2015. Sobre o fascismo, a ditadura militar e Salazar
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3o * ideias
ensaio
jornaldeletras.sapo.pt * 18 de fevereiro a 3 de março de 2015
O pensamento de Pessoa sobre o fascismo e Salazar Sobre o fascismo, a ditadura militar e Salazar é o título do livro, com textos de Fernando Pessoa sobre aqueles temas, com edição e organização de José Barreto, e a chancela da Tinta da China, que dentro de dias chegará às livrarias. O volume, que se inclui numa coleção pessoana dirigida por Jerónimo Pizarro, inclui muitos inéditos e tem um esclarecedor prefácio do organizador, de que aqui se antecipa parte substancial, assinalando as partes suprimidas. José Barreto, sociólogo, historiador e investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, tem-se dedicado, nos últimos anos, ao estudo autor do Livro do Desassossego e o pensamento político português do século XX José Barrreto Reúnem-se neste volume todos os escritos de Fernando Pessoa que foi possível recensear, entre os ainda numerosos inéditos do espólio do escritor e a obra publicada em vida ou postumamente, versando três temas principais: o fascismo e a figura de Mussolini, a Ditadura Militar portuguesa (1926-1933) e, por fim, Salazar, enquanto ministro das Finanças (1928- 1932) e, depois, líder do governo e do Estado Novo. Pouco numerosas e mais lacónicas são as notas deixadas por Pessoa com referências ao nacional-socialismo ou a Hitler a, bem como à ditadura espanhola do general Primo de Rivera (1923 1930), mas também essas foram incluídas, surgindo em geral associadas ao tema do fascismo italiano. Aos textos em que o autor se ocupa exclusiva ou maioritariamente de qualquer desses temas, juntaram se os restantes escritos em que se lhes refere de passagem, aqui reproduzidos integralmente ou apenas em excertos. Apesar da preocupação de exaustão, não se pode garantir que não existam ainda, no vasto espólio pessoano da Biblioteca Nacional ou fora dele, outros textos ou trechos referentes aos mesmos assuntos. Sendo estes os critérios da compilação, afastou se a hipótese de incluir outros escritos que fornecessem um enquadramento complementar do pensamento político do autor, incluindo os do período anterior a 1923, pelos problemas de seleção e extensão que tal opção levantaria. (.......................................) A razão de ser desta coletânea de escritos pessoanos sobre o fascismo, a Ditadura Militar e Salazar, para além do seu valor intrínseco e da novidade (muitos destes textos são inéditos b), prende se, em boa medida, com a circunstância de o autor ter sido demasiadas vezes rotulado, inclusive em trabalhos académicos, não só de “reacionário” e “adepto convicto” de Salazar, como também de “pré fascista”, “admirador de Mussolini”, apoiante da “forma totalitária”,
“elitista autoritário”, detentor de opiniões “fortemente autoritárias”, etc. Foi o professor, escritor e ensaísta Alfredo Margarido quem mais denodadamente se empenhou numa tentativa de fascistização póstuma do pensamento de Fernando Pessoa. Para isso recorreu a uma argumentação tendente a aproximar as ideias do escritor não só do regime salazarista ou do nacional-sindicalismo de Rolão Preto, mas também do fascismo propriamente dito, de Mussolini e até de Hitler. Nessa intrigante campanha, que se estendeu do início dos anos 70 até meados da década de 80, não se pode dizer que Alfredo Margarido tentasse, como outros, puxar Pessoa para o seu quadrante político, pelo contrário, tratando se de um autor antifascista e de tendência marxista. Num dos numerosos artigos que publicou sobre o tema, declarando embora não ousar classificar Pessoa como fascista, mas taxando o livro Mensagem de “obra de exaltação nacional fascista”, Margarido sustentou que as teses políticas do escritor não o colocavam “muito longe dessa esfera política”. Lançando-se confessadamente numa “extrapolação não documentada”, démarche que neste autor se tornou recorrente, Margarido