Decisão política, riscos e peritagem tecnocientífica: o caso do plantio da cana de açúcar no Pantanal, Amazônia e Bacia do Alto Paraguai

July 26, 2017 | Autor: Déberson Jesus | Categoria: Political Sociology, Political Science, Environmental Sustainability
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Encontro Internacional Participação, Democracia e Políticas Públicas: aproximando agendas e agentes. 23 a 25 de abril de 2013, UNESP, Araraquara (SP)

A decisão política e a peritagem tecnocientífica: O caso do plantio da cana de açúcar na Amazônia, Pantanal e Bacia do Alto Paraguai.1

DÉBERSON FERREIRA JESUS2 - UFMT/UFSC

Resumo: O trabalho é resultado de uma pesquisa sobre a controvérsia que se estabeleceu em torno da proibição do plantio da cana-de-açúcar na Amazônia, Pantanal e Bacia do Alto Paraguai, na publicação do ZAE Cana. Preocupou-se em entender o modo como o conflito socioambiental foi definido, articulado, debatido e acionados pelos atores políticos e sociais. Analisa-se o processo de tomada de decisão e peritagem que envolveu a proibição no âmbito da sociedade de risco e das controvérsias tecnocientíficas. Os resultados permitem afirmar que a decisão política de proibir a plantação da cana-de-açúcar foi tomada anteriormente e independente do conhecimento técnico e científico, sendo reservado aos peritos um papel coadjuvante na controvérsia. Visualiza-se que apesar da decisão estritamente política de proibir, o ZAE Cana foi um documento “técnico” elaborado por peritos visando subsidiar e apoiar a decisão política.

Palavras Chave: Cana-de-açúcar. Controvérsia Tecnocientífica. Decisão política. Riscos.

1

Este trabalho é parte da monografia desenvolvida pelo autor sob a orientação do Prof. Dr. Joel Paese no curso de Ciências Sociais da Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT. 2 Bacharel e Licenciado em Ciências Sociais pela UFMT e Mestrando em Sociologia Política na Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC.

INTRODUÇÃO

se também o domínio da incerteza. O atual estágio da modernidade reflete as insuficiências e conse-

A crise ambiental ofereceu ao mundo nos últimos 40 anos uma crítica à degradação ambiental gerada pelo progresso econômico, e de forma mais generalizada pela racionalidade da modernidade. Produzir reflexões relevantes para entender problemas relacionados à inter-relação entre homem e meio ambiente, neste caso, uma arena de conflitos socioambientais faz com que este trabalho situe-se dentro dos fundamentos da sociologia ambiental. A forma com que os atores políticos interagem e pensam o meio-ambiente no plano simbólico, e suas interpretações e argumentações e suas condições subjetivas é o ponto de partida desta investigação no campo da sociologia do risco. A aplicação de métodos e técnicas de análise e avaliação de riscos pelos peritos, a cada dia ocupa mais espaço no cenário mundial. Com o objetivo de embasar a tomada de decisões pelos agentes políticos e administrativos, de forma a minimizar ou prevenir dos mais variados tipos. A realidade na sociedade contemporânea que Beck (1997, 2010) e Giddens (1991, 1997, 2010) vão conceituar enquanto sociedade de risco é marcada pelos conflitos e controvérsias socioambientais, intrinsecamente envoltas ás discussões de defesa da humanidade, do planeta, e das futuras gerações. Neste contexto, diferentes atores tomam parte no conflito e controvérsia, tentando fazer valer seus objetivos, deixando transparecer suas vinculações entre os distintos posicionamentos. Para Ulrich Beck (2010) o processo de industrialização é indissociável do processo de produção de riscos, uma vez que são causa e conseqüência, pois ao ampliar o domínio do conhecimento amplia-

qüências do processo histórico das revoluções industriais e suas estratégias de acumulação de riqueza, bem como a realidade dos riscos globais, ecológicos, ambientais, políticos, econômicos e sociais diretamente conexos. Beck (1997, p. 17) afirma que “no sentido de uma teoria social e de um diagnóstico de cultura, o conceito de sociedade de risco designa um estágio da modernidade em que começam a tomar corpo às ameaças produzidas até então no caminho da sociedade industrial." Nesse debate há opiniões controversas entre cientistas que tratam do mesmo fenômeno, onde com vários argumentos científicos defendem que: a utilização de novas técnicas, tecnologias ou atividades não importam risco nenhum, ou os riscos podem ser controlados; Paralelamente, pode-se escutar de outros componentes da comunidade científica advertindo, com inúmeras razões e argumentos: os perigos irreversíveis que a utilização de novas técnicas, tecnologias ou atividades podem importar para a agricultura, os seres humanos, as futuras gerações e os ecossistemas. Assim, a partir da análise desta controvérsia técnico-científica específica, podem-se analisar os pontos de interação entre os vários atores sociais e políticos com a ciência e com suas estratégias para interferir na tomada de decisão, permitindo-nos a observação da fundamentação argumentativa dos atores na arena da subpolítica. Os atores envolvidos na controvérsia em análise representam duas posições antagônicas, ou duas redes de alianças, determinantes no processo político. De um lado há uma rede de atores políticos favoráveis e do outro, contrá-

rios a proibição do plantio da cana-de-açúcar no Pan-

peritos são coadjuvantes na arena política e não pro-

tanal, Amazônia e Bacia do Alto Paraguai (BAP).

tagonistas como os discursos em meio à controvér-

Assim tem-se adiante que o discurso dos usineiros

sia o impingem.

3

de São Paulo, capitaneados pela ÚNICA é paralelo ao dos movimentos ambientalistas de Mato Grosso.

Confirma-se o conceito de Roqueplo (1993) de “expertise confiscada”, pois os peritos foram con-

Metodologicamente a pesquisa é explicativa

vocados pelos decisores não com a função de ali-

no que consiste à aplicação do referencial teórico ao

cerçar cientificamente as escolhas políticas, mas

objeto pesquisado, exploratória para proporcionar

para a legitimação de decisões políticas já tomadas

maior familiaridade com o problema com vistas a

ou planejadas.

torná-lo explícito e descritivo para a identificação e

Corrobora-se a tese de Paese (2007, 2009)

compreensão das ações e processos. (LAKATOS;

de que cientistas e não-cientistas baseiam seus posi-

MARCONI, 2009)

cionamentos em uma retórica estruturada sobre as

O objetivo geral do trabalho é analisar o pro-

mesmas bases argumentativas. Assim como, em

cesso de tomada de decisão política e peritagem que

meio à controvérsia, os atores políticos em debate

envolveu a proibição do plantio da cana-de-açúcar na

utilizam-se do discurso científico para legitimar suas

Amazônia, Pantanal e BAP no âmbito da sociedade

posições, o que converte a ciência, nas controvérsias

de risco e das controvérsias tecnocientíficas.

tecnocientíficas, em instrumento de luta política.

Avaliam-se as hipóteses de que a complexidade tecnocientífica impele as instâncias políticoadministrativas a recorrerem à peritagem científica,

Riscos, decisão política, individualização reflexiva e subpolítica

animadas pela ideia de que o valor e o estatuto social

Esta reflexão tem como baluarte o referencial

da ciência permitirão fundamentar e legitimar as de-

teórico da sociedade de risco desenvolvido a partir

cisões políticas orientadas por valores. Bem como, a

das contribuições de Ulrich Beck (1997, 2010) e An-

posição do perito não pode ser entendida sem refe-

thony Giddens (1991, 1997, 2010). O tema risco

rência ao contexto da sua convocação, da ligação à

torna-se o centro da teoria social, pois os autores

decisão política e dos interesses políticos indexados

defendem que os riscos ambientais e tecnológicos

a essa finalidade.

de graves conseqüências constituem-se, a partir do

Outra hipótese que se busca testar é que a

acidente de Chernobyl – 1986, no conceito-chave

decisão política de proibir a plantação da cana-de-

para compreender os processos sociais em curso na

açúcar foi tomada anteriormente e independente do

atual sociedade contemporânea. Conforme esclare-

conhecimento técnico e científico.4 Desta forma os

ce Guivant (1998, p.3):

3

União da Indústria de Cana-de-Açúcar (UNICA) é a maior organização representativa do setor de açúcar e bioetanol do Brasil. Sua criação, em 1997, resultou da fusão de diversas organizações setoriais do estado de São Paulo. 4 Ver PAESE, 2007.

O conceito de risco passou a ocupar um lugar central na teoria social. Dois dos mais importantes e influentes teóricos sociais contemporâneos, Ulrich Beck e Anthony Giddens, contribuíram, decisiva-

3

mente, para isto, ao considerarem os riscos, em especial os ambientais e tecnológicos de graves conseqüências, como chaves para entender as características, os limites e transformações do projeto histórico da modernidade. Discutindo o caráter daqueles riscos, Beck e Giddens passaram a dar nova luz a questões referentes aos conflitos sociais, as relações entre leigos e peritos, ao papel da ciência e formas de fazer e definir a política. Ambos os teóricos, ainda que com abordagens que mantêm diferenças, coincidem em propor que o conceito de sociedade de risco passe a substituir o de sociedade de classes.

domínio da natureza e construção reflexiva da histó-

Segundo Beck (2010) a sociedade industrial

das sociais e políticas. Reformas que trazem à tona a

é marcada pela distribuição de aspectos positivos

necessidade imperativa de cooperação entre os ato-

(bens de produção; bens de consumo; aspectos de

res políticos públicos e privados envolvidos nas mu-

bem-estar) e pelos perigos que permanecem na

danças. Quaisquer que sejam estas mudanças no

escala natural (tremores, secas) e, portanto, inde-

interior do Estado.

ria.” Já Beck (1997, p.17) evidenciou a sociedade de risco “no sentido de uma teoria social e de um diagnóstico de cultura, o conceito de sociedade de risco designa um estágio da modernidade em que começam a tomar corpo às ameaças produzidas até então no caminho da sociedade industrial”. Atualmente a agenda pública encontra-se repleta de propostas de reformas estruturais visando promover Estado e governo mais eficazes frente à modernização da sociedade e suas novas deman-

pendem das decisões individuais e/ou coletivas e os

Destarte, uma avaliação do processo atual

conflitos do trabalho, que se tornam dependentes de

de decisão política no Brasil, sobretudo em face da

ações individuais e/ou coletivas. Nesse caso, Beck

formulação e implementação de tais decisões em

coloca que os riscos podem ser calculados e conti-

meio às controvérsias tecnocientíficas e participação

dos, pois provêm do processo de produção, como,

dos atores políticos que atuam fora da estrutura polí-

por exemplo, o desemprego, atenuado pelo seguro

tica oficial, ou seja, no âmbito da sub-política, poderá

desemprego.

contribuir para o aperfeiçoamento da própria noção

Porém, com base no conceito de alta mo-

de democracia, participação popular e estrutura polí-

dernidade de Giddens (1997) e segunda modernida-

tica, já que em todos eles é possível identificar a ino-

de ou modernização reflexiva de Beck (1997), a so-

perância de algumas instituições representativas sem

ciedade pós-industrial é marcada pela distribuição de

prejuízo do arcabouço democrático.

aspectos negativos, quais sejam os riscos e as ameaças, sobretudo ambientais.

