2016_A PRODUÇÃO E O USO DE HISTÓRIAS EM QUADRINHOS COMO RECURSO DIDÁTICO PROBLEMATIZADOR PARA O ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA

May 28, 2017 | Autor: A. Franco da Rocha | Categoria: Education, Educational Technology, Teacher Education, Science Education, Critical Pedagogy, Educational Research, Social Problems, Creative Problem Solving, Comics Studies, Comic Book Studies, Problem solving (Education), Critical Thinking, Paulo Freire, Problem solving (Cognitive Psychology), Comics, Problem Based Learning, Critical Thinking and Creativity, Problem-Based Learning, Theory of Comics, Problem Solving, Educación, Pedagogía Crítica, Educação, Histórias em Quadrinhos (HQ's, Comic Books, Mangás), Produção De Material Didático, Educação científica e tecnológica, Comics in Science Education, Ensino De Ciências, Defining Problem, Ensino de Biologia, Ensino De Ciências E Biologia, Diseño de material didáctico, Comics in School, Aprendizagem Significativa, Science and Comics, Educacion, Histórias Em Quadrinhos, Produção de Materiais didácticos, Educational Research, Social Problems, Creative Problem Solving, Comics Studies, Comic Book Studies, Problem solving (Education), Critical Thinking, Paulo Freire, Problem solving (Cognitive Psychology), Comics, Problem Based Learning, Critical Thinking and Creativity, Problem-Based Learning, Theory of Comics, Problem Solving, Educación, Pedagogía Crítica, Educação, Histórias em Quadrinhos (HQ's, Comic Books, Mangás), Produção De Material Didático, Educação científica e tecnológica, Comics in Science Education, Ensino De Ciências, Defining Problem, Ensino de Biologia, Ensino De Ciências E Biologia, Diseño de material didáctico, Comics in School, Aprendizagem Significativa, Science and Comics, Educacion, Histórias Em Quadrinhos, Produção de Materiais didácticos
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A PRODUÇÃO E O USO DE HISTÓRIAS EM QUADRINHOS COMO RECURSO DIDÁTICO PROBLEMATIZADOR PARA O ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA André Luís Franco da Rocha (Doutorando - PPGECT1 /UFSC/ CAPES)

Resumo: Este trabalho tem por objetivo principal propor e discutir a produção e o uso de Histórias em Quadrinhos (HQs) como um processo de codificação-problematizaçãodescodificação da realidade existencial da comunidade escolar local, de forma a explorar pedagogicamente processos de superação, tanto de concepções, quanto de práticas culturais restritivas e desumanizadoras. Desta forma espera-se que através da análise crítica das HQs produzidas a partir da realidade local, o professor de Ciências e/ou Biologia possa proporcionar um movimento conscientizador dos alunos frente às suas visões de mundo e aos fenômenos naturais, possibilitando a aprendizagem significativa e a busca pela transformação social da realidade. Palavras-chave: Histórias em Quadrinhos; Educação problematizadora; Ensino de Ciências e Biologia Introdução Desde períodos pré-linguísticos e em sistemas produtivos diversos, o uso da imagem pode ser concebida como expressão simbólica humana e, por isso, não neutra e históricocultural, que circula nos mais diversos contextos sociais. Assim sendo, o uso da iconografia como uma forma de construção simbólica e comunicativa acompanhou todo o processo histórico de desenvolvimento humano, sendo determinante tanto para a manipulação, quanto para a luta social em sociedades antigas e atuais. De acordo com Jarcem (2007), as primeiras histórias em quadrinhos (HQs) de origem popular datam do início do século XX, sendo confeccionada inicialmente com o intuito de inovar os meios de comunicação, expressão gráfica e visual entre desenhistas e artistas da época. Com os avanços do sistema produtivo burguês e a ascensão tecnológica da imprensa, as HQs se popularizaram como um produto de 1

