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July 5, 2017 | Autor: Valdir Fernandes | Categoria: Direito Ambiental, Politicas Publicas, Public Policy
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Dedico esta monografia à minha mulher ROSEANE e aos meus filhos RAFAELA e RICARDO, pelo apoio incondicional durante todo o curso; e também aos meus pais IVANIR e DIVA, que foram a base de tudo.

Agradecimentos Agradeço a todos os professores do Programa de Mestrado Interdisciplinar em Organizações e Desenvolvimento da FAE – Centro Universitário, pelo conhecimento transmitido, em especial aos doutores Belmiro Valverde Jobim Castor (orientador) e Valdir Fernandes (coorientador), pelas sábias lições e orientações, sem as quais o presente trabalho não teria tido o resultado obtido. Aos professores doutores José Edmilson de Souza-Lima e Paulo Ricardo Opuszka, que participaram da banca e engrandeceram sobremaneira a dissertação. Agradeço também ao professor doutor Lafaiete Neves, por ter me apresentado a obra de Celso Furtado, que me fez conhecer mais a fundo a formação econômica e a origem das desigualdades regionais brasileiras. À turma do mestrado de 2010, pelas amizades formadas e por ter deixado marcas inesquecíveis em minha vida. Às colaboradoras Mariana Fressato e Mônica Gonçalves, pelo apoio dado na secretaria do curso. Agradeço também aos amigos do grupo de estudos sobre ambiente Taiane Darós, Kilder Zander e Heloísa Borges, pela troca de materiais e ideias. Agradeço, finalmente, aos meus colegas de escritório, pelo suporte profissional dado durante o período das aulas e de elaboração da dissertação.

Resumo Esta pesquisa situa-se no campo interdisciplinar e trata do instituto jurídico da responsabilidade solidária a partir das perspectivas do Direito Ambiental e das Políticas Públicas. Tem por objetivo estabelecer os limites da solidariedade ambiental. A pesquisa é teórica, descritiva e exploratória, com análise de dados bibliográficos pelo método dedutivo. São estabelecidas relações entre as Políticas Públicas, os novos paradigmas a partir da questão ambiental e a responsabilidade solidária. Dentre os resultados obtidos, destacam-se a necessidade de política pública federal para instituir a solidariedade jurídica ambiental e a possibilidade de modificação desta por disposição contratual, com efeitos apenas entre os contratantes. Palavras-chave: Direito Ambiental. Políticas Públicas. Responsabilidade solidária.

Abstract This research lies in interdisciplinary field and deals with the law office of the liability from the perspectives of environmental law and public policies. Aims to establish the limits of environmental solidarity. Research is exploratory and descriptive, theoretical, with bibliographic data analysis by the deductive method. Relationships are established between public policies, new paradigms from the environmental issue and the joint and several liability. Among the results achieved include the need for federal public policy to establish environmental legal solidarity and the possibility of modifying this by contractual provision with effect only between the contracting parties.

Keywords: Environmental Law. Public policies. Joint liability.

SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................09 1.1 DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE: UMA EVOLUÇÃO HISTÓRICA E CONCEITUAL ...........................................................................................................12 1.1.1 O despertar da consciência ambiental .............................................................12 1.1.2 Evolução da legislação ambiental brasileira .....................................................15 1.1.3 A importância do Direito Ambiental para a gestão do desenvolvimento ..........19 1.1.4 Riscos ambientais ............................................................................................26 1.1.5 A responsabilidade solidária como instrumento de políticas públicas .............30 1.2 PERGUNTA DE PESQUISA ...............................................................................31 1.2.1 Originalidade e relevância do tema ..................................................................32 1.3. OBJETIVO GERAL .............................................................................................33 1.3.1 Objetivos específicos ........................................................................................33 1.4 CONTEÚDO E METODOLOGIA .........................................................................34 1.4.1 Conteúdo ..........................................................................................................34 1.4.2 Metodologia ......................................................................................................35 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E EMPÍRICA .....................................................37 2.1 POLÍTICAS PÚBLICAS: O PAPEL DO ESTADO NO CONTEXTO DA QUESTÃO AMBIENTAL ..............................................................................................................37 2.2 NOVOS PARADIGMAS A PARTIR DA QUESTÃO AMBIENTAL .......................44 2.2.1 O objeto meio ambiente ...................................................................................45 2.2.2 Direito metaindividual .......................................................................................46 2.2.3 A sustentabilidade como fundamento constitucional .......................................50 2.2.4 A prevenção ou a precaução ............................................................................51 2.2.5 O princípio do poluidor-pagador .......................................................................54 2.2.6 O princípio do protetor-recebedor ....................................................................55 2.2.7 A responsabilidade objetiva ..............................................................................56 2.2.8 O princípio da reparação integral .....................................................................57 2.3 RESPONSABILIDADE AMBIENTAL ...................................................................58 2.3.1 Responsabilidade civil, penal e ambiental ........................................................58

2.3.2 As funções repressiva, restitutiva e preventiva da responsabilidade em matéria ambiental ...................................................................................................................59 2.3.3 O escopo da reparação integral .......................................................................61 2.3.4 Responsabilidade objetiva ................................................................................61 2.3.5 Teoria do risco integral .....................................................................................65 2.3.6 Pressupostos da responsabilidade ambiental ..................................................66 2.3.6.1 Ação ou omissão ...........................................................................................66 2.3.6.2 Dano ambiental .............................................................................................67 2.3.6.3 Nexo de causalidade .....................................................................................69 2.3.7 A responsabilidade compartilhada ...................................................................71 2.4 RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA EM MATÉRIA AMBIENTAL .......................72 2.5 OS LIMITES DA SOLIDARIEDADE ....................................................................76 2.5.1 A solidariedade deve ter por origem a lei .........................................................77 2.5.2 A Resolução CONAMA nº 273, de 29 de novembro de 2000 ..........................77 2.5.3 Competências constitucionais ..........................................................................79 2.5.4 A possibilidade de modificação da solidariedade por disposição contratual, mas com efeitos relativos, que vinculam apenas os contratantes ....................................83 3 RESPOSTA AO PROBLEMA DE PESQUISA.....................................................86 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................91 4.1 Limites do trabalho ..............................................................................................93 4.2 Sugestão de novos estudos ................................................................................93 5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................95

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1 INTRODUÇÃO O desenvolvimento sustentável possui “cinco pilares”: social, ambiental, territorial, econômico e político. A dimensão social decorre da “perspectiva de disrupção social que paira de forma ameaçadora sobre muitos lugares problemáticos de nosso planeta”; a ambiental considera “os sistemas de sustentação da vida como provedores de recursos e como ‘recipientes’ para a disposição de resíduos”; a territorial está relacionada “à distribuição espacial dos recursos, das populações e das atividades”; a econômica como “conditio sine qua non para que as coisas aconteçam”; e, por último, a dimensão política, considerando a democracia como “um valor fundador e um instrumento necessário para fazer as coisas acontecerem; a liberdade faz toda a diferença” (Sachs, 2004, p. 15-16). Portanto, o conceito, tal como vem sendo utilizado mais recentemente, não abrange apenas a necessidade de manutenção a longo prazo da produtividade dos recursos naturais e de conservação da base física de uma região ou país, mas fortalece, também, a ideia de equidade interpessoal (sustentabilidade social) e intertemporal (sustentabilidade ambiental), num contexto de empreendimentos econômicos que não sejam autofágicos em termos dos recursos escassos disponíveis (Haddad, 2001).

Ocorre que, na prática, o predomínio da dimensão econômica está colocando em xeque as demais, especialmente a ambiental. Com efeito, o desenvolvimento baseado no modelo econômico decorrente da industrialização e do capitalismo ensejou o aumento desenfreado da produção e do consumo, causando necessidade de grande aumento na exploração dos recursos naturais. Além disso, a ânsia de se melhorar os índices econômicos, eis que conferem benefícios com maior celeridade à população, superou a preocupação e os cuidados com a proteção do meio ambiente. Há um pensamento geral no sentido de que os avanços tecnológicos encontrarão uma solução às crises ambientais que já se vislumbram (“tech fix”); aposta-se tudo em “mágicas” ou “milagres” da tecnologia, embora estejam em disputa valores inestimáveis ao ser humano: as condições de sobrevivência das gerações futuras.

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Isso leva à tendência atual de se repensar o modelo do sistema de desenvolvimento, hoje voltado ao viés econômico, para que outro seja construído tendo como elemento central o meio ambiente (Leite e Ayala, 2010, p. 23). Necessitamos, portanto, de uma abordagem holística e interdisciplinar, na qual cientistas naturais e sociais trabalhem juntos em favor do alcance de caminhos sábios para o uso e aproveitamento dos recursos da natureza, respeitando a sua diversidade. Conservação e aproveitamento racional da natureza podem e devem andar juntos (Sachs, 2009, p. 31-32).

Enquanto isso não se verifica na prática, o Direito Ambiental continua sendo o principal instrumento à disposição do Estado no sentido da proteção ao meio ambiente. Há mecanismos ou institutos jurídicos que podem ser utilizados pelos governantes na tentativa de se afastar os riscos e prevenir danos ambientais. A responsabilidade solidária é um deles. Uma obrigação é “solidária”, sob o prisma jurídico, quando envolve uma pluralidade de credores (solidariedade ativa) ou de devedores (solidariedade passiva), sendo cada um deles titular da totalidade do crédito, no primeiro caso, ou responsável pela totalidade da prestação, no segundo. Na solidariedade ativa, mesmo havendo vários credores, o devedor tem a opção de pagar toda a dívida a apenas um deles, que repartirá o crédito entre os demais; na passiva, o credor tem a opção de exigir a obrigação de todos ou de apenas um dos codevedores (o devedor que pagar poderá exigir dos demais suas quotas-partes). Em matéria de responsabilidade ambiental, a solidariedade passiva recebe maior relevância. O credor de uma obrigação ambiental é um só, qual seja toda a coletividade (interesse público), representada pelo Estado, Ministério Público, associações, órgãos ambientais, ONGs, etc., ao passo que os sujeitos passivos podem ser vários, todas as pessoas – físicas ou jurídicas - que causaram ou se beneficiaram, direta ou indiretamente, da degradação ambiental. A obrigação é solidária (passiva) porque cada um dos poluidores pode ser compelido a sanar toda a poluição produzida ou a pagar a totalidade dos prejuízos, ainda que não tenha sido o único causador dos danos ambientais.

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Isto se aplica não apenas para a exigência da própria obrigação (específica), mas também caso o cumprimento desta se torne impossível e se converta em indenização por perdas e danos. Com efeito, o devedor solidário pode ser obrigado a remover o dano ambiental, recuperando o meio ambiente e propiciando o retorno das coisas ao status quo - que deve ser o principal objetivo a ser alcançado -, ou a indenizar os prejuízos materiais ou morais1. A regra geral é que todos os poluidores são responsáveis pelos eventos ambientais, que tenham tido participação direta ou indireta no evento danoso (princípio do “poluidor-pagador”), ou que tenham se beneficiado, ainda que indiretamente, da atividade nociva ao meio ambiente, cada um deles respondendo pela totalidade da poluição. Há casos, porém, em que se pode exigir de uma pessoa a responsabilidade ambiental, de forma solidária (solidariedade passiva), mesmo não tendo ela tido nenhum envolvimento na degradação ambiental. Enfim, a pessoa não poluiu, nem se beneficiou da atividade poluidora, mas poderá ser obrigada a sanar ou reparar a totalidade do dano ambiental. Deste modo, quanto maior o espectro na responsabilização de pessoas a determinados eventos ou atividades que possam trazer riscos ambientais, maior será a probabilidade de se prevenir o dano ambiental ou de repará-lo. Entretanto, a responsabilidade solidária contém limites que precisam ser observados. Por meio da presente pesquisa, busca-se identificar os limites para a responsabilização ambiental solidária, com maior ênfase para os entes que não tenham sido poluidores, isto é, aqueles que não tiveram participação nem contribuíram direta ou indiretamente para a produção do dano ambiental.

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A indenização por perdas e danos poderá ser exigida mesmo diante da possibilidade de recomposição do meio ambiente (cumprimento específico da obrigação), para cobrir os prejuízos oriundos do evento danoso.

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1.1 DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE: UMA EVOLUÇÃO HISTÓRICA E CONCEITUAL 1.1.1 O despertar da consciência ambiental A partir da crise mundial de 1929 e da Grande Guerra, o capitalismo ganhou espaço e passou a dominar a economia global, movido pela industrialização e pelos avanços tecnológicos. Os países começaram a romper suas fronteiras no sentido de um amplo mercado mundial, bem como nas relações sociais (sociedades em rede). O aumento da produção, a geração de empregos e o acúmulo de capital acarretaram a expansão do consumo, inicialmente nos países centrais ou desenvolvidos, depois refletida nos países periféricos. A ostentação de produtos de “marcas” de expressão global passou a ser sinônimo de posição social e a importância dada ao consumo, um elemento cultural. De fato, a economia transformou as sociedades, considerando as pessoas como matérias primas, por meio da força de trabalho, e a terra (espaço na superfície) como objeto de comércio, dando origem às sociedades de mercado, regidas por este poder superlativo e invisível. Este artifício institucional, que chegou a ser a força dominante da economia – descrita, agora, com justiça como economia de mercado – deu logo origem a outro desenvolvimento ainda mais extremo, uma sociedade inteira embutida no mecanismo de sua própria economia: a sociedade de mercado. A industrialização foi um compromisso, nada fácil, entre o homem e a máquina no qual o homem se perdeu e a máquina encontrou seu caminho (Polanyi, 1994, p. 63).

A partir da década de 1960, dentro do contexto econômico global descrito acima, marcado pelo incentivo ao consumo - elemento indispensável ao capitalismo e ao desenvolvimento -, o homem percebeu que os recursos naturais são finitos, não renováveis, e que a degradação do meio ambiente pode comprometer as condições de sobrevivência das gerações futuras. As pessoas então detectaram que os maiores problemas eram: industrialização acelerada, rápido crescimento demográfico, escassez de alimentos, esgotamen-

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to de recursos não renováveis, deterioração do meio ambiente. Tinham uma visão ecocêntrica e definiam que o grande problema estava na pressão da população sobre o meio ambiente. Em 1962, Rachel Carson publicou a obra “Silent Spring”, que condenava o uso de pesticidas sintéticos, como o DDT, a qual foi considerada o marco inicial da grande “virada ecológica”. Em abril de 1968, formou-se o Clube de Roma2, uma associação composta por cientistas, economistas, industriais e funcionários públicos, tendo por objetivo discutir os limites do desenvolvimento econômico em detrimento da exploração dos recursos naturais. Derivado dos estudos feitos pelo Clube de Roma, foi lançado em 01 de março de 1972 o relatório “Limits to Growth”, de Donella H. Meadows, com tiragem de mais de dez milhões de exemplares e traduzido para vários idiomas, que teve impacto mundial e serviu para despertar a atenção para a problemática ambiental decorrente do crescimento desenfreado da população. Em 1972, a ONU realizou uma conferência sobre “Meio Ambiente Humano”, em Estocolmo (Suécia), considerada um “marco na história da humanidade” no tocante à preservação do meio ambiente. A Declaração estabeleceu 26 princípios que praticamente resumem as preocupações com o desenvolvimento e o meio ambiente, constituindo uma importante fonte do direito ambiental brasileiro. Os temas abordados podem ser resumidos em: o meio ambiente como direito humano, desenvolvimento sustentável, proteção da biodiversidade, luta contra a poluição, combate à pobreza, planejamento, desenvolvimento tecnológico, limitação à soberania territorial dos Estados, cooperação e adequação das soluções à especificidade dos problemas (Granziera, 2009, p. 32).

A Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (ONU) publicou, em 1987, o Relatório “Brutland”, criticando o modelo de desenvolvimento adotado pelos países industrializados.

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Atualmente o Clube de Roma é uma ONG.

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Os princípios da Declaração de Estocolmo de 1972 foram reforçados pela Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada em junho de 1992, com ênfase à necessidade de uma cooperação global e de que há uma relação estreita entre a pobreza mundial e a degradação ambiental (Rio-92). Na Conferência do Rio de Janeiro, o governo brasileiro definiu a criação da Agenda 21 pela União, Estados e municípios, estabelecendo ações e objetivos concretos no sentido da proteção do meio ambiente. A Agenda 21 brasileira foi estabelecida, de fato, em 2002, com a criação do Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentável. No ano de 1997, na cidade de Kyoto, no Japão, houve um acordo internacional pelo quais os países aderentes, inclusive o Brasil, assumiram o compromisso de reduzir a emissão de gases causadores do efeito estufa, em pelo menos 5,2% em relação ao observado em 1990 (Protocolo de Kyoto). Em 2002, em Johannesburgo, África do Sul, a ONU promoveu um evento mundial conhecido como “Rio + 10”, para discutir e avaliar as ações ambientais nos dez anos antecedentes, principalmente o “acesso à energia limpa e renovável, às consequências do efeito estufa, à conservação da biodiversidade, à proteção e uso da água, ao acesso à água potável, ao saneamento e ao controle de substâncias químicas nocivas”, bem como para estabelecer algumas metas para os dez anos seguintes, dentre as quais “reduzir pela metade a população sem acesso a água potável e saneamento básico até 2015” (Granziera, 2009, p. 49). Nos dias 20 a 22 de junho de 2012 será realizada no Rio de Janeiro mais uma conferência da ONU sobre desenvolvimento sustentável, denominada de “Rio + 20”, marcando o 20º aniversário da conferência realizada em junho de 1992 na mesma cidade e o 10º aniversário do evento denominado “Rio + 10”, realizado em Johannesburgo (2002). Os dois temas em foco na referida conferência serão: “(a) uma economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza; e (b) o quadro institucional para o desenvolvimento sustentável” (www.rio20.info/2012/sobre).

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1.1.2 Evolução da legislação ambiental brasileira Até a década de 1970 o Brasil andava na contramão do caminho da sustentabilidade. O país vivia um movimento desenvolvimentista muito forte e a questão ambiental, olhada como um fator impeditivo à utilização dos recursos naturais, era considerada inimiga do desenvolvimento. A ausência de regras ou políticas sobre proteção ambiental, a enorme desvalorização da mão de obra no mercado mundial e a pobreza eram utilizados pelo país como pretextos ou subterfúgios para a adoção de uma posição secundária e dependente na economia capitalista mundial, que lhe garantiam um poder de barganha perante outros países. A institucionalização de medidas no sentido da melhoria da qualidade ambiental significava “abdicar do poder de barganha na ordem econômica internacional”. Foi uma fase de culto ao desenvolvimento sem limites e de devastação da natureza, de busca ao desenvolvimento a qualquer custo (Hogan e Vieira, 1995, p.15). Contudo, os eventos e convenções internacionais sobre meio ambiente, a pressão externa internacional e interna de entidades ambientalistas começaram a refletir nas políticas públicas nacionais. Em 1973, após a Convenção de Estocolmo, foi criada a Secretaria Especial de Meio Ambiente, ligada ao Ministério do Interior, que permitiu aos Estados criarem seus órgãos ambientais. A partir da década de 1980, com o fortalecimento do Estado em detrimento da sociedade civil, a questão ambiental foi inserida em uma normatização paralela e alheia às consequências do aumento do parque industrial brasileiro. “Investiu-se na politização de carências, transformando-as, através da ação mobilizatória, em reivindicação dirigida às instituições competentes, para que estas incorporassem, enquanto demanda, as possibilidades objetivas de reprodução da vida coletiva latu sensu” (Hogan e Vieira, p. 16). A ordem passou a ser a “normatização de novos direitos ampliando o universo e os limites das representações sobre cidadania”. “Nunca se falou tanto de meio ambiente no país, mas superficialmente” (Ibidem, p. 17).

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A Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, estabeleceu a Política Nacional de Meio Ambiente e criou o SISNAMA – Sistema Nacional do Meio Ambiente. O IBAMA – Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Renováveis foi criado em 1989, abrangendo diversas agências responsáveis pelas questões ambientais, dentre ela o IBDF – Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal, a SUDEPE – Superintendência do Desenvolvimento da Pesca, a SUDHEVEA - Superintendência da Borracha e a Secretária Especial do Meio Ambiente. O Sistema Nacional de Meio Ambiente SISNAMA, é composto de um órgão superior, um órgão consultivo e deliberativo, um órgão central, um órgão executivo e órgãos setoriais, nas três esferas de governo. As esferas federal, estadual e municipal, têm, cada qual, suas peculiaridades. Em nível federal, o órgão superior do SISNAMA é o Conselho de Governo, órgão de assessoramento ao Presidente da República. É um órgão consultivo, e que não existe no âmbito estadual e municipal. O órgão deliberativo e consultivo, em âmbito federal, é o CONAMA – Conselho Nacional de Meio Ambiente, enquanto que na esfera estadual é o CONSEMA – Conselho Estadual de Meio Ambiente e COMDEMA – Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente, na esfera municipal. Cabe mencionar que todos os conselhos têm representação social. O órgão central do SISNAMA, em âmbito federal, é o Ministério do Meio Ambiente, ao passo que nos estados são as Secretárias de Meio Ambiente, e na esfera municipal as Secretárias Municipais de Meio Ambiente ou equivalentes. Os órgãos executivos do Sistema são: IBAMA, em âmbito federal; agências ambientais, tais como CETESB e a Fundação Florestal em São Paulo, COPAM e FEAM em Minas Gerais, FEEMA no Rio de Janeiro, FATMA em Santa Catarina, CRA na Bahia e IAP, no Paraná, dentre outras; em nível municipal são os Departamentos. Considerando os órgãos setoriais do SISNAMA, temse sempre, nos três níveis, os órgãos da administração daquela esfera, como órgãos apoiadores do Sistema (Fernandes e Philippi Jr, [2010?]).

