2012 Intercâmbios entre Teoria da Literatura e Teoria da Arte: O paradigmático caso dos \"Estudos Visuais”

June 30, 2017 | Autor: Daniela Kern | Categoria: Visual Studies, Literary Theory
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INTERCÂMBIOS ENTRE TEORIA DA LITERATURA E TEORIA DA ARTE: O PARADIGMÁTICO CASO DOS "ESTUDOS VISUAIS”

EXCHANGES BETWEEN THEORY OF LITERATURE AND ART THEORY: THE PARADIGMATIC CASE OF "VISUAL STUDIES" Daniela Pinheiro Machado Kern

ABSTRACT: This paper, after mapping some of the points of contact established between the fields of Theory of Literature and Art Theory throughout the twentieth century, explores in more detail the debates raised, specifically in the area of Visual Studies, for this growing rapprochement between fields. It is chosen as a privileged object of analysis the debate around the notion of "visual essentialism", protagonized by Nicholas Mirzoeff and Mieke Bal, art historians with conflicting theoretical orientations, both linked to Visual Studies.

KEYWORDS: Theory of Literature, Art Theory, Visual Studies.

RESUMO: O presente trabalho, após mapear alguns dos pontos de contato estabelecidos entre os campos da Teoria da Literatura e da Teoria da Arte ao longo do século XX, explora com maior vagar os debates suscitados, especificamente na área dos Estudos Visuais, por essa crescente aproximação entre os campos. É escolhido como objeto privilegiado de análise o debate em torno da noção de “essencialismo visual”, protagonizado por Mieke Bal e Nicholas Mirzoeff, historiadores da arte vinculados aos Estudos Visuais e de orientações teóricas conflitantes.

PALAVRAS-CHAVE: Teoria da Literatura, Teoria da Arte, Estudos Visuais.



Doutora em Linguística e Letras (PUCRS), professora do PPGAV/UFRGS.

Quando se fala das relações entre teoria da literatura e teoria da arte, é comuníssima a menção à Arte Poética de Horácio, em especial àquela famosa afirmação, “Ut pictura poesis”. Não recuarei tanto no tempo aqui para tratar desse tema. A fim de introduzi-lo recorro antes a um livrinho de Anne D’Alleva que costumo usar em minhas aulas de História da Arte. O livro se intitula Methods and Theories of Art History [Métodos e Teorias da História da Arte] e apresenta, de modo sucinto, um panorama das mais relevantes correntes teóricas vigentes no campo da História da Arte hoje. D’Alleva fala, por exemplo, sobre o Formalismo, e sobre os principais historiadores e críticos de arte que desenvolveram essa abordagem tipicamente moderna. O primeiro deles é Heinrich Wölfflin, com seus Princípios Fundamentais da História da Arte (1915), em que, para distinguir as características formais barrocas daquelas clássicas, propõe os famosos cinco pares de conceitos: linear e pictórico; unidade e pluralidade; plano e profundidade; forma fechada e forma aberta; clareza e obscuridade. Outro cujo trabalho alcançou grande influência foi Henri Focillon, com seu A vida das formas, em que defende que as formas artísticas têm vida e história próprias, e assim devem ser estudadas. Clement Greenberg, enfim, foi o crítico americano que adotou o formalismo como dogma, promovendo apaixonadamente a abstração informal nos Estados Unidos, especialmente aquela praticada por Jackson Pollock. Folheando agora Teoria da Literatura: uma introdução, de Terry Eagleton, um livro que li durante meus estudos no mestrado e no doutorado em Teoria da Literatura, encontro alguns dos críticos que praticariam o formalismo nos estudos literários, tais como I. A. Richards e T. S. Elliot. Na primeira metade do século XX o formalismo é fortemente desenvolvido tanto na teoria, história e crítica de arte como na crítica e teoria literária, mas em cada uma dessas disciplinas ele assume feições distintas, e conta com autores próprios. As coisas parecem mudar um pouco, no entanto, com o advento da Pós-Modernidade. Críticos e teóricos que transitam entre ambas as áreas, teoria da literatura e das artes visuais, podem ser encontrados ao longo da história da disciplina, é fato, e no cenário norte-americano eles são particularmente bem-vindos. Lembremos, por exemplo, de Roger Shatuck (19232005), considerado um crítico modernista tradicional por seus pares. Formado em Yale, foi um dos fundadores da Association of Literary Scholars and Critics e escrevia para o The New York Review of Books Ainda que sua formação seja em Literatura, escrevia também sobre

