "autores populistas"[3].
"Manipulação" seria quase um sinônimo do conceito.
Notemos primeiramente uma arbitrariedade na apresentação (ou
construção) do objeto da crítica revisionista. Os autores que fizeram uso
do conceito, muitos e variados que são, sem dúvida se filiam alguns na
caracterização apresentada. Mas um breve acesso a um dos principais
referenciais dessa tradição no Brasil, e alvo privilegiado dos
revisionistas, Francisco Weffort, é suficiente para desautorizar o
enquadramento proposto, tanto no que concerne à eleição da "manipulação"
como categoria absoluta e chave no conceito, quanto pela sua generalização.
Se para o sociólogo uspiano a "manipulação" é central e por vezes soa
reducionista, é importante trazer a primeiro plano que a sua compreensão
contempla a complexidade das experiências históricas e os seus múltiplos
sentidos. Assim, o populismo também é, por exemplo, um modo de expressão
das insatisfações das classes populares e um mecanismo através do qual a
estrutura de poder entre Estado e classe trabalhadora é constantemente
ameaçada. E ainda que colocado como manipulação de massas, não deixa o
autor de advertir que essa ideia deveria ser relativizada, evitando o
entendimento de uma "espécie de aberração da história alimentada pela
emocionalidade das massas e pela falta de princípios dos líderes."[4].
Nesse mesmo sentido, sublinhamos que, para Weffort, "aliança" (termo que os
revisionistas reivindicam) também poderia expressar o conceito[5].
Levanto estas formulações, que são mais do que nuances do pensamento
do sociólogo, não para protegê-lo de uma redução à caricatura, posição a
que não raro são submetidos pensadores que se tornam alvos prioritários, ou
bodes expiatórios, de novas tendências. Também não é o principal intuito
aqui confrontá-lo com as perspectivas mais atuais, o que exigiria uma
exposição não superficial do autor. Antes, esta apreciação é importante por
ser sintomática da articulação revisionista, conforme pretendo demonstrar.
É interessante, assim, que Jorge Ferreira, expondo a "ambiguidade"
presente em Weffort não a apresenta senão como uma esquizofrenia
argumentativa[6]. Isto porque, na forma de pensar de Ferreira, o elemento
"satisfação" dos trabalhadores, ou a idéia de "interlocução", seriam
incompatíveis e estariam sempre em oposição à de "manipulação" ou
dominação[7]. Os dois opostos estariam em extremidades diferentes de uma
balança, de forma que se um pesa mais, o outro necessariamente pesa menos.
A chamada "ambiguidade" em Weffort seria então uma contradição, mas não no
sentido dialético contemplador de uma complexidade do real, e sim como erro
de leitura do sociólogo. Diante do quadro, Ferreira lamenta então que
Weffort, tendo aberto duas possibilidades de compreensão, tenha frutificado
apenas a negativa: ou seja, não aquela que apontava para uma "aliança", mas
a que consolidou a "manipulação".
É este mesmo raciocínio que conduzirá Ferreira a uma rejeição a
Gramsci, associando-o a um retrocesso no conceito de populismo de Weffort,
pois significaria "imposição de dominação"[8] onde a "satisfação" da classe
trabalhadora não teria lugar teórico senão como efeito de persuasão. Mas
isto foi feito às custas de um desvirtuamento do intelectual sardo,
conforme já explicou Mattos, pois para Gramsci, as relações de dominação
numa sociedade complexa, implicam concessões da(s) classe(s) dominante(s)
aos trabalhadores, o que não significa que a dominação deixe de se efetivar
ou que, através do Estado, seja possível atender aos interesses
fundamentais da classe trabalhadora, pois as concessões têm limites reais
muito claros.
Ou seja, a teoria do populismo, engendrada por Weffort e ancorada em
Gramsci, excede em muito a caracterização de mestre (Estado, líder) e
marionete (sociedade, trabalhadores-termos que por vezes são entendidos
como sinônimos). O revisionismo procura colapsá-la nas intencionalidades
maquiavélicas dos atores históricos, o que é apenas uma reprodução de um
entendimento mais ordinário e jornalesco do termo e uma construção que lhe
permite um descarte rápido. Note-se, portanto, que o conceito é forçado em
um sentido subjetivista (mesmo quando atribuído ao Estado, que é algo mais
abstrato) que não representa o pensamento de seus principais formuladores.
Diante da catástrofe historiográfica (e, como veremos, política) que
seria o conceito de populismo, a solução teórica e empírica apresentada
pelo revisionismo tomará dois caminhos que compartilham o mesmo caráter do
diagnóstico. O primeiro, de expressão bem menor em seus trabalhos, seria
apontar que as lideranças ou o Estado não eram engabeladores e
manipuladores mal-intencionados. A figura principal nesse sentido é João
Goulart, entendido como genuinamente comprometido na construção do Estado
de Bem-Estar Social e no atendimento das questões trabalhistas que lhe
chegavam. Assim, emblematicamente, um dos capítulos de Ferreira dedicado a,
como sempre, golpear o velho conceito, tem por título "O ministro que
conversava: João Goulart no Ministério do Trabalho". Ali, Ferreira aponta
qualidades pessoais do então ministro, como sua acessibilidade e paciência
"interminável". Muito embora tenha sido uma figura centralizadora no PTB,
sua determinação e entrega para a resolução dos interesses dos
trabalhadores marcaram uma profunda "inovação" na política brasileira, o
que lhe evidenciaria o caráter profundamente democrático da reinvenção da
tradição trabalhista iniciada por Marcondes Filho.
Certamente, características pessoais e ações individuais tem
eventualmente peso explicativo e não devem ser desmerecidas pelo
historiador da política. Mas para a continuidade da nossa argumentação, não
é necessário que entremos no mérito da generosidade de Goulart para com sua
causa trabalhista, seus enfrentamentos contra a burguesia, sua utopia de um
"capitalismo sadio", etc. O interessante é apontar a problemática operação
teórica do revisionismo. O paragrafo transcrito abaixo é especialmente
notável:

