2012 - A gestão e o planejamento só dizem respeito aos museus ditos tradicionais?

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A GESTÃO E O PLANEJAMENTO SÓ DIZEM RESPEITO AOS MUSEUS DITOS TRADICIONAIS? Manuelina Maria Duarte Cândido Universidade Federal de Goiás - Brasil1 Na tese de doutorado “Gestão de museus e o desafio do método na diversidade: diagnóstico museológico e planejamento” (Duarte Cândido, 2011) trabalhamos a idéia de um descompasso entre a Museologia produzida na academia e os museus reais. Defendemos a necessidade de avaliação e planejamento para uma gestão qualificada dos museus e chamamos a atenção para um instrumento de gestão em especial, o diagnóstico museológico. Na bibliografia, à exceção de alguns autores portugueses como Isabel Victor (2005, 2006a, 2006b), localizamos em geral material produzido a partir de experiências de gestão e revitalização dos chamados museus tradicionais ou grandes museus, aqueles capazes de contratarem grandes empresas de consultoria e se prepararem inclusive para certificações do tipo ISO 9000. A questão que move este texto é clara: a gestão e o planejamento só dizem respeito aos museus ditos tradicionais? Waldisa Rússio dizia que “Há, na realidade, uma Museologia existente, real, que está aí fora, e há uma postulada, sonhada, desejada” (Rússio, 1984). Imaginamos maneiras de romper estas distâncias e descompassos, abreviar a entrada nos museus dos conhecimentos teóricos e metodológicos que a Museologia produziu nas últimas décadas, e trazer das instituições e processos o combustível para a Museologia acelerar ainda mais a sua produção. Mais que isto, queremos pensar se há um núcleo comum de preocupações que sejam pertinentes a todo e qualquer museu, que deva estar presente em pequenos museus, ecomuseus, museus comunitários, e quantos outros modelos existam para além do convencional, e como os atores do desenvolvimento local ancorado em patrimônio e processos de musealização podem se preparar para os novos desafios. Tenham consciência disto ou não, os museus estão em alguma medida concorrendo entre si por públicos e por recursos. Com o acréscimo do número de museus, ainda que existam grandes vazios museológicos, é inevitável que em um futuro ainda distante – mas já certamente próximo em alguns grandes centros – se chegue a algum grau de saturação. Daí a importância de fomentar desde já a difusão de uma cultura de avaliação e planejamento na gestão de museus. Os museus se acostumaram a uma situação bastante cômoda de que sua simples existência é aceita como a realização de um papel social e, portanto, justificadamente mantida pelo Estado (direta ou indiretamente). Ao mesmo tempo que evitam se ‘contaminar’ com discussões ou preocupações comezinhas a respeito de custos e índices, consideram legítimo ou ‘natural’ queixar-se o tempo todo da falta de recursos financeiros. É preciso analisar com coragem e transparência o custobenefício da manutenção e especialmente da criação de cada museu. Neste aspecto, há quem já proponha uma moratória na criação de novos museus como medida para privilegiar e socorrer os museus já existentes (Varine, 2011). Estamos em uma época de bem-vinda valorização dos desejos de memória, mas ao mesmo tempo muitas instituições museológicas são criadas com um vago propósito de preservação da memória, sem maiores discussões sobre sua missão,                                                                                                                         1

Doutora em Museologia pela Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Mestre em Arqueologia e especialista em Museologia pela Universidade de São Paulo, Licenciada em História pela Universidade Estadual do Ceará. Professora de Museologia da Faculdade de Ciências Sociais da UFG, Goiânia, Brasil. [email protected]

planejamento, sustentabilidade em longo prazo, entre outros fatores2 e ainda confundindo preservação com acúmulo de objetos. Não é à toa que Balerdi (2008) chega a atribuir aos museus, ou ao menos a alguns deles, as características de mastodontes longevos, prolíficos e bulímicos, capazes de ingerir a tudo indiscriminadamente para depois se envergonhar destes excessos e escondê-los em reservas técnicas ou mesmo provocar o vômito, leia-se, realizar descartes. Museus orientados desta forma – ou seriam desorientados? – podem se tornar um verdadeiro problema, pois o custo de manutenção não corresponde ao efetivo desenvolvimento de uma função social. De acordo com Mairesse, critérios de avaliação dos museus, especialmente aqueles implantados a partir dos anos 1980, que tenderam a uma obsessão pela eficácia e pela performance especialmente no aspecto econômico, carregam o risco de provocar indignação do setor museal, mas resultam de uma lógica geral do financiamento pelos poderes públicos (Mairesse, 2010, p. 103), por sua vez onerosa e nunca avaliada ou otimizada (idem, p. 81). Os museus estão tendo que lidar com demandas jamais imaginadas em suas origens e de fato, se isto ainda causa espécie entre profissionais de museus, é mais problemático nas realidades que envolvem iniciativas comunitárias, amadores e especialmente governos de pequenas localidades. O pequeno porte dos museus não deveria, entretanto, ser argumento para protelar o planejamento, pois “En un mundo de cambios rápidos un museo pequeño podría describirse como un pequeño bote de vela en un mar embravecido, controlado en gran medida por fuerzas externas. En dicha situación, es especialmente vital que el museo tenga un plan estratégico, un mapa y ayudas para la navegación, para intentar navegar a través de aguas tan procelosas.”3 (Moore, in Lacasta & Peraile, 2006, p. 48) Verificamos que a questão do planejamento ganhou papel central no universo dos museus nas últimas décadas. A sociedade não é mais complacente com instituições que justificam sua existência apenas com o vago propósito da preservação da memória, e faz a crítica contundente aos museus que se excluíram dos processos de participação e de mudança: “São museus alheios ao desenvolvimento, sorvedouros de recursos financeiros, fechados sobre as suas colecções que na maior parte dos casos se deterioram ao ritmo dos anos. Por isso, esses museus, reduzem geralmente a sua actividade à manutenção de uma exposição permanente sem ideias, sem rumo, de puro exibicionismo como diria Hugues de Varine e que por isso mesmo, envelhecem ainda mais rapidamente.” (Moutinho, 2006, p. 66) (grifos do autor) Os museus têm sido questionados, revolucionados, revolvidos. Isto se dá pelo reconhecimento mais profundo do museu como instituição a serviço do público, como quer Moutinho (Comunicação pessoal, aulas do Curso de Estudos Avançados de Museologia - CEAM, 2008)? Ou pela competição criada dentro de uma verdadeira indústria dos museus, a partir dos anos 1980 (Fopp, 1997, p. 181)?                                                                                                                         2