Programa de pós Graduação em Educação científica e tecnológica

consumo do mercado editorial, tornando-se assim, um importante meio de comunicação de massas associando a linguagem imagética – mais democrática nas camadas sociais populares – à linguagem escrita. A popularização das HQs como veículo de comunicação contribuiu para a sua gradual utilização nas salas de aula. Nesse sentido, Pizarro (2009) aponta que as HQs, como outros veículos de comunicação de massa, destacam-se pela grande variedade de conceitos e conteúdos que, embora não tenham a pretensão de serem textos escolares, podem contribuir de maneira significativa para o processo de ensino-aprendizagem. É com esse objetivo que este artigo busca propor uma reflexão teórico-metodológica a partir da educação crítico libertadora de Paulo Freire. São então levantados, critérios gerais para a produção e uso das HQs

no

ensino

de Ciências e Biologia,

associando

o

processo

de codificação-

problematização-descodificação das problemáticas inerentes à realidade escolar local em direção à produção de conhecimentos (FREIRE, 2005, 2007, 2011) que auxiliem tanto a compreensão dos fenômenos biológicos, quanto a mobilização de alunos e professores para a transformação social. As HQs, Ciências e a sala de aula Atualmente há uma avalanche de informações visuais que tendem a suscitar certa passividade quanto à reflexão crítica sobre as mensagens expressas por via imagética (KLEINT, LABURÚ, 2009). Segundo Brezemer e Kress (2008) o uso crescente de imagens, mesmo dentro da escola, ameaça as habilidades de alfabetização e leva inevitavelmente a um empobrecimento intelectual não somente dos livros didáticos, mas de toda a cultura. A partir da produção e disseminação de recursos imagéticos é que se faz necessário compreender como as imagens comunicam e transmitem mensagens (SILVA, 2006) a fim de evitar seu esvaziamento de sentido e suas possibilidades de ação. De acordo com Vilén Flusser (2002), as imagens são superfícies que pretendem representar algo. São códigos que traduzem eventos em situações e processos em cenas, tendo a função de mediar o homem no mundo, pois buscam representar a materialidade em que estes vivem. Portanto, a imagem se torna um signo (PEIRCE, 2005) na medida em que a compreensão dela se dá a partir de uma convenção intersubjetiva, histórica e sociocultural sobre o real (KLEINT, LABURÚ, 2009). Parece ser unânime a idéia de que as imagens como qualquer forma de linguagem não são imediatamente transparentes e, portanto, durante a produção do conhecimento, as mesmas precisam ser explicitamente trabalhadas para orientar a compreensão da representação e sua relação com a realidade (SILVA, 2006). Ao relacionar

a leitura imagética ao ensino de ciências, principalmente associado à leitura da palavra nas HQs, devemos considerar a importância de se compreender o uso e a produção desses signos na construção crítica de uma leitura de mundo, não neutra, histórica e social (ANDRETA, et al. 2010). No Brasil, apesar de sofrer críticas advindas das ideologias mercadológicas implícitas nesses materiais, as HQs comerciais podem apresentar uma estreita relação contextual entre o ambiente escolar e a comunidade local (SILVA, 1984, apud. PIZARRO; LOPES JUNIOR, 2009). A partir disso, muitos educadores puderam refletir sobre as potencialidades das HQs e as implicações de seu uso em sala de aula, pois o material permite a “transmissão” de mensagens de forma agradável e prazerosa ao leitor, principalmente ao público infantojuvenil (PIZARRO, 2009). Além de servirem como um recurso lúdico, atraente e motivador (VERGUEIRO, 2004), essas histórias compõem parte do cotidiano dos discentes e, com isso, podem

