Modelos de estruturação do artigo científico: retrato e discussão a partir de instruções aos autores da SciELO Brasil

August 1, 2017 | Autor: Rodrigo Aragão | Categoria: Academic Writing, Scientific Communication, Research papers
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Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Linguagem, usos e ensino no 43, p. 153-163, 2011

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Modelos de estruturação do artigo científico: retrato e discussão a partir de instruções aos autores da Scielo Brasil Rodrigo Moura Lima de Aragão Resumo: Com base na análise de 197 instruções aos autores de periódicos da Scientific Electronic Library Online do Brasil (SciELO Brasil), compõe-se neste trabalho um retrato dos modelos de estruturação para artigos científicos presentes em publicações brasileiras. Ainda, discutem-se a universalidade, o predomínio e o alcance dos modelos para artigos científicos e apontam-se implicações do trabalho para o ensino da escrita científica. Palavras-chave: escrita científica; estrutura de artigos científicos; IMRD.

Introdução

A

partir do trabalho pioneiro de Swales,1,2 a estrutura e os componentes das seções do artigo científico passaram a receber atenção crescente de pesquisadores preocupados com o uso e o ensino de línguas para fins específicos.3,4,5,6,7 Embora o foco nos elementos que constituem as seções do

1 2 3 4

5 6 7

SWALES, John M. Aspects of article introductions. Birmingham: The University of Aston, 1981. SWALES, John M. Genre analysis: English in academic and research settings. Cambridge: Cambridge University Press, 1990. CROOKES, Graham. “Towards a validated analysis of scientific text structure”. Applied Linguistics, 7: p. 57-70, 1986. HOLMES, Richard. “Genre analysis, and the social sciences: An investigation of the structure of research article discussion sections in three disciplines”. English for Specific Purposes, 16: p. 321-337, 1997. ANTHONY, Laurence. “Writing research article introductions in software engineering: How accurate is a standard model?” IEEE Transactions on Professional Communication, 42: p. 38-46, 1999. SAMRAJ, Betty. “Introduction in research articles: Variations across disciplines”. English for Specific Purposes, 21: p. 1-17, 2002. OZTURK, Ismet. “The textual organisation of research article introductions in applied linguistics: Variability within a single discipline”. English for Specific Purposes, 26: p. 25-38, 2007.

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artigo científico e em sua disposição contribua para uma compreensão mais apurada dos paradigmas de composição escrita em voga, um aspecto relevante dos artigos científicos é relegado a segundo plano quando o olhar mantém-se fixo nas partes: o todo. Ainda que seja inegável o avanço do conhecimento sobre a estrutura e os componentes das várias seções do artigo científico, o mesmo não se pode dizer a respeito da estrutura geral desse tipo de produção escrita. Ao passo que, no estudo de Hill, Soppelsa e West,8 houve já a constatação de uma variante do padrão Introdução-Métodos-Resultados-Discussão, desde então são escassos os trabalhos que apresentam evidências que indiquem um predomínio desse modelo ou que apontem a existência de outros modelos de estruturação para artigos científicos. Este trabalho desenvolve-se na direção dessa lacuna e tem como objetivos principais: 1) compor um retrato dos modelos para a estruturação de artigos científicos que circulam em periódicos científicos brasileiros; 2) discutir, a partir desse retrato, a universalidade, o predomínio e o alcance dos modelos de estruturação dos artigos científicos. Para tanto, elege-se como via a análise de instruções aos autores (normas de submissão), material que explicita os modelos recomendados ou exigidos pelas publicações para artigos científicos. Mais especificamente, o foco desta investigação recai sobre instruções aos autores de revistas da Scientific Electronic Library Online do Brasil (SciELO Brasil),9 biblioteca eletrônica gratuita de destaque nos meios acadêmico e científico. O curso subsequente deste trabalho é como se segue: primeiro, detalham-se o corpus escolhido e os procedimentos de pesquisa realizados; em seguida, apresentam-se os achados do estudo, isto é, os modelos identificados nas instruções aos autores e sua incidência nesse material; depois, procede-se à discussão da universalidade, do predomínio e do alcance dos modelos de estruturação dos artigos científicos, a partir dos achados expostos; por último, assinalam-se implicações da pesquisa para o ensino da escrita científica, motivação maior das investigações que têm como alvo textos científicos.