O Ministério do Meio Ambiente foi criado em 1985, inicialmente nomeado de Ministério do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente. Em 1999, o Ministério do Meio Ambiente teve sua atuação ampliada, incorporando as questões relacionadas à Amazônia Legal e aos recursos hídricos. Em 05 de outubro de 1988 foi promulgada a Constituição Federal em vigor, que garantiu a todos o “meio ambiente ecologicamente equilibrado” e “essencial à

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sadia qualidade de vida”, “impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (artigo 225, “caput”). Em 1997, mesmo ano do Protocolo de Kyoto, surgiu a Lei nº 9.433, de 08 de janeiro de 1997, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos, bem como dispôs seus fundamentos, objetos, instrumentos e diretrizes gerais de ação para a sua implementação. A Lei nº 9.795, de 27 de abril de 1999 estabeleceu a Política Nacional de Educação Ambiental e dispôs sobre a Educação Ambiental, conceituado esta como “os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade” (artigo 1º). No ano 2000 foi promulgada a Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza, estabelecendo os critérios e normas para a criação, implantação e gestão das unidades de conservação, estas entendidas como “espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção” (artigo 2º, inciso I). Em 2001, a Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, denominada Estatuto da Cidade, instituiu a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano e estabeleceu “normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental” (artigo 1º, parágrafo único). No ano de 2007 foi promulgada a Lei nº 11.445, de 05 de janeiro de 2007, que estabeleceu a Política Nacional de Saneamento Básico, indicando os princípios fundamentais dos serviços públicos e as “diretrizes nacionais para o saneamento básico e para a política federal de saneamento básico” (artigo 1º).

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Após mais de duas décadas de tramitação no Congresso Nacional, a Lei nº 12.305, de 02 de agosto de 2010 estabeleceu a Política Nacional de Resíduos Sólidos, dispondo sobre seus “princípios, objetivos e instrumentos, bem como sobre as diretrizes relativas à gestão integrada e ao gerenciamento de resíduos sólidos, incluídos os perigosos, às responsabilidades dos geradores e do poder público e aos instrumentos econômicos aplicáveis” (artigo 1º), e sujeitando à observância de suas regras “as pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, responsáveis, direta ou indiretamente, pela geração de resíduos sólidos e as que desenvolvam ações relacionadas à gestão integrada ou ao gerenciamento de resíduos sólidos” (artigo 1º, §1º), com exclusão dos rejeitos radioativos, que são regulados por legislação específica (artigo 1º, §2º). Mais recentemente, a Lei Complementar nº 140, de 8 de dezembro de 2011 fixou normas para a “cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção ao meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora”3. O Direito Ambiental brasileiro desenvolveu-se em paralelo às iniciativas voltadas à gestão ambiental mencionadas acima, como instrumento das referidas políticas públicas, por meio da edição de leis e normas regulamentadoras voltadas à preservação do meio ambiente, tanto no aspecto preventivo quanto no repressivo. Com efeito, a legislação passou a exigir o licenciamento ambiental prévio para determinadas atividades consideradas poluidoras, definiu condutas lesivas ao meio ambiente, tipificando crimes e estabelecendo as mais variadas sanções de acordo com a gravidade das infrações (multas, penas privativas de direitos, penas restritivas de liberdade, etc.), nas esferas administrativa, civil e penal, cumulativamente. Dentre as leis ambientais criadas, destacam-se, além da Constituição Federal de 1988, a Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, que “estabelece a Política Na-

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A Lei Complementar nº 140/2011 entrou em vigor no dia 12 de dezembro de 2011.

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cional de Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação”, “constitui o Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA e institui o Cadastro de Defesa Ambiental” (artigo 1º); a Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998) e o Decreto nº 3.179, de 21 de setembro de 1999, substituído pelo Decreto nº 6.514, de 22 de julho de 2008, que regulamentaram a Lei de Crimes Ambientais na parte de infrações e sanções administrativas. Nos últimos anos, o Direito Ambiental tem despertado bastante a atenção dos políticos, dos governantes, das organizações (seus titulares, gerentes e administradores) e da população em geral, diante dos desequilíbrios ambientais verificados e das consequências geradas (enchentes, secas, “tsunamis”, tornados, tufões, desmoronamentos, etc.). São os chamados “eventos climáticos extremos”, decorrentes principalmente do aquecimento global4. Afinal, o meio ambiente atinge a esfera de todos, indistintamente, com repercussão para as gerações futuras. São raros os dias em que não há a veiculação na mídia de notícias envolvendo a matéria, discorrendo sobre danos ambientais, comportamentos nocivos ao meio ambiente e edição de leis objetivando a melhoria da saúde pública e do ambiente em que vivemos, tais como leis “seca” e “anti-fumo”, dentre outras. 1.1.3 A importância do Direito Ambiental para a gestão do desenvolvimento As políticas de desenvolvimento geram impactos ecológicos ao fomentar as atividades econômicas que se utilizam dos recursos naturais como matérias-primas. Se os recursos naturais são finitos e há um aumento demográfico, o desenvolvimento chegaria a um limite máximo com o esgotamento dos mesmos. De fato, há um conflito aparente entre o desenvolvimento e o meio ambiente, que num primeiro momento parece ser insolúvel. Por meio das técnicas disponíveis, a população transforma os recursos em produtos apropriados às finalidades de consumo e de reprodução social. A dialética que 4

Paralelamente ao Direito Ambiental, têm sido adotadas medidas de mitigação e de adaptação da população para o enfrentamento dos “eventos climáticos extremos”. As primeiras englobam a redução dos gases que causam o efeito estufa; as segundas visam adaptar as cidades e preparar a sociedade para os efeitos do aquecimento global (mapeamento das áreas vulneráveis e das populações de risco, aparelhamento e melhor preparo da defesa civil, etc.).

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se instaura entre a pressão demográfica e os recursos tornou-se objeto de vastíssima literatura, incidindo sobre a mudança técnica e social. Trata-se de uma fonte de progresso ou de involução? Colocada em termos tão genéricos, a questão não tem resposta. Não poderia haver um modelo único que descrevesse as numerosas configurações dessas variáveis; o que se impõe, ao contrário, é um esforço sistemático da parte dos historiadores e antropólogos visando a elaboração de uma tipologia de situações a partir de dados concretos (Sachs, 2007, p. 59).

Os países, então, deveriam ficar estagnados, sem promoverem o desenvolvimento e a consequente melhoria das condições sociais de sua população, para que os recursos naturais não ficassem comprometidos? A ideia de “crescimento zero” ou do “não-crescimento” foi rejeitada pelos países, principalmente por aqueles em desenvolvimento, por óbvias razões sociais, “pois isto deterioraria ainda mais a já inaceitável situação da maioria pobre” (Sachs, 2009, p. 52). Com efeito, num mundo traumatizado pela crise dos anos 1930, pelo surgimento do campo socialista e pela emergência do Terceiro Mundo, o crescimento ocupava um lugar de honra, ao mesmo tempo entre capitalistas e revolucionários, entre artífices do lucro e justiceiros, estabelecendo-se pontos de clivagem apenas em torno das modalidades e dos usos do crescimento (Sachs, 2007, p. 55).

De outro lado, criou-se a consciência de que o crescimento econômico ilimitado e “selvagem” não poderia prevalecer, sob pena de se comprometer a natureza e sobrevivência das gerações futuras, pois os recursos naturais são finitos. Nesse contexto, o pensamento predominante foi o de seguir o “caminho do meio”, de se abandonar o conceito limitado de crescimento econômico para a adoção do conceito mais amplo de desenvolvimento, que engloba a mudança social e a qualidade de vida, pois é possível conciliar a gestão da qualidade ambiental e os planos de desenvolvimento, “de modo a alcançar uma melhoria substancial na qualidade de vida e, ao mesmo tempo, aumentar o volume de emprego sem prejudicar necessariamente a taxa convencional de crescimento” (Sachs, 2007, p. 36-37). O desenvolvimento econômico deve ser “socialmente justo e ecologicamente

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sustentável” (Hogan e Vieira, 1995, p. 21). De modo geral, o objetivo deveria ser o do estabelecimento de um aproveitamento racional e ecologicamente da natureza em benefício das populações locais, levando-as a incorporar a preocupação com a conservação da biodiversidade aos seus próprios interesses, como um componente de estratégia de desenvolvimento. Daí a necessidade de se adotar padrões negociados e contratuais de gestão da biodiversidade (Sachs, 2009, p. 53). A economia de permanência deveria estar afirmada na perenidade dos recursos, isto é, na habilidade de transformar os elementos do meio ambiente em recursos sem destruir o capital da natureza. O conceito de recurso é cultural e histórico. É o conhecimento, pela sociedade, do potencial do seu meio ambiente. O que hoje é recurso, ontem não o era, e alguns dos recursos dos quais somos depedentes hoje, serão descartados amanhã; assim caminha o progresso técnico. Deveríamos confiar o máximo possível no fluxo de renovação dos recursos. Entretanto, capacidade de renovação dos recursos – significando este termo o suporte básico da vida, água, solo e clima – requer uma gestão ecológica prudente, pois não se trata de um atributo concedido de uma única vez, para sempre (Ibidem, p. 69-70).

Para regular e resolver os conflitos gerados da relação entre as pessoas, as atividades empresárias e o meio ambiente, “o Poder Público não pode deixar de intervir, mas o fará com melhor conhecimento de causa e depois de ter dado aos interessados a possibilidade de defender seu pleito” (Sachs, 2007, p. 94). Emerge daí a importância do Direito Ambiental para a sustentabilidade, para impor as regras que deverão nortear os envolvidos (titulares, gerentes e administradores de empresas, Estado-Juiz e população em geral), em prol das gerações presentes e futuras. O Direito exerce um papel fundamental para o desenvolvimento sustentável do país, em todos os aspectos ou critérios (social, econômico, ecológico/ambiental, espacial e cultural), ao transformar em regras os valores de uma sociedade. O Direito Ambiental apresenta os mecanismos essenciais a serem utilizados pelo Estado para a proteção e garantia da sustentabilidade, esta entendida como sinônimo de

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resiliência, isto é, a capacidade do ser humano de se adaptar ao meio ambiente e de garantir sua permanência no planeta. Por suas peculiaridades, afirma-se que o Direito Ambiental é autônomo e independente dos demais ramos do Direito, tendo características próprias. Isto nem poderia ser diferente, porquanto o meio ambiente é um tema interdisciplinar, refletindo em vários campos ao mesmo tempo. Com efeito, um conhecimento disciplinar não permite a compreensão exata de um tema tão complexo quanto o meio ambiente; a análise deve ser sistêmica e sob vários prismas. Pode-se, não obstante isso, dizer que se trata de uma disciplina jurídica de acentuada autonomia, dada a natureza específica de seu objeto - ordenação da qualidade do meio ambiente com vista a uma boa qualidade de vida -, que não se confunde, nem mesmo se assemelha, com o objeto de outros ramos do Direito (Silva, 2010, p. 41).

Não pode ser enquadrado nem no Direito Privado, nem no Público5. Para aquele, tudo o que não seja vedado por lei pode ser praticado; para este, somente se pode fazer aquilo que esteja previsto em lei. Sob o prisma ambiental, nem sempre aquilo que não é vedado por lei pode ser feito, pois pode haver limitações, assim como não basta a permissão do órgão ambiental, por exemplo, para que determinada atividade não possa mais ser questionada. Tudo é relativo em se tratando de proteção ao meio ambiente, tanto que são comuns conflitos de direitos nesta área. O Direito Ambiental não é exclusivamente civil, penal, constitucional ou administrativo. Envolve conceitos e institutos de todos os ramos, mas com elementos peculiares. Podem ser identificados quatro atributos que fazem do direito ambiental um ramo próprio e autônomo do direito, desvinculado, pois, da exclusividade que tem sido pretendida pelo direito administrativo: objeto específico, finalidade própria, estrutura coerente e técnica original (D’Isep, Nery Júnior e Medauar, 2009, p. 209).

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Apesar da acentuada atuação do poder público no sentido de controlar as atividades econômicas e de preservar o meio ambiente, até mesmo para assegurar o princípio jurídico civil elementar da dignidade da pessoa humana.

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Novos paradigmas6 surgiram ou ressurgiram com características próprias para o Direito Ambiental. Direitos metaindividuais, os princípios do poluidor-pagador, do protetor-recebedor, da prevenção, da precaução e da reparação integral, responsabilidade objetiva, solidariedade, são alguns deles. O dinamismo do mercado e do sistema capitalista faz surgir novas atividades econômicas, muitas vezes não tratadas pela legislação. Deste modo, as omissões do legislador e as lacunas no ordenamento jurídico devem ser supridas e preenchidas pelos conceitos jurídicos inerentes ao Direito Ambiental, com escopo de se proteger o meio ambiente, que é a essência da sobrevivência da raça humana. O ideal seria que as pessoas tivessem consciência acerca da problemática ambiental e participassem ativamente da proteção do meio ambiente, como, por exemplo, por meio do consumo consciente, audiências públicas, etc. A participação e 6

No capítulo 2, o termo “paradigma” foi utilizado como sinônimo de “princípio” ou “premissa”, não tendo um alcance tão profundo como o entendido pela Sociologia e pela Filosofia e considerado no capítulo 3 (paradigma como modelo de desenvolvimento). Edgar Morin define paradigma como a “promoção/seleção dos conceitos-mestres da inteligibilidade”, como a ordem para os deterministas, a matéria para os materialistas, o espírito para os espiritualistas e a estrutura para os estruturalistas, “que excluem ou subordinam os conceitos que lhes são antinômicos”. Assim, os paradigmas são “seleção das ideias que estão integradas no discurso ou na teoria, ou postas de lado e rejeitadas”; o paradigma “está oculto sob a lógica e seleciona as operações lógicas que se tornam ao mesmo tempo preponderantes, pertinentes e evidentes sob seu domínio”, de modo que “os indivíduos conhecem, pensam e agem segundo paradigmas inscritos culturalmente neles”. O paradigma desempenha um papel ao mesmo tempo subterrâneo e soberano em qualquer teoria, doutrina ou ideologia. O paradigma é inconsciente, mas irriga o pensamento consciente, controla-o e, neste sentido, é também supraconsciente. Em resumo, o paradigma instaura relações primordiais que constituem axiomas, determina conceitos, comanda discursos e/ou teorias. Organiza a organização deles e gera a geração ou a regeneração (Morin, 2000, p. 24-25). Thomas Kuhn considera o paradigma em dois sentidos diferentes. Num primeiro sentido, denominado “sociológico”, os paradigmas decorrem dos valores, técnicas e crenças partilhadas pelos integrantes de uma comunidade. Em outro sentido, considerado pelo autor como “filosoficamente mais profundo”, paradigmas são soluções concretas ou realizações que podem ser utilizados como exemplos (Kuhn, 1998, p. 218). “Um paradigma é aquilo que os membros de uma comunidade partilham e, inversamente, uma comunidade científica consiste em homens que partilham um paradigma” (Ibidem, p. 219). Nas comunidades científicas, há um período de transição entre um período pré-paradigmático a um pós-paradigmático. Primeiramente, algumas escolas ou correntes disputam o domínio de determinado campo de estudo. Quando acontece alguma realização científica mais relevante, o número de escolas adeptas a tal teoria aumenta de tal modo que seu entendimento passa a prevalecer diante das demais. Com efeito, uma ciência se desenvolve quando obtém um paradigma (Kuhn, 1998, p. 221-222). Os paradigmas explicam a “relativa unanimidade de julgamentos profissionais” de uma determinada comunidade científica; “constituem uma matriz disciplinar, formam um todo, funcionando em conjunto” (Kuhn, 1998, p. 226-227).

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a informação são fundamentais para o controle social das ações ambientais e para o direito metaindividual do meio ambiente7. Porém, esta não é a realidade brasileira8. Alguns dos fatores limitantes da participação são: as pessoas não assumem responsabilidades, até mesmo por falta de compreensão das mesmas; a inexistência de espaços públicos e de oportunidades para a livre discussão popular; o tamanho das organizações ou de grupos impede maior participação individual; as pessoas geralmente apresentam um caráter imediatista, pretendendo resultados instantâneos, o que pode desestimular a participação em assuntos de planejamento estratégico; muitas vezes os próprios governantes não trazem à baila questões da realidade dos cidadãos, gerando desinteresse (Ponchirolli e Neves, 2010, p. 28-30). Será razoável pedir ao cidadão brasileiro de baixa renda que chega em casa exausto depois de um dia de trabalho – ou, o que é pior, batalhou o dia todo por um trabalho que não achou – que se transforme com imensa lucidez num transformador do mundo evitando comprar o produto A ou B em vez de aceitar que ele se acomode num canto de sofá para ver uma ‘novela das oito’ que lhe vende subliminarmente, via merchandising, mais de uma dúzia de produtos, enquanto se distrai das dores do dia? (Dupas, 2005, p. 194).

Gilberto Dupas, baseado numa pesquisa realizada pelo Instituto Akatu, constatou que: Apenas 6% da população brasileira e um consumidor consciente; por outro lado, só 3% dela é completamente indiferente. Os iniciantes na preocupação são 54%, e 37% têm algum compromisso e praticam algumas ações como fechar a torneira, ler rótulos, desligar lâmpadas e aparelhos, usar materiais reciclados e produtos 7

A Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, com vigência a partir de 18 de maio de 2012, tem o objetivo de reforçar a participação social, garantindo o acesso às informações e obrigando os entes públicos a dar publicidade a seus atos. 8

Em matéria veiculada no jornal Gazeta do Povo, edição de 20 de abril de 2011, ao ser interrogado sobre os fatores de baixa participação do cidadão na gestão municipal, Dênis Alcides Rezende, especialista em administração municipal, afirmou, com propriedade, que “nós temos uma cultura de crítica, mas não de participação. Uma maior participação passa, necessariamente, pelos bancos da escola”. Disse ainda que “o efeito da participação popular nas audiências é maior no orçamento de cidades pequenas, nas quais os cidadãos se sentem mais próximos dos prefeitos, vereadores e secretários. Em cidades maiores, como Curitiba, a tendência é que a população se sinta mais distante do poder público e participe menos” (Vida Pública, p. 15).

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orgânicos, aproveitar papel, acionar órgãos de defesa do consumidor, reciclar lixo e pedir nota fiscal. O que mais parece influir nesses números é o nível de escolaridade e renda (Dupas, 2005, p. 195).

A falta de uma maior participação popular pode ser resultante ainda da esperança de que sejam desenvolvidas novas tecnologias que venham a resolver, instantaneamente, todos os problemas ambientais, sem a necessidade da adoção de práticas nesse sentido, que geralmente atentam contra a liberdade das pessoas, como é o caso da redução do consumo. “A atitude ingênua consiste em imaginar que problemas dessa ordem serão solucionados necessariamente pelo progresso tecnológico, como se a atual aceleração do progresso tecnológico não estivesse contribuindo para agravá-los” (Furtado, 1996, p. 12). Há, ainda, a hipótese de que as boas práticas ambientais não representem valores importantes para a sociedade, que prefere os valores econômicos, sociais, políticos, etc. Assim, o Estado tem o papel fundamental de se cercar de todos os meios ou mecanismos para garantir a sustentabilidade e afastar as situações de riscos ambientais, impondo condutas e comportamentos aos cidadãos, por meio do Direito Ambiental. O Direito Ambiental não é a solução milagrosa para a solução de todos os problemas ambientais, mas é um forte instrumento das políticas públicas para tal mister. Atos de precaução ou de prevenção são fundamentais para proteção do meio ambiente, pois os danos ambientais geralmente são irreparáveis (a extinção de uma raça animal ou vegetal, por exemplo). As políticas públicas são o conjunto de diretrizes estabelecidas pela sociedade, por intermédio de seus representantes políticos, em forma de lei, visando a melhoria das condições de vida da população. Não bastam apenas políticas públicas econômicas, no sentido do controle da inflação, valorização da moeda (aumento do poder de compra), etc.; a preservação dos recursos naturais também deve ser um dos escopos essenciais das políticas públicas. De nada adianta um PIB elevado e um alto grau de consumo e de índice

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de emprego, se tais conquistas vierem acompanhadas de graves crises ambientais ou situações de risco, como falta de água potável, péssima qualidade do ar, redução da camada de ozônio e instabilidade climática, fatores estes que desestabilizam a própria economia. 1.1.4 Riscos ambientais Riscos são situações de perigo ou ameaça com as quais convivem os indivíduos e as sociedades. Estes percebem a possibilidade de perigo em decorrência de determinados eventos ou práticas, sentindo-se ameaçados por seus efeitos. Os riscos podem ser assumidos, evitados ou calculados (Veyret, 2007, p. 11). Riscos não são catástrofes. A diferença essencial entre eles é a prevenção, pois aqueles podem ser previstos, ao passo que estas não. Por serem acontecimentos possíveis, previsíveis, os riscos devem fazer parte das políticas públicas, enquanto as catástrofes são administradas em situações de urgência ou emergência. Nas sociedades hodiernas, o risco recebe grande ênfase. O capitalismo e a industrialização trouxeram o desenvolvimento econômico para vários países, ensejando melhoria do nível de vida e de educação da população, o que fez com que os indivíduos passassem a exigir dos governantes mais segurança e, consequentemente, menos situações de incertezas ou ameaças. Além disso, pode-se dizer que as pessoas estão mais sensíveis aos riscos, diante da conscientização gerada pelo enorme fluxo de informação decorrente da globalização e das sociedades em rede. Situações que no passado não despertavam tanto o interesse da população, como, por exemplo, os fenômenos meteorológicos (a não ser para aqueles que moravam no campo ou que dependiam da agricultura), atualmente recebem a atenção de vários segmentos, como o turismo, o transporte e o urbanístico (ocupação das cidades). Apesar do grande avanço tecnológico e do progresso científico, não existe “risco zero”; é preciso enfrentar e gerenciar os fatores de risco, que não são poucos.