Neste trabalho para situar a decisão frente aos espaços, utilizam-se dois conceitos da Teoria da

Giddens (1997, p.109) pontua claramente

Decisão Multiobjetivo elaborada por Chankong e

que na alta modernidade a noção de risco é chave,

Haimes (1983 apud TAKAHASHI, 2004). São eles: o

pois “viver no universo da alta modernidade é viver

espaço das decisões políticas e os sujeitos políticos.

num ambiente de opções e riscos, concomitante-

Por espaço das decisões políticas entende-

mente, inevitáveis de um sistema orientado para o

remos o conjunto de todas as possíveis decisões que uma coletividade poderia tomar, a respeito dos 4

assuntos de interesse comum. A instanciação das

uma esfera privada, de responsabilidade e criativida-

possíveis decisões que devem compor o espaço

de científicas, passa a ser objeto de debate do que

depende do problema específico sob análise.

denomina de subpolítica. Nesse sentido, a esfera da

Desta forma, a análise desta controvérsia

subpolítica distingue-se da “política oficial” por envol-

precisa ser feita através de um estudo dos espaços

ver diversos atores sociais que passam a participar

em que os atores políticos interagiram, procurando

do debate público não apenas como agentes coleti-

identificar os diversos interesses envolvidos no pro-

vos, mas também como indivíduos.

cesso decisório, suas alianças e seu peso sobre a decisão final.

Passam a ser sujeitos de análise a partir da modernização reflexiva e abordagem da subpolítica:

Por atores políticos Entendemos que são os

os cidadãos, a esfera pública, os movimentos sociais,

grupos de indivíduos com identidade estrutural no

os grupos especializados e os trabalhadores, bem

processo sob análise, ou seja, indivíduos cujos inte-

como, elementos da “política oficial” (enquanto siste-

resses não apenas coincidem, no sentido de quere-

ma político e atores oficiais do Estado). Pois a subpo-

rem a mesma decisão (eventualmente se aliando em

lítica não termina onde a política começa, onde a

favor dessa decisão), mas que ainda sofrem conse-

ação essencial do poder esta em jogo, a subpolítica é

qüências semelhantes dada a mesma decisão to-

orientada para a estrutura sistêmica da sociedade.

mada, qualquer que seja ela. Definindo dessa forma os sujeitos políticos, excluímos a possibilidade de

Peritagem e Controvérsia Tecnocientífica

definir aliados eventuais como sendo o mesmo sujei-

Nesta análise discuti-se dentro do campo da

to, reservando essa definição para grupos com iden-

tecnociência, as “controvérsias”, que é definida por

tidade de longo prazo, tanto de interesses quanto de

Dascal (1994 apud PAESE, 2007), como pertencen-

visão. Dependendo do processo sob análise, um

te “à “família dos fenômenos discursivos dialógicos

sujeito político pode ser definido de diferentes formas.

polêmicos.” Sua existência pressupõe a relação entre

Assim, os vários indivíduos que compõe uma ONG,

duas pessoas, que empregam uma linguagem e

por exemplo, poderiam ser agrupados em um único

dirigem se uma à outra, confrontando opiniões, ar-

sujeito.

gumentos, teorias etc. Assim, o estudo de controvérPara o entendimento e incorporação dos su-

jeitos da pesquisa, dos atores políticos, adotaremos os conceitos de individualização reflexiva e de subpolítica; Pois subpolítica conforme conceitua Beck (1997) significa “moldar a sociedade de baixo para cima”, pois a sociedade passou a ser um laboratório aberto, fora de controle, e as conseqüências deste processo levam a uma redefinição da forma e dos espaços de fazer política. O que era considerado

sias pode se tornar uma ferramenta importante no entendimento dos conflitos e mudanças sociais. Paese (2007. p. 78) nos elucida que na sociedade de risco, os atores sociais passaram a avaliar criticamente as promessas da era moderna, fundamentadas na aplicação de conhecimento científico e técnico, assumindo diferentes posicionamentos em relação aos impactos das inovações na sociedade e na natureza. Nesse contex-

5

to emergem controvérsias, resultantes dos posicionamentos antagônicos das organizações que representam diferentes grupos sociais com concepções divergentes sobre as mesmas temáticas.

senvolverem políticas públicas na ausência de um acordo comum sobre os riscos potenciais dessas políticas.

Ainda Segundo a autora (1971 apud VELHO

Segundo Paulo Velho e Lea Velho (2002), a

e VELHO, 2002, p. 128), a dinâmica das controvér-

análise das controvérsias técnicas e científicas ga-

sias pode revelar “interesses especiais, preocupa-

nhou destaque nesse contexto, pois é mais fácil iden-

ções relevantes e suposições implícitas dos vários

tificar as influências sociais (interesses e valores)

atores envolvidos”.

sobre o conteúdo do conhecimento em situações de

Importante para esta discussão o conceitos

disputa do que nas de consenso. Assim, a resistên-

de “verdade ajustável” que Sheila Jasanoff (1990

cia dos cientistas à inovação e as lutas entre grupos

apud JERONIMO, 2006) usa para explicar o tipo de

ortodoxos e heterodoxos atuando na ciência e com-

“verdade” fornecido pela peritagem científica. Onde

petindo em um mesmo sistema de recompensas

“as instâncias governamentais e os peritos não po-

científicas passaram a ser um lócus privilegiado para

dem ambicionar mais do que um nível de conheci-

o entendimento da construção do conhecimento

mento que satisfaça os critérios de aceitabilidade

(WEBSTER, 1991).

científica e apoie uma tomada de decisão razoável,

Foi, sobretudo, com Nelkin (1971) e Mazur

assegurando igualmente aos que estão expostos ao

(1973) que começaram a se desenvolver com maior

risco que os seus interesses não foram sacrificados

intensidade os estudos de controvérsias. Esses auto-

no altar de uma certeza científica que é impossível”.

res perceberam que o enfoque permitiria entender a

Para Giddens (1991) esse processo em que

maneira pela qual o status do conhecimento científico

os cientistas tornam se peritos, vindo a público para

dependia de negociações e debates entre as partes

discutir questões antes restritas aos laboratórios, é

interessadas, envolvendo diferentes segmentos da

uma das características da alta modernidade, pois “a

sociedade. (VELHO; VELHO, 2002)

natureza das instituições modernas está profunda-

Segundo a professora Dorothy Nelkin (1971 apud VELHO; VELHO, 2002, p. 128):

mente ligada ao mecanismo de confiança em sistemas abstratos, especialmente confiança em sistemas peritos.” Deste modo, a modernidade é estrutu-

os detalhes das controvérsias podem fornecer a quem as estuda a compreensão do tipo de raciocínio que motiva as agências públicas, agentes do governo, cientistas e grupos de protesto. Esses detalhes podem proporcionar um entendimento realista das políticas de ciência e tecnologia, seu contexto sociopolítico e seus impactos. Eles podem realçar as contradições sociais inerentes de várias decisões na área da ciência e tecnologia e dos problemas de se de-

rada pela confiança atribuída aos sistemas abstratos, sobretudo pela confiança da perícia estabelecida. Há para Beck (1997) dois tipos de ciência, a ciência do laboratório envolvida no mito da precisão e desprovida de experiência e a ciência que traz a discursividade pública da experiência, de maneira controversa resultados, métodos, restrições e meios. 6

Esta segunda é a ciência característica da sociedade

colhas políticas, mas para a legitimação de decisões

de risco.

políticas já tomadas ou planejadas; Assim A “experti-

Ainda segundo Beck (1997) e Giddens

se confiscada” ocorre quando o poder político recorre

(1991, 1997), ao considerarem que as fórmulas cien-

aos peritos após já estar comprometido com uma

tíficas para a estimação dos riscos ambientais levam

determinada estratégia ou decisão. Neste caso, se-

implícitas as definições sociais, culturais e políticas,

gundo Roqueplo (1993, p. 68), “é fabricado um con-

envolvendo interesses de diversos atores sociais e,

senso entre os peritos convocados, o que faz com

portanto estão impregnadas de valores, pois avalia

que este tipo de peritagem se baseie mais na ideolo-

questões como o que é aceitável ou não em termos

gia do que na objetividade, pois não se baseia na

de risco ambiental. Ambos compartilham com a críti-

discussão do interior da heterogênea comunidade

ca à dicotomia entre um conhecimento perito que

científica, das controvérsias tecnocientíficas.”