contribuir

para

o

processo

de

ensino-aprendizagem

em

uma

perspectiva

contextualizadora2 (PIZARRO, 2009). Desta forma, deve-se levar em consideração que, inicialmente, têm-se como proposta que as HQs abordem eventos do cotidiano ou do imaginário popular e que não necessariamente estejam articuladas aos conhecimentos científicos, voltados à aprendizagem de conteúdos relacionados à disciplina escolar de Ciências Naturais. Muito embora, de acordo com Rito (2003), em algumas histórias pode-se observar temáticas correspondentes ao currículo de Ciências, o que amplia a possibilidade de discussões a respeito da articulação entre os conhecimentos científicos e populares em sala de aula (PIZARRO, 2009). Por isso, a autora chama a atenção para a necessidade de se elaborar metodologias de ensino por meio de HQs e averiguar o grau de sua eficácia através de diversos procedimentos avaliativos. Nessa lógica, Kamel e La Rocque (2006) buscaram averiguar como as HQs comerciais são trabalhadas nos Livros didáticos (LD) de Ciências. De acordo com as autoras as coleções de LD, em geral, utilizam as HQs com o intuito de enriquecer e diversificar o material didático, buscando trazer o contexto sociocultural dos estudantes em sala de aula (KAMEL, e 2

Ao contextualizar, o professor busca criar pontes entre o contexto do sujeito e o conhecimento científico, buscando ampliar os subsunçores para uma aprendizagem significativa do conteúdo escolar (MOREIRA, 2006). Diferentemente, a problematização de caráter libertador busca estabelecer um diálogo investigativo entre educador e educando, evidenciando as contradições materiais e ideológicas em sua vida concreta, bem como no objeto de estudo, ampliando a consciência em direção a uma compreensão mais ampla do mundo. Um mundo que é transformável pela natureza humana. Assim, o conhecimento científico transposto pedagogicamente ao conteúdo escolar não é o objetivo central, nem tão pouco algo a ser transmitido, mas u m instrumento construído a partir da leitura crítica e concreta do mundo de sujeitos que se colocam em direção à possibilidade de transformação da realidade opressora vivenciada em sua comunidade (FREIRE, 2005).

LA ROCQUE, 2006). Contudo, embora os LD sigam as propostas dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), as HQs postas neles não seguem as mesmas orientações, uma vez que seu uso está restritivamente associado a uma estratégia de facilitar a articulação entre a atividade de sala e o conteúdo escolar tradicional. Contraditoriamente, Gonçalves e Machado (2005), ao discutir o uso de HQs comerciais como recursos didáticos, apontam muitos erros conceituais presentes nos materiais. Essa afirmação pode ser explicada uma vez que as histórias comerciais normalmente não são produzidas por cientistas ou por professores e, por isso, não possuem como objetivo central a apreensão ou divulgação dos produtos da ciência, pois focam na curiosidade objetivando o entretenimento. Entretanto, do ponto de vista pedagógico, para as autoras, estas HQs não precisariam ser necessariamente descartadas pelos docentes. Se esses concebessem os erros conceituais presentes no material, como alvos de discussão, ainda assim poderiam permitir o pensamento reflexivo e questionador. Desta forma fica clara a necessidade de mediação que o professor deve estabelecer entre o aluno, o material e o conhecimento proposto no currículo de Ciências e Biologia, principalmente em materiais cuja origem e objetivo não são pedagógicos. Essa lógica mediadora do conhecimento apontada pelos autores que defendem o uso das HQs em sala de aula segue os pressupostos apontados pelos PCN. De acordo com o documento, “É o professor quem tem condições de orientar o caminhar do aluno, criando situações interessantes e significativas, fornecendo informações que permitam a reelaboração e a ampliação dos conhecimentos prévios, propondo articulações entre os conceitos construídos, para organizá-los em um corpo de conhecimentos sistematizados.” (BRASIL, 1997, p. 28).