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Riscos ambientais “resultam da associação entre os riscos naturais e os riscos decorrentes de processos naturais agravados pela atividade humana e pela ocupação do território” (Veyret, 2007, p. 63). O ser humano exerce uma relação de interdependência com a natureza, pois ele não sobrevive sem ela. De outro lado, a proteção dela depende das ações humanas. Então, o meio ambiente engloba tanto a natureza quanto o ser humano; este precisa conviver pacificamente com a natureza, sob pena de extermínio de sua raça. As situações de risco ambiental derivam destas relações entre o homem e a natureza, do conflito entre a satisfação das necessidades e do desenvolvimento econômico buscado pelo ser humano e suas repercussões ao meio ambiente. Nesse prisma, o risco é visto como um objeto interdisciplinar porque abrange o campo de várias ciências ou disciplinas, como a sociologia e o direito, pois desperta abordagens sociais e do meio ambiente. A racionalidade jurídica na esfera do ambiente ultrapassa um olhar técnico, dogmático e monodisciplinar, havendo a necessidade de se adotarem noções oriundas de outras áreas do saber, buscando com isso compreender a crise ambiental através de uma visão transdisciplinar e de um enfoque mais sociológico do risco (Canotilho e Leite, 2008, p. 131).

Após o enfrentamento de um modelo estritamente econômico da sociedade industrial e de capitalismo predatório, houve uma maior conscientização acerca do risco permanente uma crise ambiental gerada pela ânsia do crescimento econômico. É a chamada “teoria da sociedade de risco” (Leite e Ayala, 2010, p. 113). A sobrevivência humana e os modelos de desenvolvimento adotados geram grande tensão com a natureza, acarretando situações de riscos. Algumas medidas voltadas à redução dos efeitos da iminente crise ambiental mundial estão se mostrando necessárias, como o aumento do padrão de consumo países em desenvolvimento e a redução do consumo dos países desenvolvidos, a inclusão dos custos ambientais nos preços dos produtos e políticas de redução da jornada de trabalho. Com uma melhor distribuição da riqueza mundial, haverá a re-

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dução da pobreza e o aumento da cultura e da conscientização das pessoas para os problemas ambientais e para a adoção das iniciativas no sentido da minimização dos respectivos impactos (redução do consumo, controle da natalidade, etc.). A superfície terrestre tem 13,4 bilhões de hectares de terras produtivas e água potável. O consumo, hoje, é de 2,7 hectares por habitante. Para atender às necessidades de 7 bilhões de pessoas, seriam necessários 19 bilhões de hectares de terras e água. Ultrapassamos a capacidade do planeta em quase 50%, ou seja, usamos um planeta e meio para viver. Se chegarmos aos 10 bilhões de habitantes no fim do século, como se prevê, mantendo o ritmo atual de consumo dos recursos naturais, o colapso será inevitável. A solução é reduzir esse consumo em 33% nos próximos vinte anos. Nesse cenário, o planeta poderia repor tudo o que consumimos (Veja, 2011, p. 131).

O problema reside nas dificuldades para a implantação dessas medidas e iniciativas, pois envolvem valores importantíssimos para os países, como a democracia, a liberdade e a isonomia. A legislação ambiental brasileira é composta por mecanismos jurídicos que formam um arcabouço muito sólido e consistente para a responsabilização do poluidor, como os institutos da responsabilidade objetiva, solidária e integral, a inversão do ônus da prova, a atenuação do nexo causal, dentre outros. Porém, esta mesma legislação contém outro lado bastante negativo, marcado pelas dúvidas geradas sobre a competência para o licenciamento ambiental, ausência de legislação complementar de que dependem várias importantes normas previstas na Constituição Federal e imprecisão de conceitos técnico-ambientais que acarretam uma gama de discussões judiciais (insegurança jurídica). A Lei Complementar nº 140, de 8 de dezembro de 2011 visou amenizar tais dúvidas e inseguranças: Art. 1º Esta Lei Complementar fixa normas, nos termos dos incisos III, VI e VII do caput e do parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal, para a cooperação

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entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção do meio ambiente, ao combate da à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora.

Porém, a referida lei recebeu inúmeras críticas dos ambientalistas e também do autor de seu projeto, o deputado José Sarney Filho (PV-MA), o qual alegou que o texto final foi modificado por influência da bancada ruralista. As críticas apontam um enfraquecimento do poder da fiscalização federal exercida pelo IBAMA, pois os órgãos ambientais estaduais e municipais terão plenos poderes para o licenciamento dos empreendimentos, cabendo apenas a eles o direito de fiscalizar9: Art. 17. Compete ao órgão responsável pelo licenciamento ou autorização, conforme o caso, de um empreendimento ou atividade, lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo para a apuração de infrações à legislação ambiental cometidas pelo empreendimento ou atividade licenciada ou autorizada.

Além disso, há grandes distorções na gestão ambiental, decorrentes da falta de preparo das autoridades, do reduzido quadro funcional e da má remuneração, bem como falta de consciência empresarial e disputa de grupos ou bancadas com ideologias e interesses econômicos antagônicos (ruralistas, ecologistas, etc.). Diante desse cenário, não é possível que se vislumbre um quadro favorável a curto ou médio prazo para o enfrentamento da crise ambiental, seja no Brasil ou no mundo. O crescimento demográfico e o consumo exagerado são alguns elementos indissociáveis do capitalismo e que afrontam a preservação do meio ambiente. É possível que o sistema jurídico de responsabilidade ambiental não seja suficiente para a contenção dos danos. O desenvolvimento econômico decorrente do capitalismo, com as inerentes formas de gestão das organizações, aliado ao crescimento demográfico, são fatores que entram em conflito frontal com a qualidade de vida e o meio ambiente, sendo incompatíveis com a preservação da natureza. 9

Uma reportagem veiculada no jornal Gazeta do Povo, edição de 28 de dezembro de 2011, sob o título “Nova lei tira poderes do IBAMA”, afirma que “ambientalistas temem que os órgãos locais não suportem as pressões políticas e econômicas para autorizar empreendimentos polêmicos” (Meio Ambiente, p. 11).

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Os diversos modelos de desenvolvimento que foram aplicados no Brasil, acompanhados de declarações de autoridades governamentais de que os países pobres não devem investir em proteção ambiental (‘Nós temos ainda muito o que poluir ...’), foram responsáveis por uma série infinita de alterações introduzidas na Natureza, algumas delas praticamente irreversíveis, uma vez que implicaram o desaparecimento de espécies animais e vegetais não raro únicas em todo o mundo. Modelos de desenvolvimento importados de países com características físicas e humanas diferentes das do Brasil, aqui aplicados sem levar em consideração as diferenças físicas, biológicas e sócio-culturais (Silva, 2010, p. 23).

Enquanto o modelo atual de desenvolvimento (econômico) não é revisto ou modificado, uma das alternativas existentes ao Estado é utilizar o Direito Ambiental como instrumento de proteção ao meio ambiente, mediante a utilização de mecanismos ou institutos jurídicos que foram construídos para isto, como é o caso da responsabilidade solidária10. 1.1.5 A responsabilidade solidária como instrumento de política pública Imbuídos desse mister, os órgãos ambientais, utilizando-se muitas vezes apenas de portarias ou resoluções, costumam autuar e penalizar, solidariamente, ou seja, atribuindo a cada um a responsabilidade integral pelo evento, todos os entes que tenham tido qualquer ligação ao dano ambiental, sem qualquer distinção acerca da efetiva participação ou colaboração na produção do passivo ambiental. Um exemplo da solidariedade aplicada em matéria ambiental é a Resolução nº 273, de 29 de novembro de 2000 do CONAMA, que regula o licenciamento ambiental para os postos revendedores de combustíveis. Seu artigo 8º estabelece que: Em caso de acidentes ou vazamentos que representem situações de perigo ao meio ambiente ou a pessoas, bem como na ocorrência de passivos ambientais, os proprietários, arrendatários ou responsáveis pelo estabelecimento, pelos equipamentos, pelos sistemas e os fornecedores de combustível que abastecem ou abasteceram a unidade, responderão solidariamente, pela adoção de medidas para 10

Já foi visto no início deste trabalho que a solidariedade ocorre quando cada um dos envolvidos pode ser responsabilizado pela totalidade da obrigação; esta poderá ser exigida de todos ou de cada um dos devedores solidários. Deste modo, quanto maior o espectro na responsabilização de pessoas a determinados eventos ou atividades que possam trazer riscos ambientais, maior será a probabilidade de se prevenir o dano ambiental ou de repará-lo.

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controle da situação emergencial, e para o saneamento das áreas impactadas, de acordo com as exigências formuladas pelo órgão ambiental licenciador.

Entretanto, há limites que demarcam a responsabilidade solidária ambiental. É certo que a responsabilidade por dano ambiental é objetiva, eis que independe de culpa. Porém, ela exige a ocorrência de um liame ou nexo de causalidade entre o ato praticado pelo agente, ainda que atenuado, e o dano ambiental causado ou que possa decorrer no futuro. O parágrafo único do artigo 927 do Código Civil define a responsabilidade objetiva quando a atividade exercida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, algum risco. Nesse passo, há contornos muito diversos entre a responsabilidade objetiva e a responsabilidade solidária. O Código Civil, em seu artigo 265, prescreve que “a solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes”. Portanto, deve haver lei que embase a responsabilidade solidária. E qual ente federado teria competência para legislar e estabelecer a responsabilidade solidária em matéria ambiental? O ponto de partida são os artigos 22, I; 23, VI e 24, VI da Constituição Federal; o primeiro determina que é da União a competência privativa sobre o “direito civil”; o segundo estabelece haver competência comum entre a União, os Estados e os Municípios para a “proteção do meio ambiente e o combate à poluição em qualquer de suas formas”; e o terceiro prevê a competência concorrente entre a União, o Distrito Federal e os Estados para legislar sobre “florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição”. 1.2 PERGUNTA DE PESQUISA O estudo proposto pretende explorar a legislação constitucional e infraconstitucional, lições doutrinárias e conceitos do Direito e de outras disciplinas, bem como decisões jurisprudenciais pertinentes ao tema, para estabelecer os limites da responsabilidade solidária ambiental. Com efeito, o “meio ambiente” é interdisciplinar, pois exerce influência em vários outros campos, além do Direito, e, por isso, pelo

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olhar da interdisciplinaridade o tema será analisado. Questões como: se o proprietário ou locador pode ou não ser responsabilizado solidariamente por um dano ambiental causado no imóvel pelo inquilino (poluidor), pelo fato de ter auferido renda (aluguel) pela cessão do uso do imóvel; se o fabricante ou o distribuidor de um produto tóxico pode ser solidariamente responsabilizado por um derramamento causado em acidente com caminhão que transportou o produto, se o transporte foi feito por conta e risco do adquirente do produto; se o fabricante de um recipiente destinado a um produto atóxico (garrafa “pet”, por exemplo), pode ser responsabilizado solidariamente pela contaminação do solo decorrente da má utilização do mesmo para o armazenamento de produtos tóxicos, dentre outras situações, são exemplos que motivaram esta pesquisa. Sinteticamente, a pergunta central da pesquisa é: quais os limites da responsabilidade solidária no Direito Ambiental, considerando que este é um importante instrumento das políticas públicas ambientais11? 1.2.1 Originalidade e relevância do tema A pesquisa busca preencher uma lacuna existente na literatura sobre o assunto proposto. Os trabalhos existentes tratam da responsabilidade civil ambiental sob ângulos diversos e pelo prisma jurídico, discorrendo sobre seus elementos com ênfase ao nexo causal, seus conceitos e teorias, ao passo que o presente trabalho tem um viés interdisciplinar e contém como “pano de fundo” o Direito Ambiental como política pública e ferramenta para o desenvolvimento. Pode-se dizer, então, que o objeto desta pesquisa, tal como proposto, é inédito e original, reforçando a importância do trabalho não só na parte teórica, mas também na prática. A pesquisa visa facilitar a compreensão, pelos operadores do Direito, agentes e administradores públicos, acerca das hipóteses em que poderá haver a res11

A utilização da expressão “instrumento” não significa reduzir ou tornar secundária a importância do Direito. As Políticas Públicas e o Direito são dimensões que se entrelaçam e se completam na questão ambiental.

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ponsabilização solidária, em matéria ambiental, das pessoas ou organizações que não tenham tido qualquer participação no evento danoso, vale dizer, quando poderão ser responsabilizados solidariamente aqueles que não forem poluidores, nem exerceram atividade que tenha degredado o meio ambiente, pois há limites para a solidariedade. Políticas públicas poderão ser elaboradas e implementadas com este objetivo específico. Essa compreensão é importante para propiciar também uma maior conscientização dos administrados quanto ao alcance das normas de proteção ambiental e respectivas sanções, bem como uma atuação mais efetiva dos agentes ambientais, na aplicação da lei em defesa do meio ambiente, reduzindo-se a discricionariedade, as dúvidas e as inseguranças decorrentes da diversidade de interpretações (quanto menor a discricionariedade administrativa, menores serão as discussões e impugnações levantadas pelos administrados). Consequentemente, a facilitação desse processo reflete positivamente na esfera judicial, propiciando maior segurança jurídica aos jurisdicionados, pois as demandas judiciais envolvendo temas ambientais geralmente questionam as interpretações dos agentes ambientais na aplicação de penalidades aos administrados, frente à legislação aplicável. 1.3 OBJETIVO GERAL Analisar os limites da responsabilidade solidária no Direito Ambiental. 1.3.1 Objetivos específicos * conceituar políticas públicas e analisar o papel do Direito como importante instrumento das mesmas no tocante à proteção ao meio ambiente; * identificar os novos paradigmas surgidos a partir da questão ambiental; * discorrer sobre as características e institutos que compõem a responsabilidade ambiental (responsabilidade objetiva, solidariedade, ato ilícito, nexo de causalidade e dano ambiental);

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* explorar os conceitos de solidariedade sob visão interdisciplinar, bem como enfatizar a responsabilidade solidária em matéria ambiental; * estabelecer os limites à responsabilidade solidária no Direito Ambiental. 1.4 CONTEÚDO E METODOLOGIA 1.4.1 Conteúdo Pela sua natureza e grau de ineditismo, o presente trabalho é de natureza essencialmente teórica, isto é, procura definir, conceitualmente, as formas pelas quais o conceito da responsabilidade solidária pode ser aplicada na gestão ambiental, e por extensão, na gestão do desenvolvimento, e quais são seus limites. Os principais aspectos analisados foram os seguintes: 1.4.1.1

Políticas públicas: o papel do Estado no contexto da questão ambien-

1.4.1.2

Novos paradigmas a partir da questão ambiental;

1.4.1.3

Responsabilidade ambiental;

1.4.1.4

Responsabilidade solidária em matéria ambiental;

1.4.1.5

Os limites da solidariedade.

tal;

Inicialmente, foram pesquisados e analisados os conceitos de política pública e os novos paradigmas surgidos a partir da questão ambiental (o objeto meio ambiente, os direitos metaindividuais, a sustentabilidade como direito constitucional, a prevenção e a precaução, os princípios do poluidor-pagador e do protetor-recebedor, a responsabilidade objetiva e o princípio da reparação integral), como enfoque interdisciplinar, bem como de responsabilidade objetiva e seus elementos constitutivos (ato ilícito e nexo de causalidade), aplicáveis ao Direito Ambiental, inclusive legislação pertinente. Em seguida, a pesquisa analisa o instituto jurídico da “solidariedade” (obrigação solidária), seus conceitos e embasamento legal.

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Após isso, é explorada a competência para legislar sobre responsabilidade solidária em matéria ambiental, consoante as regras fixadas pela Constituição Federal e pela legislação em vigor. O estudo dos temas acima permite conclusões acerca do objeto da pesquisa, na identificação dos limites à responsabilidade solidária em matéria ambiental. 1.4.2 Metodologia A pesquisa é teórica e descritiva, de modalidade exploratória e com abordagem qualitativa. Os dados coletados foram bibliográficos, apoiados na interpretação e no estudo da legislação, lições doutrinárias, artigos científicos e precedentes jurisprudenciais. Com efeito, os dados foram coletados junto a obras jurídicas e também de outras disciplinas, de autores conceituados acerca dos temas estudados, porquanto importantes temas objetos do estudo são interdisciplinares (o meio ambiente, as políticas públicas, a solidariedade, etc.). A legislação aplicável foi analisada em paralelo às exposições envolvendo a doutrina. As análises foram feitas pelo método dedutivo, que consiste em estabelecer premissas para se chegar a conclusões baseadas nas mesmas. Com efeito, as conclusões desta pesquisa partiram de um contexto mais amplo sobre as políticas públicas e os princípios ou premissas do Direito Ambiental (paradigmas), convergindo para os temas mais específicos da responsabilidade civil em matéria ambiental e da responsabilidade solidária, chegando-se a resultados no sentido de se estabelecer os limites da solidariedade. Para ilustrar, enriquecer e melhor embasar a pesquisa, houve a indicação de situações práticas, exemplos concretos (reais e atuais), com a indicação da melhor solução jurídica aos problemas apontados, de acordo com as teses adotadas

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pelo autor e consoante entendimentos dos tribunais manifestados em casos concretos. Vale dizer, houve um aspecto empírico, ainda que não predominante. Em suma, a pesquisa é descritiva, exploratória e bibliográfica, documental, com a coleta de dados em artigos científicos especializados, livros publicados, repertórios de jurisprudência sobre os assuntos pesquisados e decisões administrativas dos órgãos ambientais. O método utilizado foi o dedutivo.

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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E EMPÍRICA 2.1 POLÍTICAS PÚBLICAS: O PAPEL DO ESTADO NO CONTEXTO DA QUESTÃO AMBIENTAL O Estado manifesta-se administrativa e operacionalmente mediante ações de intervenção direta, física ou financeira (projetos de infraestrutura e de fomento); políticas de indução ou fomento; políticas de inibição de comportamentos; e ações de manutenção (de serviços essenciais). O papel da classe política e dos administradores na gestão pública é de captar os anseios e aspirações populares, transformando-os em plataformas, propostas e princípios. Estas ações, após passarem por análises técnicas, transformam-se em planos (diretores, estratégicos; setoriais e específicos), os quais, em seguida, são expressos em orçamentos públicos, tais como Lei de Diretrizes Orçamentárias, Lei de Orçamento Anual e PPA – Plano Plurianual de Ação. O Direito Ambiental, regido pelos princípios da precaução e da prevenção, exerce importante papel para as políticas de inibição de comportamentos, pois estabelece as regras a serem obedecidas na sociedade visando a proteção do meio ambiente (interesse de toda a coletividade). Para tanto, o Direito Ambiental serve de instrumento ou ferramenta para as políticas públicas (ambientais). Em outras palavras, o papel do Estado no contexto da questão ambiental é desempenhado basicamente por meio de políticas públicas voltadas à preservação da natureza e da sustentabilidade. As políticas públicas ambientais seriam, portanto, eminentemente jurídicas? Segundo Maria Paula Dallari Bucci, políticas públicas são: Programas de ação destinados a realizar, seja os direitos a prestações, diretamente, seja a organização, normas e procedimentos necessários para tanto. As políticas públicas não são, portanto, categoria definida e instituída pelo direito, mas arranjos complexos, típicos da atividade político-administrativa, que a ciência do direito deve estar apta a descrever, compreender e analisar, de modo a integrar à a-

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tividade política os valores e métodos próprios do universo jurídico (Bucci, [2009?], p. 35).

Pelo próprio conceito exposto acima, e como é reconhecido pela referida autora, é uma tarefa muito difícil tentar definir política pública sob a ótica exclusivamente jurídica, ou classificá-la dentro da hierarquia do sistema jurídico: O primeiro desafio para o trabalho sistemático com a categoria das políticas públicas em direito é identificar o objeto de que se está falando. Coloca-se o problema de saber qual a forma exterior, reconhecível pelo sistema jurídico, que assume uma política pública. As políticas públicas têm distintos suportes legais. Podem ser expressas em disposições constitucionais, ou em leis, ou ainda em normas infra-legais, como decretos e portarias e até mesmo em instrumentos jurídicos de outra natureza, como contratos de concessão de serviço público, por exemplo. Outra questão a observar são as menções normativas a ‘política’ (política nacional de abastecimento, por exemplo) cuja classificação como política pública é discutível, visto não disporem sobre os meios de realização dos objetivos fixados, nem prescreverem metas ou resultados, que, conforme se verá adiante, são elementos do programa de ação governamental. Finalmente, deve-se afastar, para um trabalho mais sistemático de busca de um conceito ou padrão de política pública para análise jurídica, a consideração de que todo direito é permeado pela política. Conquanto inegavelmente verdadeira essa assertiva, ela remete à distinção entre os termos em inglês politics e policy. Enquanto o primeiro se refere à atividade política em sentido amplo, o segunda conota os programas governamentais. E é desses últimos que se ocupa o presente estudo. Façamos um sobrevôo pelo direito positivo brasileiro, a fim de verificar em que termos se expressam as políticas públicas. Adotemos como referencial a definição provisória de política pública como programa de ação governamental, visando realizar objetivos determinados (Ibidem, p. 12-13). Como já afirmei em outra passagem, a exteriorização da política pública está muito distante de um padrão jurídico uniforme e claramente apreensível pelo sistema jurídico. Essa característica dificulta muito o trabalho sistemático do cientista do Direito nesse campo, uma vez que o seu objeto é multiforme e com grandes áreas de intersecção com outros domínios científicos (Ibidem, p. 25). Caberia, então encontrar lugar (ou melhorar os seus contornos) para uma categoria jurídico-formal, situada provavelmente abaixo das normas constitucionais e a-

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cima ou ao lado das infra-constitucionais. Por esse raciocínio, as políticas públicas corresponderiam, no plano jurídico, a diretrizes, normas de um tipo especial, na medida em que romperiam as amarras dos atributos de generalidade e abstração - que extremam as normas dos atos jurídicos, esses sempre concretos -, para dispor sobre matérias contingentes. Na pirâmide kelseniana, tais normas não seriam de fácil acomodação (Ibidem, p. 30).