8

9

HILL, Susan S.; SOPPELSA, Betty F.; WEST, Gregory K. “Teaching ESL students to read and write experimental-research papers”. TESOL Quarterly, 16: p. 333-347, 1982. FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO; CENTRO LATINO-AMERICANO E DO CARIBE DE INFORMAÇÕES EM CIÊNCIAS DA SAÚDE. Scientific Electronic Library Online. http://www.scielo.br, 10/2/2011.

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Detalhamento do corpus e dos procedimentos de pesquisa A análise efetuada neste trabalho teve como objeto instruções aos autores, seção presente na maioria dos periódicos científicos na qual constam tanto informações fundamentais das revistas, como escopo temático e política editorial, quanto informações a respeito dos tipos de produção escrita aceitos para publicação, inclusive seus modos de organização, isto é, seus modelos de estruturação. Nesta pesquisa, foram consideradas as instruções aos autores de todas as publicações correntes da SciELO Brasil à época do início da coleta de dados (julho de 2009), o que corresponde a um total de 197 instruções de revistas científicas brasileiras relacionadas a diferentes áreas do conhecimento nessa biblioteca eletrônica (Tabela 1). Tabela 1 – Distribuição das instruções aos autores segundo as áreas do conhecimento das publicações na SciELO Brasil. Área(s)

Instruções aos Autores n

(%)

Ciências Agrárias

20

10,15

Engenharias

4

2,03

Linguística, Letras e Artes

3

1,52

Ciências Sociais Aplicadas

16

8,12

Ciências Biológicas

14

7,11

Ciências Exatas e da Terra

11

5,58

Ciências da Saúde

58

29,44

Ciências Humanas

48

24,37

Duas ou Mais Áreas

23

11,68

Total

197

100

Quanto aos procedimentos de pesquisa, este trabalho foi desenvolvido em três estágios. O primeiro compreendeu a composição de um banco de dados eletrônico com as instruções aos autores dos títulos correntes da SciELO Brasil e, ainda, uma análise preliminar dessas instruções quanto à recomendação ou

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exigência de modelos de estruturação para artigos científicos. O segundo estágio compreendeu uma nova e mais cuidadosa análise das instruções aos autores armazenadas, a fim de concluir a verificação dos modelos recomendados ou exigidos pelos periódicos. Por último, o terceiro estágio compreendeu o agrupamento dos modelos identificados e a análise do conjunto dos resultados obtidos na pesquisa. Estruturas ligeiramente distintas do padrão Introdução-Métodos-Resultados-Discussão não foram interpretadas como modelos diferentes, mas como variantes desse modelo que expressam também sua incidência. Na exposição dos achados e na discussão que se faz a partir deles, no entanto, elas são discriminadas, pois assim é possível conhecer e debater melhor aspectos do referido modelo.

Modelos identificados e sua incidência no corpus Foram identificados dois modelos nas instruções aos autores analisadas: o modelo Introdução-Métodos-Resultados-Discussão (IMRD) e o modelo Introdução- Desenvolvimento-Conclusão (IDC).10 Como indicado na seção anterior, encontraram-se variantes do primeiro modelo, mas não do segundo. Essas variantes podem ser reunidas em três grupos, conforme sua relação com a matriz IMRD. O primeiro grupo compreende variantes que, embora sejam constituídas das mesmas seções da matriz, possuem alguma diferença terminológica (no Quadro 1, grupo I). O segundo grupo compreende variantes que contêm as quatro seções da matriz mais uma ou mais seções diferentes (grupo II). O terceiro e último grupo compreende variantes que, além de possuírem alguma diferença terminológica, apresentam uma seção adicional quanto à matriz (grupo III).

10

Em revisão bibliográfica sobre a estrutura dos textos acadêmicos (FELTRIM, Valéria Delisandra. Um levantamento bibliográfico sobre a estruturação de textos acadêmicos. Maringá: Fundação Universidade Estadual de Maringá, 2007. p. 2. http://www.din.uem.br/pos-graduacao/mestrado-em-ciencia-da- computacao/arquivos/formularios/EscritaAcademica. pdf.pdf, 6/3/2011), o modelo IMRD aparece como um desdobramento do IDC. No corpus analisado, contudo, não foram encontrados indícios dessa relação, de modo que os dois modelos são tratados como coisas distintas neste trabalho.

