É ela uma estrela do grupo (Em homenagem a Tania Stolze Lima, 2014)

August 27, 2017 | Autor: Leif Grünewald | Categoria: Social Anthropology, Gilles Deleuze, Claude Levi Strauss
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Evento de comemoração aos 20 anos do PPGA-UFF e homenagem a professora Tania Stolze Lima – Niterói, 10 de Novembro de 2014

- É ela uma estrela do grupo –
Leif Grünewald
(Universidade Federal Fluminense)

Boa noite,
Antes de iniciar a minha fala, que prometo que não será muito longa, gostaria de agradecer inicialmente a comissão organizadora desse evento pela grata oportunidade de homenagear alguém que considero muito mais que uma grande professora do PPGA ou uma grande professora de antropologia, mas antes uma grande professora. Ponto.
Eu não gostaria de esconder também de todos que se encontram aqui hoje que quando me foi proposto que escrevesse um texto em homenagem à professora Tania Stolze algumas lembranças logo me vieram a mente e duas delas acabaram sendo norteadoras do que tenho para dizer aqui esta noite.
A primeira delas foi logo a de um texto muito curto que eu já conhecia há algum tempo que foi escrito por Gilles Deleuze em homenagem a François Lyotard, nomeado de "Ele era uma estrela do grupo", em que diz Deleuze ter sido Lyotard para os seus alunos após a Guerra uma espécie de 'centro de atração'. Lyotard, para Deleuze, era, então, uma estrela. Não que fosse ele, frise-se, uma celebridade, mas era Lyotard, segundo Deleuze, uma espécie de 'constelação' em torno do qual habitavam vários alunos e vários professores.
Já a outra lembrança que logo me veio em mente foi a de uma edição do Jornal da Sociedade dos Americanistas publicada em 2008 inteiramente dedicada a homenagear Lévi-Strauss por ocasião de seu centésimo aniversário.
Quem quer que tenha a oportunidade de folheá-la um dia certamente encontrará ali um texto absolutamente curioso de Manuela Carneiro da Cunha, batizado pela autora de "Lévi-Strauss Hoje", em que mencionou ela, já no fim do texto, que uma das grandezas (mas também um dos aspectos mais misteriosos) do trabalho de Lévi-Strauss foi exatamente o que fez este autor em diversas passagens do Mythologiques com a fórmula canônica dos mitos, sendo esta, para Manuela, uma fórmula de excessos, abduções e deduções, especialmente dotada da capacidade de nos fazer, para usar as palavras da autora, dar "saltos na vida" ao nos enviar sempre, através de uma dupla torção, para novas paisagens.
Pois bem. À vista dessas duas lembranças, realmente penso eu que se poderia dizer que também é Tania uma espécie de "estrela do grupo", em torno da qual orbitam e já orbitaram tantos alunos e tantos pesquisadores. Em todo caso, penso eu ser ela um tipo de "estrela do grupo" não só pelo fato de ser ela uma ilustre e generosa professora, ou pelo seu excelente gosto literário, ou pelo seu grande e impagável senso de humor, ou ainda, como se poderia esperar que dissesse, pelo vigor de seu pensamento, expresso, caso se necessite de algum exemplo sobre ele aqui, ou na teoria etnográfica do perspectivismo ameríndio e sua discussão sobre uma alteridade referencial entre conceitos homônimos, ou, por exemplo, na leitura absolutamente fina que faz Tania de um autor pelo qual tenho bastante apreço: Pierre Clastres.
Tudo isso, para mim, é apenas uma face importante (mas absolutamente fundamental) de uma característica maior de Tania, que é a de ser ela uma grande criadora. E quando menciono o fato de ser ela uma grande criadora o que tenho em mente é, frise-se, uma função muito distinta. Um tipo de função que caracteriza apenas pessoas cujas palavras tem o grande poder de nos fazer mover em direções distintas, de nos fazer enveredar por outras trilhas e por novos percursos, a fim de podermos passar a reconhecer diferentes conexões parciais que haveriam de existir entre diferentes temas.
Mas tendo recém-dito isso, já estou certo de que não foi por acaso que justamente a lembrança dessa homenagem que prestou Deleuze a Lyotard tenha invadido imediatamente a minha memória quando recebi uma mensagem me convidando para estar aqui essa noite. Eu mesmo 'orbito' em torno de Tania há quase seis anos e devo dizer – tomando de empréstimo e invertendo uma fórmula de Pierre Clastres - que foi esse para mim um tipo de 'grato encontro'.
Tão grato talvez pelo fato de muitas de suas aulas e de seus comentários sobre meu próprio trabalho terem sujeitado inúmeras vezes meu pensamento à uma espécie de dupla torção e provocando nele, para usar as mesmas palavras de Manoela Carneiro da Cunha que mencionei anteriormente aqui, uma série de 'excessos, abduções e deduções'.