É que, assim como o meio ambiente, a política pública é também um objeto interdisciplinar, pois abrange várias dimensões e interesses, um amplo espectro de atuação; sua conceituação apenas sob o ângulo do Direito não é suficiente para alcançar seus reais significados, mormente na área ambiental. Em linhas gerais, sem preocupação com o enquadramento em áreas específicas do conhecimento, pode-se dizer que políticas públicas consistem em ações do Estado em benefício dos cidadãos, mediante o emprego dos recursos oriundos destes através dos impostos, taxas, tarifas, contribuições, etc., na solução dos problemas sociais, econômicos, ambientais, dentre outros. As políticas públicas podem se manifestar por ações concretas, diretamente praticadas pelos órgãos governamentais, ou por meio da edição de leis (Silva e Souza-Lima, 2010, p. 4-5). A partir da Revolução Industrial, a Economia colonizou as demais preocupações da vida; deveria ser o “meio”, mas se transformou no “fim”. As pessoas passaram a considerar os aspectos econômicos como a essência da vida, tendo em vista o receio das privações do necessário para a sobrevivência ou a expectativa de se alcançar benefícios e adquirir os bens materiais cobiçados. O temor da fome do trabalhador e o desejo de ganhos do patrão mantinham o mecanismo continuamente em funcionamento. No que diz respeito à sociedade, a doutrina predominante foi que suas instituições estavam “determinadas” pelo sistema econômico. O mecanismo de mercado criou para ela a miragem do determinismo econômico como se fosse uma lei geral para toda a sociedade humana. Sob uma economia de mercado, desde logo, esta lei resulta ser justa. Na realidade, o funcionamento do sistema econômico aqui, não só “influi” no resto da sociedade, senão que a determina, tal como num triângulo, que os lados não somente influem, como determinam os seus ângulos.

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Enquanto que as classes sociais estavam diretamente determinadas pelo mecanismo de mercado, outras instituições acabaram afetadas indiretamente. O Estado e o governo, o matrimônio e a criação dos filhos, a organização da ciência, a educação, a religião e as artes, a escolha da profissão, os tipos de habitação, a forma dos assentamentos, o estilo de privacidade, tudo teria que concordar com o modelo utilitário, ou ao menos interferir no funcionamento do mecanismo de mercado. Porém, como muito poucas atividades humanas podem realizar-se sem nada – até um santo necessita seu altar- os efeitos imediatos do sistema de mercado chegaram quase a determinar por completo o conjunto da sociedade. Foi quase impossível evitar a conclusão de que, assim com o homem ‘econômico’ era o homem ‘real’, o sistema econômico era ‘realmente’ a sociedade (Polanyi, 1994, p. 81-85).

A Economia costuma ser, pois, o principal ponto de partida das políticas públicas. Políticos e governantes preocupam-se com a elaboração e implantação de planos voltados a temas econômicos ou que tenham finalidade econômica preponderante, tais como controle da inflação, valorização da moeda, equilíbrio da balança comercial, geração de renda interna, aumento do produto interno bruto, garantia de emprego, etc. As medidas econômicas, de fato, repercutem diretamente no dia a dia das pessoas. Por isso, imagina-se que o desenvolvimento econômico acarreta, automaticamente, a melhoria de um país, estado ou município em todos os demais aspectos essenciais à coletividade (sociais, culturais, ambientais, etc.). O capitalismo e a economia seriam, então, os únicos meios para a consecução do bem estar social, o combustível para o desenvolvimento sustentável. Entretanto, tal acepção não pode ser aceita hodiernamente, sem restrições. A Economia deve ser tratada apenas como um dos aspectos da relação entre o ser humano e a natureza. A natureza não pode ser vista como uma mercadoria. Nas décadas de 1950 e 1960, Celso Furtado já previa que quanto maior a acumulação de capital, maior é a “inércia do sistema, e as correções do rumo tornam-se mais lentas ou exigem maior esforço” no tocante aos problemas sociais e ambientais:

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Com o campo de visão da realidade delimitado por essa idéia diretora, os economistas passaram a dedicar o melhor de sua imaginação a conceber complexos esquemas do processo de cumulação de capital no qual o impulso dinâmico é dado pelo progresso tecnológico, enteléquia concebida fora de qualquer contexto social. Pouca ou nenhuma atenção foi dada às consequências, no plano cultural, de um crescimento exponencial do estoque de capital. As grandes metrópoles modernas, com seu ar irrespirável, crescente criminalidade, deterioração dos serviços públicos, fuga da juventude na anticultura, surgiram como um pesadelo no sonho de progresso linear em que se embalavam os teóricos do crescimento. Menos atenção ainda se havia dado ao impacto no meio físico de um sistema de decisões cujos objetivos últimos são satisfazer interesses privados (Furtado, 1996, p. 8-9).

Além disso, medidas e diretrizes no sentido da proteção do meio ambiente trazem limitações à liberdade das pessoas e das atividades empresariais (livre iniciativa), importantes princípios democráticos, fatores estes que dificultam a aplicabilidade e a eficácia das políticas públicas ambientais, principalmente numa sociedade marcada pelo baixo nível de escolaridade e cujas classes sociais menos favorecidas, que somam a maioria da população, têm enorme ânsia em se inserir no atraente mercado consumidor. A “bandeira ambientalista” pode até servir como ideologia partidária ou para angariar votos, mas a adoção, na prática, de medidas protetivas ao meio ambiente costuma enfrentar resistência junto à maioria das pessoas e atividades empresariais. A realidade é de fato paradoxal. Um candidato não se elege fazendo campanha de incentivo à poluição, por evidente, pois o senso comum é no sentido de se enaltecer práticas de proteção à natureza. Nas eleições presidenciais de 2010, por exemplo, houve um forte apelo “ambientalista”. Entretanto, ao estabelecer restrições à exploração de atividades econômicas poluidoras, o governante pode limitar também a criação de empregos e, com isso, gerar o descontentamento dos eleitores. Enfim, trata-se do acirrado conflito entre as dimensões econômica e ambiental, que repercute na vida das pessoas. Diante do baixo nível de conscientização e participação das pessoas na solução de problemas ambientais, as políticas públicas constituem-se, atualmente, no

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principal instrumento do Estado para a proteção do meio ambiente. Se não há consciência dos impactos das atividades sociais no meio ambiente, por parte da maioria da população, devem ser exigidas condutas ambientalmente corretas e reprimidas atitudes lesivas ao meio ambiente, com efeitos preventivos, punitivos e educativos. Clarissa Ferreira Macedo D’Isep conceitua política pública em matéria ambiental a partir do Poder Executivo, como sendo: Toda iniciativa pública organizada, dotada de planos, metas e instrumentos próprios para gerir o meio ambiente, seja proveniente de lei, a exemplo da política hídrica regulada pela Lei Federal 9.433/1997, que deve ser evidenciada no plano hídrico; seja por iniciativa de governo, como é o caso da adoção da ‘Agenda 21’ por parte de um Estado ou município. Sobre a atuação do Poder Executivo em matéria de meio ambiente, temos o que denominamos dirigismo ambiental executivo, que tem o condão de arbitrar e mediar interesses antagônicos no tocante aos usos dos recursos naturais, ao conduzir a sua destinação por metas e gerenciar os seus resultados por meio de instrumentos de gestão. Para tanto, o Poder Executivo pode e deve, dadas as características ambientais, organizar-se por meio dos denominados consórcios públicos para gerir o meio ambiente (D’Isep, Nery Júnior e Medauar, 2009, p. 163).

As medidas implementadas pelas políticas públicas devem ser planejadas e direcionadas a fins específicos, de acordo com os anseios e necessidades locais. “Não se pode apenas planejar políticas públicas sem antes avaliar a necessidade local. Ações planejadas e organizadas poupam recursos e, na maioria das situações são resolutivas” (Silva e Souza-Lima, 2010, p. 4). O planejamento de uma política pública ambiental envolve a descrição detalhada das ações, recursos e financiamentos; responsabilidades, processos decisórios, autoridade para dar ordens, formas de solução de conflitos, decisões tomadas por alguém ou por grupos investidos de autoridade para isso, um adequado detalhamento operacional, financeiro e cronológico que permita uma execução eficaz; definição de formas de acompanhar a execução e controlar os resultados (controle interno e externo, técnico-administrativo, econômico-financeiro e político-social).

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O planejamento recebe grande importância para as políticas públicas voltadas à proteção do meio ambiente, cuja preocupação maior recai na prevenção. Com efeito, os recursos naturais devem ser explorados até certo limite, sob pena de se criarem danos ambientais que poderão se tornar irreversíveis. O planejamento estratégico das políticas públicas deve envolver “o desenvolvimento sustentável em sentido amplo, que atenda às demandas sociais da população, inclusive a dos excluídos, e melhore as condições de vida” (Silva e Souza-Lima, 2010, p. 5). Há vários mecanismos jurídicos para o planejamento das políticas públicas, que abrem também a oportunidade para a avaliação e o acompanhamento por parte da sociedade, como o Plano Plurianual, a Lei de Diretrizes Orçamentárias, a Lei Orçamentária Anual e a Lei de Responsabilidade Fiscal (Constituição Federal, artigo 165). O problema é que, no Brasil, não há tradição democrática no processo de elaboração de políticas públicas, sejam elas federais, estaduais ou municipais, porquanto derivam de pressões políticas exercidas por grupos de grande influência. Nos municípios o cenário é ainda pior, porque estão com seus orçamentos bastante comprometidos e dependem de recursos das outras esferas, apesar da importância das ações locais no âmbito social e ambiental (Silva e Souza-Lima, 2010, p. 6). A sociedade também não tem o hábito de participar da gestão pública do Estado, acompanhando e monitorando os atos dos agentes públicos. É muito comum, por exemplo, que em decorrência da má gestão dos recursos públicos pelos governantes, os limites mínimos impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal para investimentos em determinados setores (saúde, educação, etc.) não sejam respeitados, não gerando tal fato divulgação ou maiores consequências na prática, nem mesmo nos resultados das urnas eleitorais. Um dos principais objetivos desta pesquisa é destacar a importância das políticas públicas para a questão ambiental, explanando sobre as matérias e estabelecendo os limites sobre os quais as mesmas poderão versar. A pesquisa ambiental, com efeito, não ocorre isolada das demais demandas sociais.

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2.2 NOVOS PARADIGMAS A PARTIR DA QUESTÃO AMBIENTAL A partir da década de 1970, os interesses sobre o tema “ecologia” não se limitavam apenas às academias e aos intelectuais; eles inspiravam comportamentos sociais, ações coletivas e políticas públicas a níveis locais e globais. Mais ainda, ela penetrou significativamente nas estruturas educacionais, nos meios de comunicação de massa, no imaginário coletivo e nos diversos aspectos da arte e da cultura. O avanço da chamada globalização, com o crescimento qualitativo e quantitativo da produção científico tecnológica e da velocidade dos meios de comunicação, catalisou uma explosão de temas da vida e do ambiente na agenda política. A discussão ambiental se tornou ao mesmo tempo criadora e criatura do processo de globalização. A própria imagem da globalidade planetária, em grande parte, é uma construção simbólica desse campo cultural complexo (Pádua, 2010, p. 82). Não se trata, por certo, de traçar uma linha direta entre a crítica ambiental que começava a aparecer nos séculos XVIII e XIX, utilizando categorias e vocabulários próprios da época, e o fenômeno do ambientalismo contemporâneo. Não é o caso de buscar “precursores”. Mas sim de analisar um movimento histórico mais amplo e difuso: a construção da sensibilidade ecológica no universo da modernidade (Ibidem, p. 84).

A preocupação ambiental tem sido cada vez mais frequente nas ações dos governantes e da população em geral, diante da iminência de situações de crise ambiental e de sua evidente importância para a sobrevivência das gerações futuras. Os recentes e constantes desastres ecológicos serviram para despertar a consciência das pessoas para a questão ambiental. Com isso, novos paradigmas surgiram para propiciar maior proteção ao meio ambiente, pois os focados exclusivamente no desenvolvimento econômico não permitem por si só a sustentabilidade do planeta. As consequências epistemológicas são, talvez, ainda mais contundentes. Francisco Sagasti argumenta que o paradigma básico do pensamento científico, herdeiro de Bacon e Descartes, chegou ao fim no que concerne à pretensão de dominar a natureza. Estamos também, cada vez mais, tendo outros pensamentos sobre a barganha faustiniana, a crença ilimitada nas virtudes do progresso técnico.

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A ecologização do pensamento (Edgar Morin) nos força a expandir nosso horizonte de tempo. Enquanto os economistas estão habituados a raciocinar em termos de anos, no máximo em décadas, a escala de tempo da ecologia se amplia para séculos e milênios. Simultaneamente, é necessário observar como nossas ações afetam locais distantes de onde acontecem, em muitos casos implicando todo o planeta ou até mesmo a biosfera. A ecologia moderna desistiu dos modelos de equilíbrio, emprestados da economia, para se tornar uma história natural que abarca centenas de milhares de anos. Toda a história da humanidade, muito mais curta, deve consequentemente ser reexaminada em termos da integração entre as duas, tendo o conceito de coevolução como categoria central. É irônico que, em um momento em que a seta do tempo atravessa todas as disciplinas científicas, a economia, cuja origem está entrelaçada com a história, vai em sentido contrário. Não é de admirar que tenha se tornado uma ciência sombria (Sachs, 2009, p. 49-50).

São identificados abaixo os paradigmas surgidos a partir da questão ambiental, que se constituem nos pilares de sustentação do Direito Ambiental. 2.2.1 O objeto meio ambiente A importância da tutela jurídica do meio ambiente manifestou-se a partir do momento que sua degradação passou a ameaçar não só o bem-estar, mas a qualidade de vida e a própria sobrevivência do ser humano (Silva, 2010, p. 28). O bem ambiental pode ser conceituado agora como um direito difuso, de natureza pública e imaterial, que todos detêm em comum, inapropriável em termos de fruição individualizada, envolvendo uma relação de equilíbrio complexa, transtemporal (para as presentes e futuras gerações), cuja defesa é aberta à titularidade de toda a coletividade. A noção de ambiente é, assim, unitária e geral, e requer proteção jurídica, dado que sua conservação se considera fundamental para o desenvolvimento da pessoa (Mota, 2009, p. 17).

Não se pode mais compreender a terra apenas a partir do direito de propriedade; a poluição pode infiltrar nela e adentrar nos lençóis freáticos, contaminando o solo e a água, pondo em risco toda uma coletividade. O mesmo ocorre com o rio que corta uma propriedade ou uma floresta existente em área particular. A poluição cau-

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sada em tais elementos que formam o meio ambiente atinge a esfera e compromete a qualidade de vida de todos. Isto não significa que tais elementos sejam considerados bens públicos. O direito de propriedade é uma garantia constitucional, com destaque à finalidade social12. O meio ambiente deve ser visto como um bem formador e acima de tais elementos. O direito de propriedade permite a posse da terra e o exercício de todos os atributos do domínio (direito de sequela, institutos possessórios, etc.), mas isto não quer dizer que o proprietário tem o direito de contaminá-la ou de devastar o que nela existe. A fauna, a flora, o ar, os rios, a água, a terra, etc. formam o meio ambiente, o qual se constitui em um objeto juridicamente tutelado à parte dos interesses ou direitos individuais correlatos. Pode-se dizer então que o direito de propriedade coexiste com a tutela do meio ambiente; o titular daquele tem a obrigação de proteger e resguardar este, sob pena de sofrer as sanções previstas no ordenamento jurídico (o mesmo ocorre com o possuidor, o ocupante, etc.). A poluição não traz apenas danos à terra como propriedade, mas também à natureza e, consequentemente, ao próprio ser humano. 2.2.2 Direito metaindividual Foi visto em tópico anterior que o Direito Ambiental não se enquadra na dicotomia direito público-privado, constituindo um ramo autônomo e independente, com características próprias e peculiares. O bem ambiental é multidisciplinar, distinto dos bens públicos e privados, envolvendo o chamado “direito metaindividual”, que abrange os direitos difusos, coletivos “stricto sensu” e individuais homogêneos. “As características principais desses direitos são a indivisibilidade, a indeterminalidade de seus titulares (transindividualidade, metaindividualidade), e, no que tange ao seu

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Constituição Federal, artigo 5º: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXII – é garantido o direito de propriedade; XXIII – a propriedade atenderá a sua função social.

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objeto, a inter ou multidisciplinaridade” (D’Isep, Nery Júnior e Medauar, 2009, p. 207). O meio ambiente não é um bem particular nem público; é um bem de uso comum, de acordo com o conceito contido no artigo 225 da Constituição Federal. Direitos ou interesses difusos são “os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato” (Lei nº 8.078/1990, artigo 81, parágrafo único, inciso I). Transindividuais porque transcendem o indivíduo e ultrapassam os limites de cada indivíduo; indivisíveis porque pertencem a todos ao mesmo tempo; pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato porque “não temos como precisar quais são os indivíduos afetados”; “inexiste uma relação jurídica. Experimentam a mesma condição por conta dessa circunstância fática, que, no nosso exemplo, é a poluição atmosférica” (Fiorillo, 2010, p. 55). A Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor) também traz um conceito muito apropriado sobre “direitos coletivos” “stricto sensu”: “os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base”. Diferem-se, portanto, dos direitos difusos porque seus titulares são identificáveis “ainda que num primeiro momento não seja possível determinar todos os titulares, por conta da natureza do direito coletivo” (Fiorillo, 2010, p. 58). Por fim, “direitos individuais homogêneos” são aqueles “decorrentes de origem comum” (Lei nº 8.078/2010, artigo 81, parágrafo único, inciso III). São direitos individuais que decorrem de uma mesma causa. O meio ambiente envolve todas as referidas modalidades de direitos metaindividuais. Uma poluição atmosférica, por exemplo, afeta o direito de todos que respiram o ar poluído, sejam os moradores de toda uma cidade (direitos difusos) ou os que trabalham na indústria poluidora (direitos coletivos), e pode ser objeto de tutela de interesses individuais homogêneos, consistentes nos danos causados à saúde e

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morais causados às pessoas que sofreram prejuízos concretos em sua saúde, vale dizer, que ficaram acometidos por doenças decorrentes da mesma origem ou causa. O Supremo Tribunal Federal, órgão judiciário máximo e guardião da Constituição Federal, reconhece o caráter de metaindividualidade do meio ambiente, manifestando o seguinte entendimento: Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Trata-se de um típico direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que assiste a todo o gênero humano (RTJ 158/205-206). Incumbe, ao Estado e à própria coletividade, a especial obrigação de defender e preservar, em benefício das presentes e futuras gerações, esse direito de titularidade coletiva e de caráter transindividual (RTJ 164/158-161). O adimplemento desse encargo, que é irrenunciável, representa a garantia de que não se instaurarão, no seio da coletividade, os graves conflitos intergeneracionais marcados pelo desrespeito ao dever de solidariedade, que a todos se impõe, na proteção desse bem essencial de uso comum das pessoas em geral (STF – Tribunal Pleno, ADI nº 3540 MC/DF, Relator Ministro Celso de Mello, 13

julgado em 01/09/2005, publicado no DJ de 03/02/2006, p. 14 ).