chegou a sustentar, sem qualquer elemento sério de prova, que o facto de Pessoa ter em 1935 criticado duramente Salazar se deveria à maior proximidade ou simpatia que o poeta sentia pela figura de Mussolini, “cujo verbo e cuja veemência física se aproximam de Hitler, mas se afastam de Salazar”. As teses não documentadas, por vezes delirantes, da campanha de Margarido lograram alguma aceitação entre vários autores, tanto em Portugal como no estrangeiro. A tentação era grande, para alguns autores particularmente interessados nas raízes culturais ou na estética política do fascismo, em figurar Pessoa como um pré fascista ou protofascista - termos que foram aplicados, com critérios variáveis, a escritores europeus seus contemporâneos, como Barrès, Sorel, D’Annunzio, Marinetti, Yeats, Eliot, Kipling, Pound e vários outros, alguns dos quais mais tarde
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caso notório do pequeno artigo acabado “Profecia Italiana”, de Outubro de 1935, foram muito provavelmente vítimas dela, originando as conhecidas queixas de Pessoa, nesse ano, sobre a censura - apesar da exceção flagrante que constituiu a enigmática “distração” dos Serviços de Censura perante o seu artigo “Associações Secretas”. Muito antes disso, a entrevista com um suposto “antifascista italiano” tendo como tema Mussolini e o fascismo - na verdade, uma entrevista inteiramente forjada por Fernando Pessoa e publicada anonimamente a 20 de Novembro de 1926 no diário Sol - esteve plausivelmente na origem do encerramento pela ditadura desse efémero jornal republicano e antifascista para o qual o escritor se tinha desdobrado em diversos tipos de colaboração. Ignorar tais factos
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A partir de 1974 começaram a ser divulgados os poemas satíricos antissalazaristas de Pessoa, que revelavam uma imagem cada vez mais clara do posicionamento crítico de Pessoa em relação tanto ao Estado Novo como ao próprio fascismo, italiano ou genérico
Fernando Pessoa ‘Alguns dos textos aqui reunidos dificilmente teriam encontrado em Portugal, quando foram escritos, quem se arriscasse a publicá-los’
realmente apoiaram ou aderiram ao fascismo. Quando, a partir de 1974, começaram a ser divulgados os poemas satíricos antissalazaristas de Pessoa, seguidos, a partir de 1979, da revelação de diversos textos inéditos críticos de Salazar e do seu regime, cuja publicação tem prosseguido desde então, os defensores da arrumação ideológica de Pessoa como fascizante, simpatizante do Estado Novo ou adepto de doutrinas autoritárias não se deixaram impressionar, antes contra atacaram, como exemplifica o facto de os principais artigos e estudos de Margarido sobre essa matéria datarem de 1975-1986. Contudo, esses inéditos que iam saindo vagarosamente da arca pesso-
ana revelavam uma imagem cada vez mais clara do posicionamento crítico de Pessoa em relação tanto ao Estado Novo (Margarido pretendeu ter havido uma “adesão ao salazarismo” por parte do poeta), como ao próprio fascismo, italiano ou genérico. (.......................................) Alguns dos textos aqui reunidos dificilmente teriam encontrado em Portugal, no período em que foram escritos, quem se prontificasse ou arriscasse a publicá-los. Boa parte deles - como quase tudo o que Pessoa escreveu sobre Salazar e o Estado Novo - jamais poderia ter passado a malha censória, enquanto outros,
(alguns de revelação mais recente, é certo) e sustentar a menor valia ou inautenticidade, em bloco, dos textos políticos deixados inéditos, sob o argumento de que careceriam de “peso político” (Margarido, 1975), releva simplesmente de preconceito ou má fé. E como não considerar o flagrante desmentido do suposto maior peso ou autenticidade dos textos publicados em vida que é proporcionado pelo caso de O Interregno, escrito político exposto na praça pública, mas que Pessoa em 1933 e 1935 privadamente repudiou e deu como “não escrito” ou “não existente”? Logo no ano da sua publicação, recorde se, O Interregno fora incluído por Pessoa num grupo de obras “apenas aproximadamente existentes” (Pessoa, 1928). Pessoa nunca estudou nem analisou de forma aprofundada o fascismo - termo que na época em que viveu, volte a sublinhar se, se referia predominantemente ao regime de Mussolini, ao fascismo italiano e, acessoriamente, a diversos movimentos políticos que ele internacionalmente inspirou e que dessa inspiração se reclamaram. Aparentemente, Pessoa dispunha quase só de informação jornalística
