ULHOA-1999-Metrica-Derramada-Prosodia-Musical

October 16, 2017 | Autor: Martha Ulhôa | Categoria: Musicology, Popular Music Studies, Microrhythm, Musical prosody
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r)VfiTMCA (WEILIVNADA: TIWS6DIA MUSICAL NA CANCNO `13kASIqIICA TOTtla 5 Martha

Tuyinamdci de u Pew 5

0 texto trata da sincronizano entre canto e acompanhamento e da acentuacão na caned.), apresentando o conceito de metrica derramada. Na cancão brasileira popular, a nocao de compasso como acontece na concepcão temporal europeia a mantida, mas este compasso a flexibilizado tanto nos seus limites quanto na sua estrutura interna, que 6 modificada em termos da hierarquia das pulsaceies.

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I m dos parametros musicals mais discutis pikoirraMeario no t oscahiEnsaio vs eobgrueep a m s iecia uponEn e riia brasileira;

uma nocao de tempo linear, de cnergia que progride organizada e previsivelmente. Quando esta ordem aceita como natural 6 questionada e a Erase comeca num tempo fraco e se prolonga no tempo forte seguinte, se diz que surgiu uma "sincopa". Para existir a sincopa e necessario, portanto, a presenca de uma estrutura de compassos corn os tempos hierarquicamente colocados para que esta configuracao de poder da metrica possa ser desafiada pelo deslocamento dos tempos fortes. Como diz Mario de Andrade no Ensaio: "A rmisica brasileira tem na sincopa uma constancia mas nao uma obrigatoriedade" (p. 30). 0 conceito escolar de sincopa, isto 6, "som articulado sobre um tempo fraco ou parte fraca de um tempo, prolongado sobre o tempo forte ou a parte forte do tempo seguinte" (definicao do Aurelio) nem sempre corresponde ao que acontece de fato em situaceSes de performance.

Brasil, a performance musical seria influenciada principalmente pela maneira de acentuar as palavras na fala, cujos "valores prosOdicos transfiguram a melodia" (p. 23). Esta ritmica se torna tar) sutil que 6 quase impossivel registral la atraves da notacão tradicional. Mario de Andrade observou esta maneira "fantasiosa" de ritmar principalmente nos exemplos nordestinos que examinou. Um dos principios basicos da concepcao ritmica europeia, em processo de estruturacao na epoca do achamento do Brasil, como diria Manuel Veiga, e a concepcão de compasso, ou verticalizacdo metrica da estrutura musical. 0 compasso permite que varias vozes possam apresentar um discurso homoeneo ao propor a organizacão interna das pulsac6es em tempos fortes, propulsores de energia e tempos fracos e inerciais. Neste caso o inicio do compasso 6 muito importante, pois pressupbe

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Na mtisica brasileira ocorreria um conflito entre o processo de conceptao ritmica europeia tradicional, que buscaria a simultaneidade de um tempo linear e

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pritnary,gner,tisinrcr 11,11111-1111== Textura ramica africana: partes independentes, mas "costuradas", entrelacadas a concepcao de urn tempo circular amerindio e africano. No caso amerindio com certeza, e possivelmente no caso africano, supOe Mario de Andrade, a ritmica derivaria diretamente da fala (p. 30). Essa "ritmica oratOria", livre da nova° de sucessão previsivel de compassos, entraria em conflito corn os processos ritmicos tradicionais europeus, que funcionam numa estrutura mOtrica concebida como possuindo urn sentido musical autemomo. 0 brasileiro fez desta ambivalencia "urn elememo de expressao musical" (p. 32), sendo que muito do que O chamado de sincopado na realidade nä° seria sincopa na concepcdo tradicional do termo, mas sim "ritmos de quern aceita as determinacOes fisiolOgicas de arsis e tesis, porêm ignora (ou infringe propositalmente) a doutrina dinamica falsa do compasso" (pp. 33-34). As melodias das cancOes nào seriam sincopadas, a ambivalOncia emergindo da contraposicäo corn o acompanhamento, que acentuaria o tempo. 0 fluir da melodia seria nao-m6trico, a acentuacao sendo dirigida por uma "fantasia musical, puro virtuosismo, on precisAo prosOdica... urn compromisso sutil entre o canto recitativo e estrOfico" (p. 36). Neste texto amplio alguns aspectos levantados por Mario de Andrade, colocando para discussao