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Grupo

Variantes Introdução-Material-e-Métodos-Resultados-e-Discussão Introdução-Pacientes-e-Métodos-Resultados-e-Discussão I. Diferenças Terminológicas Introdução-Casuística-e-Métodos-Resultados-Discussão Introdução-e-Objetivo-Método-Resultados-Discussão Introdução-Métodos-Resultados-Discussão-Conclusões Introdução-Métodos-Resultados-Discussão-e-Considerações-Finais II. Diferenças Introdução-Objetivos-Revisão-da-Literatura-MétodosSecionais Resultados-Discussão- Conclusões Introdução-Material-e-Métodos-Resultados-Discussão-eConclusões III. Diferenças Introdução-Experimental-Resultados-e-Discussão-Conclusões Terminológicas e Introdução-Casuística-Resultados-Discussão-Conclusão Secionais Introdução-com-Revisão-de-Literatura-Material-e-MétodosResultados-e-Discussão- Conclusão Quadro 1. Variantes do modelo IMRD.

No modelo IMRD e em parte de suas variantes, são admitidas por muitas publicações fusões nas seções finais. No IMRD, admite-se fusão nas seções de resultados e de discussão, compondo a seção “Resultados e Discussão”. Ainda, nas variantes que incluem uma seção para conclusões, admitem-se três configurações que contêm fusões: 1) “Resultados”, “Discussão” e “Conclusões” em uma única seção; 2) “Resultados” e “Discussão” em uma só seção e “Conclusões” à parte; 3) a seção “Resultados” separada e as seções “Discussão” e “Conclusões” juntas. Ademais, na terceira variante do segundo grupo, Introdução-Objetivos-Revisão-da-Literatura-Métodos-Resultados-Discussão-Conclusões, admite-se a inclusão da revisão bibliográfica na introdução, ou seja, outro tipo de fusão é aceito. No que se refere à incidência geral dos modelos identificados, 103 das 197 instruções aos autores analisadas (52,28%) apresentam, na descrição da estrutura do artigo científico, apenas o modelo IMRD ou uma de suas variantes, 1 delas (0,5% do total) apresenta somente o modelo IDC e 2 (1,01%) apresentam ambos os modelos, IMRD e IDC. O total de instruções aos autores que indicam o IMRD é, assim, igual a 105 (53,29% do corpus), e o total de instruções que indicam o IDC, equivalente a 3 (1,52%).

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Deslocando agora a exposição para a incidência dos modelos nas diferentes áreas do conhecimento na SciELO Brasil, verificou-se neste trabalho que, enquanto o modelo IDC aparece nas instruções aos autores de um número bastante reduzido de publicações de um pequeno número de áreas na SciELO Brasil (Tabela 2), o modelo IMRD, ou uma de suas variantes, está presente nas instruções aos autores de um grande número de publicações de diferentes áreas nessa biblioteca eletrônica (Tabela 3). Tabela 2 – Instruções aos autores que apresentam o modelo IDC por áreas do conhecimento (números absolutos e sua proporção quanto aos totais das áreas). Área(s)

Instruções aos Autores n nIDC

(nIDC/n) · 100

Ciências Agrárias Engenharias Linguística, Letras e Artes Ciências Sociais Aplicadas Ciências Biológicas Ciências Exatas e da Terra Ciências da Saúde Ciências Humanas Duas ou Mais Áreas

20 4 3 16 14 11 58 48 23

0 0 0 12,5 0 0 0 2,08 0

0 0 0 2 0 0 0 1 0

Tabela 3 – Instruções aos autores que apresentam o modelo IMRD, ou uma de suas variantes, por áreas do conhecimento (números absolutos e sua proporção quanto aos totais das áreas). Instruções aos Autores Área(s) (nIMRD/n) · 100 n nIMRD Ciências Agrárias 20 19 95 Engenharias 4 0 0 Linguística, Letras e Artes 3 0 0 Ciências Sociais Aplicadas 16 1 6,25 Ciências Biológicas 14 13 92,86 Ciências Exatas e da Terra 11 5 45,45 Ciências da Saúde 58 51 87,93 Ciências Humanas 48 6 12,5 Duas ou Mais Áreas 23 10 43,48