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ensaio, crónica
18 de fevereiro a 3 de março de 2015 * jornaldeletras.sapo.pt
sobre o fascismo italiano - além da imprensa portuguesa, certamente também a inglesa e francesa a que tinha acesso, o que já não era pouco. Nenhuma obra sobre o fascismo ou de autor fascista se encontra no que chegou a nós da biblioteca particular do escritor. Diga se, no entanto, que no Portugal seu contemporâneo também ninguém estudou propriamente o fascismo e poucos autores teriam melhores e mais completas fontes de informação do que Pessoa. De produção nacional, para além dos meros trabalhos jornalísticos, de alguns relatos de viagens, dos artigos de opinião de alguns tribunos políticos (como Raul Proença, na Seara Nova, e Francisco da Cunha Leal, nos seus cadernos do exílio a) e da apologia dos regimes autoritários feita por personagens como Homem Cristo Filho e Rolão Preto ou figuras ligadas à Cruzada Nun’Álvares, como Filomeno da Câmara e Martinho Nobre de Melo, quase nada se publicou então em Portugal sobre o fascismo que merecesse a designação rigorosa de análise séria e documentada. Após a instauração da Ditadura Militar a 28 de Maio de 1926, o filtro da censura institucionalizada, crescentemente apertado, também contribuiu para esse panorama desolador. A mordaça censória em torno do tema do fascismo refletia as afinidades existentes entre os governos “nacionalistas” ou “de autoridade” português e italiano, bem como o reforço que se verificou, a partir de então, das relações diplomáticas de Portugal com a Itália fascista. Escrever criticamente sobre o fascismo, nestas condições, seria não só criar atritos com a representação diplomática de um país amigo, como uma forma de pretender atacar, por via italiana, a própria ditadura portuguesa, algo a que a censura estava muito atenta. Fernando Pessoa foi, antes de mais, um poeta e prosador, um assumido artista literário, mas também, ao mesmo tempo, um prolixo escritor de veia ensaísta, um pensador singular de interesses multifacetados. Se, em vida, poucos escritos deste Pessoa ensaísta ou pensador viram a luz do dia, sabemos hoje que deixou impublicadas muitas centenas de páginas sobre temas de política, sociologia, psicologia, religião, história e filosofia, áreas em que pretendia refletir com a exigência crítica de um “raciocinador” meticuloso e o distanciamento de um homem de ciência, embora não poucas vezes imbricasse o discurso racionalizante com o discurso visionário, como acontece flagrantemente em O Interregno. As reflexões, análises e teses que legou à posteridade, muitas vezes apenas esboçadas, fragmentárias e fazendo ressaltar o autodidatismo de um intelectual que ganhava a vida com o trabalho diário de correspondente comercial e tradutor, revelam, porém, raras qualidades de independência, erudição e originalidade no panorama português da sua época. Naturalmente, também o aspeto puramente literário de vários dos escritos aqui reunidos é de salientar. J
A PAIXÃO DAS IDEIAS
IdeIas * 31
Guilherme d’Oliveira martins
Um sonho de pirandello (ou talvez não)