“determina” os riscos e uma população leiga que os “percebe”.

Será utilizada a contribuição García (1994) que estabelece a sistemática de análise de risco

Segundo Philippe Roqueplo (1993 e 1997),

considerando três elementos: riscos (causas gerado-

sociólogo francês com estudos relevantes na área de

ras), sujeitos (sobre quem pode incidir os riscos) e os

peritagem tecnocientífica, é justamente a partir da

efeitos (dos riscos sobre os sujeitos). Para o autor, o

participação no dinamismo do processo decisório

gerenciamento de riscos se efetiva por meio da inter-

que distingue e define a peritagem científica e os

relação destes elementos com os diversos planos de

peritos. Assim, o conhecimento científico adquire

observação: humano, social, político, legal, econômi-

características de peritagem quando é convocado

co, empresarial e técnico.

para clarificar, justificar ou fundamentar, mesmo que parcialmente, uma decisão. Do mesmo modo, só

Os atores e seus discursos

quando o cientista deixa o laboratório para integrar uma comissão sobre determinado tema solicitado

Entende-se por ator o agente da ação, aque-

por decisores é que passa a situar-se no campo da

le que pratica o ato e, em teatro, representa. No pre-

peritagem, e já não propriamente no âmbito da pes-

sente caso, tratando-se da realidade, aquele que tem

quisa científica. A sua função não é a de fornecer

um papel ativo em algum acontecimento da contro-

pura e simplesmente um conhecimento, mas um

vérsia.

conhecimento que se destina a esclarecer aqueles que têm a responsabilidade de tomar decisões. Porém, outro conceito importante para nossa fundamentação neste ínterim é o que Roqueplo (1993) chama de “expertise confiscada”, pois muitas vezes os peritos são convocados pelos decisores

Os atores envolvidos na controvérsia em análise representam na arena política dois lados, ou duas redes determinantes do processo político. De um lado temos uma rede de atores políticos favoráveis e do outro, contrários a proibição do plantio da cana-de-açúcar no Pantanal, Amazônia e BAP.

não coma função de alicerçar cientificamente as es7

Os atores políticos, os grupos de indivíduos

Cientistas; Sindicatos/Associações; e ONGs. A dis-

com identidade estrutural no processo sob análise

cussão implica em como estes atores atuaram den-

são os indivíduos cujos interesses não apenas coin-

tro da controvérsia e, principalmente, como foi emba-

cidem, no sentido de quererem a mesma decisão

sado o discurso empregado para defender sua posi-

(eventualmente se aliando em favor dessa decisão),

ção.

mas que ainda sofrem consequências semelhantes

Vale ressaltar que nesta controvérsia, diferen-

quando aprovada a mesma decisão, qualquer que

tes atores e sujeitos, posicionaram-se dentro da rede,

seja ela. Definindo dessa forma os sujeitos políticos,

porém seus discursos e argumentos favoráveis e

excluí-se a possibilidade de definir aliados eventuais

contrários se cruzam e sobrepõem dentro das redes.

como sendo o mesmo sujeito, reservando essa defi-

Assim tem-se que o discurso dos usineiros de São

nição para grupos com identidade de longo prazo,

Paulo, tendo como principal porta voz a ÚNICA é

tanto de interesses quanto de visão.

paralelo ao dos movimentos ambientalistas de Mato

Dependendo da ação ou evento sob análise,

Grosso.

um sujeito político deve ser definido de diferentes

Destarte, o objetivo é oferecer resultados

formas, assim, em nossa análise os vários indivíduos

empíricos para confirmar as seguintes hipóteses: A

que compõe uma ONG, por exemplo, podem ser

complexidade tecnocientífica impele as instâncias

agrupados em um único sujeito. Usineiros são repre-

político-administrativas a recorrerem à peritagem

sentados por suas organizações patronais e associa-

científica, animadas pela ideia de que o valor e o es-

tivas, portanto constituem a mesma base discursiva,

tatuto social da ciência permitirão fundamentar e legi-

e o porta voz é o sindicato ou associação.

timar as decisões políticas que são orientadas por

A base de dados é composta pelas manifes-

valores; A posição do perito não pode ser entendida

tações públicas dos atores. A fonte das manifesta-

sem referência ao contexto da sua convocação, da

ções públicas são as páginas eletrônicas oficiais das

ligação à decisão política e dos interesses políticos

organizações, entrevistas concebidas publicamente

indexados a essa finalidade; Na controvérsia em tela

a imprensa e artigos publicados.

a agenda ambiental nacional é ditada pela agenda

A seleção dos atores obedeceu ao critério da

ambiental internacional.

intensidade da participação na controvérsia. A parti-

Primeiro será demonstrado quem são os ato-

cipação dos cientistas e não cientistas no debate

res e como atuaram na controvérsia. Posteriormente

serão examinadas com o objetivo de identificar em

haverá um paralelo do discurso utilizado favorável e

que seus pronunciamentos se aproximam e se dife-

contrário com base nas manifestações públicas dos

renciam daqueles empregados pelos cientistas na

atores.

sustentação de suas manifestações, bem como sua participação na controvérsia.

Políticos

Para melhor explanar o posicionamento dos

Na controvérsia atuaram políticos dos três ní-

atores, dividimo-los em quatro categorias: Políticos;

veis da federação: municipal, estadual e federal, com 8

municípios desta região num ver6 dadeiro caos.

destaque a arena federal, pois foi onde se estabeleceu a decisão e a disputa efetiva.

Nos estados surgem vários deputados esta-

Na arena municipal, apoiando as iniciativas de implantação das novas plantas de usinas ou tentando proteger as usinas e a economia dos municípios que em boa medida, dependem das usinas trabalhando e se expandindo, estão os prefeitos e vereadores. Políticos que apesar da pouquíssima influencia nos rumos da controvérsia são os representantes mais próximos da população que sofre os efeitos das decisões. A exemplo desta categoria na controvérsia temos os prefeitos de Denise e Nova Olímpia em Mato Grosso. O primeiro mobilizou cerca

duais e os Governadores de Mato Grosso, Blairo Maggi (PR) e de Mato-Grosso do Sul, André Puccinelli (PMDB). Nesta arena, já aparecem os atores favoráveis e contrários à proibição do plantio da cana-de-açúcar na Amazônia, Pantanal e BAP. Além dos inúmeros eventos que ocorreram ao longo da controvérsia, como as audiências públicas e a elaboração e dos zoneamentos estaduais, construção e posicionamento destes atores na formação das redes são de extrema importância. Começando pelos Deputados Estaduais: em

de duas mil pessoas em Denise em uma audiência pública em apoio à instalação de uma unidade industrial de álcool e açúcar da Companhia Energética Verde Norte – CEVN.5 Já o segundo mobilizou força política em conjunto com os dirigentes das Usinas Itamarati e Barralcool para pressionar deputados e o governo do Estado a atuarem em defesa da permissão do plantio e da expansão da indústria sucroal-

Mato Grosso esta rede era capitaneada pelo presidente da assembléia legislativa, Deputado José Riva (PP), atuando junto com a maioria absoluta dos deputados da legislatura como intermediador dos produtores, prefeitos e demais interessados no setor sucroalcooleiro em Mato Grosso. Contudo, a única voz destoante ao presidente era do Deputado Percival Muniz (PPS) que se prontificava em “defender o

cooleira na região. Segundo o prefeito de Nova Olímpia, Francisco Medeiros em entrevista concedida ao jornal Diário de Cuiabá em 21/09/09 diz que o ZAE Cana representa uma séria ameaça à economia do município, que tem sua base econômica sustentada na atividade sucroalcooleira. A maioria da população trabalha no campo ou na usina e o impacto econômico e social que esta decisão irá provocar transformará os

Pantanal dos possíveis desastres causados pelas indústrias sucroalcooleiras”. Em Mato Grosso do Sul a situação foi bem mais complexa e conflitante. O então Presidente da assembleia legislativa, Jerson Domingos (PMDB), defendeu o plantio de cana-deaçúcar na BAP e Pantanal, porém foi contra a instalação de novas usinas de açúcar e álcool. Destaque aos Deputados totalmente favoráveis a proibição Amarildo Cruz e Pedro Kemp (ambos do PT) e con-

5

Segundo dados da imprensa mais de duas mil pessoas participam da audiência pública convocada pela prefeitura e realiza no dia 18 de março de 2009 no município de Denise MT, em apoio a instalação de uma unidade industrial de álcool e açúcar da Companhia Energética Verde Norte – CEVN. A grande expectativa da população era a possível geração de 5 mil empregos indiretos e 1.200 diretos, além dos investimentos da indústria no município e região.

trários Reinaldo Azambuja, Márcio Fernandes (am-

6

Disponível em: . Acesso em: 12 ago 2011.

9

bos do PSDB) Paulo Corrêa (PR) e o líder do gover-

NAB, do IBGE, do INMET, do INPE, do CPRM, da

no na assembleia Youssif Domingos (PMDB).

Unicamp e da Secretaria de Políticas para o Desen-

Na discussão do projeto de lei de Zoneamen-

volvimento Sustentável (SDS) do MMA, para realizar

to Ecológico Econômico de MS, o Deputado Reinal-

o Zoneamento Agroecológico da cana-de-açúcar

do Azambuja (PSDB) foi autor de uma emenda que

(ZAE Cana), por determinação da Casa Civil, o proje-

libera a instalação de usinas na Zona de Depressão

to deveria ser acompanhado pelo MAPA e pelo

do Rio Miranda (sub-bacia da BAP), e com apoio da

MMA. Este acompanhamento teve como principal

maioria, aprovou a emenda. Em contraposição o

porta voz, o ministro Stephanes.