"Em diversas interpretações, ele [João Goulart]
teria patrocinado uma espécie de jogo duplo, em que a
integração dos trabalhadores na vida política do país foi
simultaneamente acompanhada pela cooptação estatal. Como é
comum dizer, tratar-se-ia da astúcia típica dos políticos
populistas: a cada ponto nas concessões aos assalariados
haveria o nó do controle político sobre eles. Embora, esta
interpretação, de tão difundida, seja aceita praticamente
sem questionamentos, é possível pensar de outra maneira.
Mobilizar o movimento sindical, incentivar as lideranças
autênticas dos operários, aproximar-se das esquerdas e
patrocinar a participação dos trabalhadores nos negócios
do Estado necessariamente não se anulavam ou entravam em
contradição, com a política de cooptação, de distribuição
de empregos e de práticas fisiológicas. Para compreender o
sucesso do trabalhismo na política brasileira seria
contraproducente elogiar uma dessas dimensões e lamentar a
outra – ou denunciar o suposto jogo duplo. Como lembra
Maria Celina D'Araújo, "o nacionalismo no PTB não foi
incompatível com o empreguismo, nem o reformismo foi
antítese de clientelismo ou de atrelamento ao Estado. Ao
contrário, foi bem-sucedido no partido e nas urnas quem
conseguiu unir essas estratégias."[9]