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não poder perder aquela oportunidade, mas sente-se constrangido. E é relato da viagem a Portugal, em setembro de Pirandello que começa: “Estou a gostar muito de Portugal. Lembra-me 1931, do escritor de Seis personagens à procura um pouco a Sicília. Tenho pena de não assistir aos festejos populares, mas de um autor dá-nos um curioso retrato do estou, na verdade fatigado. A viagem foi muito longa”. País, longe das considerações vulgares. Eis o Confessa dormir pouco, quatro a cinco horas por noite, levantar-se motivo de Com um sonho na bagagem - Uma muito cedo, e estar normalmente recolhido àquela hora… Fala de uma viagem de Pirandello a Portugal, de Maria José viagem prevista aos Estados Unidos, para representar algumas peças inéde Lancastre. O livro é precioso. Estamos entre ditas, e para filmar Seis personagens. Certificando-se de que o interlocutor guerras, sentem-se os ecos de uma crise econão é do mesmo ofício, fala da crise geral dos autores… É certo que há nómica grave, Salazar prepara-se para deixar muitos concorrentes aos concursos em França, mas a qualidade é baixa. de ser apenas ministro das Finanças, António Ferro desdobra-se para dar Valéry não é poeta, os seus versos têm uma profundidade artificial. Elogia uma imagem arejada da nova situação… Stève Passeur e Crommelynk. Marcel Pagnol é um caso de sorte. Jean Luigi Pirandello (1867-1936) é hóspede de honra no V Congresso da Cocteau tem algumas habilidades curiosas. E não regateia elogios a André Crítica Dramática e Musical, a que George Bernard Shaw não compaMaurois - sentindo-se rendido à literatura russa: “As obras de Dostoievsky rece. O tema dos debates respeita (para nossa surpresa) à liberdade de e de Tolstoi são eternas. Também admiro Pushkin como precursor destes opinião e à independência crítica. Sentem-se as contradições de um génios, dos quais o último foi Tchekhov. Se não tivesse morrido tão cedo tempo de paradoxos. Ferro é o encenador da iniciativa num tempo em era hoje um dos primeiros dramaturgos do nosso tempo…”. No ensaque parecia haver a ilusão de que a normalidade poderia ser recuísmo, entusiasma-se com Ortega y Gasset e Eugénio d’Ors e considera perada sem sobressaltos. No entanto, no horizonte todas as nuvens Unamuno “respeitável”. Bernard Shaw é um génio, um grande espírito. negras se acastelavam, abrindo caminho à barbárie… Para o Congresso, E Keyserling um “bluff”… Neste ponto, como numa encenação, o táxi Pirandello traz na bagagem Sonho (mas talvez não), que irá servir de chega. Há uma breve correção de rota e Queirós remata: “Desculpe-me, pretexto para a autora recordar O Marinheiro, de Pessoa, publicado no Mestre, se o fatiguei… - Nada. As perguntas não foram indiscretas…”. primeiro número de Orpheu. Maria José de Lancastre fala-nos da receção que teve Pirandello. Delicioso é o relato feito pelo jovem poeta Carlos Queirós (aqui na pele Lembra o futuro papel fundamental de Gino Saviotti, recorda as revisde jornalista) da conversa que tem com Pirandello, numa viagem de táxi tas Seara Nova e Presença, como janelas abertas para o debate cultural entre os Restauradores e o Hotel Palácio do Estoril. O Mestre estava fatigaeuropeu. José Régio ou Eduardo Scarlatti (num laboratório de alquimistas) do e escusara-se a seguir para Alfama até à festa popular organizada por compreendem bem as modernas tendências. Pirandello traz a Lisboa Ferro. Tinham acabado (sem especial entusiasmo) de ver o filme de Leitão de Barros A Severa, antecedido pela exibição do documentário Douro Faina Sogno (ma forse no) e a verdade é que há um certo público culto (não os idiotas!) em condições de perceber que, na peça do italiano, não é a realiFluvial, do jovem Manoel de Oliveira, mal recebido pelo público, para dade que imita o sonho, mas o sonho do protagoestupefação do dramaturgo italiano... nista que produz a realidade. Na primeira parte da Carlos Queirós conta, com humor e inteligêncomédia, o cérebro goza da privilegiada condição cia, o ocorrido: “No Central, durante a exibição da liberdade, ditada pelo sonho, e torna-se uma do filme Douro - que o crítico francês Vuillermoz espécie de oficina de onde sai um produto real. “O declarou ter sido, como realização, a estreia mais colar de pérolas que no