Foi com Tania que aprendi em diferentes momentos dentro e fora da sala de aula que fazer antropologia significa exatamente colocar antropologias distintas em comparação de forma a conferir à conceitos não-ocidentais uma espécie de poder de subversão e de deformação sobre uma caixa de ferramentas conceituais que quase todo antropólogo julga ter na cabeça.
E foi também através de suas palavras que aprendi um tipo de antropologia sobre o qual se merece refletir é aquele que se poderia definir como um tipo de formação híbrida resultante da imbricação de um discurso antropológico Moderno, Ocidental e Euro-americano fundamentando numa ontologia uninaturalista e multiculturalista e uma imagem da cosmopráxis indígena que é, contrastivamente, unicultural e multinaturalista. Um tipo de antropologia que, no fundo, só é 'social' na medida em que se atenta para o que configura um povo como um agente teórico ao invés de apenas um objeto, ou ainda, um tipo de antropologia que está sempre atenta menos para que relações constituem um objeto que para o que um objeto constitui como relação social.
Tudo isso, no entanto, falando do ponto de vista de alguém que ainda é um de seus estudantes. Felizmente eu também posso falar aqui hoje sobre Tania de outro ponto de vista. Um ponto de vista que julgo ser absolutamente privilegiado: o de alguém que já teve o grande prazer de repartir com ela por um semestre um curso de Etnologia Indígena para alunos do curso de graduação em Antropologia.
Lembro-me bem que quando montamos juntos o plano do curso sabíamos que queríamos trabalhar juntos, apesar de não saber exatamente como. Sabíamos também naquela ocasião exatamente sobre o que deveria ser o curso que desejávamos repartir: deveria ser ele um sobrevôo sobre diferentes formas sociais e cosmologias na Amazônia, mas como fazê-lo? Passamos a nos encontrar então uma vez por semana e foi este curso desde sua concepção um trabalho um pouco exaustivo, mas certamente rimos muito juntos.
Diferentemente do que pudesse eu talvez esperar num primeiro momento, pudemos trabalhar nessa ocasião independentemente um do outro, cada um desenvolvendo um ou outro ponto por vias distintas. Foi também por ocasião desse semestre que Tania me ensinou algo muito valioso: que o trabalho em conjunto não deve se pretender nunca uma homogeneização, mas antes uma proliferação, um acúmulo de bifurcações, ou, para usar um conceito que com ela aprendi a usar com mais precisão, um rizoma.
Foi também nessa circunstância, e sob uma espécie de sensação curiosa de encontrar-se 'enfeitiçado' (que penso eu ser comum a todos que já tiveram o prazer de ouvir Tania falar), que pude deparar-me com territórios desconhecidos onde criavam-se conceitos sobretudo curiosos.
Lembro-me que foi esse curso, ao fim, um grande fonte de felicidade para mim. Uma ocasião que apesar de ter sido um pouco cansativa, nunca me pareceu ser exaurível, como se fossem preciso ainda vários cursos para que se pudéssemos nós continuar a estabelecer tantas ressonâncias, que não pareciam ser absolutamente apenas entre nós, mas entre várias disciplinas que cortávamos transversalmente ao longo das aulas. E meu desejo sincero é, pois, que tenhamos algum dia ainda muitas oportunidades de trabalharmos juntos.
Pois bem. Já no fim enxergo que talvez a melhor maneira que poderia encontrar de homenagear Tania é colocar, de alguma maneira, essas duas perspectivas dissimilares sobre as quais acabei de comentar em comparação. Mas que imagem se poderia encontrar ao assim proceder?
Justamente, penso eu, a imagem tanto daquilo que considero ser mais admirável em Tania quanto daquilo pelo que ela sempre merecerá ser muito homenageada. É esta imagem, portanto, a de Tania enquanto uma 'meta-antropóloga'.
Mas certamente vocês estarão a se indagar: o que é um meta-antropólogo? Saiba-se, então, que é alguém que como Tania parece dedicar-se sempre a pensar e a ensinar com brilhantismo sobre aquilo que se poderia considerar, talvez, uma espécie de antropologia da antropologia, isto é, um tipo de antropologia cuja convicção maior é a de não há abismo algum entre uma sensibilidade estética e um pensamento especulativo. Um tipo de antropologia que só se faz a partir do sobrepassamento de qualquer abismo que se poderia imaginar existir entre o pensamento e a vida. E é isso, por fim, que creio que a Tania faça de melhor.
Muito obrigado,

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