uma hipotese sobre a prosOdia musical da cancdo brasileira popular, o conceito de metrica derramada, que se refere tanto a aspectos de sincronizacâo entre canto e acompanhamento quanto a questiies de acentuacao na cancão. Na cancão popular, melodia e letra interferem estreitamente Lima sobre a outra. Existem elementos na letra, especialmente sua qualidade narrativa ou lirica, que conduzem a diferentes tipos de melodia; existem particularidades na melodia, especialmente seu contorno melOdico e tipos de intervalos empregados que marcam o carater da cancão. Urn estudo completo da prosOdia musical — incluindo entonac5o, acento, melodia, ritmo e praticas interpretativas especificas — foge aos limites deste artigo, que se limita a discutir melodia, melodia e lingua falada e a relacdo melodia e acompanhamento na cancào brasileira popular. MELODIA

;-;"' A melodia da cancão popular é geralmente composta a partir da repeticao ou agrupamento de motivos melodicos curtos, espOcie de fOrmulas melOdico-ritmicas que funcionam como "blocos de significae5o", como coloca Gino Stefani, prontos para serem incorporados, repetidos, combinados ou associados na feitura da cancao. No seu estudo

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B RAS IL IANA

CO CONCEITO ESCOLAR DE SiNCOPA NEM SEMPRE CORRESPONDE AO QUE ACONTECE DE FATO EM SITUACCIES DE PERFORMANCE DA MDSICA BRASILEIRA.

musical, o ritmo, que da a melodia vitalidade e caster (Toch, 1985). 0 ritmo se caracteriza por descontinuidades temporais. No canto são as consoantes que vem quebrar a fluidez do discurso melOclico. Luiz Tatit no seu trabalho sobre a cancao discute bem o papel das vogais e consoantes na cancao. Segundo Tatit (1996), as vogais salt responsgveis pelo que chama de "tensividade passional", produzida tanto pela estabilizacão da curva melOdica quanto pela entoacâo discursiva da fala. Num outro processo de- tensividade, agora "somatica" ou "tematica", as consoantes geram movimentos, delineiam ritmos, constroem personagens, estabelecem generos. Na concepcao brasileira da cancao, a melodia e o ponto de partida para a composicão, sendo o acornpanhamento ramie° e harmenico elementos de suporte melOdico. A harmonia, nesta concepcOo, amplia as possibilidades expressivas do canto me1Odico, podendo os instrumentos acompanhantes criar outras melodias ern contraponto a melodia principal, respondendo ou contrapondo-se a ela. A enfase na melodia e tao marcante que todas as notas que a comptiem sat) essenciais para a identidade da cancao, incluindo aquelas que seriam consideradas ornamentos superficiais na mthica classico-romántica europêia que tanto influenciou a mnsica brasileira popular. 0 que poderia ser considerado superfluo para a avaliacdo melOdica, como notas estranhas a estrutura harmonica basica na car:10o (grupetos, mordentes, appoggiaturas) tern uma importancia funcional na cancao brasileira popular. Esta autonomia da melodia aparece com grande frequencia na tradica- o de cancao romantica no que chamo de cancOes tipo modinha. Na performance de modinhas o solo vocal se sobressai a frente do arranjo, corn o acompanhamento harmonico instrumental espalhando uma estrutura conhecida e previsivel, urn leito para o desvelamento de melodias Micas e onduladas. Entretanto, corn a bossa-nova houve um deslocamento estêtico nesta relacâo entre melodia e harmonia na cancao. Ames da "revoluc5o" bossanovista, a harmonia funcionava principalmente como suporte para uma melodia relativamente autenoma. 0 aparecimento da bossa-nova, corn