Deputado Pedro Kemp (PT) apresentou uma emen-

Desde o anúncio da elaboração do ZAE Ca-

da supressiva proibindo a instalação de usinas na

na, o ministro Reinhold Stephanes, em entrevistas

região da BAP, contudo esta foi rejeitada pela maiori-

dadas a imprensa, já divulgava a proibição do plantio

a.

da cana-de-açúcar no Pantanal e Amazônia. Como Os principais atores políticos desta controvér-

exemplo a entrevista dada ao jornal eletrônico “Esta-

sia, ou expoentes porta-vozes, foram os governado-

dão” de São Paulo em 17 de julho de 2007 onde ele

res de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, respecti-

afirma que: "Vamos ter um zoneamento da cana

vamente Blairo Maggi (PR) e André Puccinelli

com um mapa de restrições, proibindo o cultivo da

(PMDB), o ministro Agricultura, Pecuária e Abasteci-

cana no bioma da Amazônia e do Pantanal, além de

mento (MAPA), Reinhold Stephanes, o ministro do

outros locais.” 7

Meio Ambiente (MMA), Carlos Minc, e obviamente a

Em seguida a estes anúncios, o ministro em

quem coube o poder da decisão, o Presidente da

questão recebeu pressões de vários atores políticos

República, Luiz Inácio Lula da Silva.

interessados na liberação do plantio da cana-de-

De um lado, o ministro da Agricultura, Rei-

açúcar no Pantanal, Amazônia e BAP. E ao que

nhold Stephanes, e os governadores do Mato Gros-

parece passou a defender uma posição compartilha-

so, Blairo Maggi, e do Mato Grosso do Sul, André

da pelos governadores e produtores rurais de MT e

Puccinelli defendem a liberação do plantio da cana

MS. Permitir a expansão da cana nos biomas, desde

na BAP, região próxima do bioma amazônico e por

que em áreas de pastagem degradadas, não sendo

onde correm os rios que deságuam no Pantanal. De

necessária a derrubada de nem uma única árvore.

outro, o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, os

A partir deste ponto o Ministro Stephanes

movimentos ambientalistas e os grandes produtores

tornou-se o principal ator na defesa do zoneamento

do sudeste não aceitam a ideia de que a lavoura de

com a permissão do plantar cana nas regiões do

cana pode se expandir na região, pois temem que

planalto matogrossense na região da BAP. Por conta

esta expansão possa comprometer o ecossistema

da divergência o zoneamento da cana foi constan-

do Pantanal e Amazônia.

temente adiado em função da controvérsia e das

Apesar de o Governo ter composto o con7

sórcio liderado pela Embrapa, com apoio da CO-

Disponível em: . Acesso em: 11 ago 2011.

10

palha da cana para fazer energia 9 renovável.

diferentes visões entre os ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente. O Ministro Carlos Minc teve diferentes posicionamentos ao longo do período controverso prévio à divulgação oficial do ZAE Cana. A princípio o ministro defendeu a permissão de plantar cana no planalto

A partir deste momento, percebe-se que o ministro inverteu suas posições e passou a defender a proibição, dando inicio ao confronto intra-governo com o ministro Stephanes. Importante ressaltar que o ministro Minc, as-

da BAP e áreas de pastagem degradadas. A proibição do avanço da cana na região foi uma das principais bandeiras da ministra de Meio Ambiente anterior, Marina Silva, com sua saída, os ministros Carlos Minc e Reinhold Stephanes fecharam um acordo para permitir plantio na BAP. Este acordo foi duramente criticado pelos movimentos e ONGs ambientalistas, que elevaram o tom das críticas a Minc e chegaram a pedir sua saída do governo. O ministro rebateu os ataques e classificou os protestos de "gritaria, infantilismo e ecodemagogia". Ao mesmo tempo, Minc foi aplaudido por parlamentares da bancada ruralista ao encerrar sua participação numa audiência pública da Comissão de Agricultura da Câmara8.

sim como o ministro Stephanes, desde o anúncio da elaboração do ZAE Cana, já divulgava que proibição do plantio da cana-de-açúcar no Pantanal e Amazônia estavam asseguradas desde o plano de elaboração do ZAE. Minc assegurou isto publicamente em várias entrevistas à imprensa, e o episódio mais contundente, quando proferiu durante seu discurso na 53º Reunião Extraordinária do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA). “Para a elaboração do zoneamento já garantimos que não haverá plantio de cana-de-açúcar no Pantanal.” “o plantio de cana-deaçúcar no Pantanal foi vedado na elaboração do Zoneamento Agroecológico da Cana-de-açúcar.” Este é um elemento que corrobora a hipóte-

Minutos antes, ele havia anunciado a decisão de rever o decreto presidencial que havia endurecido as penas por crimes ambientais. Contudo no dia 05 de novembro de 2008 o ministro Minc anunciou que o governo havia finalizado o plano de zoneamento agroecológico da canade-açúcar. Segundo o ministro o plano está muito bom. Não vai ter nenhuma nova usina de cana na Amazônia ou no Pantanal. Há prazo para acabar com as queimadas da cana-de-açúcar, para não jogar mais vinhoto nos rios e aproveitar para transformá-lo em biogás e biofertilizantes, além de aproveitar a

se de que a decisão política de proibir a plantação da cana-de-açúcar foi tomada anteriormente e independente do conhecimento técnico e científico. O (ZAE Cana) foi um instrumento técnico científico elaborado com o propósito de legitimar a decisão política. Desta forma observamos que os peritos são coadjuvantes nesta controvérsia, e não protagonistas como outros discursos em meio à controvérsia o pregam. O posicionamento do ministro provocou inúmeros debates públicos em relação à proibição ou não do plantio na BAP. Em um destes espaços, uma audiência pública no Senado o ministro Carlos Minc

8

Este episódio ocorreu no dia 20/08/2008 na comissão de Agricultura Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural (CAPADR).

9

Disponível em: . Acesso em: 12 ago 2011.

11

afirmou que: “Somos francamente favoráveis, por

divergências deveriam ser resolvidas "dentro do go-

razões ambientais, à expansão do etanol e do biodi-

verno". Contudo isto só veio a ocorrer meses depois,

esel. Temos sete milhões de hectares hoje e vamos

com aprovação e publicação do ZAE Cana.

expandir para mais cinco milhões. E não vamos ad-

O Governador de Mato Grosso, Blairo Maggi,

mitir que barreiras comerciais contra nosso etanol

atuou na controvérsia como porta voz dos “interesses

sejam usadas como argumentos ambientais”. Minc

de Mato Grosso”, leia-se dos produtores e possíveis

utiliza-se dos argumentos defendidos pelos produto-

investidores do setor sucroalcooleiro com interesses

res de cana-de-açúcar capitaneados pela UNICA,

na liberação do cultivo da cana-de-açúcar na região

em pese o interesse pelo selo verde de não agres-

de planalto da BAP que abrange 54 dos 141 municí-

são aos biomas, e as restrições comerciais por conta

pios de MT. Maggi defendia que o Estado estava

de “argumentos ambientais”. Evidencia-se a questão

perdendo bilhões em investimentos de novas usinas,

da agenda ambiental nacional sendo determinada

e na recuperação de áreas degradadas de pasta-

pela agenda ambiental internacional.

gens. Afirmou que o Estado tem quase 80% de sua

Este posicionamento do ministro fica claro

produção de 850 milhões de litros de etanol concen-

em entrevista publicada pela revista eletrônica do

trada na Bacia do Alto Paraguai. Maggi chegou a

Estadão:

pedir pessoalmente a Lula que não vetasse o plantio se o nosso etanol não for 100% verde, os outros países vão usar o argumento ambiental para criar uma barreira comercial ao nosso etanol. Tem muita gente lá fora que não gosta do nosso produto, que é bom, bonito e barato. (...) O anúncio vai mostrar que o nosso etanol é 100% verdinho. Quem sai vitorioso nisso tudo é o Brasil, do lado 10 ambiental e comercial.

de cana na região, onde estão situadas dezenas de plantas industriais no setor sucroalcooleiro, garantindo a geração de postos de trabalho e de renda a municípios que têm a atividade como única fonte econômica. Da mesma forma o Governador de Mato Grosso do Sul defendia a plantação da cana, usando

Assim, se de um lado havia o ministro Stephanes defendendo os argumentos dos produtores de Mato Grosso, por outro havia o ministro Minc, defendendo os argumentos dos produtores de São Paulo.

como argumento os estudos do projeto de Zoneamento Ecológico Econômico de MS. Assim como Blairo, tentou diversas vezes mudar o posicionamento do governo em relação à eminente proibição por decreto consubstanciada no Zoneamento. No dia

A disputa pública entre estes ministros rendeu “boas” páginas de jornal, pois chegaram a proferir ofensas pessoais um ao outro. Neste ínterim entra em cena a figura do árbitro e Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. Para o presidente, as

03/09/2009 André Puccinelli foi à Brasília (DF), além de tratar de assuntos ligados às eleições de 2010 com a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Roussef, o governador conversou com o ministro do Meio Ambiente Carlos Minc para tentar reaver as posições relacionadas ao ZAE Cana. Ainda em Campo Gran-

10

Disponível em: < http://www.estadao.com.br/agestado/>. Acesso em: 03 ago 2011.

de (MS), André disse à imprensa que vê diferenças 12

nos dois zoneamentos, o feito pelo consórcio e o

área onde o cultivo não é recomendado, chega a

formulado pela equipe técnica de Mato Grosso do

92,5% do território.

