2014 - Casimiro de Abreu: melancolia, amor e transcendência (As Primaveras)

June 14, 2017 | Autor: Jean Pierre Chauvin | Categoria: Poesia Brasileira, Casimiro de Abreu, As Primaveras
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[CHAUVIN, Jean Pierre. Casimiro de Abreu: melancolia, amor e transcendência. In: ABREU, Casimiro de. As Primaveras. 2a ed. São Paulo: Martin Claret, 2014, pp. 9-15]

Casimiro de Abreu: melancolia, amor e transcendência Jean Pierre Chauvin1 Casimiro José Marques de Abreu (1839 – 1860) foi o terceiro de uma plêiade de poetas conhecidos por aderirem ao chamado ultra-romantismo, durante a chamada segunda fase daquele movimento literário no Brasil. Dentre seus poemas, alguns deles muito populares já em sua época - com ecos em Portugal, inclusive -, “Meus oito anos” está gravado em nossa memória coletiva. Filho bastardo de um comerciante português, o poeta estudou em Nova Friburgo, dos dez aos treze anos. Em 1852, transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde passou a trabalhar comercialmente, sob a forte influência de seu pai. No ano seguinte, ambos seguiram para a Europa: terreno fértil para a precoce carreira de Casimiro, que estreou na literatura como ensaísta e autor da peça Camões e o Jaó - encenada primeiramente em 1856. Em seu regresso ao Brasil, em 1857, o escritor passaria a frequentar assiduamente as rodas literárias, tão em voga em seu tempo. Dois anos depois, consideravelmente conhecido pelos amigos e demais escritores de seu convívio, publicou As primaveras. Segundo Vagner Camilo, “De acordo com o biógrafo do poeta, Nilo Bruzzi,” a popularidade de Casimiro se “deve aos caixeiros-viajantes da época”, que favoreceram a “difusão de sua poesia para fora da Corte, nas províncias mais distantes, inclusive em edições portuguesas não autorizadas.”2 O livro tornou-se bastante conhecido, especialmente nos meses que sucederam a morte de Casimiro. A linguagem espontânea e simples casava-se à temática de muitas faces que chegava da Europa, tomada de empréstimo nas diversas epígrafes que acompanham os versos referidos pelo brasileiro, inclusive.

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Coordenador do curso de Letras na Faculdade de Diadema. Professor na Fatec São Caetano do Sul. Autor de O Alienista: a teoria dos contrastes em Machado de Assis (2005) e de O poder pelo avesso na literatura brasileira: Manuel Antônio de Almeida, Machado de Assis e Lima Barreto (2014). Associado à União Brasileira de Escritores. 2

CAMILO, Vagner. A flauta singela de Casimiro de Abreu. In: ABREU, Casimiro. As primaveras. São Paulo: Ática, 2004.

Na opinião de Fausto Cunha, a subjetividade dos poetas líricos europeus, lidos e assimilados no Brasil, “Atingirá sua culminância com As Primaveras, nas quais por assim se dizer se cristalizou o sentimento poético ultra-romântico: Casimiro de Abreu vinha propor uma linguagem perfeitamente de acordo com o pathos da época (...) de grande maleabilidade, poder de infiltração e virtualidades mnemônicas”. No prefácio à própria obra, datado de 20 de agosto de 1859, o poeta carioca constata com razão: “Meu Deus! Que se há de escrever aos vinte anos, quando a alma conserva ainda um pouco da crença e da virgindade do berço?” Sua afirmação ganha força, pois contém um evidente dado autobiográfico: dos poemas reunidos pelo autor, boa parte havia sido escrita a partir de 1855, quando estava em Lisboa - muitos deles antes dos vinte anos, portanto. Para ampliarmos o entendimento da obra que se vai ler, é oportuno ter em mente a concepção dos homens e autores, entre o final do século XVIII e meados do século XIX. Para Afrânio Coutinho, o “temperamento romântico é uma constante universal, oposta à atitude clássica (...). Enquanto o temperamento clássico se caracteriza pelo primado da razão, do decoro, da contenção, o romântico é exaltado, entusiasta, colorido, emocional e apaixonado.”3 Evidentemente, o ideário romântico prendia-se intimamente a um conjunto de mudanças profundas na sociedade, em geral. Luiz Roncari observa que o movimento “se localiza justamente no ponto de trânsito de um mundo para outro, no momento de consolidação dos valores burgueses dominantes. (...) o Romantismo é crítico desses valores e, como alternativa ou ponto de apoio para o desvendamento da vida mesquinha que se impunha, idealizou um passado, já perdido, onde a vida do homem podia realizar-se mais integralmente.”4 Sobrevivendo entre o comércio e as letras; entre Brasil e Portugal, As primaveras resultaram da seleção de versos compostos pelo poeta em Lisboa, Rio de Janeiro e outras localidades (a exemplo de sua terra natal Indaiaçu, RJ), entre 1855 e 1859. Dividida em três grandes capítulos temáticos, a obra envolve o sentimento de