Fazendo um balanço geral dos trabalhos que discutem o uso de HQs no Ensino de, mais precisamente no uso de HQs comerciais, Pizarro (2009) aponta que, de forma geral, o pensamento pedagógico sobre o uso do material centraliza-se no conteúdo, cujo objetivo focaria na transmissão lúdica e memorística dos conceitos de Ciências e Biologia. Da maneira como é posta pela autora, essa concepção conteudista e transmissiva se aproxima muito de uma visão bancária de educação (FREIRE, 2005). Isso, de certa forma, nega os atuais estudos providos da psicologia da aprendizagem, os quais indicam a construção dos conhecimentos escolares de forma comunicativa junto aos alunos, partindo de diversas estratégias de ensino em direção a uma aprendizagem significativa (MOREIRA, 2006). De acordo com Moreira (2006), “O processo de ensino-aprendizagem envolve apresentação, recepção, negociação e compartilhamento de significados” (p. 13). Assim

sendo, com base nessa ideia, é necessário que as condições para ocorrer uma aprendizagem significativa estejam alicerçadas em dois pressupostos. O primeiro estaria na pré-disposição do sujeito para aprender, no sentido da intencionalidade de transformar em psicológico o significado lógico dos materiais pedagógicos (TAVARES, 2006). O segundo estaria na potencialidade significativa dos materiais, ou seja, materiais que devido a características específicas seriam em si significativos. Para tanto, esses precisam possibilitar a articulação de seu conteúdo aos subsunçores específicos nos alunos (MOREIRA, 2006). Para que a aprendizagem seja de fato significativa, devemos compreender como o ser cognoscente constrói seu conhecimento de forma comunicativa e dialógica frente ao objeto cognoscível (FREIRE, 2011). Logo, entende-se que o conteúdo torna-se mais significativo ao discente na medida em que o objeto de estudo está associado, e não reduzido, à vida concreta do aluno, instrumentalizando-o a partir dos conhecimentos universais na análise e na busca pela transformação de sua realidade (FREIRE, 2005). Pois, O saber escolar é entendido como o conjunto dos conhecimentos relacionados entre os bens culturais disponíveis enquanto patrimônio coletivo da sociedade, em função de seus efeitos formativos e instrumentais. Longe de ser caracterizado como conjunto de informações a ser depositado na cabeça do alu no, o saber escolar constitui-se em elemento de elevação cultural, base para a inserção crítica do aluno na prática social da vida. (LIBANEO, 1987, p.13 apud. DELIZOICOV, 1991, p.155).

A partir desta perspectiva, do ponto de vista didático e pedagógico, o uso de HQs comerciais é limitado devido a sua potencialidade significativa ser condicionada às temáticas, narrativas e textos imagéticos e escritos postos no material de forma a apenas entreter e distantes de uma relação clara entre o sujeito, a realidade concreta e os bens culturais da humanidade. Há um descompasso entre a narrativa do material, seus recursos e o contexto local dos alunos. É por isso que se faz necessária ao professor que acha profícua a linguagem das HQs no ensino de Ciências e Biologia, uma reflexão pedagógica sobre o conteúdo e o formato do material, bem como uma objetivação dos motivos pedagógicos que o levam a usar tal elemento em sala de aula. Essa reflexão se faz essencial aos professores que buscam ir além da memorização mecânica e conceitual travestida de ludicidade, de forma que, a partir do uso de HQs, possam animar e mediar-se na tríade material-conhecimento-aluno em direção à análise crítica e à aprendizagem significativa dos fenômenos naturais e sociais representados nela. Desta forma, a aprendizagem conceitual se configura como elemento essencial ao processo de transformação social. Fugindo à lógica restritiva do uso pedagógico de quadrinhos comerciais para o ensino de, Testoni (2006) avança para a necessidade tanto da produção quanto para o uso mediado e