Melody: a Popular Perspective, Stefani descreve urn modelo de "melodias-tipo", que aflora do que chama de "competencia melOdica comum", ou seja, a habilidade das pessoas de reconhecer e avaliar a cancäo. Em primeiro lugar, melodias populares sac) "mnsica cantthrel", em segundo lugar, emergem de uma "matriz oral" conectada a voz cantante e a urn sentido de prazer primario. Numa referencia &via a psicandlke freudiana, Stefani considera a voz que canta, especialmente quando vocalizando, ou seja, cantando vogais, correspondente ao "principio do prazer, assim como a voz que fala corresponde ao principio da realidade" (Stefani 1987:23). Uma hipOtese a ser inferida deste pressuposto é que a melodia cantada pode conotar sensacnes dificeis de ser expressadas verbalmente, tornando-se urn veiculo poderoso para a comunicacão de sentimentos profundos, enraizados, ate mesmo ocultos ou inconscientes, alem de valores morals e visties de mundo. Portant°, a melodia e o fio condutor que identifica uma cancao ou uma mrisica popular. Quando esta rmisica tem uma letra, temos que as vezes cantarold-la para poder descreve-la ou relembra-la. As letras das cancOes sat) feitas para serem cantadas, adquirindo urn sentido somente quando uma voz transforma seus versos em canto. A melodia esta geralmente associada a voz humana, pensamos nela em termos do som continuo do canto. 0 canto por sua vez utiliza a linguagem verbal, cujos componentes minimos sdo as vogais e consoantes. Urn canto feito somente corn vogais entoadas numa linha melddica continua produz uma melodia no seu estado mais prOximo da sensibilidade humana. Uma qualidade de frases caracteristicamente melOclicas ê o seu lirismo. Mesmo uma frase instrumental pode ter uma qualidade melodica quando as notas musicais fluem numa secitiencia de graus relativamente prOximos uns dos outros de modo a nä° quebrar o movimento. Uma melodia lirica tem urn contorno melOdico usualmente ondulado. Saltos entre as notas sào usados de forma econOmica, para enfase ou expressäcr. A continuidade deste fluxo sonoro e transformada, impulsionada, quebrada por urn outro parametro

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AO TRANSMITIR SENS/WOES DE DIFICIL EXPRESSAO VERBAL, A MELODIA CANTADA TORNASE VEICULO DE COMUNICACAO DE VALORES MORAIS E VISOES DE MUNDO.

sua enfase num estilo aparlando" e canto coloquial, bem como seu use de progresseles harmonicas complexas, representou uma ruptura corn o estilo romantic° da epoca, que se tornara cliche. Bossa-nova privilegiava uma diccao mais cool e contida, corn intencEres artisticas e Este afastamento da melodia bossa-nova para extensOes mais restritas e estreitas ajuda-a a se despir das qualidades melodramaticas do sambacancao das decadas anteriores. Na realidade o contorno melOclico da bossa-nova esta muito mais pitximo das raizes do samba tradicional corn sua enfase no texto e nos ritmos e entonacao da linguagem falada. A atitude em relacao as letras a no entanto de uma natureza diferente, pela intencao de distanciamento da "necessidade", numa postura "desinteressada", como diria Mario de Andrade. De fato, a bossa-nova cumpre no samba urbano o ideal modernista-nacionalista preconizado por Mario: o de tornar "estetico" o "funcional".