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Da universalidade ao (frágil) predomínio do IMRD Na literatura que aborda o artigo científico, há muitas vezes a tendência de assumir o IMRD, ou uma de suas variantes, como estrutura universal para esse tipo de produção escrita. Em alguns trabalhos, observa-se isso de modo explícito nas alegações dos autores, como são os casos das obras de Day e de Miranda e Gusmão, nas quais se encontram as seguintes afirmações: “O formato IMRD, que veio se desenvolvendo lentamente desde a segunda metade do século XIX, tornou-se agora de uso quase universal nos periódicos de pesquisa” (tradução nossa);11,12 “Esta estrutura [uma variante do IMRD], em geral, pode ser aplicada a qualquer área do conhecimento, desde que os artigos tenham como base uma pesquisa de campo”.13 Em outros trabalhos, a universalidade do IMRD, ou de alguma variante sua, subjaz a exposição sobre o artigo científico, pois apenas suas seções são consideradas – nota-se isso, por exemplo, em Swales.14 Embora os resultados obtidos neste trabalho apontem o predomínio do IMRD, eles não corroboram a universalidade posta explícita ou implicitamente na literatura. Por um lado, mais da metade das instruções aos autores estudadas (105 ou 53,29% do total) apresenta o IMRD, ou seja, há a preponderância, numericamente frágil, desse modelo; por outro, quase metade do corpus (92 instruções ou 46,7% do total) não exige, nem recomenda o IMRD. Sua universalidade parece, pois, um mito. Sob uma perspectiva geral, há indícios do predomínio desse modelo nas publicações científicas. Todavia, não existem vestígios de universalidade. Além disso, cabe notar que o predomínio apontado pelos achados compreende certa tensão entre a fixação em um modelo e a liberdade que é necessária para a escrita, o que inclui a científica. Confrontando-se as variantes identificadas do IMRD (Quadro 1) com resultados de pesquisas anteriores acerca do artigo 11

12

13

14

DAY, Robert A. How to write and publish a scientific paper. 5th ed. Phoenix: Oryx Press, 1998. p. 7. Passagem original: “The IMRAD format, which had been slowly progressing since the latter part of the nineteenth century, now came into almost universal use in research journals”. Note-se que, em língua inglesa, o modelo IMRD é chamado às vezes de “IMRAD” – a letra “A” representa a conjunção inglesa and, presente em “Introduction-Methods-Results-And-Discussion”. MIRANDA, José Luís Carneiro de; GUSMÃO, Heloísa Rios. Artigo científico: estrutura e redação. Niterói: Intertexto, 2000. p. 12. SWALES, op. cit.

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científico e com textos de natureza prescritiva que tratam desse tipo de produção, constata-se que parte das variantes surge aparentemente de um movimento de ênfase ou expansão de elementos nativos das seções da matriz do IMRD. Dá-se ênfase ao objetivo, elemento próprio da introdução,15,16,17,18 e compõe-se a variante Introdução-e-Objetivo-Métodos-Resultados-Discussão. Expandem-se as conclusões, naturais da discussão,19,20,21 e obtém-se a variante Introdução-Métodos-Resultados-Discussão-Conclusões. Expandem-se os objetivos e a revisão da literatura, nativos da introdução,22,23,24,25 e as conclusões, próprias da discussão, e obtém-se a variante Introdução-Objetivos-Revisão-da-Literatura-Métodos-Resultados-Discussão-Conclusões. Esse movimento de ênfase e expansão opõe-se à rigidez do modelo; é um sinal de que há, sob a preponderância do IMRD, um esforço para ajustá-lo segundo as necessidades de escrita detectadas pelas revistas. Ainda, outro sinal desse esforço são as possibilidades de fusão em seções tanto do IMRD como de parte de suas variantes, que se opõem igualmente à rigidez do modelo. Admitindo-se fusões, acaba-se por conferir flexibilidade ao IMRD. Em suma, não há indícios de universalidade, somente do predomínio do IMRD nas publicações científicas. Esse predomínio, contudo, é frágil se observado o total de instruções aos autores que recomendam ou exigem o IMRD (trata-se de um número apenas sensivelmente maior que metade do corpus analisado) e possui certa debilidade se considerada a tensão existente entre a fixidez do modelo e a liberdade necessária para a escrita. No que diz respeito a um escopo mais restrito, isto é, ao âmbito de áreas do conhecimento específicas, entretanto, o quadro é diferente, como será visto na próxima seção. 15 16 17