não transmissivo desse tipo de material. Portanto, fica evidente que sem o uso da mediação e da comunicação, o estudante talvez não consiga por si só atribuir significados culturais diversos às histórias e tampouco relacioná-las ao conteúdo escolar em questão (KAMEL, LA ROCQUE, 2006; PIZARRO, 2009). Assim, podemos observar que a simples existência de HQs em sala não é capaz de proporcionar um processo de ensino-aprendizagem significativo, mas o uso deste material como a representação de uma situação problema permite aos professores utilizá-los como gerador de discussão (PIZARRO, 2009) e criticidade (FREIRE, 2005). Sendo assim, a produção e não só o uso de HQs por professores se faz essencial para estabelecer essa forma de linguagem contextualizada na escola, bem como possibilitar, a partir desta e por esta, a análise crítica, criativa e transformadora da realidade escolar e de seu entorno. Proposta de abordagem crítico-transformadora das HQs É preciso ficar claro que a perspectiva crítico transformadora se pretende à transformação coletiva e democrática da realidade, pois esta apresenta-se ao ser humano inconcluso de forma complexa e problemática. A realidade se estabelece a partir de um conjunto objetivo de contradições que movem o ser humano e o condicionam na constituição de sua história, cultura e humanidade. O ser humano, diferentemente dos demais animais, não está determinado pela natureza, mas condicionado por ela. Por isso é um sujeito consciente de sua história, que é feita na busca transformadora do presente a partir de um passado condicionante em direção a um futuro enquanto possibilidade. Desta forma, além de apenas viver, é capaz de produzir sua existência. E, para tanto, é preciso que o ser humano, enquanto sujeito, produza sentido sobre si no e com o mundo. Um sentido e busca que permanentemente vão em direção ao ser mais (FREIRE, 2005). Entretanto, devido às intencionalidades e às diversas formas de dominação oriundas de um conservadorismo ao sistema produtivo contemporâneo, as contradições da vida concreta são

ideologicamente ocultas,

impedindo

o

desenvolvimento

humano

enquanto

busca,

uniformizando autoritariamente a diversidade de sentidos e significados produzidos sobre a realidade. Constituem-se então as situações-limite, formas de consciência e de atuação simplista e limitada, que são determinadas pelas intencionalidades do capital e seus detentores.

Desta

forma,

os

indivíduos

se

encontram aderidos

a

tais

situações,

impossibilitados de separar-se delas, mesmo que estas os neguem enquanto sujeito. O sujeito perde então a sua capacidade criativa de produzir sentidos e agir diversificadamente, estando sob o controle de uma ideologia dominante reprodutora da realidade. Daí que a preocupação

básica dos educadores populares deva centrar-se na produção de um conhecimento que desvele e retome a potencialidade humana de criação e transformação da realidade, a fim de empoderar o sujeito oprimido para uma consciência existencial democrática e ativa da vida humana. Para tanto, inspirados nos pressupostos crítico libertadores de Paulo Freire, a educação não se separa do ato ético e político e, da mesma forma, o ensino não se aparta da pesquisa. É por isso que a partir da Abordagem Temática Freireana (ATF) os educadores precisam desvelar dialogicamente junto a seus alunos e comunidade escolar, os significados ocultos e as contradições presentes em seu contexto de atuação (FREIRE, 2005). Pode-se sintetizar a ATF a partir dos processos de Codificação-Problematização-Descodificação que buscam resgatar, a partir da conscientização, a autonomia frente à ação e à reflexão dos sujeitos (FREIRE, 2011). Desta forma, é possível estabelecer as HQs tanto em sua produção, correspondente ao processo de codificação, quanto em seu uso, referente tanto à problematização, quanto à descodificação da realidade velada, ampliando a potencialidade do material para além da contextualização motivacional, em direção ao papel problematizador desta representação simbólica em sala de aula. Para Freire (2011) as codificações pedagógicas são representações de situações existenciais concretas da vida cotidiana, pedagogicamente orientadas para a educação popular. Revelam-se como síntese das situações-problema veladas pela ideologia da dominação e apresentam-se por temas. Elementos que necessitam de um amplo espectro de conhecimentos para seu desvelar comunicativo e colaborativo. Para constituí-los é necessário um processo investigativo denominado Investigação Temática, em que todos os educadores populares, nas mais diversas áreas e campos disciplinares presentes na Escola atuam. Nela incorrem os processos de busca e redução temática. De forma geral, a primeira realiza um levantamento das situações-limite junto ao coletivo de educadores populares, a comunidade e a escola na busca de temáticas geradoras. A segunda, por sua vez, traça uma série de conhecimentos disciplinares escolhidos a partir das temáticas que envolvem os fenômenos sociais e naturais, organizando-os em um currículo próprio às necessidades formativas postas pela realidade social e objetiva de ensino presente na unidade educativa. É nesse ponto que a produção de HQs pode sintetizar temáticas relevantes à comunidade. Os professores munidos das temáticas e da organização curricular podem estabelecer um vínculo entre a situação existencial e os conhecimentos disciplinares na produção de HQs localmente concebidos. Material este que pode ser o objeto simbólico da problematização