acentuada); cada tipo de verso tern urn Flmer° fixo de silabas, limitado por urn acento temico final obrigaterio. Embora cada palavra possa ter suas silabas &Micas e atonas, e a legica da sentenca que prevalece. Dependendo da sua localizacao num verso ou frase, uma palavra ou silaba acentuada pode ter seu acento negligenciado, ou variar em termos de limites silabicos, podendo inclusive as silabas serem prosodicas ou metricas, como na palavra luar, que pode ser contada como palavra monossilabica, como "luar", ou dissilaba, como "lu-ar" (Carvalho, 1970). A escancao, ou separacan e contagem de sflahas, vai depender do mimero total de silabas do verso. Um outro aspecto bastante importante ern termos de organizacao estrutural da sentenca e que palavras de significado mais importante se localizam mars para o final da frase; como comenta Camara Junior, "o Ultimo membro de uma enunciacao tern urn conteudo de informacao major" (1972:222). Na versificacao portuguesa, o verso e a medida metrica, enquanto as silabas, as pulsacilies minimas, sac, combinadas ern agrupamentos ritmicos variados. Comparando esta organizacao metrica da lingua falada e a organizacao metrica musical ocidental e nao-ocidental, podemos dizer que a proserdia do verso portuguEs esta mais para uma nocâo metrica africana sub-saariana (composta de periodos ou "time lines" sem acentos recorrentes), que para uma nocao metrica europeia classico-romantica (cujos compassos de limites determinados se sucedem regularmente). Na concepcao metrica portuguesa o tamanho dos periodos e as subdivisijes das silabas sac) variaveis, de maneira que temos uma metrica "flexivel". Tambem existe a tendEncia de. colocar enfase na parte final dos enunciados, o que se distancia da compreensan ocidental de compasso, cujos inicios sac) metricamente proeminentes. E interessante notar que, em certas linguas europeias, como no inglés, os padEcies de acentuacâo sac) isecronos, isto 6, usam uma mesma quantidade de tempo entre uma silaba e outra acentuadas (Cruttenden, 1996:24). Portanto, pelo menos no caso da lingua inglesa, a prOpria linguagem falada parece ser organizada ern "compassos" regulares. Esta caracte-

MELODIA E LINGUAGEM FALADA •-k" Para

melhor entendermos como a linguagem falada e a linguagem musical se entrecruzam na cancao brasileira popular vamos lembrar alguns aspectos do portugues, especialmente como falado no Brasil. 0 portugues brasileiro, como muitas outras linguas, usa o acento silabico como um meio de identificacao fonolOgica. Uma das caracteristicas principais de seu padrao de acentuacao e a presenca de um nOmero grande de palavras paroxitonas. Ism da lingua, e conseqtientemente ao paradigma musical para estruturacao metrica/prosOclica, uma tendEncia ou sensacao anacrUstica. Na mthica ocidental se diz que uma frase e anacnistica quando comeca antes e termina depois do primeiro tempo do compasso. Para cada Micro anacriistico temos uma terminacao atona ou "feminina" equivalente. Os linguistas chamam esta sensacao anacnistica de "proeminEncia a direita", numa refeEencia a direcao da acentuacao em cada frase (Ester Scarpa, comunicacao pessoal). A prosOclia brasileira a silabica, os versos sendo especificados pelo seu Milner° de silabas (de uma a doze, geralmente, contadas ate a Ultima silaba

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ANTES DA "REVOLU CA O" BOSSANOVISTA, A HARMONIA FUNCIONAVA COMO SUPORTE PARA UMA MELODIA RELATIVAMENTE AUT O NOMA.

rfstica aparece de uma forma bastante marcante no Outro tipo de organizaealo temporal que marcou rap (iniciais de rhythm and poetry, ritmo e poesia) e influenciou muito a formacao da mOsica brasileionde um texto e declamado sobre uma base rftmica. ra popular foi a concepcao de organizacao ritmoNos primeiros raps utilizados nos bailes funk no Bratemporal africana, que é polirrftmica. Nesta concepcao, se tem partes independentes, mas entrelacadas. sil, o ingles era imitado ou sobreposto por onomatopeia (ver Vianna, 1988). Tanto nestas "irides" quanCada parte repete uma "frase" rftmica, desencontrato no caso do rap em portugues vâo aparecer duas da uma da outra, que vai fazer sentido, exatamente, questeies prosodicas: primeiro, a pelo entrelacamento entre todas utilizacäo no portugues de uma elas. 0 preprio samba tradiciometrica prepria do ingles, isto é, nal, como podemos observar nas de acentuacties teticas regularprimeiras gravaciies corn este mente espacadas, o que contribui nome, era formado pela repetiea° de pequenos padroes mat"para uma sensacao de compassos dico-rftmicos. regulares. Segundo, é a questa() das rupturas sucessivas preprias 0 que é bastante proem iconcepfao temporal cure pita: partes sincronizadas, do rap, produzidas pelos scratchs, nente na masica africana subdivisao de tempos regulares o que faz da mtisica mais uma saariana e o estabelecimento "parceria rftmica" do que um todo interligado de letra e melodia (ver Rose, 1997: 207-8).