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COUTINHO, Afrânio. Introdução à literatura no Brasil. 11ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983. Para Antonio Candido: “Em Casimiro, o senso dramático da vida reponta, logo atenuado pela vocação elegíaca e o arrepio sensual. A tristeza, nele, não impede o encantamento da carne; aumenta-o, pelo contrário, como acontece nos temperamentos voluptuosos.” Formação da literatura brasileira: momentos decisivos, Volume 2. 9ª ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 2000. 4

RONCARI, Luiz. Literatura brasileira: dos primeiros cronistas aos últimos românticos. São Paulo: Edusp, 1995.

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saudade da terra natal (exílio) no Livro Primeiro; já as relações amorosas predominam no Livro Segundo, e também no Livro Negro. Nas páginas iniciais, há um poema do autor dedicado a “A***” - anonimato costumeiramente empregado na literatura, especialmente a partir do século XVIII. Afora o tom pessoal que prepondera, não há dúvida de que o poeta se vale dos versos iniciais para adiantar uma concepção romântica comum aos autores de sua época. Ela vem sintetizada na penúltima estrofe: “Creio em Deus, amo a pátria, e em noites lindas/Minh’alma – aberta em flor – sonha contigo.” Em “Minha terra”, escrito em Lisboa no ano de 1856, aparece uma das referências diretas a Gonçalves Dias (1823 – 1864), poeta de geração anterior à sua: “Todos cantam sua terra, / Também vou cantar a minha”. É emblemático que, à medida que o poema avança, o poeta se aproxime historicamente de seu próprio tempo. Isso explica a alusão a Tomás Antônio Gonzaga, em curioso diálogo entre o poeta árcade e o romântico, pelo viés da natureza – tema caro a ambas as escolas: “Quando Dirceu e Marília/Em terníssimos enleios/Se beijavam com ternura/Em celestes devaneios;/Da selva, o vate inspirado,/O sabiá namorado,/Na laranjeira pousado/Soltava ternos gorjeios.” Algo de similar se percebe em “No lar”, poema que combina a saudade da pátria com a “volta a casa paterna” - como percebeu Vagner Camilo, em estudo a respeito da obra.5 A aproximação entre pátria e pai não se restringe à etimologia (pater). O poeta teve a vida cindida pelas obrigações financeiras. Elas tanto o afastavam do fazer poético, quando favoreceram seus estudos e o fato de circular nas rodas sociais. Sob essa perspectiva, vale a pena lembrar que há alguma divergência, por parte dos biógrafos de Casimiro de Abreu, quanto ao grau de domínio supostamente exercido pelo pai do poeta. Conforme Antônio Soares Amora, “Contrariamente ao que fez supor a lenda do atroz desterro de Casimiro, em Portugal, por inflexível imposição de um pai implacável no seu propósito de dar ao filho uma educação comercial – foi em Portugal, ou mais precisamente, em Lisboa, que Casimiro de Abreu encontrou as primeiras oportunidades e recebeu os primeiros estimulantes aplausos para a sua carreira literária.”6 5

Refiro-me à edição de ABREU, Casimiro de. As primaveras. São Paulo: Ática, 2004, contendo a “Apresentação”, mais notas e comentários de Vagner Camilo. 6

AMORA, Antônio Soares. Literatura brasileira - Volume II: o Romantismo. São Paulo: Cultrix, 3ª ed. São Paulo: Cultrix, 1969.