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A ementa integral do referido aresto é a seguinte:

MEIO AMBIENTE - DIREITO À PRESERVAÇÃO DE SUA INTEGRIDADE (CF, ART. 225) - PRERROGATIVA QUALIFICADA POR SEU CARÁTER DE METAINDIVIDUALIDADE - DIREITO DE TERCEIRA GERAÇÃO (OU DE NOVÍSSIMA DIMENSÃO) QUE CONSAGRA O POSTULADO DA SOLIDARIEDADE - NECESSIDADE DE IMPEDIR QUE A TRANSGRESSÃO A ESSE DIREITO FAÇA IRROMPER, NO SEIO DA COLETIVIDADE, CONFLITOS INTERGENERACIONAIS - ESPAÇOS TERRITORIAIS ESPECIALMENTE PROTEGIDOS (CF, ART. 225, § 1º, III) - ALTERAÇÃO E SUPRESSÃO DO REGIME JURÍDICO A ELES PERTINENTE - MEDIDAS SUJEITAS AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA RESERVA DE LEI - SUPRESSÃO DE VEGETAÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE - POSSIBILIDADE DE A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, CUMPRIDAS AS EXIGÊNCIAS LEGAIS, AUTORIZAR, LICENCIAR OU PERMITIR OBRAS E/OU ATIVIDADES NOS ESPAÇOS TERRITORIAIS PROTEGIDOS, DESDE QUE RESPEITADA, QUANTO A ESTES, A INTEGRIDADE DOS ATRIBUTOS JUSTIFICADORES DO REGIME DE PROTEÇÃO ESPECIAL - RELAÇÕES ENTRE ECONOMIA (CF, ART. 3º, II, C/C O ART. 170, VI) E ECOLOGIA (CF, ART. 225) COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS - CRITÉRIOS DE SUPERAÇÃO DESSE ESTADO DE TENSÃO ENTRE VALORES CONSTITUCIONAIS RELEVANTES - OS DIREITOS BÁSICOS DA PESSOA HUMANA E AS SUCESSIVAS GERAÇÕES (FASES OU DIMENSÕES) DE DIREITOS (RTJ 164/158, 160-161) - A QUESTÃO DA PRECEDÊNCIA DO DIREITO À PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE: UMA LIMITAÇÃO CONSTITUCIONAL EXPLÍCITA À ATIVIDADE ECONÔMICA (CF, ART. 170, VI) - DECISÃO NÃO REFERENDADA - CONSEQÜENTE INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE MEDIDA CAUTELAR. A PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE: EXPRESSÃO CONSTITUCIONAL DE UM DIREITO FUNDAMENTAL QUE ASSISTE À GENERALIDADE DAS PESSOAS. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Trata-se de um típico direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que assiste a todo o gênero humano (RTJ 158/205-206). Incumbe, ao Estado e à própria coletividade, a especial obrigação de defender e pre-

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Por isso, o dano ambiental é uma “expressão ambivalente, que designa, certas vezes, alterações nocivas ao meio ambiente e outras, ainda, os efeitos que tal alteração provoca na saúde das pessoas e em seus interesses” (Leite e Ayala, 2010, p. 92).

servar, em benefício das presentes e futuras gerações, esse direito de titularidade coletiva e de caráter transindividual (RTJ 164/158-161). O adimplemento desse encargo, que é irrenunciável, representa a garantia de que não se instaurarão, no seio da coletividade, os graves conflitos intergeneracionais marcados pelo desrespeito ao dever de solidariedade, que a todos se impõe, na proteção desse bem essencial de uso comum das pessoas em geral. Doutrina. A ATIVIDADE ECONÔMICA NÃO PODE SER EXERCIDA EM DESARMONIA COM OS PRINCÍPIOS DESTINADOS A TORNAR EFETIVA A PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE. A incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a "defesa do meio ambiente" (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral. Doutrina. Os instrumentos jurídicos de caráter legal e de natureza constitucional objetivam viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente, para que não se alterem as propriedades e os atributos que lhe são inerentes, o que provocaria inaceitável comprometimento da saúde, segurança, cultura, trabalho e bem-estar da população, além de causar graves danos ecológicos ao patrimônio ambiental, considerado este em seu aspecto físico ou natural. A QUESTÃO DO DESENVOLVIMENTO NACIONAL (CF, ART. 3º, II) E A NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE (CF, ART. 225): O PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL COMO FATOR DE OBTENÇÃO DO JUSTO EQUILÍBRIO ENTRE AS EXIGÊNCIAS DA ECONOMIA E AS DA ECOLOGIA. - O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações. O ART. 4º DO CÓDIGO FLORESTAL E A MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2.166-67/2001: UM AVANÇO EXPRESSIVO NA TUTELA DAS ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. - A Medida Provisória nº 2.166-67, de 24/08/2001, na parte em que introduziu significativas alterações no art. 4o do Código Florestal, longe de comprometer os valores constitucionais consagrados no art. 225 da Lei Fundamental, estabeleceu, ao contrário, mecanismos que permitem um real controle, pelo Estado, das atividades desenvolvidas no âmbito das áreas de preservação permanente, em ordem a impedir ações predatórias e lesivas ao patrimônio ambiental, cuja situação de maior vulnerabilidade reclama proteção mais intensa, agora propiciada, de modo adequado e compatível com o texto constitucional, pelo diploma normativo em questão. - Somente a alteração e a supressão do regime jurídico pertinente aos espaços territoriais especialmente protegidos qualificam-se, por efeito da cláusula inscrita no art. 225, § 1º, III, da Constituição, como matérias sujeitas ao princípio da reserva legal. - É lícito ao Poder Público qualquer que seja a dimensão institucional em que se posicione na estrutura federativa (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios) - autorizar, licenciar ou permitir a execução de obras e/ou a realização de serviços no âmbito dos espaços territoriais especialmente protegidos, desde que, além de observadas as restrições, limitações e exigências abstratamente estabelecidas em lei, não resulte comprometida a integridade dos atributos que justificaram, quanto a tais territórios, a instituição de regime jurídico de proteção especial (CF, art. 225, § 1º, III).

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A ação civil pública é uma medida judicial muito utilizada na defesa dos direitos metaindividuais e, consequentemente, do meio ambiente. É regida pela Lei nº 7.347, de 24 de julho de 198514. A legitimidade para a propositura de ação civil pública é do Ministério Público, da Defensoria Pública; da União, Estados, Distrito Federal e Municípios; de autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista; de associação constituída há pelo menos um ano, nos termos da lei civil, e que inclua em suas finalidades a proteção ao meio ambiente (artigo 5º). Além disso, “qualquer pessoa poderá e o servidor público deverá provocar a iniciativa do Ministério Público, ministrando-lhe informações sobre fatos que constituam objeto da ação civil e indicando-lhe os elementos de convicção” (artigo 6º). 2.2.3 A sustentabilidade como fundamento constitucional A Constituição Federal é a lei máxima do país. Nela estão inclusos os direitos e garantias fundamentais dos indivíduos e da sociedade, que se enquadram acima da legislação de um modo geral. A principal evidência de que a sustentabilidade é um paradigma no atual sistema jurídico brasileiro é o fato de estar respaldada em fundamentos constitucionais. O artigo 3º da Constituição estabelece como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, dentre outros, o desenvolvimento nacional (inciso II), a erradicação da pobreza, a redução das desigualdades sociais e regionais (inciso III) e a promoção do bem de todos (inciso IV). Dentro do Título VIII – “Da ordem social”, a Constituição incluiu o “meio ambiente” em capítulo específico (Capítulo VI), no qual se destaca o artigo 225, preceituando que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”, impondo ao Poder Pú14

Artigo 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: I – ao meio ambiente; IV – a qualquer outro interesse difuso ou coletivo. O inciso IV foi acrescido pela Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, que trata dos direitos do consumidor. Aliás, os objetos meio ambiente e consumo estão inter-relacionados, eis que as práticas e atividades relacionadas ao consumo interferem diretamente no meio ambiente.

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blico e à coletividade “o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Disto se conclui que, de acordo com a Lei Maior, o desenvolvimento econômico é obtido a partir da erradicação da pobreza e da mantença de uma “sadia qualidade de vida”, sendo que esta pressupõe um “meio ambiente ecologicamente equilibrado”. Nesse sentido o próprio conceito de qualidade ambiental é importante na medida em que, baseado em uma análise do ambiente humano em função da qualidade de vida dos seres humanos, se aceita que uma alta qualidade ambiental está associada àquelas situações do ambiente que melhor favorecem a qualidade de vida das pessoas que pertencem a um sistema humano dado, e que a qualidade de vida está determinada tanto por fatores objetivos como por satisfações subjetivas (Hogan e Vieira, 1995, p. 206).

Em suma, o desenvolvimento econômico alcançado sem prejuízo da qualidade de vida e da preservação do meio ambiente, em outras palavras, a sustentabilidade. O desenvolvimento sustentável nada mais é do que a “compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico” (Silva, 2010, p. 24-25). 2.2.4 A prevenção ou a precaução A importância da tutela jurídica do meio ambiente exige que se dê mais ênfase à prevenção ou precaução do que à repressão ou punição. O dano ambiental pode ser irreparável e, por isso, deve ser prevenido, evitado. A extinção de uma espécie animal ou vegetal, a devastação de uma floresta, a contaminação de um rio, etc., podem acarretar prejuízos irreversíveis ao ser humano. A preciosidade de tal bem torna imprescindível que se reforcem os meios de se prevenir a ocorrência de danos ambientais; a repressão é apenas uma consequência; a pena deve o escopo principal de evitar novos atos poluidores.

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Mas hoje, diz-se, a pena mudou de natureza; já não é para se vingar que a sociedade castiga; é para se defender. A dor que aflige não é mais nas suas mãos senão um instrumento metódico de proteção. Ela pune, não porque o castigo lhe ofereça por si próprio alguma satisfação, mas para que o temor da pena paralise as más vontades. Já não é a cólera, mas a prevenção reflectida, que determina a repressão (Durkheim, 1984, p. 105).

A precaução está prevista no artigo 6º da Carta da Terra15, que preceitua “prevenir o dano ao ambiente como o melhor método de proteção ambiental e, quando o conhecimento for limitado, assumir uma postura de precaução.” Ainda que seja possível a reconstituição do dano ambiental à situação anterior, a mesma será “de tal modo onerosa que não é razoável exigir um tal esforço ao poluidor. Logo, serão as gerações futuras que mais vão sofrer as consequências daquele dano ambiental que não foi possível evitar” (Canotilho e Leite, 2008, p. 44). A reparação do dano ao meio ambiente deve, portanto, ocorrer antes do prejuízo, de maneira preventiva, evitando que o mesmo ocorra, dado o seu caráter de irreversibilidade. Em todos os setores econômicos observa-se um esforço no sentido da adoção de instrumentos e mecanismos de mercado que possibilitem a transição para uma sociedade mais sustentável, em lugar das regras e normas meramente restritivas e proibitivas, como a responsabilidade civil. A função precípua da compensação ambiental não é a reparação dos danos causados “voltada para o passado”, própria da responsabilidade civil, mas a prevenção de danos graves e, por vezes, irreversíveis, orientada para o futuro (Mota, 2009, p. 27).

O princípio da precaução é mais restritivo do que o da prevenção. De acordo com o princípio da precaução, a atividade econômica não deve ser permitida se houver a probabilidade de ser poluidora. Para a prevenção, a atividade poderá ser permitida se forem adotadas medidas de cautela, vale dizer, certas limitações. O princípio da precaução funciona como uma espécie de princípio ‘in dúbio pro ambiente’: na dúvida sobre a perigosidade de uma certa actividade para o ambien15

A Carta da Terra começou com uma iniciativa da ONU e foi elaborada, no ano 2000, por uma comissão internacional independente; o documento recebeu a adesão de mais de 4.500 organizações civis e governamentais. É considerada uma “lei branca”, pois não obriga juridicamente, mas apenas moralmente.

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te, decide-se a favor do ambiente e contra o potencial poluidor, isto é, o ônus da prova da inocuidade de uma acção em relação ao ambiente é transferido do Estado ou do potencial poluído para o potencial poluidor. Ou seja, por força do princípio da precaução, é o potencial poluidor que tem o ônus da prova de que um acidente ecológico não vai ocorrer e de que adotou medidas de precaução específicas (Canotilho e Leite, 2008, p. 42).

O princípio da precaução exige uma espécie de cálculo antecipado dos potenciais perigos para a saúde ou para a atividade de cada um, baseado apenas em notícias desencontradas e cientificamente incertas; basta a probabilidade ou a plausibilidade para que medidas de proteção ou barreiras sejam adotadas. Para o princípio da prevenção, há uma certeza de que a atividade será lesiva ao meio ambiente, mas impõe a adoção de medidas para evitar a ocorrência dos danos, no lugar de contabilizar e tentar reparar os danos (Mota, 2009, p. 31). Decorre dos princípios da precaução ou da prevenção a iniciativa de pequena parte de alguns setores empresariais e industriais, ainda que de forma bastante embrionária – e isto deveria também uma preocupação do legislador -, de incorporar nos preços dos produtos os custos com a degradação ambiental causada por suas atividades, pois a prevenção mostra-se menos onerosa do que a reparação. Os princípios da prevenção e da precaução são, pois, pilares do Direito Ambiental, eis que os danos ambientais são geralmente irreversíveis ou irreparáveis. Estão consagrados no artigo 225, caput da Constituição Federal. É dever do Estado e de todos a preservação do meio ambiente para as presentes e futuras gerações. A Lei nº 6.938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente) também prevê instrumentos que visam a prevenção ou a precaução, como é o caso da avaliação dos impactos ambientais (artigo 9º, III). Ao aplicar o princípio da precaução, os governos encarregam-se de organizar a repartição da carga dos riscos tecnológicos, tanto no espaço como no tempo. Numa sociedade moderna, o Estado será julgado pela sua capacidade de gerir os riscos. Deixa de buscar eficiência a Administração Pública que, não procurando prever danos para o ser humano e o meio ambiente, omite-se e no praticar medidas de

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precaução, ocasionando prejuízos, pelos quais será co-responsável (Machado, 2010, p. 88-89).

2.2.5 O princípio do poluidor-pagador A legislação atribui aos infratores – agentes poluidores – a responsabilidade pelos danos ambientais praticados. É o princípio do poluidor-pagador. Dispõe o artigo 225 da Constituição Federal: Art. 225... §3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos.

Nesse mesmo sentido, estabelece o artigo 70 da Lei nº 9.605/98: Art. 70. Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.

Dispõem ainda os artigos 4º, inciso VII e 14, §1º da Lei nº 6.938/81: Art. 4º A Política Nacional do Meio Ambiente visará: VII – à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos. Art.14. Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores: §1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade ...

O usuário que se beneficia dos recursos naturais não pode onerar a sociedade com a poluição gerada pela atividade por ele desenvolvida. “O poluidor que usa gratuitamente o meio ambiente para nele lançar os poluentes invade a proprie-

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dade pessoal de todos os outros que não poluem, confiscando o direito de propriedade alheia” (Machado, 2010, p. 67). De outro lado, o paradigma do poluidor-pagador não pode ser visto apenas pelo espectro da reparação por danos já concretizados, mas também a situações preventivas, por meio da compensação ambiental. A compensação ambiental é uma das formas de se implementar o princípio usuário-pagador, antecipando possíveis cobranças por danos ambientais. A compensação ambiental apresenta várias facetas. Uma delas é fazer com que a contribuição financeira seja paga antes que o dano aconteça, no sentido de evitálo. Outra forma de implementação é fazer com que a contribuição financeira seja um investimento na redução ou mitigação dos danos prováveis ao meio ambiente. Ao ser prevista na legislação ambiental, a compensação insere a variante ambiental no planejamento econômico, fazendo com que as empresas possam mensurar os custos totais na fase de formulação do projeto de um empreendimento. É útil pesquisar o sentido do termo “compensação” nos dicionários. Como se vê, em diversas línguas – inclusive na língua portuguesa – a compensação visa a contrabalançar uma perda ou um inconveniente atual ou futuro. A compensação não é um presente que se dá a alguém, pois se compensa por algo que representa um desequilíbrio, isto é, tenta-se o restabelecimento do equilíbrio. O dever de compensar só nasce se for possível imputar a alguém a possibilidade de causar um dano social ou ambientalmente reprovável ou nocivo (Machado, 2010, p. 69).

2.2.6 O princípio do protetor-recebedor A Lei nº 12.305, de 02 de agosto de 2010 instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos e introduziu no sistema o princípio do protetor-recebedor. Dispõe o artigo 6º, inciso II da referida lei: Art. 6º São princípios da Política Nacional de Resíduos Sólidos: II - o poluidor-pagador e o protetor-recebedor;

Por tal princípio, quem protege o meio ambiente deve receber incentivos fiscais ou econômicos. Não basta punir o agressor ou o poluidor; é preciso incentivar atitudes de proteção ao meio ambiente.

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É o caso, por exemplo, de se isentar ou aplicar alíquotas menores de imposto sobre os terrenos urbanos de maiores extensões ou localizados em áreas mais sensíveis ecologicamente, cujos proprietários assumam o compromisso permanente de preservação, averbado na matrícula imobiliária, ou de praticar em tais áreas atos destinados à proteção ambiental. Considerando que a propriedade privada recebe limitações do meio ambiente, pode-se dizer que o princípio do protetor-recebedor poderá se transformar em um novo viés econômico para a propriedade, pois por meio dele poderão ser reduzidas ou abrandadas algumas das limitações ao direito de propriedade, em troca da preservação de áreas mais vulneráveis sob o prisma ambiental. O proprietário poderá assumir o compromisso de preservar determinada área mais sensível ao meio ambiente e, em contrapartida, receber incentivos de majoração do potencial construtivo em outras áreas de menor impacto ambiental. O paradigma do protetor-recebedor é corolário dos princípios da prevenção e da precaução; os mesmos atuam antes da ocorrência dos danos ambientais ou para evitar que estes ocorram. 2.2.7 A responsabilidade objetiva A responsabilidade civil tradicional (subjetiva) é gerida pelo pressuposto da existência de culpa, esta considerada em sentido amplo, abrangendo tanto a culpa propriamente dita (o agente não queria o resultado, mas agiu com imprudência, negligência ou imperícia) quanto o dolo (vontade de produzir o resultado). Aí está, portanto, em linhas gerais, a base sobre a qual repousa a teoria clássica e tradicional da culpa, também chamada teoria da responsabilidade subjetiva, que pressupõe sempre a existência de culpa (lato sensu), abrangendo o dolo (pleno conhecimento do mal e direta intenção de o praticar) e a culpa (stricto sensu), violação de um dever que o agente podia conhecer e acatar (Monteiro, 1989, p. 392).

Porém, este conceito tradicional não é suficiente para assegurar a proteção de certos bens ou interesses jurídicos mais vulneráveis, ou que envolvam os hipossuficientes (econômica ou juridicamente).

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Deixado à vítima o ônus da prova de que o ofensor procedeu antijuridicamente, a deficiência de meios, a desigualdade de fortuna, a própria organização social acabam por deixar larga cópia de danos descobertos e sem indenização. A evolução da responsabilidade civil gravita em torno da necessidade de socorrer a vítima, o que tem levado a doutrina e a jurisprudência a marchar adiante dos códigos, cujos princípios constritores entravam o desenvolvimento e a aplicação da boa justiça (Pereira, 2003, p. 556).

A solução técnica encontrada para casos tais, dentre os quais a proteção ao meio ambiente – um bem jurídico de vital importância -, foi o instituto da responsabilidade objetiva, que independe da ocorrência de culpa. Basta a ocorrência de um evento, seja lícito ou ilícito, que acarrete dano a um bem jurídico tutelado, para que o agente seja responsabilizado civilmente. A única exigência é que haja, ainda que seja muito tênue, um liame ou nexo de causalidade entre o evento e o resultado, em se tratando de responsabilidade por dano ambiental. 2.2.8 O princípio da reparação integral Outro paradigma para a questão ambiental é o princípio da reparação integral, segundo o qual a condenação imposta ao agente poluidor deve ser a mais ampla possível, para que novas condutas lesivas sejam evitadas e afastadas todas as lesões ou ameaças para que, assim, o meio ambiente seja preservado ou restabelecido com a maior amplitude possível. Ao estabelecer que “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”, a Constituição Federal, no artigo 225, §3º, consagrou tal princípio. Deste modo, além das sanções criminais que prevêem penas restritivas de direitos e de liberdade, uma mesma conduta poderá ser objeto, paralela e concomitantemente, de variadas medidas ou consequências nas esferas administrativa ou judicial civil (multas, obrigações de fazer, indenizações, etc.).

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2.3 RESPONSABILIDADE AMBIENTAL 2.3.1 Responsabilidade civil, penal e ambiental A violação de uma conduta regulada pelo direito enseja a aplicação de uma sanção. As sanções variam conforme a gravidade atribuída ao preceito violado, dependendo do grau de importância que o bem jurídico tutelado ocupa na sociedade em determinado momento histórico16. Na esfera civil, o interesse lesado é o privado, particular. O ato do agente causa prejuízo material ou moral a alguma pessoa, que deve ser reparado mediante o pagamento de indenização, com o objetivo de repor as coisas ao estado anterior ao dano. Na seara penal, ocorre a violação de uma norma de direito público, através de um comportamento delituoso, reprovado pela ordem social. A sociedade reage aplicando uma pena ao delinquente, por intermédio do Estado-Juiz. Nessa modalidade, é indiferente que tenha havido ou não prejuízo para a vítima; o dano ocorreu para toda a sociedade, em decorrência da violação de uma norma de ordem pública (Rodrigues, 1993, p. 5). A responsabilidade ambiental, por sua vez, contém características peculiares, abrangendo tanto a responsabilidade de recomposição do dano (civil) como também a penal. A vítima pode sofrer prejuízos particulares por danos ambientais, que terão de ser indenizados pelo causador do evento danoso; ao mesmo tempo, o dano atinge e prejudica toda a sociedade. “O patrimônio ambiental constitui bem de toda coletividade. Possui a natureza de um direito coletivo. Justamente por ser coletivo, importando a toda a coletividade, qualquer membro dessa coletividade deve estar legitimado a protegê-lo” (Venosa, 2004, p. 179).

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De acordo com Durkheim, “um ato acto é criminoso quando ofende os estados fortes e definidos da consciência colectiva”; a função do direito seria “fazer respeitar as crenças, as tradições, as práticas colectivas, isto é, defender a consciência comum contra todos os inimigos internos e externos”. A verdadeira função da pena estaria “em manter intacta a coesão social, mantendo toda a sua vitalidade à consciência comum” (Durkheim, 1984, p. 99 e 103).

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Considerando a autonomia do Direito Ambiental, explorada em capítulo anterior, a nomenclatura utilizada neste trabalho é “responsabilidade ambiental”, englobando os aspectos civis e penais (além dos administrativos), com ênfase à responsabilidade civil em matéria ambiental, porquanto o tema objeto – solidariedade – é instituto de direito civil. 2.3.2 As funções repressiva, restitutiva e preventiva da responsabilidade em matéria ambiental De regra, há duas espécies de sanções no mundo jurídico, uma denominada repressiva, que consiste numa pena ou limitação imposta ao agente, tendo por objetivo privá-lo de liberdade ou atingi-lo em sua honra, e outra denominada restitutiva, que não implica necessariamente um sofrimento ao agente, mas a reposição das coisas ao estado anterior. A primeira espécie compreende o direito penal e a segunda os demais ramos do direito (civil, comercial, administrativo, constitucional, etc. (Durkheim, 1984, p. 85-86). O Direito Ambiental envolve sanções repressivas e também restitutivas, estabelecendo penas que limitam a liberdade do agente ou restringem alguns de seus direitos17, bem como medidas que visam possibilitar o retorno das coisas ao status quo ante, seja pela condenação do agente ao cumprimento da tutela específica da obrigação, seja pela recomposição patrimonial equivalente ao dano causado (ou ambas). Quando um dano ocorre, surge o instituto da responsabilidade ambiental com o objetivo de fazer com que haja o retorno das coisas ao estado inicial, com o afastamento das alterações adversas das características do meio ambiente (recuperação da degradação ambiental), ou, caso isto não mais seja possível, de minimizar os impactos gerados, por meio de indenização18. O fim principal da responsabilidade 17

A repercussão penal do dano ambiental não se enquadra nos propósitos da presente pesquisa, que está voltada à sanção restritiva da responsabilidade ambiental.