18 19 20 21 22 23 24 25

SWALES, op. cit., p. 159-160. ANTHONY, op. cit., p. 40-41. INTERNATIONAL COMMITTEE OF MEDICAL JOURNAL EDITORS. Uniform Requirements for Manuscripts Submitted to Biomedical Journals. http://www.icmje.org/urm_ main.html, 25/10/2010. AMERICAN PSYCHOLOGICAL ASSOCIATION. Publication manual of the American Psychological Association. 7th ed. Washington: American Psychological Association, 2009. p. 27. NWOGU, K. N. “The medical research paper: Structure and functions”. English for Specific Purposes, 16: 119-138, 1997. p. 133-134. INTERNATIONAL COMMITTEE OF MEDICAL JOURNAL EDITORS, op. cit. AMERICAN PSYCHOLOGICAL ASSOCIATION, op. cit., p. 35. SWALES, op. cit., p. 141-160. ANTHONY, op. cit., p. 40-41. INTERNATIONAL COMMITTEE OF MEDICAL JOURNAL EDITORS, op. cit. AMERICAN PSYCHOLOGICAL ASSOCIATION, op. cit., p. 27-28.

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Alcance e predomínio dos modelos identificados em áreas do conhecimento específicas O modelo IDC foi identificado em um número bastante reduzido de instruções aos autores de revistas das Ciências Sociais Aplicadas e das Ciências Humanas (Tabela 2). Parece, assim, muito distante de uma posição hegemônica ou preponderante em qualquer uma das duas áreas. Por não se tratar de estrutura encontrada com facilidade em artigos científicos – ao menos não com as seções “Introdução”, “Desenvolvimento” e “Conclusão” –, supõe-se que sua indicação possa ser menos uma exigência das publicações quanto ao formato dos artigos científicos e mais um alinhamento das revistas às normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas,26 nas quais o IDC é apresentado. O modelo IMRD, por seu turno, possui alcance significativamente maior. Verificou-se sua incidência em diferentes proporções nas Ciências Sociais Aplicadas, nas Ciências Humanas, nas Ciências Exatas e da Terra, nas Ciências da Saúde, nas Ciências Biológicas e nas Ciências Agrárias (Tabela 3). Com isso, tem-se um retrato de sua presença nas diferentes áreas do conhecimento que difere daqueles expostos na literatura,27,28 uma vez que se constitui a partir de achados de pesquisa, e não de leituras e experiências pessoais relacionadas com a escrita científica. Além disso, os resultados obtidos nesta pesquisa revelam o predomínio, numericamente robusto, do IMRD nas Ciências Agrárias, nas Ciências Biológicas e nas Ciências da Saúde. Esse predomínio pode ser interpretado como consequência de um provável alinhamento entre as publicações brasileiras dessas áreas e os ditames de associações e comitês internacionais de peso, que geralmente indicam o IMRD para artigos científicos – a exemplo do International Committee of Medical Journal Editors.29 Outra leitura possível é a de que esse predomínio seja o sinal de um grau elevado de 26

27 28

29

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6022: Informação e documentação – Artigo em publicação periódica científica impressa – Apresentação. Rio de Janeiro, 2003. 5 p. p. 3-4. ABRAHAMSOHN, Paulo. Redação científica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. p. 5. VARTTALA, Teppo. Hedging in scientifically oriented discourse: Exploring variation according to discipline and intended audience. 2001. 321 f. Tese (Doutorado em Filologia Inglesa) – University of Tampere, Tampere [Finlândia], 2001. p. 66. http://acta.uta.fi/english/teos. php?id=5718, 7/3/2011. INTERNATIONAL COMMITTEE OF MEDICAL JOURNAL EDITORS, op. cit.