Sul. André contou que iria entregar um vasto material

Governadores que defendiam a plantação de

ao Planalto e que o projeto proposto pelo Governo do

cana-de-açúcar no Pantanal, Amazônia e BAP, ouvi-

Estado é "mais rigoroso que o deles". Entre as suas

ram previamente a cerimônia oficial do anúncio do

críticas, destacamos: "Como eles vão ver, lá de Bra-

ZAE, pessoalmente do presidente Lula a explicação

sília, sem estudar as condições do solo, topografia e

de que cultivar o produto na região poderia custar

lençol freático aqui e vem falar que não pode. Nós

muito caro para todo o setor. Lula se referia ao fato

fizemos estudamos por 18 meses. Como é que de

de que, com o plantio em regiões ambientalmente

lá, o ministro pode dizer algo a distância sem sequer

sensíveis, o País poderia sofrer desgaste internacio-

checar nossa proposta".11

nal, e a comercialização do etanol brasileiro poderia

Em 2007, o Presidente Lula assumiu em

ser prejudicada. A reunião, realizada antes da ceri-

Bruxelas o compromisso de impedir a expansão da

mônia de lançamento da proposta do governo para o

cana na floresta amazônica e sobre áreas de produ-

ZAE Cana, tinha como objetivo iniciar as conversas a

ção de alimentos. O zoneamento da cana seria res-

respeito da posição que o Brasil levará à Convenção

ponsável pela formalização deste compromisso.

Internacional sobre Mudança de Clima, marcada

Com o ZAE Cana, Lula buscou dar uma garantia a

para dezembro em Copenhague (Dinamarca).

eventuais compradores do álcool brasileiro de que o

Nesta reunião os governadores de Mato

produto não foi produzido à custa de devastação de

Grosso e Mato Grosso do Sul, Maggi e Puccinelli,

florestas. Esta é uma prova empírica de que a agen-

reclamaram ao presidente que os Estados foram

da ambiental nacional para proteção dos biomas foi

consultados pelo governo na formação do ZAE Ca-

determinada pela agenda ambiental internacional,

na, mas que não haviam sido minimamente contem-

resultando no ZAE Cana e consequentes proibições.

plados, já que defendiam o cultivo da cana na Bacia

Lula em 17 de setembro de 2009 através do

do Alto Paraguai. O presidente respondeu ter outra

anúncio e publicação de Decreto 6.961 aprovou o

posição sobre o assunto. Lula disse que “tanto Mato

ZAE Cana e pôs fim a esta etapa da controvérsia,

Grosso quanto Mato Grosso do Sul foram derrotados

proibindo a expansão da cana-de-açúcar na Amazô-

nesta questão, porque o governo entende que a área

nia, Pantanal e BAP. O zoneamento agroecológico

defendida para o cultivo da cana pelos governadores

da cana-de-açúcar, lançado após mais de dois anos

era muito pequena em comparação com as dimen-

de negociação, proíbe o plantio da cultura em 81,5%

sões do território que ficará liberado para a planta-

do território brasileiro, incluindo Amazônia, Pantanal e

ção.” Lula fez ainda observações sobre as dificulda-

a região do Alto Rio Paraguai. Se for computada a

des e os riscos de se liberar o plantio em áreas ambientalmente sensíveis em relação às críticas internacionais ao etanol brasileiro.

11

Disponível em: . Acesso em: 12 ago 2011.

13

Mais uma vez, ressalta-se a agenda ambien-

clamarem dos efeitos provocados pelo aquecimento

tal nacional sendo determinada pela agenda ambien-

global, mas de pouco fazerem para superar a situa-

tal internacional, com óbvios interesses econômicos

ção.

em torno do etanol “verde”. A mesma linha de raciocínio apresentada

Cientistas

pelo presidente na conversa com os governadores

Como característico da sociedade de risco,

foi tema do discurso da ministra-chefe da Casa Civil,

os cientistas atuam em dois flancos distintos, o labo-

Dilma Rousseff, durante lançamento do ZAE Cana,

ratório, entendido enquanto suas pesquisas no cam-

na sede da EMBRAPA. De acordo com a ministra,

po da ciência envoltas no mito da precisão, e em

um dos objetivos do ZAE Cana foi o de deixar claro

público, o campo da peritagem, em que os cientistas

que, ao contrário do que frequentemente dizem al-

tornam–se um ator político e por meio da discursivi-

guns órgãos da imprensa internacional, não haverá

dade pública da experiência, de maneira controversa

plantio de cana na floresta amazônica, Pantanal e

entre si quanto aos resultados, métodos, restrições e

Bacia do Alto Paraguai. "É óbvio que quem diz isso

meios.

são os que não querem que o etanol brasileiro ganhe

No meio dos peritos destacam-se três grupos

espaço, e o ZAE Cana será poderoso instrumento",

distintos: os cientistas que elaboraram o zoneamen-

disse Dilma em seu discurso. Apesar da expectativa

to, os cientistas que pesquisam a cultura da cana

em relação a um pronunciamento do presidente Lula

com posicionamento favorável a sua expansão pela

durante o lançamento da ZAE, ele não discursou.

BAP e os contrários a esta posição.

Contudo no dia 21/09/2009 no programa semanal

Ao primeiro grupo, destacam-se os pesqui-

Café com o Presidente, Lula comentou o ZAE Cana

sadores da UNICAMP13. Atuação destes cientistas

dizendo que:

deu-se na elaboração do Zoneamento agroecológico o governo brasileiro quer mostrar ao mundo que o etanol é uma energia renovável "extraordinária" e que pode permitir, por exemplo, a redução na emissão de gases de efeito estufa. (...) o governo quer mostrar que é capaz de produzir uma matriz energética menos poluente para o planeta. (...) Talvez, no mundo inteiro, ninguém nunca tenha feito o que fizemos aqui. (...) O principal é que preservamos al12 gumas áreas muito importantes.

Na última frase Lula referia-se à Amazônia, ao Pantanal e à Bacia do Alto Paraguai. Ainda nesta entrevista, o presidente acusou países ricos de re12

Disponível em: < http://www.agenciabrasil.gov.br/>. Acesso em: 13 ago 2011.

da cana-de-açúcar que segundo o próprio documento

obedeceram

aos

seguintes

procedimen-

tos/critérios técnicos e metodológicos:

13

Hilton Silveira Pinto (Pós- Doutor – Área: Agroclimatologia), Jurandir Zullo Junior (Doutor – Área: Agrometeorologia, Sensoriamento Remoto, Processamento de Imagens, Zoneamento Agrícola e Mudanças Climáticas), Ana Maria H. de Ávila (Doutora – USP/ UNICAMP – Área: Processamento Gráfico, visualização de informação e mineração de imagens e dados complexos) e Nilson Augusto Villa Nova (Doutor – USP/ UNICAMP – Área: evapotranspiração, clima, irrigação, cana-de-açúcar e radiação solar) e também os coordenadores/organizadores da EMPRAPA: Celso Vainer Manzatto (EMPRAPA Meio Ambiente), Eduardo Delgado Assad (EMPRAPA Informática Agropecuária), Jesus Fernando Mansilla Bacca (EMPRAPA Solos), Maria José Zaroni (EMPRAPA Solos), e Sandro Eduardo Marschhausen Pereira (EMPRAPA Solos). Apesar de agentes públicos estatais, os técnicos da EMBRAPA são também cientistas destacados.

14

Por meio de técnicas de processamento digital procedeu-se uma avaliação do potencial das terras para a produção da cultura da cana-de-açúcar em regime de sequeiro (sem irrigação plena) tendo como base as características físicas, químicas e mineralógicas dos solos expressos espacialmente em levantamentos de solos e em estudos sobre risco climático, relacionados com aos requerimentos da cultura (precipitação, temperatura, ocorrência de geadas e veranicos). Os principais indicadores considerados na elaboração do Zoneamento Agroecológico foram a vulnerabilidade das terras, o risco climático, o potencial de produção agrícola sustentável e a legislação ambiental vigente. Adicionalmente, foram excluídas: 1. as terras com declividade superior a 12%, observando-se a premissa da colheita mecânica e sem queima para as áreas de expansão; 2. as áreas com cobertura vegetal nativa; 3. os biomas Amazônia e Pantanal; 4. as áreas de proteção ambiental; 5. as terras indígenas; 4. remanescentes florestais; 6. dunas; 7. mangues; 8. escarpas e afloramentos de rocha; 9. reflorestamentos e 10. áreas urbanas e de mineração. Nos Estados da Região Centro-Sul (GO, MG, MT MS, PR e SP), foram também excluídas as áreas atualmente cultivadas com cana-de-açúcar no ano safra 2007/2008, utilizando-se o mapeamento realizado pelo Projeto CanaSat – INPE. As áreas indicadas para a expansão pelo Zoneamento Agroecológico da Cana-de-açúcar compreendem aquelas atualmente em produção agrícola intensiva, produção agrícola semi-intensiva, lavouras especiais (perenes, anuais) e pastagens. Estas foram classificadas em três classes de potencial (alto, médio e baixo) discriminadas ainda por tipo de uso atual predominante (Ag – Agropecuária, Ac – Agricultura e Ap – Pastagem) com base no mapeamento dos remanescentes florestais em 2002, realizado pelo Probio-MMA. Os estudos foram realizados por Estado da Federação não abrangidos totalmente pelo bioma Amazônia. Foram emprega-

das as melhores informações temáticas e cartográficas disponíveis no país com escala de abstração de 1:250.000, quando possível.” (ZAE Cana, 2009, p. 07, grifo nosso).