e

da

descodificação

da

realidade-problema

dando

direcionamentos

pedagógicos para tais processos. É importante que na produção do material, as HQs sejam locais e abertas, ou seja, que expressem uma situação significativa local e sem um final definido a priori na narrativa. Pois, ao pretender retomar o processo de busca humanizadora, que não pode prescindir da opção ética do sujeito frente à realidade concreta, estabelecer um fim eliminaria a participação ativa dos sujeitos no exercício ético de ações humanizadoras sobre as problemáticas codificadas na HQ. Para Paulo Freire a “[...] tarefa do educador é a de problematizar aos educandos o conteúdo que os mediatiza, e não o de dissertar sobre ele, [...] de entregá-lo, como se tratasse de algo [...] terminado.” (FREIRE, 2011, p.112). A problematização ocorre no campo da comunicação entre sujeitos sobre as situações reais, concretas, ou em torno dos conteúdos intelectuais, referidos também ao concreto, pois demandam a compreensão dos signos e dos significados por parte dos sujeitos interlocutores problematizados (FREIRE, 2011). É uma forma de reflexão coletiva sobre um dado objeto, confrontando-o, buscando compreendê-lo dialogicamente como problemático ao desenvolvimento ativo do Homen-Mundo. Nessa medida, as HQs podem ser a representação necessária à significação ampla sobre o objeto. Parte-se do confronto rigoroso, criativo e ético da situação problema em direção a ação transformadora. Nestes termos requer-se a produção de um material desafiador e um uso mediatizador em situações de ensino. Desta forma, ao se reconhecerem no material, ao reconhecerem seus problemas existenciais postos não mais como uma determinação e sim como uma condição, os educandos não são mais limitados pelas situações que os constituíam. A problematização então é um convite à possibilidade, à mudança e não apenas a um diagnóstico do que está supostamente posto e naturalizado para o aluno. Do ponto de vista das HQs, narrativas que partem da vida concreta dos alunos e que exigem um posicionamento ativo de seus leitores podem promover o desenvolvimento dessa busca transformadora, abrindo espaço para o processo de desvelar a realidade concreta agora não mais entendida de forma estática e natural pelo aluno, mas enquanto uma situação de possibilidades e escolhas na transformação da realidade. O processo de Descodificação nas palavras de Freire (2011, p.127) é “[...] um momento dialético em que as consciências co-intencionadas à codificação desafiadora, refazem seu poder reflexivo na “ad-miração” da “ad-miração”, que vai se tornando uma forma de “re-ad-miração”.”, ou seja, é práxis. Os alunos, ao partir das HQs que representam suas ações e concepções, refletem criticamente e coletivamente sobre as mesmas, identificando sua concretude, suas contradições e instrumentalizando-se para um novo agir,