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industrialização da produção científica das três áreas. Isso porque a adesão ao IMRD contribui para essa industrialização ao tornar o processo de composição escrita similar àquele efetuado em uma linha de produção: os autores ocupam-se apenas com colocar peças específicas (métodos, resultados, etc.) na estrutura IMRD, que desliza pela linha de montagem das universidades e institutos de pesquisa. A adesão ao IMRD confere, assim, rapidez à elaboração dos artigos científicos, dá a estes uniformidade, facilitando e agilizando o trabalho de editores e avaliadores; consequentemente, diminui o período de gestação das publicações científicas e favorece uma produção em massa, industrial. Dessa forma, o predomínio localizado do IMRD parece expor uma divisa entre áreas do conhecimento com produção científica industrializada, como as Ciências Biológicas e as Ciências da Saúde, e áreas com produção científica artesanal, como as Ciências Humanas, as Letras e as Artes.

Implicações para o ensino da escrita científica O ensino da escrita científica dá sentido à maior parte dos estudos que giram em torno dos textos científicos, de modo que, para encerrar este trabalho, é fundamental fazer a ponte entre os achados reunidos, as discussões realizadas e esse ensino. Aqui, serão consideradas duas facetas do ensino da escrita científica: a do ensino generalista, isto é, que tem como público estudantes e pesquisadores de diferentes áreas e disciplinas; e a do ensino especializado, ou seja, que tem como público estudantes e pesquisadores de uma área ou disciplina particular. Quanto ao ensino generalista, alerta-se para a necessidade de não limitá-lo a um único modelo para a estruturação de artigos científicos. Aparentemente, não existe a universalidade que justificaria essa restrição; parece haver apenas o predomínio do IMRD, que, sob uma perspectiva ampla, mostra-se frágil. Tendo em vista estudantes e pesquisadores de áreas e disciplinas diversas, entende-se que o ensino deva se ater menos a modelos e mais a fundamentos que contribuam para que os aprendizes elaborem textos capazes de circular em seus campos de estudo, independentemente da forma. “Que fundamentos seriam esses?” é uma pergunta para a qual este trabalho não traz respostas, no entanto, tem-se a hipótese de que eles estejam relacionados diretamente com o modus operandi das ciências. Identificá-los exigiria, então, uma abordagem investigativa que articulasse aspectos dos artigos científicos com os modos de fazer ciência.

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Já no que diz respeito ao ensino especializado, os modelos de estruturação para artigos científicos podem ou devem assumir posição central, dependendo da área do conhecimento em foco. Modelos parecem desempenhar papel relevante em áreas de produção científica industrializada e, por isso, acredita-se que devam ser priorizados no ensino da escrita científica que se dá no âmbito dessas áreas. Por outro lado, sua função nas áreas de produção científica artesanal é, avalia-se, de menor importância – podem, inclusive, constituir obstáculo sério para o pesquisador inventivo no trabalho com a substância dos textos. Logo, entende-se que, no ensino da escrita científica relativo a essas áreas, os modelos devam ocupar posição periférica ou mesmo ser ignorados. Enfim, conclui-se que é fundamental ao professor engajado no ensino especializado da escrita científica deter-se sobre as especificidades (da escrita) da área do conhecimento ou disciplina à qual pertence o seu público discente. Compreender essas especificidades é o que lhe proporcionará meios de estabelecer de maneira não arbitrária a relação entre a escrita científica e os modelos de estruturação no ensino, inclusive no que se refere à tensão entre a fixidez dos modelos e a liberdade que toda escrita requer. Abstract: Based upon an analysis of 197 instructions to authors of journals from Scientific Electronic Library Online of Brazil (SciELO Brazil), we draw in this work a portrait of the structuring models for scientific articles found in Brazilian journals. Also, we discuss the universality, the predominance, and the range of the models for scientific articles, and we point out implications of the work for the teaching of scientific writing. Keywords: scientific writing; structure of scientific articles; IMRD. Recebido em: 13/03/2011 Aprovado em: 16/06/2011

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