Como em qualquer outro empreendimento, há um custo de operação, quase nunca calculado e claro para os gestores dos museus.

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Tradução livre: “Em um mundo de mudanças rápidas, um museu pequeno podia ser descrito como um pequeno barco a vela em um mar embravecido, controlado na maior parte das vezes por forças externas. Nesta situação, é especialmente vital que o museu tem um plano estratégico, um mapa e ajudas para a navegação, para tentar navegar através de águas assim turbulentas”

No quadro “Features of new museology in relation to postmodernism”, Davis (1999, p. 57) ressalta algumas mudanças na passagem do modernismo ao pósmodernismo e à Nova Museologia que queremos pontuar, por terem relação com as preocupações já mencionadas: - Passagem da quantidade à qualidade e depois à avaliação de performances e aos padrões museológicos; - Dos direitos individuais a responsabilidades individuais e coletivas, depois à declaração de missão e diretrizes éticas para profissionais de museus e instituições; - Do curto-prazo ao longo-prazo e, em seguida, aos contextos de metas em longo-prazo, declaração de missão e objetivos claros; - Do volume de produção à qualidade entre input – insumos, e outputs – resultados, e depois à questão do aperfeiçoamento de padrões curatoriais, incluindo políticas de coleção e de exposições. Sem pretender associar as novas demandas e diretrizes somente a um segmento das instituições museológicas, propomos pensar, como Waldisa Rússio (1989), que “A ação transformadora dos museus começa pela reflexão nova que eles fazem sobre si mesmos”. E desta forma, que a capacitação dos atores do desenvolvimento local envolvidos com o patrimônio como recurso e os processos de musealização como método, devem considerar também aspectos da gestão e do planejamento.

Bibliografia: Balerdi, Ignácio Díaz (2008). La memoria fragmentada: el museo e sus paradojas. Gijón, Asturias: Ediciones Trea. (Biblioteconomía y Administración Cultural, 183) Davis, Peter. (1999). Ecomuseums – A sense of place. London, New York: Leicester University Press, 1999. (Leicester Museum Studies) Duarte Cândido, Manuelina Maria (2011). Gestão de museus e o desafio do método na diversidade: diagnóstico museológico e planejamento. Lisboa: Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias. (Tese de Doutorado) Fopp, Michael A.. (1997). Managing museums and galleries. London: Routledge. Moore, Kevin. Tengo un sueño. Planificación estratégica como inspiración para los museos. In Lacasta, Ana Azor & Peraile, Isabel Izquierdo (coords.). (2008). Actas de las Primeras Jornadas de Formación Museológica. Museos y planificación: estrategia de futuro. Madrid: Ministerio de la Cultura, Secretaria General Tecnica. P. 39-50. Moutinho, Mário. (2006). A qualidade em museus, nos museus em mudança. In XIII Encontro Nacional Museologia e Autarquias. Lisboa: Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias. (Cadernos de Sociomuseologia, 25). Rússio Guarnieri, Waldisa. (1984). Texto III. In Produzindo o Passado – Estratégias de construção do patrimônio cultural. São Paulo: Brasiliense. Rússio, Waldisa. (1989). Presença dos museus no panorama político-científicocultural. In Cadernos Museológicos 2. Rio de Janeiro: SPHAN – Pró-Memória. p. 7278. Varine, Hugues de. Les musées locaux du futur – réflexions. Pontebernardo, 22 de maio de 2011. (digit) Victor, Isabel. (2005). Os museus e a qualidade - Distinguir entre museus com "qualidades" e a qualidade em museus. Lisboa: Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias. (Cadernos de Sociomuseologia, 23) Victor, Isabel. (2006a). A qualidade em museus, problemática a esclarecer. In Primo, Judite (coord.). XIII Encontro Nacional Museologia e Autarquias: a qualidade em museus. (pp. 21-32). Lisboa: Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias. (Cadernos de Sociomuseologia, 25)

Victor, Isabel. (2006b). O paradoxo do termo avaliação em museus: um problema da maior relevância para a Museologia contemporânea. In Primo, Judite (coord.). XIII Encontro Nacional Museologia e Autarquias: a qualidade em museus. (pp. 88-100).

Referência para citação DUARTE CÂNDIDO, Manuelina Maria. ”A gestão e o planejamento só dizem respeito aos museus ditos tradicionais?” In: ECOMUSEU da Amazônia, Atas do IV EIEMC/4

Encontro Internacional de Ecomuseus e Museus Comunitários – Patrimônio e capacitação dos atores do desenvolvimento local. 12-16, junho 2012, Belém, Brasil; Coordenação Geral: Maria Terezinha Resende Martins. –   Belém: Ecomuseu da Amazônia, 2012.

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