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Para além das constantes referências à pátria e à família, outro tema recorrente em seus versos se refere às escrituras. As diversas menções à Bíblia revelam o forte componente religioso de algumas composições (como se vê na própria denominação “Cânticos”), dentre as quais poderíamos destacar a relação entre o fazer poético, o amor, a crença em Deus e a natureza, evidenciada em “Poesia e amor”: “Toda essa ternura/Que a rica natura/Soletra e murmura/Nos hálitos seus,/Da terra os encantos,/Das noites os prantos,/São hinos, são cantos/Que sobem a Deus!” A combinação entre natureza, Deus e amor comparece em muitos momentos, em As Primaveras. O poema que nomeia a obra dá início ao Livro Segundo sob o mesmo mote. Veja-se: “Deus fita o mundo com celeste afago,/Tremem as folhas e palpita o lago/Da brisa louca aos amorosos frisos.” Mas há espaço para outras e múltiplas abordagens, temas e formatos, muitos deles colados a autênticos manifestos de tom personalista. É o que se percebe na série de poemas que simulam tensos diálogos entre dois amantes. “Cena íntima” reproduz a resposta em versos do poeta aos “queixumes” motivados por “injustos ciúmes” da amada, devido ao fato de o poeta render-se “à chama sublime/Dum olhar!”. A musicalidade dos salões é exemplarmente retratada em “A valsa”, composição em que todos os versos revelam a mesma quantidade de sílabas métricas e ritmo binário. O embate entre os amantes, versificado ao ritmo bem marcado dos ágeis versos dissílabos, feito dança de palavras, confirma-se na alternância entre as vogais médias, abertas e fechadas (e e i), entre vindas e partidas; mágoa e consolação: Quem dera Que sintas As dores De amores Que louco Senti! Quem dera Que sintas!... - Não negues, Não mintas... - Eu vi! Em “Borboleta”, o amor é representado como sentimento multifacetado, alvo da volubilidade. Comparado o primeiro termo (amor), em rima, forma e estatuto com a flor, resta à borboleta (possível alter-ego do jovem poeta?) responder aos

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questionamentos do eu-lírico quanto à sua sede extrema: “um só amor não contenta/E louca quer variar?” No permanente contato com as leituras de Álvares de Azevedo (1831 – 1852), Casimiro faz eco às vozes do já mencionado ultra-romantismo. Por vezes, dá a receita ambígua do amor em poemas que nada devem aos seus predecessores brasileiros, como em “Quando tu choras”: “Oh! nessa idade da paixão lasciva,/Como o prazer, é o chorar preciso:/Mas breve passa – qual a chuva estiva – E quase ao pranto se mistura o riso.” A própria arte poética é colocada em xeque pelos sentimentos, no sugestivo poema “O quê?”: Mas se passa essa quadra, fugitiva, Qual no horizonte solitária vela, Por que cismar na vida e no passado? E de quem são essas saudades? – Dela! Nas páginas finais do livro, deparamo-nos com os belíssimos versos de “No leito”, dedicado a “M***” e antecedido por uma epígrafe de Álvares de Azevedo. Eis a morte, tema tão caro à estética romântica, na luta renhida entre vida – que também é sofrimento, amor, poesia e beleza - versus finitude: A febre me queima a fronte E dos túmulos a aragem Roçou-me a pálida face; Mas no delírio e na febre Sempre teu rosto contemplo, E serena a tua imagem Vela à minha cabeceira, Rodeada de poesia, Tão bela como no dia Em que vi-te vez primeira! Tendo se dedicado tanto ao comércio quanto às letras - pelo viés da crítica, do teatro e da poesia -, Casimiro de Abreu morreu aos vinte e um anos, vitimado pela tuberculose, a exemplo do que também sucedeu a Álvares de Azevedo, um dos poetas de sua predileção. De certo modo, o autor fez de sua poesia uma fonte do ideário e da estética romântica. As primaveras não deixavam de ser igualmente um convite aos leitores a que conhecessem a obra de muitos outros nomes, fossem eles europeus ou brasileiros. Talvez sua luta maior fosse contra o tempo, termo duplamente caro a Casimiro:

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Não era belo, Maria, Aquele tempo de amores, Quando o mundo nos sorria, Quando a terra era só flores Da vida na primavera? - Era!

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