Destacam-se ainda as Diretrizes Gerais do Estudo: O estudo seguiu as diretrizes que permitirão a expansão da produção: • Indicação de áreas com potencial agrícola para o cultivo da cana-de açúcar sem restrições ambientais; • Exclusão de áreas com vegetação original e indicação de áreas atualmente sob uso antrópico; • Exclusão de áreas para cultivo nos biomas Amazônia, Pantanal e na Bacia do Alto Paraguai; • Diminuição da competição direta com áreas de produção de alimentos; • Diminuição da competição com áreas de produção de alimentos; • Indicação de áreas com potencial agrícola (solo e clima) para o cultivo da cana-de-açúcar em terras com declividade inferior a 12%, propiciando produção ambientalmente adequada com colheita mecânica; • Unidades industriais já instaladas, a produção de cana para seu suprimento e a expansão programada não são objeto deste zoneamento. (ZAE Cana, 2009, Pág.8-9, grifo nosso)

O documento diz ainda sobre a área de estudo do ZAE Cana compreende todo o território nacional não abrangido pelo Bioma Amazônia, Pantanal e da Bacia do Alto Paraguai. Assim, não foram incluídos na área de estudo os estados do Acre, Amazonas, Rondônia, Roraima, Pará e Amapá por pertencerem ao Bioma Amazônia. Da mesma forma, partes do território dos Estados do Mato Grosso, Maranhão, Tocantins e de Goiás foram excluídas por estarem incluídas no Bioma Amazônia e/ou no Bioma Pantanal e Bacia do Alto Paraguai. Destaca-se que os limites da Amazônia Legal não são coincidentes com os limites do Bioma Amazônia. (ZAE Cana, p.11)

15

Fica claro por estes critérios e diretrizes que

de Agroenergia do MAPA, Manoel Bertone, que reu-

não coube aos cientistas na elaboração do ZAE Ca-

niu em Brasília com todos os secretários estaduais

na estabelecer em que áreas da região seriam pos-

de Agricultura do país. Após a reunião o secretario

síveis o plantio da cana utilizando-se dos mesmos

concedeu entrevista ao jornalista Gilmar Hernandes

critérios técnicos utilizados para demais áreas do

do Portal “Valor Econômico” e fez declarações impor-

território nacional, cabendo a eles, desde a elabora-

tantes para entendermos o posicionamento destes

ção, a exclusão das áreas para cultivo nos biomas

técnicos cientistas e do governo em relação a elabo-

Amazônia, Pantanal e na Bacia do Alto Paraguai.

ração do ZAE Cana. Em relação ao plantio da cana

Contudo o objetivo geral do “ZAE Cana para

na Amazônia, Bertone disse que não é necessário

a produção de etanol e açúcar é o de fornecer subsí-

proibi-lo sob o simples argumento de que a atividade

dios técnicos para formulação de políticas públicas

não é viável economicamente na região o que de-

visando o ordenamento da expansão e a produção

vemos atender tão somente a uma agenda interna-

sustentável de cana-de-açúcar no território brasileiro.”

cional.

pois esta ocorre quando o poder político recorre aos

A lucratividade da cana na Amazônia é baixa. A cana exige período seco e período frio e lá não é o lugar mais adequado. A Amazônia não é problema, ninguém vai plantar cana lá. Tecnicamente, em grande parte da Amazônia, não se plantaria cana. (...) A questão da proibição do plantio na Amazônia Pantanal e Bacia do Alto Paraguai está na esfera estritamente política. O trabalho que vamos fazer é técnico, em parceria com os Estados, para mostrar onde podemos e devemos plantar e onde não é recomendável plantar. Do ponto de vista político, quem resol14 ve é o governo e o Congresso. (Grifo nosso).

peritos após já estar comprometido com uma deter-

No segundo grupo, os cientistas que pesqui-

minada estratégia ou decisão. Neste caso, segundo

sam a cultura da cana com posicionamento favorável

Roqueplo (1993, p. 68), “é fabricado um consenso

a sua expansão pela BAP, destacam-se os professo-

entre os peritos convocados, o que faz com que este

res Godofredo Vitti15 e Antonio Marcos Iaia16.

(ZAE Cana, p.8). Assim, visualiza-se que apesar da decisão política de proibir, o ZAE Cana é um documento “técnico” elaborado por peritos visando subsidiar e apoiar a decisão política de proibir a plantação da cana-de-açúcar, tomada anteriormente e independente do conhecimento técnico e científico. O ZAE Cana foi um instrumento de peritagem elaborado com o propósito de legitimar a decisão política. Conforme nos elucida Roqueplo (1983) o que houve foi um episódio de “expertise confiscada”,

tipo de peritagem se baseie mais na ideologia do que na objetividade, pois não se baseia na discussão do 14

interior da heterogênea comunidade científica, das controvérsias tecnocientíficas.” Quando questionados sobre o assunto temos como exemplo culminante uma entrevista em 29/11/2007 (publicada em 01/12/2007) do secretário

Disponível em: . Acesso em: 10 jun. 2011. 15 Doutor em Agronomia (Solos e Nutrição de Plantas) pela Universidade de São Paulo, Brasil(1983) Professor titular da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz - ESALQ 16 Mestre em Agricultura Tropical pela Universidade Federal de Mato Grosso, Brasil(2003) Coordenador do Programa de Melhoramento Genético da Cana-de-açúcar - PMGCA UFMT, da RIDESA e participa de outros projetos na área de produção de Bioenergia.

16

Em audiência pública realizada dia 06 de ou-

Segundo o relatório do professor Oliver de

tubro de 2009, na Assembleia Legislativa de Mato

Schutter divulgado em 10/09/08, estudos recentes

Grosso o professor Vitti apresentou dados interes-

apontam a produção de biocombustível dos EUA,

santes de uma pesquisa conduzida por ele no muni-

Brasil e da União Européia, feito a partir de grãos,

cípio de Juara – MT, que mostram lavouras de cana

como sendo a principal causa da crise mundial dos

com produtividade com uma alta produtividade e fez

alimentos. No relatório a produção de biocombustível

duras críticas, pontuando que a proibição à cana-de-

aumentou a especulação no setor agropecuário e na

açúcar é um absurdo e citou dados sobre a conser-

área de commodities, e desviou o foco da produção.

vação do solo e sequestro de carbono proporcionado

Segundo Schutter, o Fundo Monetário Internacional

pelas lavouras. Em relação aos questionamentos

(FMI) afirma que 70% do aumento do preço dos

ambientais, o professor disse que "se cana poluísse,

grãos foi determinado pelos biocombustíveis. Conclu-

o Estado de São Paulo estaria morto.” 17 Já o Pro-

indo que biocombustíveis feitos a partir de grãos fo-

fessor Iaia, além de suas inúmeras publicações aca-

ram responsáveis por 75% do aumento no preço das

dêmicas sobre a cana-de-açúcar nos biomas do

commodities. Ainda segundo o Schutter, a perspecti-

Pantanal, Amazônia e BAP, o mesmo também se

va é que os preços se mantenham comparativamen-

apresentou na arena política para defender suas

te altos visto que os fatores estruturais da crise se

pesquisas e dados relevantes em relação ao plantio

mantêm. Entre os fatores, estão demandas em ex-

da cana-de-açúcar nos biomas.

pansão, a mudança de hábitos alimentícios, a produ-

Do terceiro grupo de cientistas que pesqui-

ção de biocombustível a partir de cultivos essenciais

sam a cultura da cana com argumentação pública

para a alimentação e o impacto da mudança climáti-

contraria ao plantio da cana na Amazônia, Pantanal e

ca.

BAP, destacamos a professora Sonia Corina Hess18,

A partir deste relatório do professor Schutter o

e o relator especial da Organização das Nações Uni-

“mundo” se voltou a questionar o programa de pro-

das (ONU) para o Direito à Alimentação, Olivier de

dução de etanol no Brasil, com sérias repercussões

Schutter19, importantes porta voz nesta controvérsia.

para o produto no mercado mundial. Soma-se ao discurso que plantar cana para produzir bicombustí-

17

Disponível em: . Acesso em: 12 ago. 2011. 18 Doutora em Química pelo Departamento de Química UFSC, Brasil(1995) e três pós-doutorados em Química (IQUNICAMP, 1996-1997; Universitá Cattolica del Sacro Cuore, Roma, 1997; Universidade Federal de Santa Catarina MIP/CCB, 2009 a 2010). Durante a controvérsia era Coordenadora de Pesquisa da Pró Reitoria de Pesquisa e Pós Graduação na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). 19 Olivier de Schutter (L.L.M., Harvard University; Ph.D., da Universidade de Louvain (UCL)), é Relator Especial da ONU sobre o direito à alimentação desde maio de 2008, é professor da Universidade Católica de Louvain e na Colégio da Europa (Natolin). Ele também é membro da Faculdade Global de Law School em New York University e é professor visitante na Universidade de Columbia.

veis é fonte do aumento global do preço dos alimentos, aumentando a fome e preocupação internacional com a preservação dos biomas nacionais como a Amazônia e o Pantanal. Emerge aqui, sobrepondose aos interesses regionais e da própria agenda ambiental e econômica brasileira uma agenda ambiental internacional com um inimigo declarado: cana-deaçúcar nos biomas da Amazônia e Pantanal. 17

A Professora Hess teve uma grande participação pública na controvérsia através do artigo “Vi-

neados pela ÚNICA (União da Indústria de Cana-deAçúcar) favorável a proibição.

nhoto zero? Onde? - Sobre a proibição de Usinas de

“O Brasil precisa adotar medidas firmes con-

álcool no Pantanal”, publicado no jornal de grande circulação Correio do Estado-MS em 12/10/ 2006, p. 2ª em colaboração com a jornalista Patrícia Zerlotti (assessora de imprensa da ONG ECOA). No artigo a professora sintetiza os argumentos científicos mais

tra a destruição da Floresta Amazônica e, assim, assumir uma posição de liderança global nas negociações sobre mudanças climáticas”.20 A opinião é do presidente da UNICA, Marcos Sawaya Jank. De acordo com Jank, o País precisa fazer a

utilizados por ambientalistas, cientistas e políticos para que se garanta a proibição, tece críticas a outros

sua parte. Se fizéssemos uma redução expressiva da taxa anual de desflorestamento da Amazônia, assumiríamos uma posição de liderança global nas negociações sobre o clima, porque mais de 75% de nossas emissões (de gases de efeito estufa – GEE) estão relacionadas ao desmatamento ilegal, cujas raízes são as deficiências da fiscalização e a falta de direito de 20 propriedade da terra.