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O dano é um elemento essencial à responsabilidade civil, que é a pretensão a uma reparação ou indenização.

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por dano ambiental é a recomposição do meio ambiente à situação originária ou o mais próximo possível dela. A indenização pode surgir concomitantemente à obrigação de imposição de retorno das coisas ao estado anterior, vale dizer, o agente pode ser obrigado a cumprir obrigações que resultem na recomposição dos fatos ao estado originário e também a reparar monetariamente os prejuízos causados. A indenização somente ocorre de forma isolada se não mais for mais possível a primeira e principal finalidade. A responsabilidade ambiental é também, assim, um importante mecanismo de proteção ao meio ambiente. Se os danos não puderem ser evitados, merecem então a atenção os meios jurídicos para que os responsáveis sejam obrigados a reparar os prejuízos causados à coletividade – materiais e morais –, e a tomar as providências no sentido de que os elementos do meio ambiente que foram afetados pelos danos possam retornar ao status quo. A proteção conferida pela responsabilização por dano ambiental decorre de uma função preventiva indireta, voltada ao futuro, pois a sanção aplicada a um indivíduo serve como exemplo ou intimidação para que outros não repitam o comportamento danoso. Ante o exposto, poderíamos observar dentre as funções da responsabilidade civil, a existência de um caráter preventivo indireto, visto que a obrigatoriedade da compensação das vítimas, através da conversão do prejuízo em reparação, serviria para que outros se precavessem face à iminência de um dano ambiental. Verificamos, dessa maneira, que a responsabilidade civil ambiental trabalha o dano tanto como fato pretérito como, indiretamente, quanto fato futuro (Bucci, 2003, p. 105).

Por isso, pode-se dizer que a responsabilidade ambiental não está focada apenas no princípio do poluidor-pagador, contemplando também o paradigma da prevenção e da precaução. O ideal é que haja prevenção, que sejam evitados os danos ambientais, pois o meio ambiente é um bem sensível e fundamental para a sobrevivência humana. Além disso, há situações que não permitem a recomposição do meio ambiente ao estado anterior aos danos, acarretando prejuízos irreparáveis e irreversíveis aos seres vivos.

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A atividade poluente acaba sendo uma apropriação pelo poluidor dos direitos de outrem, pois na realidade a emissão poluente representa um confisco do direito de alguém em respirar ar puro, beber água saudável e viver com tranqüilidade. Por isso, é imperioso que se analisem oportunamente as modalidades de reparação do dano ecológico, pois muitas vezes não basta indenizar, mas fazer cessar a causa do mal, pois um carrinho de dinheiro não substitui o sono recuperador, a saúde dos brônquios, ou a boa formação do feto (Machado, 2010, p. 361).

No presente trabalho será explorado o espectro civil da responsabilidade por dano ambiental, mormente a solidariedade. 2.3.3 O escopo da reparação integral A reparação ambiental deve ser integral, a mais ampla possível, vale dizer, compreendendo a reposição dos fatos ao status quo, seja por meio da mitigação do dano ambiental mediante a imposição de uma obrigação de fazer ou não fazer, em caso de reversibilidade do dano, seja mediante indenização pecuniária dos prejuízos materiais e os extrapatrimoniais ou incorpóreos (ou ambas, de forma cumulativa). Não se pode limitar a indenização, que deverá cobrir toda a extensão do dano ambiental. Por isso, em matéria ambiental não se aplicam as causas excludentes gerais da obrigação de indenizar, como o caso fortuito, a força maior, a culpa da vítima, etc. Trata-se do princípio da reparação integral, amparado pelo artigo 225, §3º da Constituição Federal, tratado no capítulo anterior como um dos paradigmas da questão ambiental. 2.3.4 Responsabilidade objetiva Há duas modalidades de responsabilidade, de acordo com a natureza jurídica: contratual, quando a culpa deriva do inadimplemento de obrigação contida num negócio jurídico (contrato), ou extracontratual, quando deriva da culpa em sentido amplo, também chamada de culpa ou responsabilidade aquiliana. “A culpa civil em sentido amplo abrange não somente o ato ou conduta intencional, o dolo (delito, na origem semântica e histórica romana), mas também os atos ou condutas eivados de negligência, imprudência ou imperícia, qual seja, a cul-

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pa em sentido estrito (quase-delito)” (Venosa, 2004, p. 28). Em suma, a culpa em sentido estrito é a falta de cuidado ou atenção. Quando as consequências são imprevisíveis ao agente, trata-se de caso fortuito ou força maior, excludentes de responsabilidade na esfera civil. A base da responsabilidade extracontratual está contida no artigo 186 do Código Civil: “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano”. O que se busca para a responsabilidade extracontratual é, portanto, identificar a conduta ou a omissão do agente e avaliar as consequências delas decorrentes, que tenham causado prejuízo. Para o direito ambiental desperta interesse a responsabilidade extracontratual, pois a titularidade do meio ambiente é de toda a coletividade, não se resumindo no descumprimento de um negócio jurídico entabulado entre particulares. A necessidade de se proteger o meio ambiente – razão da existência humana – ensejou a determinação da responsabilidade objetiva pelos danos ambientais causados, independentemente da ocorrência de culpa, pois não se pode dificultar a reparação de tal bem jurídico fundamental. Repara-se por força do Direito Positivo e, também, por um princípio de Direito Natural, pois não é justo prejudicar nem os outros e nem a si mesmo. Facilita-se a obtenção da prova da responsabilidade, sem se exigir a intenção, a imprudência e a negligência para serem protegidos bens de alto interesse de todos e cuja lesão ou destruição terá consequências não só para a geração presente, como para a geração futura. Nenhum dos poderes da República, ninguém, está autorizado, moral e constitucionalmente, a concordar ou a praticar uma transação que acarrete a perda de chance de vida e de saúde das gerações (Machado, 2010, p. 362).

A regra geral é a responsabilidade extracontratual subjetiva, ou seja, que exige culpa em sentido amplo (Código Civil, artigo 927, caput). A responsabilidade

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objetiva, ou responsabilidade sem culpa e baseada na teoria do risco, é uma exceção, somente decorrendo expressamente da lei19. As noções de risco e garantia ganham força para substituir a culpa. No final do século XIX, surgem as primeiras manifestações ordenadas da teoria objetiva ou teoria do risco. Sob esse prisma, quem, com sua atividade ou meios utilizados, cria um risco deve suportar o prejuízo que sua conduta acarreta, ainda porque essa atividade de risco lhe proporciona um benefício. Nesse aspecto, cuida-se do denominado risco-proveito. A dificuldade está em evidenciar o proveito decorrente da atividade, que nem sempre fica muito claro. Pode-se pensar nessa denominação para justificar a responsabilidade sem culpa, desde que não se onere a vítima a provar nada mais além do fato danoso e do nexo causal (Venosa, 2004, p. 20).

A responsabilidade objetiva por danos ambientais decorre do disposto no artigo 225, §3º da Constituição Federal e no artigo 14, §1º da Lei nº 6.938/81: Art. 225 ... §3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos. Art. 14. ... §1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.

O artigo 927, parágrafo único do Código Civil de 2002 também contém regra aplicável aos danos ambientais, impondo a responsabilidade objetiva: Art. 927 ...

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Considerando que há várias hipóteses contempladas por lei em que a responsabilidade é objetiva – são exemplos o artigo 12 da Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) e os artigos 927, parágrafo único, 936, 937, 938, 939 e 940 do Código Civil, dentre outras -, alguns autores, como Caio Mário da Silva Pereira, que entendem que “atualmente o nosso direito se encaminha para a inversão do fundamento da responsabilidade civil. Se antes a regra era a da responsabilidade com culpa, hoje já podemos afirmar que esta está se tornando exceção, sendo a regra a responsabilidade sem culpa” (Pereira, 2003, p. 563).

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Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Alguns países adotam em matéria ambiental regras jurídicas semelhantes, tais como França, Japão, Portugal, Estados Unidos, Grécia e Alemanha, com algumas nuances, ao passo que em outros impera a responsabilidade subjetiva, como na Espanha e na Itália. Na Espanha, as questões relativas à responsabilidade ambiental são tratadas pela aplicação das disposições e princípios gerais da responsabilidade civil, o mesmo ocorrendo em relação à reparação dos danos ambientais. A responsabilidade ambiental é subjetiva. Na Itália, a responsabilidade é subjetiva também, além de não prever solidariedade entre os agentes que contribuam para o dano. O juiz deve decidir por equidade, considerando a gravidade da culpa do agente, o custo de reconstituição da lesão e o proveito obtido pelo agente. Na França, temos os dois regimes ativos: a responsabilidade subjetiva (Código Civil, arts. 1382 e 1383) e a responsabilidade objetiva pelo fato das coisas (Idem, art. 1834). Normalmente, o dano ambiental é tratado pelo segundo. Pode, entretanto, o dano ambiental ser tratado por outros diplomas legais franceses que tratem a situação de forma objetiva: Código da Aviação, para poluição sonora e acidentes com supersônicos; danos resultantes de acidente com energia nuclear; direito de vizinhança. Prevê o Código Civil francês a responsabilidade objetiva do operador de instalação perigosa. No Japão, o dano ambiental é tratado através da responsabilidade subjetiva, gerando dificuldades na comprovação e reparação do dano sofrido. Já para o dano ambiental quando atingido o patrimônio coletivo, uma série de medidas preventivas foram mandatoriamente implementadas, baseadas no princípio do poluidorpagador. Prevê a responsabilidade objetiva na poluição da água, na poluição do ar e nos incidentes com energia nuclear. Em Portugal, a Lei das Bases do Ambiente, de 1987, estabelece que a responsabilidade objetiva para o agente causador de dano ambiental, estabelecendo, entretanto, algumas condições (existência de danos significativos, resultantes de ação especialmente perigosa), ou seja, é objetiva, mas não é absoluta. Nos Estados Unidos da América, apesar de existirem legislações federais e estaduais sobre a matéria, é a Administração Federal (EPA – Environmental Protection

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Agency) que tem maiores poderes na proteção do meio ambiente (lembramos aqui que os Estados Unidos da América são um estado federativo). Prevê-se responsabilidade objetiva para instalações de energia nuclear, para rios e portos, para aviões e para animais. Existe um fundo de recuperação ambiental (Superfund), constituído pelo Comprehensive Environmental Response, Compensation and Liability Act (CERCLA) de 1980, que por meio da socialização dos encargos, caso necessário, não permite que danos ecológicos fiquem sem reparação. Os recursos provêm de taxas impostas à indústria petroquímica, sendo empregados na reparação do dano quando não é possível compeli-los a reparar o dano diretamente. A Grécia prevê responsabilidade objetiva para o dano ambiental. Na Alemanha, inexiste regra geral prevendo como será a responsabilidade civil. A responsabilidade objetiva é prevista, através de regra específica, para o tráfego aéreo e ferroviário, para a poluição das águas e para a construção e operação de instalações nucleares. A Comunidade Europeia, ao estabelecer diretrizes para a avaliação dos impactos ambientais nos projetos da comunidade, teve como premissa que a melhor política de proteção ambiental – e menos onerosa – é a prevenção (Plastina, 2010).

2.3.5 Teoria do risco integral Tanto na responsabilidade subjetiva quanto na objetiva deve haver uma responsabilidade atribuída a alguém: na primeira por meio da culpa e na segunda pelo risco, ainda que não tenha havido culpa. Uma forte corrente procurou deslocar o fundamento da responsabilidade da culpa para o risco, mas perdeu-se logo fragmentando-se em subteorias: do riscoproveito, que impunha a responsabilidade ao que sacasse vantagem do empreendimento gerador do dano (ubi emolumentum, ibi onus); do risco profissional adstrito aos acidentes no trabalho; ou mais amplamente do risco criado ou do risco excepcional, no direito público; e do risco social, imaginada por Duguit, com base no princípio da solidariedade. E os defensores do risco polemizaram a responsabilidade civil, em vez de articularem uma doutrina aceitável. Aos poucos foi se concentrando a doutrina, no conceito do ‘risco criado’ (Pereira, 2003, p. 561).

Pela teoria do risco integral, adotada pela grande maioria da doutrina especializada, a indenização é devida independentemente de culpa, não se aplicando, desta maneira, os excludentes de responsabilidade, tais como o caso fortuito, a força maior ou o fato de terceiro.

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Duas são as teorias acerca dos limites e possibilidades de assunção de riscos por aqueles que degradam o meio ambiente. A primeira, a teoria do risco integral, mediante a qual todo e qualquer risco conexo ao empreendimento deverá ser integralmente internalizado pelo processo produtivo, devendo o responsável reparar quaisquer danos que tenham conexão com sua atividade. A segunda, a teoria do risco criado, a qual procura vislumbrar, dentre todos os fatores de risco, apenas aqueles que, por apresentar periculosidade, é efetivamente apto a gerar as situações lesivas, para fins de imposição de responsabilidade (Mota, 2009, p. 34).

O risco integral pode ser interpretado a partir do artigo 225, §3º da Constituição Federal e do artigo 3º, inciso IV da Lei nº 6.938/81, transcritos acima. 2.3.6 Pressupostos da responsabilidade ambiental Para a responsabilização por dano ambiental, devem estar presentes os seguintes elementos: a) a prática de qualquer ato ou omissão, seja lícito ou ilícito; b) a ocorrência de um dano ambiental; e c) o nexo de causalidade entre a atitude e o dano (relação causa e efeito). 2.3.6.1 Ação ou omissão A definição de ato ilícito, em nosso ordenamento jurídico, é extraída do artigo 186 do Código Civil, segundo o qual “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Sílvio de Salvo Venosa refere-se a atos ilícitos como “os que promanam direta ou indiretamente da vontade e ocasionam efeitos jurídicos, mas contrários ao ordenamento. O ato voluntário é, portanto, o primeiro pressuposto da responsabilidade civil” (Venosa, 2004, p. 26). A Lei Federal nº 9.605/98, no capítulo primeiro, define que a incidência das penalidades a que se refere somente se fará na exata medida da culpabilidade, acaso apurada. É o que vem expresso no artigo 2º da citada Lei, que consagra a teoria da culpabilidade (nulla poena sine culpa). Além disso, o artigo 70 da referida norma legal condiciona a ocorrência de infração ambiental à existência de ato comissivo ou

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omissivo, decorrente de volição humana, “que viole as regras jurídicas de uso, gozo, proteção e recuperação do meio ambiente”. Em se tratando de dano ambiental, o conceito abrange todo e qualquer ato que cause prejuízo ao meio ambiente e seus reflexos na esfera jurídica dos indivíduos, ainda que não derive de um ato ilícito. Enfim, é uma “lesão a um bem ambiental, resultante de atividade praticada por pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que direta ou indiretamente seja responsável pelo dano, não só há a caracterização deste como a identificação do poluidor, aquele que terá o dever de indenizá-lo” (Fiorillo, 2010, p. 99-100). Venosa estabelece uma relação estreita do dano ambiental ao abuso de direito. “Em princípio, deve ser considerada abusiva qualquer conduta que extravase os limites do razoável e ocasione danos ao meio ambiente e desequilíbrio ecológico”. O abuso não é de índole individualista, consoante o Código Civil, pois atinge a coletividade. “Em princípio, toda atitude individual, que cause dano efetivo ou potencial à coletividade, deve ser reprimida” (Venosa, 2004, p. 179). Seria oportuno aqui ressaltar que mesmo sendo lícita a conduta do agente, tal fator torna-se irrelevante se dessa atividade resultar algum dano ao meio ambiente. Essa nada mais é do que uma consequência advinda da teoria do risco da atividade ou da empresa, da qual decorre a responsabilidade objetiva, adotada pela Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Bucci, 2003, p. 106).

São exemplos de atos lícitos causadores de degradação ambiental a exploração de jazidas de areia e metais, corte de madeira para a indústria moveleira, papel, etc. Ditas explorações são autorizadas pela autoridade ambiental e, portanto, lícitas, mas que por si só causam prejuízos ao meio ambiente.

2.3.6.2 Dano ambiental Leite e Ayala conceituam dano ambiental como sendo uma expressão ambivalente, que designa tanto as alterações nocivas ao meio ambiente – patrimônios

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naturais, artificiais e culturais - como os efeitos que tais alterações provocam na saúde das pessoas e em seus interesses (Leite e Ayala, 2010, p. 92). É o prejuízo sofrido pelo patrimônio ambiental, comum à coletividade (interesse coletivo e difuso supraindividual), e os efeitos reflexos ou ricochetes a interesses de um indivíduo ou grupo de pessoas (interesse privado) (Lemos, 2008, p. 103). Quando a situação de risco se concretiza, ocorre um dano, que é uma lesão a bens ou interesses juridicamente protegidos, de titularidade de uma pessoa ou coletividade. Este é o conceito tradicional de dano, sob o prisma jurídico. De acordo com o artigo 225, caput da Constituição Federal, “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as futuras gerações”. A Constituição Federal, no artigo 225, §1º, IV, prevê a exigência, pelo poder público, para a “instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental”, que é “uma solução técnica adequada à recomposição do ambiente modificado por atividade licenciada. Assim sendo, uma avaliação prévia dos danos facilitaria uma posterior reparação ao ambiente impactado” (Bucci, 2003, p. 111). A Lei nº 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, amplia o conceito de poluição para alcançar também questões sociais: Art. 3º Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: III – poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos.

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2.3.6.3 Nexo de causalidade É a ligação entre a conduta do agente à produção do resultado (dano). “A responsabilidade objetiva dispensa a culpa, mas nunca dispensará o nexo causal. Se a vítima, que experimentou um dano, não identificar o nexo causal que leva o ato danoso ao responsável, não há como ser ressarcida” (Venosa, 2004, p. 45). Toda ação, verdadeiramente capaz de desencadear um determinado fato, constituir-se-á no momento primeiro e objetivo de um acontecimento, no plano da realidade. Em decorrência de uma ação, caracterizada por um atuar positivo ou negativo, torna-se possível cogitar de uma relação causal, capaz de estabelecer o liame entre a ação e o resultado. Assim, uma ação, comissiva ou omissiva, será tida como causa de um determinado evento quando sem ela, isto é, sem a ação, o resultado se tornaria impossível de acontecer. E assim se dá porque, necessariamente, entre a ação e o resultado deve existir uma relação direta e imediata de causa e efeito, no contexto de sua fenomenalidade concreta. “Considera-se que o dano tenha sido causado pelo agente se foi o efeito necessário da omissão deste e não resultante de concausas sucessivas” (Mota, 2009, p. 36). Os conceitos acima decorrem da teoria da causalidade adequada, que é a mais aplicada no Brasil em matéria de responsabilidade civil. Por tal teoria, verificase a adequação da causa em razão da possibilidade ou da probabilidade de um resultado, ou seja, se a ação ou omissão seria apta a causar o dano, no plano real e concreto. As causas mais remotas, ou as concausas, não diretamente relacionadas ao resultado, não têm relevância jurídica. Todavia, para a responsabilidade ambiental o nexo causal deve ser analisado de maneira mais tênue, ampla e agravada, não sendo, pois, aplicável a teoria da causalidade adequada. A teoria que mais se coaduna com os paradigmas da questão ambiental é denominada teoria do escopo da norma jurídica violada, que leva em conta os reais interesses tutelados pela finalidade da norma legal.

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Ora, a teoria da causalidade adequada não se adapta às hipóteses de responsabilidade civil por dano ao meio ambiente, pois o critério de adequação deve ser aferido de forma abstrata, com a seguinte questão: a ação ou omissão seria adequada para provocar normalmente essa consequência? O problema é que todos os elementos causais da cadeia devem ser adequados para a produção do resultado danoso, e esse questionamento não é válido no que se refere ao dano ambiental, já que o autor de uma mera concausa, que não seria apta para atingir aquele resultado danoso, pode ser responsabilizado diante da aplicação da regra de solidariedade. As grandes dificuldades na aferição do nexo causal nos danos ao meio ambiente foram o impulso para o estudo nesta obra das teorias causais e nos parece que a teoria do escopo da norma atende aos interesses de proteção do meio ambiente (Lemos, 2008, p. 149).

Na responsabilidade civil em geral, o dano deve ter ocorrido, de forma efetiva; na responsabilidade por dano ambiental, há uma predisposição à atenuação do nexo causal, pois também coíbe a probabilidade de dano futuro, ou seja, das consequências que o ato poderá causar no futuro, do impacto ecológico que uma atividade possa vir a causar, ainda que os danos não se verifiquem no presente20. “Em razão desse aspecto, bem como dos interesses coletivos envolvidos, diminui-se exigência de comprovação do nexo causal. Os custos sociais do sistema produtivo e distributivo devem ser repartidos entre os que assumem o risco da produção (princípio do poluidor-pagador)“ (Venosa, 2004, p. 181). Foi dito acima que há uma predisposição à atenuação do nexo causal na responsabilidade ambiental, porque há limites à vinculação das causas mais remotas aos danos. As concausas nem sempre podem caracterizar o liame necessário para responsabilizar o agente ou a atividade. Um tema muito polêmico na prática, em matéria de se configurar o nexo de causalidade – e muito ilustrativo para os efeitos deste trabalho -, é a poluição gerada pelo uso de garrafas pet no acondicionamento de produtos tóxicos ou poluentes. As causas da poluição são o uso inadequado por parte do agente, daquele que acondi20

Por isso, é comum a adoção de presunções de danos, quando a prova do fato seja difícil ou inviável; presumem-se os danos, admitindo-se prova em contrário pelo suposto poluidor (presunção relativa).