Artes Visuais, como podemos constatar em um de seus últimos livros, Candor and perversion, no qual suas 19 teses sobre literatura, aparecem lado a lado com textos a respeito de Manet, Duchamp, Man Ray, entre outros artistas. Uso esse caso, o dos críticos e teóricos que escrevem tanto sobre literatura quanto sobre artes visuais, como introdução metafórica a uma característica importante do cenário teórico das Humanidades em geral, e das artes visuais e da literatura em particular, a partir do Pós-Modernismo: o estabelecimento de uma “plataforma teórica” comum, que é usada por diferentes áreas das Humanidades, a saber, a chamada Teoria Crítica ou, como preferem os americanos, simplesmente Teoria. Tanto a teoria das artes visuais quanto a teoria literária irão se alimentar, a partir da segunda metade do século XX, das teorias advindas da Escola de Frankfurt, do Estruturalismo, do Pós-Estruturalismo, do Desconstrucionismo, da Semiótica, para citar apenas algumas das correntes mais destacadas. Essa base teórica comum irá, em parte, constituir a chamada “Virada linguística”, virada cujo impacto é particularmente forte na área de Artes Visuais. A ideia de que a obra de arte pode ser tratada como um “texto” que precisa ser interpretado já aparecia, de algum modo, no âmago de uma abordagem desenvolvida no seio da própria História da Arte, a Iconologia, de Panofsky, baseada em parte na metodologia de estudos da imagem legada por Aby Warburg. No entanto, a partir da “Virada Linguística” o entendimento da obra como texto irá conquistar cada vez mais críticos, historiadores e teóricos da arte, especialmente aqueles incomodados com a falta de comprometimento social e político das análises formais. No final dos anos 60 vemos surgir a chamada “Nova História da Arte”, que propõe uma verdadeira revisão da história do cânone tradicional da arte erudita por meio de análise intensiva de vários tipos de documentos (não apenas imagens) e com recurso claro à Teoria Crítica. Um dos principais expoentes dessa corrente é T. J. Clark, que em 1973 publica Imagem do Povo: Gustave Courbet e a Revolução de 1848, obra na qual elege Courbet como um artista modernista avant la lettre. Ainda reagindo à chamada “Teoria”, uma nova disciplina começa a se estabelecer na Inglaterra e nos Estados Unidos, a da Cultura Visual, como bem sintetiza Dikovitskaya: “Um campo interdisciplinar, os estudos visuais surgem no final dos anos 80, depois que as disciplinas de história da arte, antropologia, film studies, linguística e literatura comparada se depararam com a teoria pós-estruturalista e com os estudos culturais” (DIKOVITSKAYA, 2006, p. 1). Dikovitskaya, que publica o primeiro livro sobre a história da Cultura Visual e

dos Estudos Visuais (veremos o motivo do emprego dessas diferentes denominações mais adiante), procurou levar a cabo a difícil tarefa de tentar definir a nova disciplina, aos olhos de muitos ainda informe. Um dos traços que ela destaca é justamente o entendimento da arte como “prática discursiva”, como se pode ler no seguinte trecho de seu livro: “A pesquisa erudita que rejeita a primazia da arte em relação a outras práticas discursivas e ainda assim enfoca as peculiaridades sensoriais e semióticas do visual não pode mais ser chamada de história da arte – merece o nome de estudos visuais” (DIKOVITSKAYA, 2006, p. 49). James Elkins, por outro lado, define a nova disciplina por contraste aos Estudos Culturais ingleses: “Em termos gerais, seria justo dizer que a cultura visual é menos marxista, distante do tipo de análise que pode visar a ação social, mais assombrada pela história da arte e mais em dívida com Roland Barthes e Walter Benjamin do que os Estudos Culturais ingleses originais” (ELKINS, 2003, p. 2). O primeiro programa de pós-graduação em Cultura Visual é criado na Universidade de Rochester no final dos anos 80. A nova disciplina aos poucos se estabelece nos mais variados departamentos: História da Arte, Inglês, Estudos da Mulher, Literatura Comparada, ArteEducação, Sociologia, Filosofia, Comunicação Visual, Estudos de Televisão, Cinema e Mídia. Em 1996, no entanto, diante do inegável crescimento da Cultura Visual dentro da academia americana, a revista October propôs a um grande número de teóricos e críticos ligados, de algum modo, à área, que respondessem a um questionário sobre as características e o futuro da nova disciplina. As respostas publicadas constituem uma visão bastante heterogênea da Cultura Visual, que recebe duras críticas por parte de muitos dos entrevistados. Alguns deles, pelo contrário, demonstram grande apreço pela disciplina, caso de Tom Colney, polivalente professor da Universidade de Harvard, que trabalha com literatura e imaginação gráfica, filme e estudos de mídia, e literatura francesa moderna, e que sobre a cultura visual respondeu o seguinte: Um dos prazeres que temos com o estudo do crescimento da cultura visual dentro da academia, então, é obtido quando descobrimos que ela não pode encontrar um lugar disciplinar. [...]. Espaço e movimento vêm com a invenção, e a cultura visual é uma prática de ‘sagacidade’, isto é, a alegria da invenção (ALPERS et al., 1996, p. 32).