final a protagonista recebe auspiciosa que tinha visto - alguns espectadores, Este pequeno precioso livro da mão do criado não é portanto uma espécie de com uma lamentável incompreensão, ameaçaram está pleno de pistas essencoincidência milagrosa”. É um sonho às avessas. patear. Pirandello, inclinando-se para trás, perE o tema era conhecido. Já Pessoa o tratara guntou a um dos portugueses que o acompanhaciais para a compreensão do em O Marinheiro, publicado no número um de vam no camarote: ‘Porque estão a bater com os curioso encontro imaginário Orpheu. Robert Bréchon fala do “espetáculo de pés? - Porque não gostam. - Mas o filme é muito um espaço não situado, de um não lugar, lugar bom! - É verdade, mas não gostam… E Pirandello, de Pirandello e de Pessoa, psíquico mais do que terreno, como se estivéscom ar de quem acaba de reconhecer uma classe talvez chave enigmática de semos no interior de um cérebro”. Ora, como (talvez a lembrar-se do que aconteceu a algumas sabemos, O Marinheiro é um sonho no sonho. das suas melhores peças): - Ah! São os idiotas!...”. quem somos Três veladoras acompanham uma quarta donEstava tudo dito. zela, exortando-se a confiar umas às outras os Sabemos que Oliveira estava suficientemente próprios sonhos. Mas, de facto, elas são sonhos, seguro de si, inspirado por Walter Ruttmann, destinados a dissolver-se no momento em que e agora contava com o veredicto absoluto de acordar quem as sonha. Pirandello. José Régio disse de Douro, na Presença: Ao sonhar, o Marinheiro evade-se do sonho, “Realizado num mínimo de condições favoráveis, dissolve-se e faz dissolver aquelas que, ao sonháé, além duma surpresa e duma audácia, um milalo, o fizeram sonhar. E António Tabucchi dissegre de apaixonada persistência”; e Adolfo Casais nos, com a sua lucidez conhecida, que assim Monteiro foi perentório: o filme “inaugurava em a charada pôde solucionar-se: “O Marinheiro Portugal uma nova época”. resolveu o mistério e alcançou a dimensão da sua Mas retornemos à viagem para o Estoril. pátria, seja ela um arquétipo inconsciente, uma António Ferro pede a Carlos Queirós que acomdimensão ‘outra’ ou o Nada, que talvez seja para panhe o Mestre: “Disse que sim. Pirandello Pessoa a pátria mais idónea aos sonhos que nós classificou-me de muito amável, chamámos um › Maria José de Lancastre somos”. Este pequeno precioso livro está pleno táxi, e um minuto depois partimos a caminho do CoM uM sonho na de pistas (impossíveis de aqui resumir), essenEstoril. (…) O Mestre sentou-se à minha direita, bagageM - uMa viageM de ciais para a compreensão do curioso encontro pediu ao chauffeur para apagar a luz, enterrou as PirandeLLo a PortugaL imaginário de Pirandello e de Pessoa, talvez chave mãos nas algibeiras e a pera na gola do sobretuD. Quixote, 184 pp., 17, 90 euros enigmática de quem somos… J do e… ficou-se”. Carlos Queirós hesita, pensa
“
Periodicidade: Semanal
Temática:
Lazer
Expresso
Classe:
Informação Geral
Dimensão:
1037
21022015
Âmbito:
Nacional
Imagem:
S/Cor
Tiragem:
131300
Página (s):
72
E
O nosso melhor poeta não era fascista
Pessoaerafascista Ou pelo
os seus instintos pessoais eram
claramente democráticos ou pelo
menos apoiante do Estado Novo e de Salazar
Durante
menos liberais como se veria a
décadas muita gente pensou que sim e ainda há quem pense Mas vejamos a evidência Em 1932 ou 1933 escreve
partir do momento em que o Estado começou a portar se como ditadura também do pensamento proibindo a maçonaria e impondo diretrizes
O Prof Salazar
é um contabilista A profissão é eminentemente necessária e digna Não é porém profissão que tenha implícitas diretivas Um país tem
Ditadura
De onde então a fama de Pessoa como fascista Em parte do
poema nacionalista Mensagem mas sobretudo de um panfleto que publicou em 1928 O Interregno — Defesa e Justificação da Militar em Portugal Nesse texto que conforme nota José Barreto saiu dois anos após a implantação