cientistas e rebate alguns argumentos favoráveis ao plantio. Sindicatos/Associações Seria natural se os sindicatos e associações de produtores do setor sucroalcooleiro fossem todos contrários a proibição do plantio na cana-de-açúcar no Pantanal, Amazônia e BAP, afinal o interesse de

O presidente da UNICA acredita que se o

plantar e desenvolver setor seria consenso a todos

Brasil realmente atingir o objetivo estabelecido no

os produtores e organizações patronais. Ficando as

Plano, de reduzir o desmatamento da Amazônia

controvérsias “naturais” da categoria entre usineiros e

será dado um enorme passo no controle da ocupa-

trabalhadores, ou no caso de uma controvérsia am-

ção da floresta. “A meta, contudo, só será atingida se

biental, entre usineiros e ambientalistas. Contudo não

o setor privado também se engajar no processo”20,

foi o que se verificou no caso, de um lado temos os

ressaltou Jank. E sua frase mais contundente, expli-

produtores/usineiros de Mato Grosso e Mato Grosso

citando de qual lado da controvérsia estão a ÚNICA

do Sul, tendo como porta-voz o SINDALCOOL – MT

e seus representados: A moratória da indústria da soja na Amazônia e o apoio irrestrito da indústria sucroenergética à interdição de novos plantios de cana na floresta amazônica e no Pantanal são exemplos de amadurecimento seguido de atitudes concretas de empresários no tema da sustenta20 bilidade.

(Sindicato de Produtores de Álcool de Mato Grosso), a BIOSUL (Associação dos Produtores de Bioenergia de Mato Grosso do Sul), O SINDAL (Sindicato das Indústrias de Álcool de MS) e o SINDAÇÚCAR (Sindicato das Indústrias de Açúcar de MS) contrários aos termos do ZAE Cana e procedentes proibições. E do outro lado temos os produtores sucroalcooleiros de São Paulo e centro sul em geral, capita-

20

Notícia no Portal da ÚNICA publicada em 21 jan 2009. Disponível em: . Acesso em: 22 jun 2011.

18

Emerge deste discurso a preocupação dos

grande mapa do País no qual se definam as voca-

usineiros com o compromisso de proteção ambiental

ções locais, mas fazer com que esse imenso traba-

ditados internacionalmente pelos pressupostos da

lho de fato subsidie a formação de uma política na-

sustentabilidade. Fica claro que ser ambientalmente

cional para o setor e garanta a implementação. A

correto está diretamente ligado ao desenvolvimento

ONG também considera falsa a versão do setor su-

econômico e aceitação do produto do brasileiro no

croalcooleiro, de que é totalmente inviável a produ-

exterior. Desde que “obedecidos” os preceitos da

ção de cana em Região Amazônica. Segundo Luiz

agenda ambiental internacional.

Fernando Laranja, coordenador do Programa Agri-

Em termos de atuação pública, ambos os la-

cultura e Meio Ambiente da WWF-Brasil a questão, definitivamente, não é essa. O problema é mercadológico e logístico. Não acho que o avanço da cana na Região Amazônica e Pantanal vão ocorrer com vigor neste momento. Mas o problema, definitivamente, não está na inviabilidade agrícola. O que freia o avanço é uma mera questão mercadológica e logística. Se isso for equacionado, não tenho dúvida de que a região se tornará uma opção para a produção de álcool e de açú21 car.

dos pressionaram os agentes políticos a atuarem na controvérsia em favor seus posicionamentos. Contudo o resultado final favoreceu a decisão já tomada em prol dos usineiros do centro sul e da agenda ambiental ditada internacionalmente e seguida pelo governo brasileiro. Organizações Não Governamentais As principais ONGs que participaram da con-

Em novembro de 2008, após a divulgação

trovérsia foram o Instituto Centro de Vida (ICV – Cui-

feita pelo Governo Federal, de que o ZAE Cana seria

abá – MT) Ecoa (Campo Grande – MS) 4 Cantos do

divulgado em dezembro, organizações da sociedade

Mundo (Belo Horizonte – MG) Amigos da Terra -

civil exigiram sua suspensão imediata. Os ambienta-

Amazônia Brasileira (São Paulo – SP) Imaflora - Insti-

listas cobravam a falta de diálogo com a sociedade

tuto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola

civil para a elaboração plano, que definiria quais os

(Piracicaba - SP) Instituto Vitae Civilis (São Paulo –

locais onde a cana poderia ser cultivada. De acordo

SP) e Conservação Internacional (Escritório de

com as organizações 4 Cantos do Mundo, Amigos

Campo Grande – MS) e WWF-Brasil (Escritório sede

da Terra - Amazônia Brasileira, Ecoa, Instituto de

de Brasília – DF). Houve ainda a participação pública

Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) e

do IAB (Instituto das Águas do Brasil) e a OAB/MS

Instituto Vitae Civilis, a elaboração do plano estava

(Ordem dos Advogados os Brasil) entre outros pe-

ocorrendo sem debate público e sem um processo

quenos grupos de menos relevância.

estruturado de consultas a sociedade civil organiza-

A WWF-Brasil, uma das organizações ambi-

da. Em um trecho da nota pública as ONGs disse-

entalistas envolvidas na discussão sobre ordena-

ram que "um processo de zoneamento sem metodo-

mento das atividades de agro-energia no País, avalia que o problema não é exatamente elaborar um

21

Publicado no Jornal O Estado de São Paulo em 07 out 2007. Disponível em: . Acesso em: 15 out 2011.

19

logia transparente e discutida com a sociedade, as-

pensar no custo benefício disso, que pode ser o fim

sim como sem participação dos atores envolvidos,

do Pantanal”23.

não guarda qualquer credibilidade e só vai acirrar os

Ao fim do debate, foi elaborado um docu-

conflitos sobre uso da terra". Naquele momento, se-

mento pedindo explicações ao governo do Estado

gundo as ONGs o plano a ser lançado não teria cre-

sobre as razões de tentar se modificar a lei. Outro foi

dibilidade por conta da elaboração ser feita sob pres-

encaminhado a Assembleia Legislativa solicitando

são dos governadores para liberação da produção

uma audiência pública para se ampliar o debate com

de cana no Pantanal e em suas nascentes.

a sociedade, e outro, com as considerações finais do

Diante deste contexto de controvérsia, as or-

evento, foi enviado ao Senado Federal e a Câmara

ganizações exigiram a suspensão do trabalho e o

dos Deputados. Mais uma vez, não houve respos-

início de um novo processo de discussão pública

tas, maiores repercussões ou resultados considerá-

sobre o zoneamento, desta vez, envolvendo os múl-

veis por conta destas manifestações.23

tiplos atores e setores estratégicos para o debate. Foram simplesmente ignorados pelo governo.22

Contudo as ONGs e os movimentos sociais organizados continuaram atuando no campo da

Outro evento marcante na atuação dos am-

subpolítica, em contato com políticos, com a mídia e

bientalistas foi um encontro para debater o tema:

outras armas que pudessem utilizar para influencia-

“Implantação de Usinas de Álcool no Planalto do

rem na controvérsia. Afinal a subpolítica não termina

Pantanal” marcado pela parceria do o IAB e OAB-

onde a política começa, onde a ação essencial do

MS que ocorreu na sede da ordem em Campo

poder esta em jogo, a subpolítica é orientada para a

Grande. Houve a participação de inúmeros movi-

estrutura sistêmica da sociedade.

mentos sociais e ONGs interessadas no assunto. Segundo a presidente do IAB, Odete Fiorda, “o evento é uma resposta ao movimento que o governo vem

A controvérsia tecnocientífica no caso do plantio da cana-de-açúcar

fazendo para se derrubar a lei que proíbe a implanta-

Controvérsias são resultantes dos posicio-

ção de usina de álcool e açúcar na Bacia do Alto

namentos antagônicos dos atores, redes e organiza-

Paraguai”. Os ambientalistas contestaram durante o

ções que representam diferentes grupos sociais com

evento as afirmações do governador, especialmente

concepções divergentes sobre os mesmos assuntos.

a de que a cana é uma alternativa para se gerar em-

O debate sobre a proibição do plantio da cana-de-

prego. “Usina não traz tanto beneficio assim. Em

açúcar no Pantanal, Amazônia e BAP foi marcado

2012 estará proibia a queima da cana e começa a

por várias discordâncias entre os atores sobre as

mecanização na colheita, ou seja, o emprego vai ficar

mesmas questões, especialmente quanto aos riscos

escasso”, previram a época. “E, sobre tudo, temos de

ao meio-ambiente potencialmente causados pela indústria sucroalcooleira.

22

Disponível em: < http://amazônia.org.br>. Acesso em: 12 ago 2011.

23

Disponível em: . Acesso em: 12 ago 2011.

20

Segundo Dascal (1994 apud PAESE, 2007, p.79),

Segundo a professora Dorothy Nelkin (1971 apud VELHO e VELHO, 2002, p. 128)

outra característica da controvérsia é seu componente de imprevisibilidade. Na controvérsia são essenciais a possibilidade e o uso do direito de contestação ao oponente por parte de cada um dos contendentes, pois um oponente vivo real e ativo é imprevisível em suas reações. Mesmo que possamos antecipar aproximadamente a reação de nosso oponente e até de manobrá-lo de forma a reagir de uma outra forma, o jogo da controvérsia é essencialmente um ‘jogo estratégico’, ou seja, um jogo em que nossa capacidade de previsão da jogada do adversário é limitada. Esse fato é responsável, em grande parte, pela capacidade que tem a controvérsia de chamar a atenção para confusões e propiciar esclarecimentos, de forçar mudanças conceituais, metodológicas e teóricas e, finalmente, de levar a inovações.

os detalhes das controvérsias podem fornecer a quem as estuda a compreensão do tipo de raciocínio que motiva as agências públicas, agentes do governo, cientistas e grupos de protesto. Esses detalhes podem proporcionar um entendimento realista das políticas de ciência e tecnologia, seu contexto sociopolítico e seus impactos. Eles podem realçar as contradições sociais inerentes de várias decisões na área da ciência e tecnologia e dos problemas de se desenvolverem políticas públicas na ausência de um acordo comum sobre os riscos potenciais dessas políticas.