Martin Jay, historiador especialista em teoria crítica e autor de uma respeitada história da Escola de Frankfurt, deixa claro em sua resposta que, diante da ascensão da Cultura Visual, não se pode mais voltar ao estado anterior da História da Arte, ou seja, “Não mais é possível

ater-se defensivamente em uma crença na irredutível especificidade das artes visuais que a história da arte tradicionalmente estudou em isolamento de seu contexto maior” (ALPERS et al., 1996, p. 44). Escolhi mais uma resposta do questionário da October para comentar aqui, especialmente relevante para o tema que estou abordando aqui. Christopher Wood, professor da Universidade de Yale especializado em história da arte renascentista e ainda em historiografia da arte, afirmou o seguinte: “Mas vou argumentar que os ditos textos estéticos não são diferentes em espécie dos textos em geral. O texto estético é apenas um texto inusualmente ambíguo e autoconsciente (ou auto-focado)” (ALPERS et al., 1996, p. 69). Muitas das aludidas respostas críticas, que não terei tempo de esmiuçar aqui, defendem, pelo contrário, que a preocupação da nova área de estudos não deveria ser o entendimento da arte como “texto”; além disso, a palavra cultura já estaria excessivamente “carregada” ideologicamente, e não se mostraria adequada para definir uma disciplina cujo maior interesse deveria ser o de estudar o fenômeno do “visual” na contemporaneidade e tudo o que tem de específico. A polêmica em torno da denominação “Cultura Visual” avança na década de 1990 e logo a denominação alternativa, Estudos Visuais, cunhada por W. J. Mitchell em 1995 para designar uma disciplina que mesclaria história da arte, estudos culturais e teoria literária, passa a se tornar a escolha preferencial de vários novos cursos de pós-graduação criados nos Estados Unidos, caso do programa de Estudos Visuais iniciado pela Universidade da California Irvine em 1998. Ainda apostando na denominação Cultura Visual, Jessica Evans e Stuart Hall, este último figura de proa nos Estudos Culturais da Inglaterra, publicam uma antologia que logo se tornaria popular, Visual Culture: The reader. Nessa obra dividida em três partes destaco a primeira, que emblematicamente abriga um núcleo temático que pretende discutir até que ponto se pode conceber as imagens como linguagem. O foco principal aqui é o estudo da “retórica das imagens”. Jessica Evans e Stuart Hall, na introdução a essa primeira parte, em diversos momentos deixam bem evidentes os laços entre teorias importadas dos estudos literários e linguísticos e o estudo de imagens proposto pela cultura visual, como, por exemplo, quando afirmam que “Não podemos mais pensar na experiência social como existindo em um domínio pré-linguístico” (EVANS; HALL, 2009, p. 2), ou que “Qualquer estudo da imagem produzido sob o impacto dos estudos culturais deve à semiótica” (EVANS; HALL, 2009, p. 3).