de uma ordem temporal baseada na interacao de partes maltiplas que produzem uma textura polirrftmica. A organizacão METRICA DERRAMADA x A mica se estrutura a partir de cancao popular é urn canto agrupamentos assimetricos de acompanhado. A interferencia unidades de tempo minimas ou do ritmo da palavra falada na "pulso mais rApido", coma metrica derramada: tempos fortes deslocados, organizacao temporal não traz explica Kwabena Nketia no seu flexibilidade no limite dos compassos nenhum problema para o canto livro The Music of Africa monedico, mas se torna urn ele(1974). Nao existe um alinhamento complicador para a performance da caneao, mento vertical dos infcios dos tempos, como nas exatamente por dificultar a sincronizacao entre a nopies europeias de compasso. Como explica melodia e o acompanhamento. Deparamo-nos aqui Simha Aaron no seu trabalho sobre polirritmia na com um problema de incompatibilidade rftmica Africa central (1994), nä° ha um padrao regular entre a liberdade prosodica do canto e a regularidanem niveis intermediarios (como compassos e temde medida do acompanhamento. pos fortes) entre a pulsacdo e o period() musical. Urn dos principios bäsicos da concepcao Este period°, formado muitas vezes pela adicdo de mica europeia é a nocäo de compasso, ou verpadroes ritmicos de tamanho variado, pode ser ticalizacão mêtrica da estrutura musical (externalizado atravês de palmas que marcam os Copland, 1974). 0 compasso permite que varias passos da danca ou por urn instrumento-guia que vozes possam apresentar urn discurso homogetoca o que se conhece como time-line. A malha neo ao propor a organizaeâo interna das pulsasonora resultante de urn conjunto de percUssâo pies em tempos fortes, propulsores de energia africana a bastante complexa do ponto de vista de e tempos fracos e inerciais. Neste caso, o infentrelacamento e de textura, embora as frases rftcio do compasso é muito importante, pois presmicas individuais de cada parte possam ser o agrusup:5e uma nocäo de tempo linear, de energia pamento repetido de motivos bastante simples. 0 que progride organizada e previsivelmente. sentido ritmico-musical emerge na mnsica africa-

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OS PADROES DE ACENTUACÃO ISOCRONOS DO INGLES FAZEM A LINGUAGEM FALADA PARECER ORGANIZADA EM "COMPASSOS " REGULARES.