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cionou o produto tóxico e gerou a poluição (causa direta), e também, mais remotamente, o descarte inadequado das garrafas pelos consumidores, após o consumo das bebibas que nelas estavam acondicionadas na origem (concausa). A fabricação das garrafas não é o efeito necessário para a produção do dano, a não ser que o fabricante estivesse obrigado por lei a dar destinação final ambientalmente adequada às embalagens fabricadas, nos termos da Lei nº 12.305/201021 e eventual regulamentação, mas não as tenha dado. As causas supervenientes é que produziram o resultado (poluição). Por isso, o fabricante de garrafas pet, a priori, não poderá ser responsabilizado por danos ambientais caso as mesmas sejam utilizadas inadequadamente após o consumo de seus conteúdos originais. Portanto, na hipótese em apreço, a causa da poluição, que por si só produziu o resultado, foi o descarte das garrafas pet por parte dos consumidores, rompida a necessariedade da causa anterior (a produção das garrafas). Não há mais necessariedade da causa primeira (a produção de garrafas pet), porque a intervenção de causa superveniente (do consumidor que se utiliza do conteúdo da embalagem e a descarta no meio ambiente) por si só produziu o resultado (o lixo degradador do meio ambiente) (Mota, 2009, p. 36).

Não há fórmulas exatas para a configuração do nexo causal suficiente para a responsabilização ambiental. Somente uma análise detalhada de determinada situação concreta é que permitirá ao operador do direito concluir pela existência ou não de responsabilidade. 2.3.7 A responsabilidade compartilhada Outro exemplo da aplicação da teoria do escopo da norma jurídica violada em se tratando de nexo de causalidade em matéria ambiental é o instituto da responsabilidade compartilhada.

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“Destinação final ambientalmente adequada: destinação de resíduos que inclui a reutilização, a reciclagem, a compostagem, a recuperação e o aproveitamento energético ou outras destinações admitidas pelos órgãos competentes do Sisnama, do SNVS e do SUASA, entre elas a disposição final, observando normas operacionais específicas de modo a evitar danos ou riscos à saúde pública e à segurança e a minimizar os impactos ambientais adversos” (artigo 3º, VII).

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A Lei nº 12.305, de 02 de agosto de 2010 (Política Nacional de Resíduos Sólidos) estabeleceu a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos: Conjunto de atribuições individualizadas e encadeadas dos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, dos consumidores e dos titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos, para minimizar o volume de resíduos sólidos e rejeitos gerados, bem como para reduzir os impactos causados à saúde humana e à qualidade ambiental decorrentes do ciclo de vida dos produtos, nos termos desta Lei (artigo 3º, XVII).

Todos os participantes das mais variadas etapas do ciclo de vida de um produto têm responsabilidades especificas e relevantes (fabricantes, importadores, distribuidores, comerciantes e consumidores). Atitudes isoladas não ganham a relevância necessária. De nada adianta os fabricantes e distribuidores abrirem canais de coleta de resíduos se os consumidores não os utilizarem, como também serão irrelevantes iniciativas dos consumidores ser não houver sistemas de logística reversa. 2.4 RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA EM MATÉRIA AMBIENTAL Solidariedade vem do latim “solidus” e significa “cooperação mútua entre duas ou mais pessoas” (Houaiss, 2009, p. 697). Em sentido sociológico, solidariedade é a existência de uma coesão social, num direcionamento de consciências particulares a um tipo comum; vontades e atitudes que se movimentam num mesmo sentido; todos os indivíduos de uma coletividade são atraídos uns para os outros, eis que seus interesses e valores são assemelhados ou comuns, tornando uniforme e harmônico inclusive os detalhes dos movimentos22.

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Segundo Durkheim, “há em nós duas consciências: uma não comporta senão estados que são pessoais a cada um de nós e que nos caracterizam, enquanto que os estados que a outra compreende são comuns a toda a sociedade. A primeira não representa senão a nossa personalidade individual e constitui-a; a segunda representa o tipo colectivo e, por consequência, a sociedade sem a qual não existiria. Quando é um dos elementos desta última que determina a nossa conduta, não é com vista ao nosso interesse pessoal que actuamos, mas prosseguimos fins colectivos. Ora, embora distintas, estas duas consciências estão ligadas uma à outra, pois que em suma elas não formam senão uma, não havendo para as duas senão um único e mesmo substracto orgânico. Elas são portanto solidárias” (Durkheim, 1984, p. 126).

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A solidariedade é considerada, neste trabalho, pela vertente jurídica, eis que os limites da mesma foram analisados e identificados sob o manto de tal dimensão, principalmente a partir do estudo das competências constitucionais. Para o Direito, o conceito de solidariedade expressa uma ideia negativa, de se estar vinculado a um dever, obrigação ou responsabilidade. Denota a ideia de um compromisso pelo qual as pessoas se obrigam umas pelas outras e cada uma delas por todas. A solidariedade é um instituto de direito civil. O Código Civil conceitua solidariedade “quando na mesma obrigação concorre mais de um credor, ou mais de um devedor, cada um com direito, ou obrigado, à dívida toda” (artigo 264). A solidariedade pode ser ativa, quando envolve mais de um credor, cada qual com direito à dívida toda, ou passiva, quando há uma pluralidade de devedores, cada um responsável por toda a obrigação. A legislação ambiental estabelece a responsabilidade solidária entre os entes que contribuíram, direta ou indiretamente, com a poluição ou degradação do meio ambiente. Cada um responde pela totalidade das consequências do evento. O artigo 3º, IV da Lei nº 6.938/81 conceitua “poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental”. A Constituição Federal, no artigo 225, §3º, sujeita todos os infratores por condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente (“as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”). O artigo 942 do Código Civil estabelece que: Artigo 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.

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Parágrafo único: São solidariamente responsáveis com os autores, os coautores e as pessoas designadas no art. 932.

Portanto, cada um dos agentes que tenham atuado, direta ou indiretamente, na poluição responde pela totalidade dos danos e medidas necessárias para a recomposição do meio ambiente, mesmo que não tenha sido o único poluidor. “Quando vários agentes tiverem participado de uma ação que venha a causar a poluição ou a degradação ambiental, ou ainda quando não se tiver certeza de qual deles – em um rol de possíveis autores – foi o responsável pelos danos, aplica-se esse conceito” (Granziera, 2009, p. 590). Tendo a ofensa mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação. O fundamento desta solidariedade legal está em que, ontologicamente, não cabe indagar da materialidade da participação de cada um, nem comporta o resultado danoso de uma análise das contribuições individuais, a fim de que se rateiem os efeitos. Por outro lado, a lei quer, ainda, aumentar as garantias do ofendido (Pereira, 2003, p. 556).

Em matéria ambiental, a solidariedade é passiva, eis que vincula os devedores da obrigação, ou seja, daqueles contra quem deveres e sanções poderão ser opostos. O artigo 275 do Código Civil assim define a solidariedade passiva: O credor tem direito a exigir e receber de um ou de alguns dos devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum; se o pagamento tiver sido parcial, todos os demais devedores continuam obrigados solidariamente pelo resto.

A solidariedade se aplica tanto para exigir dos poluidores ou exploradores de determinadas atividades a recomposição do meio ambiente ou o afastamento da poluição ou degradação ambiental, como também para obrigá-los ao pagamento de indenização, na hipótese do retorno ao estado anterior não ser mais possível e, por isso, tornar-se necessária sua conversão em obrigação pecuniária. O artigo 271 do Código Civil dispõe que “convertendo-se a prestação em perdas e danos, subsiste, para todos os efeitos, a solidariedade”.

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O poluidor que pagar sozinho a integralidade da condenação ambiental tem o direito de regresso em face dos demais infratores. Para tanto, presume-se que a dívida deve ser rateada em partes iguais entre todos os infratores. Tal regra está disposta no artigo 283 do Código Civil: “O devedor que satisfez a dívida por inteiro tem direito a exigir de cada um dos codevedores a sua quota, dividindo-se igualmente por todos a do insolvente, se o houver, presumindo-se iguais, no débito, as partes de todos os codevedores”. Este entendimento, entretanto, não é mais encontrado nos atuais julgados proferidos pelo STJ, de forma que a constatação desta solidariedade faz com que qualquer dos responsáveis seja obrigado a reparar integralmente o dano, concedendose o direito de regresso contra os demais responsáveis àquele que pagou todo o prejuízo sozinho. Importante salientar que nesta ação de regresso, ou seja, no plano interno da responsabilidade que vincula todos os causadores do dano, cada um irá pagar apenas o proporcional à sua participação na conduta danosa (Lemos, 2008, p. 163).

Quando estabelecido o nexo de causalidade entre as atuações dos agentes poluidores ou usuários dos recursos ambientais e a poluição ou os danos ambientais, consoante explanado em capítulo anterior, a solidariedade entre eles é imperativa, decorrente da própria lei. Todos os poluidores são responsáveis pelos eventos ambientais, que tenham tido participação direta ou indireta no evento danoso (princípio do “poluidor-pagador”), ou que tenham se beneficiado, ainda que indiretamente, da atividade nociva ao meio ambiente, cada um deles respondendo pela totalidade da poluição. Porém, se não estiver presente o nexo de causalidade, quando se poderá vincular determinada pessoa ou atividade à responsabilidade ambiental, de forma solidária aos demais poluidores? Em outras palavras, inexistindo nexo causal, há como se impor a solidariedade em matéria ambiental? Uma pessoa que não tenha contribuído direta ou indiretamente com a poluição – que não poluiu nem se beneficiou da atividade polidora - poderá ser responsabilizada solidariamente pelos danos ambientais? A referida questão recebe enorme relevância porque há uma tendência dos

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operadores do Direito e dos agentes ambientais de ampliar ao máximo o leque de responsáveis por danos ou atividades com riscos ambientais, até mesmo em decorrência dos paradigmas da prevenção e da precaução. Entretanto, a responsabilidade solidária contém limites que precisam ser observados, quando ausente o liame causal, ainda que este seja atenuado em se tratando de questão ambiental.

2.5 OS LIMITES DA SOLIDARIEDADE O Direito Ambiental é um importante instrumento para as políticas públicas que visem a preservação do meio ambiente e o combate à poluição, para condenar condutas e comportamentos nocivos e fixar as respectivas sanções (paradigma do poluidor-pagador), bem como para estabelecer benefícios para pessoas ou atividades voltadas à proteção do meio ambiental (paradigma do protetor-recebedor). A solidariedade é um instituto do Direito Ambiental que pode ser utilizado por políticas públicas para ampliar o leque de responsáveis pela mitigação do dano ambiental. Quanto maior o número de responsáveis solidários, maiores serão as probabilidades de que os danos ambientais sejam reparados, além de que mais efetivo será o caráter preventivo reflexo da legislação ambiental, eis que haverá um número maior de destinatários das normas, cujas condutas poderão ser coibidas. Para as hipóteses que não se enquadrem na responsabilidade solidária estabelecida entre os agentes ou atividades que causaram, direta ou indiretamente, o prejuízo ambiental, ou seja, para os casos em que não há nexo de causalidade peculiar entre a conduta ou atividade e os danos gerados, há limites para se configurar a solidariedade. Para criar a obrigação solidária, o Poder Público deve observar algumas regras ou pressupostos, para não ultrapassar os limites de tal responsabilidade.

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2.5.1 A solidariedade deve ter por origem a lei A primeira regra decorre do disposto no artigo 265 do Código Civil, segundo o qual “a solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes”, e do artigo 5º, inciso II da Constituição Federal, o qual preceitua que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. A lei mencionada nos dispositivos supra é aquela em sentido formal, e não decorrente de poder regulamentar. O regulamento não pode criar direito ou obrigações novas, sob pena de ser inconstitucional. É dizer: se à lei fosse dado dispor que o Executivo disciplinaria, por regulamento, tal ou qual liberdade, o ditame assecuratório de que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” perderia o caráter constitucional, pois o administrado seria obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa ora em virtude de regulamento, ora de lei, ao líbito do Legislativo, isto é conforme o legislador ordinário entendesse de decidir. É óbvio, entretanto, que, em tal caso, este último estaria se sobrepondo ao constituinte e subvertendo a hierarquia entre Constituição e lei, evento juridicamente inadmissível em regime de Constituição rígida (Mello, 2009, p. 352).

Portanto, a solidariedade deve resultar de lei emanada do Poder Legislativo; não pode advir de política pública através de decretos, regulamentos, instruções normativas, regimentos, resoluções, deliberações, instruções, circulares, avisos, portarias, ordens de serviço, ofícios ou despachos administrativos. Enfim, a responsabilidade solidária não pode ser imposta por atos administrativos ou por autoridades ambientais sem respaldo em lei. 2.5.2 A Resolução CONAMA nº 273, de 29 de novembro de 2000 Para ilustrar o tema, registre-se que o CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente, ao baixar a Resolução nº 273, de 29 de novembro de 2000, criou uma hipótese de responsabilidade solidária flagrantemente inconstitucional, eis que para tanto foi utilizado poder meramente regulamentar, sem previsão legal.

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Com efeito, dita Resolução, no artigo 8º, prevê a solidariedade no cumprimento de exigências formuladas pelo órgão ambiental, ou seja, no âmbito administrativo, entre o distribuidor de combustíveis, os proprietários, arrendatários ou responsáveis pelo estabelecimento e equipamentos: Art. 8º Em caso de acidentes ou vazamentos que representem situações de perigo ao meio ambiente ou a pessoas, bem como na ocorrência de passivos ambientais, os proprietários, arrendatários ou responsáveis pelo estabelecimento, pelos equipamentos, pelos sistemas e os fornecedores de combustível que abastecem ou abasteceram a unidade, responderão solidariamente, pela adoção de medidas para controle da situação emergencial, e para o saneamento das áreas impactadas, de acordo com as exigências formuladas pelo órgão ambiental licenciador.

Tal equívoco dá azo a infindáveis discussões nas esferas administrativa e judicial, gerando incertezas e dúvidas na aplicação de sanções ambientais. A celeuma poderia ser evitada ou abrandada; não havia a necessidade de se impor, expressamente, a responsabilidade entre tais agentes, gerando discussões sobre os aspectos formais da norma. O próprio regime do nexo de causalidade em matéria ambiental por si só permitiria a responsabilização de todos os atores indicados no artigo 8º da Resolução, de forma solidária, por se tratarem de agentes ou atividades ligadas indiretamente aos passivos ambientais em exame. Explica-se. A Resolução nº 273/2000 está dirigida aos empreendimentos relacionados à instalação e ao armazenamento de derivados de petróleo e outros combustíveis, que são atividades potencialmente ou parcialmente poluidoras e geradoras de acidentes ambientais, como reconhecido pela própria resolução nos “considerandos”23. Deste modo, é evidente que os “proprietários, arrendatários ou res-

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“... considerando que toda instalação e sistemas de armazenamento de derivados de petróleo e outros combustíveis, configuram-se como empreendimentos potencialmente ou parcialmente poluidores e geradores de acidentes ambientais; considerando que os vazamentos de derivados de petróleo e outros combustíveis podem causar contaminação de corpos d'água subterrâneos e superficiais, do solo e do ar; considerando os riscos de incêndio e explosões, decorrentes desses vaza-mentos, principalmente, pelo fato de que parte desses estabelecimentos localizam-se em áreas densamente povoadas; considerando que a ocorrência de vazamentos vem aumentando significativamente nos últimos anos em função da manutenção inadequada ou insuficiente, da obsolescência do sistema e equipamentos e da falta de treinamento de pessoal; considerando a ausência e/ou uso inadequado de sistemas confiáveis para a detecção de vazamento; considerando a insuficiência e ineficácia de ca-

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ponsáveis pelo estabelecimento, pelos equipamentos, pelos sistemas e os fornecedores de combustível que abastecem ou abasteceram a unidade” são solidariamente responsáveis pelos danos ambientais causados, por explorarem as atividades poluidoras, participando, assim, direta ou indiretamente, da produção da poluição. Não havia, portanto, a necessidade de se estabelecer, via poder regulamentar, a hipótese de solidariedade, eis que a mesma já existia por força de lei (no caso, os artigos 3º, IV e 70 da Lei nº 6.938/81, o artigo 225, §3º da Constituição Federal e o artigo 942 do Código Civil). Nesse caso, um regulamento equivocado complicou uma situação que já estava assegurada pelo ordenamento jurídico, abrindo brechas para infindáveis discussões administrativas e judiciais. Isto demonstra que uma política pública mal formulada, ainda que tenha bons propósitos, pode gerar efeitos contrários aos desejados. 2.5.3 Competências constitucionais A segunda regra é quanto à competência legislativa, vale dizer, se a solidariedade deve ser instituída por lei municipal, estadual ou federal. O Brasil é uma república federativa que compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios (entes políticos autônomos, com competências exclusivas). A teoria do federalismo costuma dizer que a repartição de poderes autônomos constitui o núcleo do conceito do Estado Federal. ‘Poderes’, aí, significa a porção de matéria que a Constituição distribui entre as entidades autônomas e que passa a compor seu campo de atuação governamental, sua área de competência. ‘Competência’, assim, são as diversas modalidades de poder de que se servem os órgãos ou entidades estatais para realizar suas funções, suas tarefas, prestar serviços (Silva, 2010, p. 72).

pacidade de resposta frente a essas ocorrências e, em alguns casos, a dificuldade de implementar as ações necessárias ...” (Resolução CONAMA nº 273, de 29 de novembro de 2000).

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O artigo 22, inciso I da Carta Magna dispõe que: Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I – direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítmo, aeronáutico, espacial e do trabalho.

De outro lado, os artigos 23, inciso VI e 24, incisos I e VIII da Constituição Federal estabelecem que: Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: VI – proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: I – direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico; VIII – responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

Há, pois, um conflito aparente entre as citadas disposições constitucionais sobre a imposição da responsabilidade solidária. Num primeiro momento, pode-se concluir que a solidariedade depende de lei federal, por ser um instituto regulado pelo direito civil, eis que compete privativamente à União legislar sobre direito civil (CF, art. 22, I). Contudo, o artigo 24, inciso VIII da Constituição permite que a União, os Estados e o Distrito Federal legislem concorrentemente sobre “responsabilidade por dano ao meio ambiente”, subentendendo-se aí a responsabilidade solidária. Por fim, o artigo 23, VI da Carta Magna permite também aos Municípios “proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas’. Com relação aos Municípios, é vedado aos mesmos impor a solidariedade, eis que eles não têm competência para legislar, mas apenas para “proteger meio ambiente” e “combater a poluição”.

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A competência dos Municípios para a proteção ambiental é reconhecida no art. 23, III, IV, VI e VII, em comum com a União e os Estados. Mas nesse dispositivo o que se outorga é a competência para ações materiais. Portanto, a competência fica mais no âmbito da execução de leis protetivas do que no de legislar sobre o assunto (Silva, 2010, p. 79).

O maior conflito resulta da competência para legislar sobre responsabilidade solidária pela União, Estados e Distrito Federal. A União pode legislar sobre o tema, sem sombra de dúvida, a teor dos artigos 22, inciso I e 24, inciso VIII da Constituição. Os Estados e o Distrito Federal podem legislar em matéria ambiental, mas não impor a responsabilidade solidária, eis que eles têm competência legislativa apenas concorrente, isto é, suplementar de normas gerais estabelecidas pela União24. Como já mencionado, a competência concorrente prevê a possibilidade de disposição sobre determinada matéria por mais de um ente federativo, havendo entre eles uma ordem de atuação estabelecida pela própria Constituição. Para alguns doutrinadores, isso significa que há entre as normas em relação hierárquica; para outros, entretanto, há tão-somente uma superposição de ordens jurídicas em um mesmo território. Em qualquer dos casos, importa saber que a União, os Estados e o Distrito Federal não poderão fazer uso do seu poder legiferante de forma igualitária. Dessa maneira, caberá à União o estabelecimento de normas gerais, res-

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O Supremo Tribunal Federal, ao julgar medida cautelar na ação declaratória de inconstitucionalidade nº 2396/MS, em julgamento datado de 26/09/2001, assim decidiu sobre o assunto: “No sistema da CF/88, como no das anteriores, a competência legislativa geral pertence à União Federal. A residual ou implícita cabe aos Estados que ‘podem legislar sobre as matérias que não estão reservadas à União e que não digam respeito à administração própria dos Municípios, no que concerne ao seu peculiar interesse’ (Representação nº 1.153-4/RS, voto do Min. Moreira Alves). O espaço de possibilidade de regramento pela legislação estadual, em casos de competência concorrente abre-se: (1) toda vez que não haja legislação federal, quando então, mesmo sobre princípios gerais, poderá a legislação estadual dispor; e (2) quando, existente legislação federal que fixe os princípios gerais, caiba complementação ou suplementação para o preenchimento de lacunas, para aquilo que não corresponda à generalidade; ou ainda, para a definição de peculiaridades regionais. Precedentes. 6. Da legislação estadual, por seu caráter suplementar, se espera que preencha vazios ou lacunas deixados pela legislação federal, não que venha dispor em diametral objeção a esta. Norma estadual que proíbe a fabricação, ingresso, comercialização e estocagem de amianto ou produtos à base de amianto está em flagrante contraste com as disposições da Lei Federal nº 9.055/95 que expressamente autoriza, nos seus termos, a extração, a industrialização, utilização e comercialização de crisotila. 7. Inconstitucionalidade aparente que autoriza o deferimento da medida cautelar” (STF, Tribunal Pleno, ADI 2396 MC/MS, Rel. Min. Ellen Gracie, julgado em 26/09/2001, publicado no DJ de 14/12/2001, p. 23).