Feita essa muitíssimo breve introdução à história dos Estudos Visuais e da Cultura Visual, e a suas relações estreitas com a virada linguística, gostaria de dedicar a última parte desse trabalho à exposição e análise de um episódio que me parece exemplar para a discussão das relações entre teoria da arte e da literatura no âmago dos Estudos Visuais. Trata-se da polêmica que teve lugar em 2003 nas páginas do Journal of Visual Culture, um dos principais meios de divulgação teórica da nova disciplina, envolvendo o texto de Mieke Bal, Visual essentialism and the object of visual culture, e as muitas respostas a ele. Bal, cuja formação se deu na área de Letras, é uma das pioneiras nos estudos de Cultura Visual. Para interpretar obras de arte canônicas Bal propôs o recurso às ferramentas conceituais da semiótica. O próprio Elkins, é importante deixar claro, é um ferrenho crítico da direção que a cultura visual parecia tomar em seus primeiros tempos, para ele excessivamente atrelada aos estudos literários. Um dos resultados dessa tendência seria o fato de que muitos estudos práticos de Cultura Visual seguiriam o modelo da análise textual e pouco espaço dedicariam de fato às imagens, tanto que muitos deles nem mesmo conteriam ilustrações (os textos de Elkins, pelo contrário, são fartamente ilustrados). Nas palavras de Elkins: “O que eu quero aqui é indicar o problema em parte da crítica corrente de cinema e mídias: a obra é sobre objetos visuais, mas a escrita faz com que pareça como se aquilo sobre o que se escreve pudesse ser também um romance, scripts, ou peças de teatro” (ELKINS, 2003, p. 109). Mas voltemos à Mieke Bal. Em 1991, juntamente com Norman Bryson, ela publica um texto originalmente destinado a uma plateia de historiadores da arte profissionais, associados à College Art Association e ainda não familiarizados com novas abordagens como a semiótica, texto intitulado Semiotics and Art History: a discussion of context and senders. Nesse trabalho Bal e Bryson discutem uma série de questões relacionadas ao intercâmbio metodológico entre os Estudos Visuais e os Estudos Literários, como, por exemplo, a transferência de conceitos como metáfora da teoria literária para a teoria das artes visuais. Longe de defender que a transferência seja indiscriminada, precauções são recomendadas pelos autores: Ao invés de tomar emprestado o conceito de metáfora da teoria literária, então, um historiador da arte irá tirá-lo de seu [...] confinamento no interior daquela disciplina específica e primeiro examinar em que medida a metáfora, como um fenômeno de transferência de sentido de um signo a outro, deveria ser generalizada. Esse é o caso aqui, mas não todos os conceitos da literatura se prestam a tal generalização (BAL; BRYSON, 2009, p. 246).

A importância dos estudos de recepção é apresentada, em outra passagem do texto, mediante a aproximação bastante explícita entre obra literária e obra visual: “a abertura do clássico é o resultado daquela falta fundamental que ele compartilha com todos os textos, obras-primas ou não. É consequência do fato de que o texto ou a obra de arte não podem existir fora das circunstâncias nas quais o leitor lê o texto ou o observador vê a imagem, e que a obra de arte não pode fixar com antecedência o resultado de nenhum de seus encontros com a pluralidade contextual” (BAL; BRYSON, 2009, p. 251). Estudos de recepção em Artes Visuais não eram de modo algum frequentes na época em que esse texto é publicado, e são fortemente recomendados por Bal e Bryson como um modo de lidar com a historicidade inerente às obras de arte, com a relação que apresentam com os contextos em que são percebidas. No começo dos anos 2000 o grupo dos historiadores e teóricos da arte insatisfeitos com a “cultura visual” e suas preocupações literárias e políticas começa a se manifestar com mais ênfase. Bal percebe nessa nova corrente uma tendência ao que chama de “essencialismo visual”, uma preocupação excessiva com a localização dos fenômenos “puramente visuais”, que não deveriam ser encaixados em sistemas semióticos (BAL, 2003a, p. 6). É justamente essa busca, para ela equivocada já em seus pressupostos, que ataca no texto que publica no Journal of Visual Culture, em abril de 2003. Um dos motivos pelos quais para Bal o essencialismo visual é um equívoco teórico é o seguinte: “O ato de ver é profundamente ‘impuro’. Primeiro, dirigido pelos sentidos como pode ser, e então baseado na biologia (mas não mais do que todos os atos realizados pelos humanos), o ato de ver é inerentemente [...] interpretativo, [...], cognitivo e intelectual” (BAL, 2003a, p. 9). Mesmo a internet, tantas vezes invocada pelos essencialistas visuais como sinônimo de seu objeto ideal de estudos, como um objeto essencialmente visual, portanto, para Bal apresenta características híbridas e impuras. Sua organização hipertextual é sem dúvida textual. Conforme argumenta Bal, “Se as mídias digitais são consideradas típicas do modo de pensar que requer os estudos de cultura visual como uma nova (inter)disciplina cultural, é precisamente porque elas não podem ser consideradas visuais, ou tampouco apenas discursivas” (BAL, 2003a, p. 10). Textos literários também, por outro lado, podem ser analisados a partir de sua visualidade. A visão é interpretativa, e a prática da interpretação, ao desvelar intenções, motivações, ideários subjetivos, é um ponto de união entre várias teorias oriundas dos estudos literários e dos visuais. Bal afirma, em outras palavras, que “olhar, como um ato, já está investido naquilo

que desde sempre tem sido chamado de leitura” (BAL, 2003a, p. 13). Como representante máximo do essencialismo visual Bal elege Nicholas Mirzoeff, e a ele não poupa críticas:

Um exemplo instrutivo é a platitude de Mirzoeff em seu texto introdutório sobre semiótica, que ele define, erroneamente, como uma “metodologia linguística”, e, portanto, por definição, visualmente não convincente [...]. Tais observações equivocadas passam facilmente porque parecem defender a visualidade que permanece tanto central como não examinada (BAL, 2003a, p. 27).

Bal está criticando aqui um manual publicado por Mirzoeff em 1999, An introduction to Visual Culture, que logo se tornará popular em cursos de Cultura Visual nos Estados Unidos. Nessa obra Mirzoeff ressalta a vinculação do método de Bal com a área de Estudos Literários, ao destacar que em suas análises são recorrentes as menções a significado, signos, interpretações, códigos, e o reforço da importância do observador ou leitor no processo de leitura. Ele apresenta ainda a prática de Bal nos seguintes termos:

Mesmo que a crítica literária tenha se afastado do estruturalismo, ele continua a desempenhar um papel surpreendentemente importante na crítica visual. Mieke Bal, uma das mais sofisticadas semioticistas em atuação na história da arte, recentemente chamou a prática de “leitura da arte” (MIRZOEFF, 2008, p. 15).

Mirzoeff, no entanto, critica o que considera como o privilégio da palavra falada e a hostilidade à imagem presente até nossos dias. O entusiasmo pela semiótica e a defesa da ideia de que toda a interpretação seria derivada da leitura, característicos em Bal, contribuiriam para esse estado de coisas e para a manutenção da desvalorização do especificamente visual: “Ainda assim, ao discutir obras específicas essa abordagem não convence. Pois ao se concentrar apenas no significado linguístico, tais leituras negam o próprio elemento que torna a imagística visual de todos os tipos distinta dos textos, isto é, sua imediatez sensorial" (MIRZOEFF, 2008, p. 15). Em agosto de 2003 o Journal of Visual Culture publica o conjunto das respostas ao artigo de Bal. Uma delas é a de Mirzoeff, diretamente criticado pela autora. A resposta é breve e nela Mirzoeff se concentra em dois pontos. O primeiro dele diz respeito à pecha de advogar o “essencialismo visual”. Mirzoeff, como podemos ler aqui, não aceita essa acusação: Ninguém jamais propôs um essencialismo visual, a não ser a própria Bal, que tanto o endossa como o propõe. O que deve ser decidido pelas pessoas é se estão interessadas em um formalismo baseado em objetos ou em uma crítica politizada do sujeito visual tal como construído pela modernidade ocidental (MIRZOEFF, 2003, p. 247).

Mirzoeff também insiste em um objetivo importante de seu livro de 1999, a valorização da cultura visual, uma vez que, para ele, a área não era tratada com respeito na academia naquela época: “Fredric Jameson sentia tão fortemente que a maré da cultura visual popular estava sufocando a literatura que declarou: ‘o visual é essencialmente pornográfico’” (MIRZOEFF, 2003, p. 248). No mesmo número do Journal, como fecho da polêmica, foi publicada a resposta de Bal a todas as respostas. Bal torna a criticar Mirzoeff, dessa vez recorrendo a argumentos ad hominem e questionando sua competência enquanto teórico e pesquisador, uma vez que suas posições seriam marcadas, na opinião dela, por um subjetivismo extremo. Na disputa entre Bal e Mirzoeff não houve vencedores. É curioso notar como ambos, de resto, não aceitaram receber o rótulo de “essencialistas visuais”. Ambos pareciam ter medo de serem associados ao velho formalismo, que buscava uma “visualidade pura”, livre da narrativa, livre do texto. Mesmo que as posições quanto às relações entre teoria da arte e teoria literária divirjam radicalmente no âmago dos Estudos Visuais, o impasse entre Bal e Mirzoeff me tenta a reformular aquela já citada frase de Jessica Evans nos seguintes termos: “Não podemos mais pensar na experiência visual como existindo em domínio prélinguístico”.

BIBLIOGRAFIA

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