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na do entrelaramento das partes, sendo que o mas tambem em termos de "cal-Ater". 0 autor mUsico encontra sua entrada nao contando tempodia compor uma modinha, que aceitaria melismas e um encompridamento do texto, para falar de surupos, mas se ajustando as outras partes que sac' independentes, e muitas vezes em agrupamentos cucus numa gaiola de ferro no largo da Se, e, princimetricos diferentes dos seus. palmente, sugerir uma certa crftica ittnica ao falar no Na cancao brasileira popular, a nocao de compasestribilho de "especulacki” e "progressos da nacao". so como acontece na concepcdo temporal europeia No Brasil, o dominio tecnico-estOtico do cancionise mantida, mas este compasso e flexibilizado, tanto ta foi aos poucos sendo refinado a medida que melonos seus limites quanto na sua estrutura interna que dia e letra se libertavam dos padreies formulgicos e modificada em termos emprestados da cancao da hierarquia das pulsaestrOfica tradicional ou yges. Os focos de enerda aria de opereta ou gia nestes compassos Opera. Para isto basta podem ser deslocados escutar as primeiras graou diluidos. 0 exemplo vacries da Casa Edson e mais evidente deste depois a producao dos "derramamento" O o anos 30 e mais tarde as samba, onde se tern urn da bossa-nova e MPB, compasso binario, mas para ter urn exemplo de corn a acentuacdo momentos diferentes transferida do Mick) do desse processo. Caetano Vdoso: agfa da pal avra camada a moda brasileira compasso para a sua Da prosOdia dura segunda metade. das primeiras gravaE significativo que numa das primeiras manifestapies, onde na maioria das vezes se escutam cantores Vies a adquirir "foros de nacionalidade", segundo como Candido das Neves e Bahiano tentando adapMario de Andrade, apareca urn exemplo de mêtrica tar tetras criadas a formulas melOclicas j g existentes, derramada. E o lundu de Candido Inacio da Silva, Lti passamos por um "canto falado" fluido e malandro de no largo da se velha, composto na primeira metade do cancionistas como Noel Rosa e outros sambistas, na seculo XIX e discutido por Mario ern 1944. Para urn voz de cantores como Aracy de Almeida, Carmem texto estrOfico e criada uma melodia corn "acentos Miranda, Nelson Gonsalves, Linda Batista e outros, brasileiros", identificados por Mario como "antecipapara chegar, principalmente pela conducao maestral car) sincopada, passando dum compasso para outro, de Joao Gilberto, a uma especie de "fala cantada", em movimentos cadenciais" (p. 27). A solucâo prosOuma retarica essencial da sensibilidade brasileira — a dica e realmente feliz: ao juntar uma melodia ondudestilacào de varias trajet6rias marcadas por visOes de lada, quase operistica, a um texto curto e de ritmo mundo e de maneiras de ser-no-murido diferentes. rapido, nao teria sentido ficar esperando a chegada do tempo forte do compasso seguinte para colocar a METRICA DERRAMADA E PERFORMANCE -;-5 A silaba proemjnente. 0 trecho 6: "cobra feroz que metrica derramada aparece muito na performance da tudo ataca / t6 d'algibeira tira a pataca". Os acentos mrisica brasileira popular, nao so na cancao como no tOnicos estao em "roz" de feroz, “ta" de ataca, "bei" de samba, na bossa-nova e na chamada MPB, como tarnalgibeira e "ta” de pataca. Somente ern "algibeira" a bem em mtisica essencialmente instrumental. No choro instrumental, por exemplo, existe uma relativa acento metrico da melodia e letra coincidem. Nas independencia das partes, que se entrelacam sem se outras instancias Candido Riad° da Silva "derrama" fundirem numa massa sonora sincronizada em termos a mêtrica para aceitar a exigência ritmica do portude diyisao temporal. Na cancao, urn exemplo muito gués nao somente em termos de acentuacao silabica,

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A INTERFERENCIA DO RITMO DA PALAVRA FALADA NA ORGANIZAC/X0 TEMPORAL SE TORNA UM ELEMENTO COMPLICADOR NA PERFORMANCE DA CANCAO.

marcante de metrica derramada é a performance de Ells Regina para Amor ate o fim de Gilberto Gil, onde canto e acompanhamento parecem "descolados" urn do outro, numa sincronizacao relaxada. Como Mario de Andrade diria, a sensacao geral frau e de sincope, mas quase que de independencia de vozes. A cancao comeca numa metrica "musical", isto corn uma acentuando clara do tempo forte do cornpasso, mesmo que subvertendo o portugues, como na primeira frase, onde a palavra amor comeca num tempo forte (a-mor), em vez de utilizar a acentuando writona usual (a-mi5r). (Ex. A). Parte deste problema (algumas pessoas chamariam de "erro de prosOdia") e que tanto o canto solista quanto o acompanhamento comecam no tempo forte do compasso. Esta pode ser inclusive a raid() por que tantas cane-des brasileiras populares tern uma introducäo instrumental: para dar ao cantor ou cantora o torn da nnisica e permitir-lhe comecar em anacruse. No caso de Amor ate o fim, no entanto, a proeminencia dada a amor, em vez de urn erro, parece uma tentativa deliberada de trazer urn certo frescor para uma referencia fa() gasta e abusada na cancan popular.