que governar se com contabilidade não pode governar se por contabilidade E conclui aludindo à tomada de poder pelo ministro das Finanças Assistimos à cesarização de um contabilista
é esperar
ao artistas e homens da cultura
Noutro trecho
mais ou menos da mesma altura disse O Sr Oliveira Salazar é sem
da ditadura Pessoa fundamenta a na necessidade de manter a ordem
dúvida mais alguma coisa que um financeiro Infelizmente o que ele é
pública mas também — e isto vital — no próprio facto de que fosse temporária ou seja
mais é católico e de todas as coisas
estranhas a uma especialidade uma religião fechada dogmática e intolerante é a pior para corrigir os defeitos da especialização pela simples razão que não os corrige Antes os reforça e alarga dando lhes
destinada a existir unicamente até
se poder estabelecer em Portugal um constitucionalismo que fosse sustentável que levasse em conta as peculiaridades mentais portuguesas O contraste entre Portugal e a Inglaterra várias
uma base espiritual que os radica Isto é dito sobre um político cuja clareza de expressão e firmeza de vontade Pessoa elogiara durante anos por serem qualidades raras em Portugal A clareza ele acabará por perceber que afinal
vezes referido também seria mais
tarde usado por Salazar como
argumento para fazer o que fazia as
conclusões é que eram diferentes
das de Pessoa E pode dizer se que
súmula autobiográfica de 1935 Conservador do estilo inglês isto é liberal dentro do conservatismo e
o poeta só encontrou realmente a sua voz política no famoso texto Associações Secretas publicado no Diário de Lisboa onde criticou um projeto de lei que visava proibir a maçonaria Longo e fulgurante é uma das melhores polémicas jamais publicadas na imprensa portuguesa tendo gerado um escândalo que o pôs sob o olho das autoridades Mas a censura no fundo já o
absolutamente anti reaccionário
tinha morto como escritor E ele
Tudo posições que não se estranham
reconhecia o
não era assim tão clara e ia a
par com uma personalidade de
manipulador ávido de poder
Inteligente sem maleabilidade religioso sem espiritualidade asceta sem misticismo este homem é
bem o produto de uma fusão de estreitezas a alma campestremente sórdida do camponês de Santa Comba apenas se dilatou em pequenez pela educação do seminário por todo o inumanismo livresco de Coimbra escreve Pessoa em 1935 quando Salazar já tinha assumido a presidência do Governo há três anos É um materialista católico um ateu nato que respeita a Virgem Pessoa morreu em novembro desse
—
ano e estes textos como outros que vão no mesmo sentido obviamente
não foram publicados na altura Após o 25 de Abril alguns deles passaram a estar acessíveis Esboços satíricos em verso em especial O Poema de Amor em Estado Novo
Tens o olhar misterioso Com
se
um jeito nevoento duvidoso
Indeciso
Minha Maria Francisca
que existe uma ideologia política coerente Ele define a numa
Meu amor meu orçamento
eram
conhecidos há bastante tempo mas por si mesmos não definem um pensamento político Só com o presente volume que reúne
em alguém com a formação de
todos os textos localizados de
na maioridade Pessoa viveu
Pessoa sobre o assunto se obtém
todas as crises que acabariam por
finalmente uma visão de conjunto Apesar de algumas contradições assinaladas pelo responsável pela edição o professor José Barreto nomeadamente em relação a textos originalmente em inglês e francês que se presumem destinados a revistas estrangeiras e onde Pessoa soa mais compreensivo em relação ao regime do que nos textos em
português
— pode afirmar
Pessoa português criado e educado num país de língua inglesa Regressado a Portugal à entrada
desembocar na ditadura militar
o fim da monarquia o caos da primeira República a I Guerra Mundial o assassínio de Sidónio
Pais a ditadurajna prática do
Partido Democrático Apesar de perfilhar aquilo a que chamava um
nacionalismo místico
de onde seja
abolida toda infiltração católico
romana
e de manifestar pouca
estima pelos instintos populares
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