Na controvérsia analisada percebe-se que são estes ‘detalhes’ apontados pela professora Nelkin os baluartes para compreende que a associação dos atores no contexto sociopolítico não obedeceu às formas “tradicionais”. Assim, através dos discur-

Assim, o que se vê na história da controvér-

sos, observa-se que usineiros de São Paulo eram

sia, somado a recente atuação e discursos dos ato-

aliados de ambientalistas de Mato Grosso em con-

res políticos em cena, corrobora aos ensinamentos

sonância com uma agenda ambiental internacional.

de Dascal. Como exemplo temos que ambientalistas

Através da análise dos posicionamentos, dis-

fizeram um manifesto exigindo que se extinguisse o

cursos e argumentos dos atores, corrobora-se outro

projeto de zoneamento, pois acreditavam que a ma-

argumento de Nelkin, quando se verifica que em

téria em curso iria desfavorecer seus objetivos em

meio a controvérsias tecnocientíficas, a ciência é

detrimento dos que almejavam a liberação da cana

transformada em instrumento de luta política.24

nos biomas. Contudo o processo em curso não pa-

Constatou-se na controvérsia que a comple-

rou e atendeu aos objetivos daqueles que o questio-

xidade tecnocientífica impeliu as instâncias político-

navam.

administrativas a recorrerem à peritagem científica Nelkin e Mazur (1971; 1973 apud VELHO e

através do consorcio para elaboração do ZAE Cana,

VELHO, 2002) perceberam que o enfoque no estudo

animadas pela ideia de que o valor e o estatuto social

das controvérsias permitiria entender de que maneira

da ciência permitiriam fundamentar e legitimar as

o status do conhecimento científico dependia de ne-

decisões políticas. Contudo, verificou-se que, desde

gociações e debates entre as partes interessadas,

o início, a decisão já havia sido tomada no campo da

envolvendo diferentes segmentos da sociedade. 24

Ver Velho e Velho, 2002 e Paese, 2007

21

política. Ou seja, foi orientada pelo ‘jogo estratégico’

gumentos científicos. Assim, a para avaliação do que

inerente a controvérsia na arena política e guiadas

é aceitável ou não em termos de risco ambiental, o

por valores. (PAESE, 2007) Além disto, independen-

peso dos julgamentos de valor envolvidos, os cientis-

temente da posição sobre a proibição do plantio da

tas perdem seu papel específico na delimitação dos

cana nos biomas, a ciência forneceu os subsídios

riscos. Há neste ponto uma cisão à dicotomia entre

argumentativos para legitimar os posicionamentos

um conhecimento perito que “dimensiona” os riscos

contrários e a favor.

e os políticos que se utilizam deste conhecimento

A controvérsia diante das incertezas e dos riscos Uma das questões centrais na controvérsia reside nos riscos ambientais que a indústria sucroalcooleira impele aos biomas da Amazônia e Pantanal. É a partir deste ponto que se estabelece a controvérsia. De um lado temos a rede de atores políticos favoráveis à utilização das áreas para o desenvolvimento da indústria, e outros contrários pelos riscos eminentes. Ambos os lados, como vimos no capítulo anterior, vão defender sua posição a partir de referenciais científicos. No caso analisado, observou-se a articulação dos atores na forma de alianças em torno da decisão pretendida. Nesta ambigüidade dos atores com os referenciais da ciência que Beck (1997) e Giddens (1997) dizem que a modernidade é estruturada pela confiança atribuída aos sistemas abstratos, sobretudo pela confiança da perícia estabelecida. Há para Beck (1997) dois tipos de ciência, a ciência do laboratório envolvida no mito da precisão e desprovida de experiência e a ciência que traz a discursividade pública da experiência, de maneira controversa resultados, métodos, restrições e meios. Esta segunda é a ciência característica da sociedade de risco. É neste ponto que se explica através dos conceitos de peritagem tecnocientífica e de verdade

para validar suas decisões. No debate das controvérsias, no contexto da “sociedade de risco, as auto-ameaças são politizadas em vista de uma disputa social pela definição dos riscos, tornando as relações de força decisivas para impor uma determinada concepção sobre outra.” (PAESE, 2007). Assim na controvérsia em tela, os diferentes atores na arena da subpolítica, embasavam a disputa em torno dos riscos, exercendo pressão para além das instituições e organizações tradicionais, a partir de dados controversos da ciência. A partir desta concepção indeterminista da ciência25, destacando a ausência de conhecimento disponível que permitisse trazer um grau razoável de segurança quanto às consequências que poderiam advir da permissão de se instalar indústrias sucroalcooleiras, faz emergir o argumento do princípio da precaução, sempre utilizado para fundamentar a abordagem a partir do indeterminismo, como se vê a seguir. O debate entre as alianças foi marcado pela fundamentação em dados científicos, contudo, ao mesmo tempo estes atores articulavam argumentos de ordem pessoal, marcando seus posicionamentos enquanto sujeitos e orientando sua explicação do fenômeno social em consonância com o sentido que

ajustável a relação discursiva dos atores com os ar25

Ver Paese, 2007.

22

atribuem ao seu próprio comportamento, em relação

mento do outro, segundo os dados foi o argumen-

às suas motivações.

to/pressão do reconhecimento internacional em rela-

A análise dos dados mostra que o caminho para decisão estava bloqueado pela controvérsia.

ção à proteção do meio ambiente na produção dos biocombustíveis.

Contudo, apesar dos inúmeros adiamentos, uma

Contudo, em nenhum momento da contro-

decisão foi tomada, e as informações mostraram que

vérsia abdicou-se do conhecimento perito, afinal na

esta decisão foi puramente política, e minimamente

sociedade de risco, cientistas tornam se peritos, vin-

orientada pela ciência. Na verdade em relação à

do a público para discutir questões antes restritas aos

decisão, a questão girava em reformar ou não uma

laboratórios, sendo esta uma das características da

decisão já tomada em relação à elaboração ZAE

alta modernidade, pois “a natureza das instituições

Cana que desde o princípio já desconsiderava a

modernas está profundamente ligada ao mecanismo

Amazônia, Pantanal e BAP. A decisão a priori foi

de confiança em sistemas abstratos, especialmente

determinada pelo compromisso com a agenda am-

confiança em sistemas peritos.” (BECK, 2010).

biental internacional e amparada pelo princípio da precaução.

A pesquisa mostrou que a decisão foi à síntese da controvérsia, somada a fatores externos a

Embora a aliança favorável à autorização do

ciência, como a busca econômica por traz dos “selos

plantio apresentasse dados técnicos e científicos

verdes” e o temor da sociedade quanto às conse-

para garantir que os riscos aos biomas eram míni-

qüências dos riscos de desastres ambientais. Condi-

mos, se comparados com os ganhos humanos, e-

ções estas, característica da sociedade de risco.

conômicos e até mesmo ambientais, optou-se por um marco regulatório que proibiu novas plantas de

CONCLUSÃO

usina, e a não expansão das existentes. Não era possível tomar uma decisão sobre

Os resultados do estudo permitem afirmar

plantar ou não ouvindo os dois lados, e buscar uma

que a complexidade tecnocientífica impeliu as instân-

decisão a partir do solo objetivo da ciência. Neste

cias político-administrativas a recorrerem à peritagem

caso, como em outros de natureza controversa, é

científica, animadas pela ideia de que o valor e o es-

mera ilusão. Ambos os lados sempre disponibilizam

tatuto social da ciência permitem fundamentar e legi-

ao decisor dados fundamentados em conhecimento

timar as decisões políticas orientadas por valores e já

científico.

tomadas. Bem como, a decisão política de proibir a

O que se observou de fato foi que as alianças

plantação da cana-de-açúcar foi tomada anterior-

favoráveis e contrárias pouco influíam por conta do

mente e independente do conhecimento técnico e

saber perito, e sim por capacidade de influir e articular

científico, sendo reservado aos peritos um papel co-

politicamente junto aos atores chave na decisão: os

adjuvante na controvérsia, tal qual a conclusão de

ministros Minc e Stephanes e o Presidente Lula. O

Paese (2007). Visualiza-se que apesar da decisão

fator que tendeu a balança para um lado em detri-

estritamente política de proibir, o ZAE Cana foi um 23

documento “técnico” elaborado por peritos visando

que ser ambientalmente correto está diretamente

subsidiar e apoiar a decisão política de proibir a plan-

ligado ao desenvolvimento econômico e aceitação

tação da cana-de-açúcar, tomada anteriormente e

do produto do brasileiro no exterior, desde que “obe-

independente do conhecimento tecnocientífico. O

decidos” os preceitos da agenda ambiental interna-

ZAE Cana foi um instrumento de peritagem elabora-

cional.

do com o propósito de legitimar a decisão política. Demonstra-se neste estudo o conceito de

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te:

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http://www.mat.ufmg.br/~taka/.

brasileiro as críticas e à agenda ambiental internacio-

31/03/11.

nal. Desta forma, sobrepondo-se aos interesses regionais e da própria agenda ambiental e econômica brasileira uma agenda ambiental internacional com um inimigo declarado: cana-de-açúcar nos biomas da Amazônia e Pantanal. Conclui-se, portanto, que o discurso de preocupação com a proteção ambiental dos usineiros, ambientalistas e demais atores que compuseram a aliança em prol da proibição do plantio da cana-de-

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