mais democrático, ético e coerente com a realidade enquanto busca. Proposta esta, que se inicia na proposição de um final coletivo dos educandos à narrativa aberta e que culmina em uma posterior materialização desta conclusão na ação concreta em sua vida. Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2011) tentando transpor a problematizaçãodescodificação para o ambiente formal do ensino de Ciências propõem, a partir da investigação temática (codificação), o uso dos três momentos pedagógicos. São eles: Problematização Inicial; Organização do Conhecimento e Aplicação do Conhecimento. Se associarmos o uso de HQs com esses momentos, podemos perceber o potencial problematizador do material pedagógico como um objeto cognoscível representativo e gerador de um saber escolar próprio e transformador. Na problematização inicial do material, seria realizado um levantamento sobre as concepções discentes referentes às situações representadas na narrativa em quadrinhos. Dela elevar-se-iam as necessidades formativas aos alunos que buscariam, em conjunto ao professor, compreender melhor as origens, limites e possibilidades da problemática. A partir da constituição de um problema para o grupo de alunos, o professor poderia dialogicamente explicitar os conhecimentos disciplinares necessários à análise crítica da situação representada na HQ. Logo, o educador organizaria os conhecimentos necessários aos alunos, tanto do campo disciplinar, quanto os que emergiriam das vivências dos mesmos, contrapondo-os em seus limites e possibilidades, de forma a, democraticamente, construir uma síntese mediada pelo objeto/fenômeno representado na HQ. É a partir da Aplicação do conhecimento, que o conhecimento escolar enquanto síntese entre os conhecimentos científicos e populares mediados pela realidade, deve se reencontrar com a HQ. Ao retornar ao material, os alunos read-miram sua ad-miração inicial e propõem um fim plausível à narrativa. Fim este que, para ser essencialmente transformador e emancipador, necessita de uma ação concreta também na realidade existencial dos alunos, o que implicaria um confronto com o real, permitindo o surgimento de novas contradições postas na articulação da ação com a realidade, reiniciando o processo investigativo e pedagógico. Considerações Finais Este trabalho buscou a partir de uma reflexão teórico-metodológica, superar a visão das HQs como recursos didáticos restritos a objetivos motivacionais e conceituais, que teoricamente deveriam ser atenuantes ao sofrimento imposto pelo depósito de conteúdos proposto no modelo bancário de educação. Desta forma, propõe-se que o ensino de Ciências e Biologia em articulação a outros campos disciplinares envolvidos no processo de Investigação

temática, viabilizem a produção e uso problematizador de HQs estabelecendo a oportunidade de alunos e professores não só apreenderem conhecimentos locais e universais sóciohistoricamente relevantes sobre a realidade analisada, como também proporcionar o retorno do ser humano à categoria de sujeito da busca pelo conhecimento, bem como retomar sua ação transformadora no e com o mundo. Desta forma, acredito que devido a sua linguagem plural, o uso de HQs como um elemento problematizador da realidade pode explicitar para diferentes públicos e de diferentes formas as situações existenciais que os circundam e que lhes impõem o desafio da superação. Referencias Bibliográficas ANDRETTA, R. A. ; LUCAS, F. S. ; ROCHA, A. L. F. ; WICK, M. A. L. ; TONOLLI, P. N. ; ALVES, E. O Uso das Histórias em Quadrinhos como Recurso Didático no Ensino de Ciências para uma Aprendizagem Crítica e Significativa. IV Semana da Biologia, Sorocaba, 2010. AULER, D; DELIZOICOV, D. Alfabetização científico-tecnológica Para quê?. EnsaioPesquisa em Educação em Ciencias, V.3,n.1, jun.2001 BEZEMER, J. e KRESS, G. Writing in multimodal texts: a social semiotic account of designs for learning. Writer communication, 25 : 166, 2008. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: ciências naturais/ Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 136 p., 1997. Disponível em: . Acesso em: 02 Jun. 2010. DELIZOICOV. D. Conhecimento, IFUSP/FEUSP. São Paulo. 1991.

Tensões

e

Transições.

Tese

de

Doutorado



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