Ou seja, ainda que o empreguismo perpetrado por João Goulart exerça
cooptação e tenha sentido (Ferreira não usou a palavra) corporativista, a
pureza dos intentos de esquerda do ministro é preservada. Ou seja, o
conceito de populismo, que para Ferreira entenderia um político astuto
fazendo concessões para os trabalhadores para lhes exercer controle, não
vale porque...João Goulart simplesmente não é esse político!
É de mesmíssima natureza a segunda resposta do revisionismo ao erro
que o conceito de populismo significaria: assim como Jõao Goulart não
manipulava, a classe trabalhadora não era enganada em seus interesses. É
sobretudo neste ponto que o revisionismo clama ter trazido contribuição
empírica suficiente para soterrar a velha e supostamente hegemônica forma
de pensar a política daquele período. Observando principalmente o que seria
a "cultura" da classe trabalhadora, seus valores e tradições, o
revisionismo chegou à conclusão de que ela participou ativamente da
política brasileira, que "identificou interesses comuns com o Estado". O
grande projeto político estatal implementado, chamado de "trabalhismo" ou
"nacional-estatismo", não era exterior à classe, mas uma profunda expressão
sua. Dessa forma, como argumento contra o populismo, Aarão coloca que o
nacional-estatismo seria tradição enraizada na sociedade brasileira e,
inclusive, persistente até os dias atuais. Tal seria a feição que o Partido
dos Trabalhadores foi assumindo por se popularizar, e teria sido justamente
este um dos motivos pelo qual o partido sobreviveu ao escândalo do mensalão
e cresceu na eleição posterior[10]. O caminho para se solucionar o
imbróglio argumentativo que é o populismo seria, então, observar as ações
da classe trabalhadora e o que esta pensava e tal estudo apenas revelaria
que o trabalhismo foi por ela acolhido e construído, "muitas vezes de forma
subordinada, mas sempre de maneira consciente e entusiasmada"[11]. Ao
contrário do que clamaria o populismo, a sociedade brasileira, e não um
Estado burguês super-poderoso, teria construído sua própria história.[12]
Mesmo em regimes totalitários, seria um erro pensar que a sociedade não
tivesse gerência sobre as questões políticas e delas não participasse de
forma ativa[13].
Este engajamento acadêmico na valorização positiva do período tomará
dimensões ainda maiores na obra de Jorge Ferreira, cuja apologia não terá
muitas mediações. O autor procurou mostrar, por exemplo, o alto grau de
popularidade de Getúlio Vargas, ao reunir vários registros que manifestam a
gratidão, o louvor, o amor e o apoio dos trabalhadores ao Pai dos Pobres.
Pretende evidenciar, assim, que os trabalhadores estavam engajados no
projeto varguista e encontravam no e com o Estado seus interesses. Em texto
sobre o período 1946-1964, o autor exalta as virtudes amplamente
democráticas que teriam vivenciado os trabalhadores e a consequente torpeza
do conceito de populismo, "que desqualifica a sociedade brasileira para o
exercício da democracia". Nesse período os partidos seriam identificados
com o eleitorado, que era "emancipado politicamente" e, diante de uma
imprensa plural, formava sua "própria opinião"[14]. Neste texto, é
especialmente notável que o fato de o Partido Comunista ter sido lançado à
ilegalidade não constitua mancha consistente à democracia. E para tal
consideração, o historiador usa um argumento inusitado: nos EUA, "a maior
democracia ocidental", os comunistas também foram perseguidos. O mesmo se
deu na Alemanha e como "nem por isso tais países foram considerados como
não democráticos", o Brasil também deveria estar ausente de uma
caracterização negativa. Elementos como estrutura sindical corporativista e
polícia política, criados na ditadura e mantidas nesse período, não tomam
relevância na caracterização de Ferreira.
Em outros momentos não se deixará de lembrar a repressão aos
trabalhadores cujos projetos se desviavam do hegemônico. Porém, se a
violência estatal é reconhecida, o é apenas enquanto existente mas não
incorporada de forma mais fundamental à compreensão histórica. Tendo como
tarefa primordial dizer que os trabalhadores se realizaram politicamente, e
que com o Estado concordavam e se aliavam, os revisionistas tomam a
exclusão e a repressão física como aspectos laterais. Talvez porque a
violência estivesse destinada apenas a uma parcela minoritária da classe
trabalhadora, pois, e lembremos que essa é a principal mensagem
revisionista, a maioria da população estava de forma "consciente e
entusiasmada" participando do projeto e da relação política que vigoravam.
Esta visão sobre a classe é contestável empiricamente. A alteração
do status de não-sujeito da classe trabalhadora foi preocupação de uma
série de estudos que surgiram a partir dos anos 80 sem que se gerasse uma
síntese conciliatória e harmônica da sociedade. Neste curto espaço,
entretanto, deixemos essa questão de lado para observarmos o significado
epistemológico da crítica revisionista.
O que prejudicaria a análise dos "autores populistas"? Ou seja, o que
os impediria de ver a tão "evidente" e fartamente documentada verdade de
que os trabalhadores em tão grande medida tinham comunhão com a situação
