125 anos da República1 João Paulo VANI2 O mês de novembro é marcado, no Brasil, por duas importantes, e nem sempre lembradas, datas cívicas: no dia 15, celebramos a Proclamação da República e, no dia 19, o Dia da Bandeira. Há 125 anos acontecia um dos mais notórios momentos da história do Brasil: no Rio de Janeiro, então capital federal, o Marechal Deodoro da Fonseca liderou o golpe militar que derrubou a Monarquia e instaurou a República Federativa e Presidencialista no Brasil. Naquele mesmo dia foi instaurado o governo provisório, que culminaria, dois anos mais tarde, com a eleição de Deodoro da Fonseca para a presidência da República. Ainda em 1889, o imperador Pedro II seguiu para exílio na Europa. O panorama histórico do século 19 é denso e explica o fato de ter sido considerado o século revolucionário, e não apenas na política. São desse período o Manifesto Comunista, a Teoria da Evolução das Espécies, as Guerras de Independência da Grécia, da Itália, a Comuna de Paris, a Revolução da América Espanhola e as Guerras Napoleônicas. No Brasil, tivemos a chegada da Família Real em 1808, a Insurreição de Pernambuco em 1817, Independência em 1822, a criação das primeiras universidades, em Recife e São Paulo, em 1826, ano também do primeiro parlamento brasileiro, previsto pela Constituição de 1824. Em 1870, é publicado no Rio de Janeiro o Manifesto Republicano, que teve entre seus signatários Quintino Bocaiúva e Saldanha Marinho. As mudanças na sociedade eram evidentes, e deram espaço para a promulgação da Lei do Ventre Livre, em 1871, dando liberdade aos filhos de escravos nascidos a partir da data, em um país que, conforme constatado pelo censo de 1872, tinha população de 9,9 milhões de habitantes, dos quais, 1,5 milhões eram escravos. A liberdade era um grito preso. 1 Artigo originalmente publicado na página 4C da edição do dia 29 nov 2014 do jornal “Diário da
Região”, de São José do Rio Preto-‐SP. 2 Mestre em Teoria Literária. Programa de Pós-‐Graduação em Letras – Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas – Universidade Estadual Paulista (Unesp) – São José do Rio Preto – SP – CEP 15054-‐000 – Brasil –
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Em 1873, fazendeiros paulistas reunidos na Convenção de Itu lançaram mais um manifesto em favor da República. Na sequência, em 1880, seria criada a Sociedade Brasileira contra a Escravidão e a Associação Central Emancipadora, revelando a caminhada empreendida pela nossa liberdade enquanto sociedade. O passo seguinte, foi dado em 1885, com a Lei dos Sexagenários, que libertou todos os escravos com mais de sessenta anos. Assim, a população de escravos havia sido reduzida para a faixa etária entre 15 e 59 anos. Mais três anos se passaram e, em 1888, Princesa Isabel assina a Lei Áurea, encerrando o período de escravidão no Brasil. Em 1889, com o Golpe liderado pelo Marechal Deodoro da Fonseca, uma série de medidas se tornaram necessárias. Uma delas, foi a convocação da Assembleia Constituinte, que aconteceu em 1890, e foi responsável pela redação da nova Constituição republicana. As motivações para o golpe envolvem descontentamento dos dois grupos dominantes da época, os conservadores e os progressistas e envolve, de um lado, sérios atritos com a igreja católica, perda do apoio dos grandes fazendeiros à Monarquia, após a abolição da escravatura; de outro, a manutenção da escravidão no país, a ausência de iniciativas ao desenvolvimento econômico, político ou social, a ausência de um sistema de ensino universal, os altos índices de analfabetismo e miséria, entre muitos outros. As mudanças no regime não foram suficientes para acalmar a população e, em 1893 teve início a Revolução Federalista no Rio Grande do Sul, que terminaria em 1895 e cuja reivindicação era uma maior autonomia do estado rio-‐grandense. Essa batalha entre maragatos e chimangos foi fantasticamente recontada por Érico Veríssimo na obra “O Tempo e o Vento”, tendo na figura do Capitão Rodrigo, já interpretado por Tarcísio Meira e Thiago Lacerda, o anti-‐ herói arquetípico, fanfarrão e mulherengo. Em 1896, começa a Guerra de Canudos, oriunda da precariedade em que o povo vivia. Buscava-‐se ali a libertação de uma escravidão velada, uma busca pela dignidade humana. Com a publicação de “Os Sertões”, marco do jornalismo literário em todo o mundo, Euclides da Cunha reúne as narrativas escritas como correspondente do jornal “O Estado de São Paulo”.
Nos cem anos que se seguiram à derrubada da Monarquia, o povo brasileiro viveu períodos conturbados de uma república presidida por militares, teve altos e baixos com presidentes civis, sofreu o golpe articulado por Getúlio Vargas, que ficou no poder de 1930 a 1945 e, em 1951, voltaria ao Palácio do Catete de modo legítimo, eleito pelo povo. Viu o país crescer 50 anos em 5 com Juscelino Kubitschek de Oliveira. Sofreu na sequência um segundo golpe, com os Militares liderando o país por mais duas décadas até sua redemocratização. Em 1989, com a democracia de volta e às vésperas da primeira eleição direta após o fim do Regime Militar, o centenário da Proclamação da República foi tema da escola de samba carioca Imperatriz Leopoldinense, que popularizou um trecho do Hino da Proclamação da República, desconhecido de muitos brasileiros, em seu samba enredo. A liberdade de que o hino fala, obtida com a Proclamação da República, sob uma determinada perspectiva, pode ser vista como elemento essencial para a nossa identidade, para a nossa brasilidade. As artes do século 20 revelam em diversos momentos ingredientes da mistura que nos compõe, como a nossa própria arte, divulgada como nunca antes com a Semana de 22; os versos de Ary Barroso que nos dão conta de que sejamos brancos, negros ou amarelos, somos filhos de um Brasil mulato inzoneiro, cuja pátria tem sido uma mãe gentil, apesar das mazelas que enfrentamos. E, que apesar delas, somos uma raça que não tem medo de fumaça, e que canta, e que é feliz. Apesar de tantos avanços vividos nesses 125 anos de República, o Brasil ainda padece do mal da corrupção, e mesmo sendo um povo que não se entrega não, é um povo cansado, que poderia, nos versos do tão igualmente desconhecido Hino à Bandeira, clamar ao pavilhão nacional: “Tua nobre presença à lembrança, A grandeza da Pátria nos traz” em busca de forças. É possível que, nos dias atuais, a lista de reclamações e indignações seja tão grande, ou até maior, que a lista que levou à queda da Monarquia. E, como naquele momento, são evidentes, como o descontentamento de um povo que vai às urnas e vê a disputa eleitoral acirrada de sua história recente. Entretanto, é importante que o conjunto dessas reclamações nos fortaleça enquanto povo, permitindo que nossa República se torne cada vez mais vigorosa, protegida não apenas pelos republicanos incansáveis, mas pelos democratas que
ainda estão aprendendo sobre o exercício da democracia, que há apenas 25 anos vem sendo plenamente exercida em nosso país, sem interrupções ou ataques. Chegou a hora dessa gente bronzeada mostrar seu valor e fazer com que nossos governantes legitimamente eleitos, seja em qualquer esfera, seja por qualquer partido, compreendam nossas insatisfações e voltem seus olhares para a nossa história e possam lembrar que o cargo que ocupam existe pela representação popular, e não pela representação de seus interesses particulares ou partidários. Chega da promessa de ser o país do futuro. Que nossos dias atuais possam se transformar um hino de glória que fale de esperanças de um novo porvir!