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tando aos Estados a competência para suplementá-las (Canotilho & Leite, 2008, p. 215)

Tal conclusão decorre dos parágrafos segundo a quarto do artigo 24 da Carta Magna: §2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados. §3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades. §4º A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.

Afinal, há leis federais dispondo sobre normas gerais acerca da solidariedade, consoante visto em capítulos anteriores. É o caso do artigo 3º, inciso IV da Lei nº 6.938/81 e do artigo 942 do Código Civil, além do comando constitucional contido no artigo 225, §3º. A lei federal imputa a solidariedade apenas aos agentes, as condutas ou as atividades poluidoras, direta ou indiretamente, ou seja, os causadores dos danos ambientais. Para impor a responsabilidade a novos atores, deve haver lei federal emanada do Congresso Nacional. É muito comum, na prática, a responsabilização pelos órgãos ambientais do proprietário do imóvel no qual foi encontrado passivo ambiental, mesmo sendo ele mero locador e, assim, sem ter tido qualquer ingerência nas atividades que geraram os danos. Inexistindo lei que estabeleça a responsabilidade solidária do proprietário em tal situação, o mesmo somente poderá ser responsabilizado se for configurado o nexo de causalidade, vale dizer, se ele contribuiu direta ou indiretamente para a produção dos danos ou com as atividades que os causaram. O proprietário que entrega em locação um imóvel a um posto de combustíveis ou a uma indústria química tem plena consciência de que a destinação do imóvel gera o risco potencial de poluição. Nesse caso, o proprietário pode ser responsa-

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bilizado solidariamente por ter contribuído com a degradação ambiental, ainda que de maneira indireta, mas consciente. O mesmo não ocorre com o proprietário no caso de locação destinada a uma atividade não poluidora, como uma loja de roupas ou de calçados, cujo locatário desvia a finalidade do imóvel e passa a exercer uma atividade que provoque poluição. Nesse caso não se forma o nexo de causalidade, de modo que o proprietário não poderá ser vinculado à obrigação de reparar o dano. 2.5.4 A possibilidade de modificação da solidariedade por disposição contratual, mas com efeitos relativos, que vinculam apenas os contratantes. As pessoas capazes, em pleno exercício de direitos civis, podem ajustar entre si, agindo dentro de seu poder de disposição (princípio dispositivo), regras aplicáveis ao relacionamento que entabularam, no sentido de distribuir de forma diferente a responsabilidade final por eventuais danos ambientais. É certo que em se tratando de responsabilidade por dano ambiental, não se discute culpa (responsabilidade objetiva); mas também é correto afirmar que a culpa poderá ser discutida entre as partes signatárias de um contrato, para a verificação da responsabilidade final entre elas quanto aos danos ambientais, sem qualquer prejuízo à coletividade e ao interesse público (para estes, sim, a responsabilidade dos poluidores é objetiva e solidária). De acordo com o conceito tradicional, o contrato nada mais é do que um acordo de vontades para o fim de adquirir, resguardar, modificar ou extinguir direitos. Nesse sentido, as partes podem pactuar regras no sentido da distribuição entre si de várias obrigações decorrentes do relacionamento mantido, dentre elas a responsabilidade por eventuais danos ambientais. Assim agindo, as partes não infringem nenhum preceito de ordem pública (Código Civil, artigo 122), mas apenas modificam entre elas alguns direitos. Afinal, os efeitos das cláusulas contratuais em questão são apenas relativos, vale dizer, vinculam apenas as partes contratantes, não prejudicando de forma alguma a coleti-

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vidade ou o interesse social. Considerando que o vínculo contratual emana das partes, terceiros não ficam vinculados a uma disposição contratual que não lhes foi imposta pela lei nem derivou de suas vontades. Nesse sentido, uma das partes poderá assumir voluntariamente a responsabilidade integral por eventual passivo ambiental. Trata-se de obrigação que tem por fonte a vontade, externada validamente por um dos contraentes e dentro do contexto de um negócio jurídico. Dentro do terreno dos negócios jurídicos ninguém assume obrigações sem o querer. As exceções apresentadas a tal regra são apenas aparentes. Assim, por exemplo, o herdeiro que se torna responsável pelas dívidas do de cujus recebe voluntariamente tal ônus, pois dele se poderia livrar renunciando à herança. De maneira que, para se estabelecer um vínculo jurídico obrigacional, através do qual o sujeito passivo assuma, para com o sujeito ativo, o dever de fornecer uma prestação de dar, fazer ou não fazer, mister se faz sua anuência (Rodrigues, 1989, p. 4). Com efeito, é a lei que torna obrigatório o cumprimento do contrato. E o faz compelir aquele que livremente se vinculou a manter sua promessa, procurando, desse modo, assegurar as relações assim estabelecidas. O contrato se aperfeiçoa pela coincidência de duas ou mais manifestações unilaterais de vontade. Se estas se externaram livre e conscientemente, se foram obedecidas as prescrições legais, a lei as faz obrigatórias, impondo a reparação das perdas e danos para a hipótese de inadimplemento (Ibidem, p. 12-13).

Partindo-se do exemplo citado na doutrina acima, se um herdeiro pode assumir, voluntariamente, as dívidas do falecido, mesmo que a lei disponha em sentido contrário, por que um dos contratantes não poderia assumir a responsabilidade total por danos ambientais, até mesmo para estabelecer o direito de regresso em favor da outra, num contrato que vincula apenas as partes signatárias, consoante os interesses particulares em jogo? O direito de regresso está previsto no artigo 934 do Código Civil. O mesmo ocorre com a evicção, cuja responsabilidade legal é do alienante, sendo muito comum a alteração da mesma por disposição contratual. Trata-se de disposição válida se ajustada por agentes capazes, obedecida a forma prevista em lei e sendo lícito o objeto (Código Civil, artigo 104).

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Exemplificativamente, num contrato de locação firmado entre o proprietário de um imóvel e um posto de combustíveis, poderá ser fixada a responsabilidade integral do inquilino, em caso de danos ambientais. O proprietário poderá ser responsabilizado solidariamente pelos danos perante terceiros ou a coletividade (interesse público), mas terá o direito de se recobrar, junto ao inquilino, por força de disposição contratual que vincula as partes, de todos os valores desembolsados. Frise-se que este limite à solidariedade em matéria ambiental tem aplicação exclusiva entre os contratantes, no bojo de um contrato lícito. São, portanto, limites relativos, eis que geram efeitos apenas entre as partes de um negócio jurídico (efeitos relativos).

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3 RESPOSTA AO PROBLEMA DE PESQUISA Há dois princípios fundamentais ao ser humano, que foram identificados e reconhecidos pela Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, em junho de 1992: o direito ao desenvolvimento e o direito a uma vida saudável produtiva, em harmonia com a natureza (Silva, 2010, p. 64). A Constituição Federal estabelece um equilíbrio entre as dimensões social, ambiental e econômica; porém, na prática o que se verifica é o predomínio da dimensão econômica. Os tribunais de todo o país adotam este modo de pensar, avaliando sob os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade os benefícios econômicos e sociais que determinadas atividades propiciam, comparando-os aos prejuízos ambientais decorrentes. É necessário um novo pensar sobre o tema, um novo conceito de sustentabilidade ou até mesmo um novo modelo de desenvolvimento, para dar maior ênfase à dimensão ambiental. A responsabilidade jurídica ambiental é um importante instrumento para a proteção do meio ambiente, por meio de políticas públicas. Entretanto, a responsabilidade civil pelo dano ambiental não será suficiente: mais que instrumentos jurídicos, precisamos de pessoas conscientes e, muito mais que leis específicas e eficazes, precisamos de gente disposta a reavaliar suas atividades e seus comportamentos. Do ordenamento jurídico poderá sempre se servir o homem, da natureza, certamente não (Bucci, 2003, p. 111).

Os governantes formulam políticas públicas pensando na maioria das vezes em crescimento econômico e no aumento do PIB – Produto Interno Bruto, para melhorar o poder aquisitivo das pessoas, como se estas fossem as únicas maneiras de trazer felicidade para a população. Não há como se pensar em crescimento econômico indefinidamente, pois este implica no aumento do consumo e os recursos natu-

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rais são finitos. A qualidade de vida deve ser considerada mais importante do que a quantidade de bens ou o poder de consumo. Porém, como alcançar uma boa qualidade de vida para as presentes e futuras gerações se houver escassez dos recursos naturais, fundamentais para a alimentação, vestuário, transporte, etc.? Precisaríamos de uma mudança completa de valores e de mentalidade, que nos deve levar a outros objetivos; uma re-valorização dos aspectos não-quantitativos, não-mercantis, da vida humana. Precisaríamos descobrir outras formas de riqueza que não sejam econômicas ou mercantis, e em particular a riqueza das relações, relações mais fortes no seio da família, relações com os amigos, com os outros, para viver melhor em sociedade. Isto é muito mais importante que consumir bugigangas. A re-localização da economia passa, simplesmente, pela re-localização da vida. Passa por re-localizar o domínio das pessoas sobre sua vida cotidiana, re-localizar a cultura de dar sentido aos lugares, em vez de desorientar as pessoas. Porque, apesar de tudo, estamos condenados a viver no lugar onde temos os dois pés, mas ao mesmo tempo temos a cabeça em outros lugares: quando estamos à beira-mar, sonhamos com as montanhas, e vice-versa; quando estamos em Paris, pensamos em Nova Iorque, e vice-versa. Deste modo, não estamos em lugar nenhum, e re-localizar significa re-inventar uma verdadeira vida territorializada” (La25

touche, 2011) ”.

Qualidade de vida não significa apenas o ser humano no centro de tudo, mas sim a mantença de todas as formas de vida que o rodeiam. No caso brasileiro, a expressão parece indicar uma preocupação com a manutenção das condições normais (=sadias) do meio ambiente, condições que propiciem o desenvolvimento pleno (e até natural perecimento) de todas as formas de vida. Em tal perspectiva, o termo é empregado pela Constituição não no seu sentido antropocêntrico (a qualidade de vida humana), mas com um alcance mais ambicioso, ao se propor – pela ausência da qualificação humana expressa – a preservar a existência e o pleno funcionamento de todas as condições e relações que geram e asseguram a vida, em suas múltiplas dimensões (Canotilho e Leite, 2008, p. 108).

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Serge Latouche é um dos fundadores do movimento do “decrescimento”, que parte da premissa de que todos os problemas ecológicos, sociais e culturais são causados pelo crescimento econômico. “O decrescimento é um slogan feito para romper, de certa maneira, com as vozes dominantes da ideologia do crescimento. Se quisermos ser rigorosos, teremos que falar de ‘a-crescimento’, assim como ‘ateísmo’.

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É preciso dar menos importância aos aspectos econômicos, ou olhar de forma diferente a economia, considerando-a como expressão da dependência do ser humano em relação à natureza. O passo crucial foi que a terra e o trabalho se converteram em mercadorias, que dizer, foram tratadas como se tivessem sido criadas para a venda. Por suposto não eram realmente mercadorias, já que não haviam sido produzidas (como a terra) e, sendo assim, não poderiam estar a venda (como o trabalho). (Polanyi, 1994, p. 82). O Significado substantivo de economia nasce da inquestionável dependência do homem em relação à natureza e de, seus semelhantes para conseguir o seu sustento, uma vez que o homem sobrevive mediante uma interação institucionalizada entre ele mesmo e seu ambiente natural. Esse processo é a economia, que lhe proporciona os meios para satisfazer suas necessidades materiais. Econômico aqui denota simplesmente “algo que se refere ao processo de satisfazer as necessidades matérias”. Estudar os meios de sustento do homem é estudar a economia no sentido substantivo do termo, e esse é o sentido que será dado ao termo econômico ao longo de todo esse livro (Ibidem, p. 92).

A interdisciplinaridade exerce papel de relevo neste processo interno de mudança de paradigma. O meio ambiente deve ser visto sob vários ângulos ou aspectos, pois isto melhora a compreensão e solução dos problemas. Existe um problema capital, sempre ignorado, que é o da necessidade de promover o conhecimento capaz de apreender problemas globais e fundamentais para neles inserir os conhecimentos parciais e locais. ߦ A supremacia do conhecimento fragmentado de acordo com as disciplinas impede frequentemente de operar o vínculo entre as partes e a totalidade, e deve ser substituída por um modo de conhecimento capaz de apreender os objetos em seu contexto, sua complexidade, seu conjunto. ߦ É necessário desenvolver a aptidão natural do espírito humano para situar todas essas informações em um contexto e um conjunto. É preciso ensinar os métodos que permitam estabelecer as relações mútuas e as influências recíprocas entre as partes e o todo em um mundo complexo (Morin, 2000, p. 14).

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Enfim, deve-se pensar na mudança de paradigma, do atual desenvolvimentista para outro da sustentabilidade. O modelo atual de desenvolvimento não será capaz de preservar a qualidade de vida das futuras gerações. A responsabilidade solidária em matéria ambiental constitui-se em importante mecanismo para as políticas públicas que visem a proteção do meio ambiente e a reparação de danos ambientais, além de se adaptar perfeitamente a um novo modelo de desenvolvimento calcado na sustentabilidade. Porém, a solidariedade em matéria ambiental está delimitada pelo arcabouço jurídico vigente. A legislação ambiental imputa aos agentes e atividades que tenham contribuído, direta ou indiretamente, à produção do dano ambiental a responsabilidade solidária pela reparação do mesmo. Cada um responde pela totalidade do dano, independentemente de ter agido ou não com culpa ou do grau desta. Para a responsabilização ambiental, deve haver um liame ou nexo de causalidade entre o ato praticado ou atividade desenvolvida e a produção do dano. Este é o primeiro e principal limite à solidariedade. Tal nexo causal é agravado ou tênue, não se exigindo os contornos mais rígidos daqueles que são inerentes à responsabilidade civil geral ou comum. Basta apenas uma linha, ainda que bastante sutil, entre o ato ou atividade e o dano, para a responsabilização ambiental. Qualquer vínculo, ainda que indireto ou remoto, é suficiente para a responsabilização ambiental dos envolvidos, solidariamente. Não poderá ser responsabilizado apenas o ente que não tiver qualquer relação com o evento danoso; ele não pode sequer ter assumido o risco de que o dano ambiental poderia surgir em decorrência de seu comportamento ou atividade. Desse modo, a verificação do nexo causal somente é possível mediante a análise das situações, comportamentos e circunstâncias que contornam o caso concreto. Não há uma fórmula para a referida constatação.

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Nos casos em que não há o nexo de causalidade caracterizado acima, ou seja, para aqueles entes que não tenham nenhuma relação com o dano ambiental, a responsabilidade solidária somente ocorrerá se estiver prevista em lei federal, não podendo os Estados, os Municípios e o Distrito Federal legislar nesse sentido, nem mesmo em decorrência do poder regulamentar, sob pena do ato ser inconstitucional. Em suma, a responsabilidade solidária só pode ser estabelecida por meio de política pública federal, respaldada em lei emanada do Congresso Nacional. Há, ainda, limites à responsabilidade solidária que podem ser estabelecidos e gerar efeitos apenas entre as partes contratantes, como manifestação volitiva. As partes podem modificar entre si a responsabilidade solidária em matéria ambiental, mediante disposições contratuais. Perante a sociedade, os contratantes continuam responsáveis solidariamente pelos danos; os prejudicados podem exigir dos contratantes a reparação dos danos, de forma solidária. Mas os contratantes podem estabelecer uma relação jurídica paralela, modificando entre si a responsabilidade, reduzindo-a ou ampliando-a, bastando o livre consentimento manifestado em negócio jurídico válido, o qual surtirá efeitos relativos (vinculará apenas os contratantes).

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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS O autor conciliou a formação em Direito, o programa interdisciplinar e a linha de pesquisa do Mestrado – “Políticas públicas e desenvolvimento” - para pesquisar o instituto da responsabilidade solidária em matéria ambiental. Na introdução, buscou-se caracterizar a importância do Direito Ambiental – e mais especificamente da solidariedade – como instrumento de política pública objetivando a sustentabilidade. Na fundamentação teórica, foi conceituada “política pública”, com destaque ao viés jurídico, e identificados os paradigmas do Direito Ambiental. Foi feita a correlação entre a necessidade de se prevenir o meio ambiente, pois os danos ambientais são potencialmente irreversíveis, com a responsabilidade solidária, haja vista que quanto maior o número de pessoas que possam ser legalmente responsabilizadas, maior será a probabilidade de prevenção ou de reparação da poluição. O resultado da pesquisa foi a caracterização dos limites da solidariedade impostos pela legislação em vigor, notadamente a Constituição Federal, os quais podem servir como “guia” para a formação de políticas públicas ambientais. Concluiu-se que a responsabilidade solidária somente pode ser instituída por lei federal, ou seja, por política pública federal, e que as partes de um negócio jurídico podem livremente ajustar outros limites para a responsabilização jurídica ambiental, diferentes dos impostos pela legislação, reduzindo-os ou aumentando-os, com efeitos apenas entre elas (limites relativos). Por meio do instituto jurídico da responsabilidade solidária, as políticas públicas ambientais (federais) podem aumentar consideravelmente a eficiência do Estado na preservação do meio ambiente para as presentes e futuras gerações, em garantia da sustentabilidade, porquanto tal instituto vincula todos os entes que responderão pelos danos ambientais e que, consequentemente, também terão interesse em evitá-los (quanto maior o número de responsáveis, maiores as chances de prevenção dos danos e de recuperação do meio ambiente). O presente trabalho

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buscou identificar os limites efetivos da solidariedade, tendo em vista a legislação constitucional e infraconstitucional vigente. Os méritos do instituto são evidentes. Por outro lado, a legislação ambiental contém brechas, gerando inúmeras discussões nos âmbitos administrativo e judicial, principalmente porque estabelece critérios muito subjetivos para a definição dos responsáveis pelos danos ambientais, obrigando solidariamente, em rápida síntese, apenas as pessoas ou atividades que se beneficiaram ou contribuíram direta ou indiretamente para a produção da poluição. A legislação não define, por exemplo, o que seria uma contribuição “indireta” para a ocorrência de um dano ambiental. Assim, o legislador deixa lacunas para a atuação discricionária de autoridades ambientais e judiciárias, além de dar ensejo a infindáveis discussões. Registre-se, por oportuno, que o cerne do problema não decorre das defesas e recursos interpostos pelos jurisdicionados, pois impera em nosso ordenamento jurídico o princípio constitucional do devido processo legal, aplicável tanto aos processos judiciais como também aos administrativos, o qual assegura aos litigantes o contraditório e a ampla defesa, “com todos os meios e recursos a ela inerentes”26. A garantia do devido processo legal existe para dar segurança jurídica aos cidadãos, para evitar excessos, arbitrariedades ou situações de injustiça. Quanto menor a margem de discricionariedade conferida pela lei, maior será a segurança jurídica e a sensação de justiça, exercendo-se o contraditório e a ampla defesa de maneira mais efetiva. Isto não significa retirar dos poluidores - assim considerados por lei – o exercício de seu direito de ampla defesa; o acusado tem o direito de se defender e de ver revista a situação e as eventuais sanções pertinentes.

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Artigo 5º da Constituição Federal: LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

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O ideal é que haja clareza acerca dos limites da responsabilização ambiental, para que o devido processo legal seja exercido de maneira mais célere e objetiva, no sentido de se assegurar a aplicação da lei ao caso concreto, e não apenas para servir como meio de se discutir e dirimir incertezas da legislação aplicável. De acordo com o preceito contido no artigo 225, “caput” da Carta Magna, o meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito de todos cuja preservação é fundamental para a garantia de uma sadia qualidade de vida para as presentes e futuras gerações. Porém, o meio ambiente não está sendo protegido satisfatoriamente pela aplicação prática do arcabouço jurídico vigente. Políticas públicas ambientais federais precisam surgir para estabelecer novas e concretas situações de responsabilidade jurídica solidária, indicando os entes que serão obrigados à reparação ambiental, independentemente de terem ou não contribuído para a produção dos danos (proprietários, locadores, locatários, produtores, distribuidores, usuários, consumidores, etc.), definindo-se, assim, limites efetivos e empíricos para a solidariedade. 4.1 Limites do trabalho As maiores dificuldades encontradas na pesquisa decorreram da originalidade do tema. Não havia uma situação concreta a ser analisada (não se trata de estudo de caso). A pesquisa era teórica e se baseava em “tipos ideais”, situações hipotéticas. De fato, o campo teórico não era muito robusto e não havia casuística na jurisprudência, mas apenas decisões que abordavam os temas de forma mais genérica. 4.1 Sugestão de novos estudos No campo interdisciplinar, o trabalho explorou os riscos ambientais, a sustentabilidade, as políticas públicas e os contornos dos paradigmas identificados a partir da questão ambiental. No campo jurídico, foram analisados o instituto e os elementos da responsabilidade civil, com ênfase à área ambiental, e também os resultados obtidos – limites da solidariedade -, a partir da análise das competências constitucionais e legais. Este é o recorte ou o retrato da pesquisa quanto aos campos de

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abrangência. O meio ambiente é um objeto que contempla uma visão concomitante de várias áreas do conhecimento, diante de sua importância, alcance e influência. Os resultados da pesquisa incentivam novos estudos, sejam de índole jurídica ou de outras áreas, para que sejam aprofundados conceitos, tais como os da solidariedade, do nexo causal e das competências constitucionais, levando-se em consideração a interdisciplinaridade do objeto “meio ambiente”.

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