estabelecida? A resposta está nos engajamentos políticos dos "autores
populistas", cujos preceitos distorceriam a leitura da classe trabalhadora
e, consequentemente, da história brasileira. Assim, nas palavras de Aarão,
em Ianni estariam subjacentes as referências de um certo marxismo-
leninismo, segundo o qual os trabalhadores apenas agem conscientemente ou,
em outras palavras, somente se constituem como classe quando formulam
propostas socialistas revolucionárias. Enquanto, se isto não ocorre, são
massa, instrumentos de outra classes, estas sim, conscientes de seus
interesses."[15]. Os "autores populistas", assim como os revolucionários
históricos, acreditam que os trabalhadores encarnam, por destinação
histórica, um ser revolucionário e, quando este ser não se concretizasse,
caberia explicar o por quê[16]. O conceito seria, então, uma recusa da
realidade da classe trabalhadora baseado em preceitos políticos de seus
autores. O sujeito do conhecimento estaria inflado diante de seu objeto e
desvirtuando a realidade social para que se encaixe em seu modelo - algo
próprio do marxismo que suporia um modelo de classe trabalhadora com
determinada consciência[17]. Então, caberia perguntar "Como é que uma
classe considerada a mais revolucionaria do mundo, destinada emancipar a
humanidade, pode ser assim tão estúpida para votar sempre em traidores,
algo está errado nesse arcabouço teórico."[18] Uma vez que os "autores
populistas" lamentavam um "maldito atraso" na configuração política da
classe trabalhadora, Aarão pergunta "em que livros sagrados, em que desvãos
da história, estavam guardadas as perspectivas da classe operária?"[19].
Assim, arrogando-se saber melhor dos interesses dos trabalhadores que
os próprios, os "autores populistas" incorreriam em um paternalismo, e
ameaçariam a própria democracia. Ora, os revisionistas nunca deixam de
lembrar que o conceito de populismo sempre contribuiria para "articulação
de forças obscuras e reacionárias"[20].
Esta problemática que o revisionismo levanta seria solucionada, como
já vimos, pela abordagem da classe trabalhadora como sujeito. Entretanto,
como também já sublinhei, este foi interesse também de perspectivas
historiográficas que entendiam os trabalhadores em uma posição de
subalternos e dominados. Cabe-nos observar melhor, então, o que significa,
no pensamento reivisionista, essa classe entendida "a partir de si própria"
e sua relação com o sujeito do conhecimento. Pois, se os "autores
populistas", enquanto cognoscentes, foram acusados em seus "marxismos",
"leninismos" e "revolucionarismos", os revisionistas não puseram a si
próprios em problematização.
Talvez, essa ausência se dê por uma negativização da ontologia,
entendida sobretudo como construção autoral, artificial. Como sublinha
Demian Melo, em Congresso realizado em 2004, os revisionistas buscaram
"apresentar-se como pesquisadores "distanciados", não envolvidos nas
paixões políticas que supostamente impediriam uma maior objetividade na
análise". (Melo, 2006, p.114). Neste sentido, Ferreira, que coloca a mesma
característica na apresentação de sua recente biografia sobre João Goulart,
busca abrigo teórico em Geertz, afirmando que são as próprias sociedades
que devem fornecer os termos de sua explicação[21]. Parece-me, então, que o
movimento desse afã revisionista, de opor a verdade do objeto ao
preconceito político, seja a interdição do historiador (e não somente do
"autor populista") para que a única voz autorizada seja a da classe
trabalhadora que se estuda (sempre, conforme já indicado, questionavelmente
selecionada). Com isso, todo o mundo (passado) que o historiador pretende
conhecer seria eclipsado pela dimensão de expressões e representações do
objeto que é a classe trabalhadora. Chega-se assim a um contorcionismo
positivista: o historiador revisionista se esconde atrás da classe
trabalhadora como se ele próprio não fosse sujeito do conhecimento, e
apenas dali, disfarçadamente, fornece os sentidos e valores que atribui à
própria história. Temos estabelecido, portanto, um profundo limite à
compreensão das dinâmicas sociais que estejam além das performances
individuais (ainda que tomadas em conjunto), e de seus entendimentos. A
questão foi formulada por Jorge Ferreira em uma frase que expressa muito
claramente sua reflexão forçando-a ao limite: "Compreendido como um
conjunto de experiências políticas, econômicas, sociais, ideológicas e
culturais, o trabalhismo expressou uma consciência de classe, legítima
porque histórica"[22]
Podemos desdobrar um questionamento lógico aqui: se histórico também
foi o nazismo, e também como "um conjunto de experiências políticas,
econômicas, sociais, ideológicas e culturais", acaso teria expressado uma
consciência de classe também "legítima"? Dado o conjunto do quadro teórico
do revisionismo, a pergunta não tem fundo sofista e impõe a necessidade de
reflexão sobre a marca política que o historiador invariavelmente imprime
em sua produção.
É curioso, então, que ao tentar "resolver" politicamente a situação
da classe trabalhadora diante do Estado, pela sua "dinâmica própria" ou
através dos olhares e sensibilidades dos atores históricos[23], o
revisionismo