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rosa do amor não vai despetalar/ Pra quern cu da bem da rosa/ Pra quem sabe cultivar). J.A. Progler (1995), ao testar o conceito proposto por Charles Keil (1995) de "discrepancias participativas" (participatory discrepancies), documentou como existem espacos minimos de tempo entre os ataques de notas de baixistas e bateristas de jazz Estes espacos mètricos sdo muito dificeis de demonstrar corn a notacdo ocidental convencional. Etnomusicelogos tern criado sinais para expressar estes ataques "adiantados" ou. atrasados". Ha urn momento especifico na performance de Elis Regina, juntamente com Cesar Camargo Mariano (piano), Luizao (baixo) e Toninho (bateria) de Amor ate o fim, no entanto, em que este espaco entre solo e acompanhamento pode ser claramanta anotado, pois dura quase meio tempo. Observe-se tambem como no exemplo B, abaixo, quando Elis canta A rosa do amor ela mantêm o padrao de acentuacao de proeminencia a direita da linguagem falada, se considerarmos o principio de deslocamento adiante ou metrica derramada, i.e., a diluicäo do compasso, pois proeminencia é dada ao segundo em vez do primeiro tempo. Observe-se que e uma proeminencia, e nab uma acentuacao dinamica, uma vez que, especialmente no portugues brasileiro, os acentos das palavras sào bastante atenuados pela entoacdo "macia e cantada" da promincia falada no Brasil. A nota si é tambem o ponto mais agudo em freqiiencia na peca. A tens5o, que Tatit chamaria de tensividade passional, e intensificada pela "discrepancia participative" entre solo e acompanhamento. 0 Ultimo articula uma hemiola abaixo da silaba final de "cres-cer" e "A ro-sa", a principio corn ataques simultaneos e depois quase como urn eco de rosa. Finalmente, a bateria toca uma virada, antes de gradualmente retornar a uma certa regularidade metrica do acompanhamento.

quo sela - a - bar

a A: Frase Maid de Amor ate ofm Cerca de cinquenta segundos depois de comecada a cancao (Ex. B), parece que melodia e acornpanhamento se separam, numa relacao aparentemente bastante "sincopada". Agora é a letra (Pm crescer, pra crescer) que comanda a performance, o acompanhamento acentuando a melodia. No exemplo a seguir a parte inferior mostra a bateria nos dez segundos finais e mais importantes da cancao, antes da recapitulacâo de material previo. E significativo que tanto a letra quanto a mnsica, no momento de maior "discrepancies' entre a melodia cantante e o acompanhamento, articulam uma anacruse anunciadora do ponto principal feito pela letra (a rosa do amor tem sempre que crescer/ a

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Ex. B: canto ebateria on Amor ate afim

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A METRICA DERRAMADA APARECE NA PERFORMANCE DA CANCAO, SAMBA, BOSSA-NOVA, MPB E NA MOSICA ESSENCIALMENTE INSTRUMENTAL.

Devemos estar alertas, no entanto, que into e um Uma outra instancia da utilizaeao da metrica derprincipio muito amplo. Frases musicais, mesmo da ramada aparece em varias interpretacnes de Milton tradicao classico-romantica, assim como na prosa Nascimento. Como disse em Carvalho (1990), ele falada, aparecem em tamanhos diferentes, de modo expande ou comprime o andamento do canto, não que nem sempre e obrigatorio que todos inicios de para ajustar as palavras a uma melodia mais longa compasso sejam proeminentes. Existe muito espaou curta, mas para cumprir suas exigencias expresco para flexibilidade e inovacao quando se trata de sivas em termos de sonoridade e significado. Em prosOdia, seja ela falada ou Cancito da America as palavras musical. As articulacties do disexpandidas por saltos corn ou curso podem ser construidas de sem portamento, melisma, trediversas maneiras, nâo somente molo, appoggiaturas as mais por acento dinamico, mas tamdiversas, mordentes e grupetos, bem corn a entonacao ou caesurealeam o contend° emocional ra. Na articulacao falada, outros da cancào: o coracäo chora pela aspectos prosOdicos alêm do partida — o sentimento preso no volume (duracao, altura e qualipeito — e para reestabelecer os dade vocal send° alguns deles) lacos de amizade tem-se que podem contribuir para dar a cerouvir o coracão, nâo importa o tas silabas proeminencia (Crutque aconteca. (p. 325-10). tenden, 1996). Na mnsica mediEstes gestos retOricos, bem da tonal, embora a dinamica como os espacos entre os ataques tenha urn papel central, duracao ou finais de nota dos mnsicos e frequencia (tanto em classe de numa performance musical, contrialtura quanto harmonia) tambuem enormemente para fazer as Bern contribuem para a acentuapessoas moverem seus corpos de cab musical. maneira especifica, e para escutar Na mtisica de tradicdo euroo "grab" da cancão. A friccao, dispêia classico-romantica, a articucrepancia, desequilibrio entre lacao da frase pode ser inferida melodia e acompanhamento na . na partitura escrita, pelo menos cancgo tem o efeito de agarrar a nos seus aspectos mais Obvios, atencao do ouvinte, solicitando sua Carmem Miranda: 'canto falado" anterior como duracao, colocacão metriparticipacao em compartilhar um a fala cantada " dejoao Gilberto ca, ritmo harmOnico, cadëncias, nivel de tensao e energia intensifiperformance. direeao melOdica, etc. Entretancada no momento da Evidentemente, estas inderteminacees devem apareto, muito do significado musical so emerge durante o momento da performance. Na performance, e princer em momentos significantes, na hora e locais em cipalmente no caso da cancan popular, cantores que a letra ou contend° emocional da cancão os exiusam sua habilidade interpretativa para articular e gem. Algumas performances podem soar muito "dissalientar o conteudo emocional de cada cancao. 0 tantes" e frias se o interprete homogeniza sua metrica, estilo vocal de alguns interpretes brasileiros, como posicionando sistematicamente seus ataques sempre Linda Batista, Elis Regina, Joao Gilberto e Milton a frente, em cima ou depois do pulso. Ao derramar pelo Nascimento, para nomear apenas uns poucos, a tao compasso a estrutura de tempos fortes e fracos e aceiimportante para a eficacia da cancao quanto as protar a coerencia prosOdica ou "magia da palavra cantaprias composignes. Primeiramente, eles podem jogar da a moda brasileira", como diz Caetano Veloso, corn a metrica, usando ou evitando os tempos fortes ganha-se em "fantasia", vitalidade e frescor.



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BRAS I L IANA

NA CANCAO BRASILEIRA POPULAR, A NOCAO DE COMPASSO NA CONCEPCAO TEMPORAL EUROPEIA MANTIDA, MAS FLEXIBILIZADA. O MELHOR EXEMPLO DESTE "DERRAMAMENTO" E 0 SAMBA.

dos compassos, ou ampliando ou contraindo seus limites. Depois, podem acentuar determinadas palavras mudando a duracao da nota que desejam enfatizar, seja no valor da nota ou por ornamentacao. finalmente, outro movimento interpretativo pode ser uma mudaoca em frequencia; notas mais agudas apresentam mais tensäo e aparecem mais que notas mais graves; saltos atraem mats atencao que movimento em graus conjuntos. Portanto, ao eonsiderar a Oratica interpretativa da cancao, devemos ter em mente que a prosedia musical nao é somente uma. questäo de tempos fortes ou fracos. Em termos ritmicos, a concepcäo de metrica derrarnada tern a ver com as nocOes de metro tanto africanas quanto ocidentais. Na-rmisica medida de tradicao europêia todas as partes tendem a se sincronizar precisamente; o tempo é contado em pulsacOes regulares, geralmente contidas em compassos binarios ou ternarios, cujos limites sac) representados por barras de compasso, corn uma acentuacao no comeco de cada compasso. Na mtisica africana que teve um impacto na masica brasileira popular industrializada, partes independentes se entrelacam. Os tempos dinamicamente mais fortes nao rem uma funcao divisiva, ocorrendo mais pel4 adicao em volume quando algum instrument* tern uma nota do seu periodo musical circular coincidente corn a de outro instrumento. Na metrica derramada ha um deslocamento do tempo forte no compasso (como acontece no samba), assim como uma flexibilizacao nos limites do mesmo (enquanto o acompanhamento geralmente mantern uma certa regularidade em termos do tamanho de cada compasso, a voz solista pode amplia-lo ou comprimi-lo). E repetindo para o conceito as palavras de Mario de Andrade, ao encerrar seu amigo sobre Candido Hack) das Neves e o lundu: "Nä° e branco mas ja ndo é negro mais. E nacional."

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