"acabe por enredar-se na mesma polarização política
da época, embora no pólo oposto, ao defender abertamente
os argumentos usados pelos "acusados" de populistas, ou
seja, de que na verdade eram legítimas lideranças
populares e progressistas, acusados por uma elite
conservadora que não se conformava com a entrada dos
trabalhadores na cena política"[24]

Assim, se o (autor) populista é sempre o "adversário", o "Outro" e
nunca o "Mesmo"[25], talvez o revisionismo possa receber sua própria
mensagem de forma invertida.


BIBLIOGRAFIA
FERREIRA, Jorge. "Apresentação" IN: Revista Tempo. Vol. 14. Número 28.
Niterói: EdUFF, 2010
_____________-. O imaginário trabalhista: getulismo, PTB e cultura política
popular 1945-1964. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2005.
_____________. "O nome e a coisa: o populismo na política brasileira" IN:
FERREIRA, Jorge (org.) O Populismo e sua História: debate e crítica. Rio de
Janeiro, Civilização Brasileira, 2001
MATTOS, Marcelo. Domesticação e estigmatização de dois marxistas: Thompson
e Gramsci no debate historiográfico brasileiro recente sobre o populismo.
Não publicado
______________. "Os historiadores e os operários: um balanço" IN Greves e
repressão policial ao sindicalismo carioca. Rio de Janeiro: APERJ/FAPERJ,
2003
MELO, Demian. "A miséria da historiografia." Outubro, n.14.,2006.
REIS, Daniel Aarão. "O colapso do colapso do populismo" IN: FERREIRA, Jorge
(org.) O populismo e sua história: debate e crítica. Rio de Janeiro.
Civilização Brasileira, 2001.
___________. "Estado e Trabalhadores: o populismo em questão". IN: Locus.
Revista de História.v.13, n.12. Juiz de Fora, 2007
WEFFORT, Francisco O Populismo na Política Brasileira. Rio de Janeiro. Paz
e Terra, 1980



-----------------------
[1] Wesley Rodrigues de Carvalho. Mestrando em História (PPGH-UFF/ CNPQ)
[2] REIS, Daniel Aarão. "Estado e Trabalhadores: o populismo em questão".
IN: Locus. Revista de História.v.13, n.12. Juiz de Fora, 2007. p. 99 e 96.
[3] A expressão é de Aarão (2007), que assim se refere jocosamente aos que
fazem uso do conceito.
[4] WEFFORT, Francisco O Populismo na Política Brasileira. Rio de Janeiro.
Paz e Terra, 1980. p. 62-3
[5] Idem. p.75-6
[6] FERREIRA, Jorge. "O nome e a coisa: o populismo na política brasileira"
IN: FERREIRA, Jorge (org.) O Populismo e sua História: debate e crítica.
Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2001. p. 77-9

[7] Idem. P. 79 e 85-6.
[8]A expressão é de Mattos, autor crítico da tendência revisionista.
MATTOS, Marcelo. Domesticação e estigmatização de dois marxistas:
Thompson e Gramsci no debate historiográfico brasileiro recente sobre o
populismo. Não publicado

[9]FERREIRA, Jorge. O imaginário trabalhista: getulismo, PTB e cultura
política popular 1945-1964. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2005.
p.111

[10] Reis, op. cit. p. 107
[11] REIS, Daniel Aarão. "O colapso do colapso do populismo" IN: FERREIRA,
Jorge (org.) O populismo e sua história: debate e crítica. Rio de Janeiro.
Civilização Brasileira, 2001.
[12] Reis, 2007, op. cit.
[13] Ferreira, 2001, op. cit.
[14] FERREIRA, Jorge. "Apresentação" IN: Revista Tempo. Vol. 14. Número 28.
Niterói: EdUFF, 2010

[15] Aarão, 2001, p. 353-4
[16] Aarão, 2007, p.92
[17] Ferreira, 2001,p.62
[18] Aarão, 2007, p.107 . Ver também: Ferreira, 2001, p. 97
[19] Aarão, 2001, p. 373
[20] Aarão, 2007,p.108
[21] Ferreira, 2005, p.26
[22] Ferreira, 2001.
[23] Ferreira, 2005, p. 15
[24] MATTOS, Marcelo Badaró. "Os historiadores e os operários: um balanço"
IN Greves e repressão policial ao sindicalismo carioca. Rio de Janeiro:
APERJ/FAPERJ, 2003
[25] Ferreira, 2001, p.124
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