2016_UMA ANÁLISE SOBRE A BUROCRATIZAÇÃO DA DOCÊNCIA

May 28, 2017 | Autor: A. Franco da Rocha | Categoria: Education, Reflective Practice, Teacher Education, Science Education, Praxis, Critical Pedagogy, Educational Research, Teachers' self efficacy levels, Critical Thinking, Paulo Freire, Teacher Research, Neoliberalism, Teacher Training, Teachers' professional development, Elementary Science Education, Teacher Development, Teacher professional development, Teacher, Educación, Reflective Teaching, Science teacher education, Henry Giroux, Ensino, Ciências Da Educação, Educação, Formação De Professores, Professional development of ESL/EFL teachers, Teacher Preparation, Reflective Teaching, Teacher Education, Critical Pedagogy, Formação de professores e prática pedagógica, FORMACION DE PROFESORES, Docencia, Teacher Reflection, Teacher Resilence, Educação científica e tecnológica, Ciências da Educação - Formação de Professores, Ensino De Ciências, Enseñanza de las ciencias, Educação em ciências, Neoliberalismo Y Educación, Educational turn, radical pedagogy, praxis, SUPERVISÃO E FORMAÇÃO DE PROFESSORES, Formación docente, Teacher education and neoliberalism, Sciences of Education, Neoliberalism and Education, Formação docente continuada, Ensino de Biologia, Neoliberalismo, formação de professores de Ciências e Biologia, Ensino De Ciências E Biologia, Formación y Actualización de Maestros de Educación Básica, Science process skill in Biology at Secondary Education, Paulo Freire, Critical Pedagogy, Cultural Studies, Ensino Fundamental, FORMAÇÃO DOCENTE E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS, Formação Docente, Formação inicial e continuada, Desenvolvimento Institucional De Escolas E Profissional De Professores., Enseñanza - Aprendizaje Ciencias Naturales Y Exactas, FORMACIÓN DE DOCENTES, Curriculum Escolar, Teacher Change/Professional Development, Formacion Inicial Del Profesorado, Desenvolvimento profissional e pessoal, Critical Pedagogy, Educational Research, Teachers' self efficacy levels, Critical Thinking, Paulo Freire, Teacher Research, Neoliberalism, Teacher Training, Teachers' professional development, Elementary Science Education, Teacher Development, Teacher professional development, Teacher, Educación, Reflective Teaching, Science teacher education, Henry Giroux, Ensino, Ciências Da Educação, Educação, Formação De Professores, Professional development of ESL/EFL teachers, Teacher Preparation, Reflective Teaching, Teacher Education, Critical Pedagogy, Formação de professores e prática pedagógica, FORMACION DE PROFESORES, Docencia, Teacher Reflection, Teacher Resilence, Educação científica e tecnológica, Ciências da Educação - Formação de Professores, Ensino De Ciências, Enseñanza de las ciencias, Educação em ciências, Neoliberalismo Y Educación, Educational turn, radical pedagogy, praxis, SUPERVISÃO E FORMAÇÃO DE PROFESSORES, Formación docente, Teacher education and neoliberalism, Sciences of Education, Neoliberalism and Education, Formação docente continuada, Ensino de Biologia, Neoliberalismo, formação de professores de Ciências e Biologia, Ensino De Ciências E Biologia, Formación y Actualización de Maestros de Educación Básica, Science process skill in Biology at Secondary Education, Paulo Freire, Critical Pedagogy, Cultural Studies, Ensino Fundamental, FORMAÇÃO DOCENTE E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS, Formação Docente, Formação inicial e continuada, Desenvolvimento Institucional De Escolas E Profissional De Professores., Enseñanza - Aprendizaje Ciencias Naturales Y Exactas, FORMACIÓN DE DOCENTES, Curriculum Escolar, Teacher Change/Professional Development, Formacion Inicial Del Profesorado, Desenvolvimento profissional e pessoal
Share Embed


Descrição do Produto

UMA ANÁLISE SOBRE A BUROCRATIZAÇÃO DA DOCÊNCIA André Luís Franco da Rocha (Doutorando - PPGECT1 /UFSC/ CAPES) Sylvia Regina Pedrosa Maestrelli (Professora - PPGECT/UFSC) Resumo: As questões relativas ao desenvolvimento profissional são importantes para compreender os limites e possibilidades da prática pedagógica. Logo, a partir do referencial freireano, este trabalho busca problematizar a docência enquanto espaço de formação permanente dos professores de Ciências da Rede Municipal de Florianópolis desvelando as relações de burocratização e determinação de sua práxis político-pedagógica. Nesta pesquisa de caráter qualitativo, coletamos falas de professores, que denunciam o isolamento docente e a dicotomia entre a reflexão e a ação pedagógica em um contexto neoliberal de educação. Somente a partir da reivindicação de espaços coletivos e colaborativos o isolamento e a burocratização podem ser combatidos, recuperando a docência como ação concreta do sujeito professor. Palavras chave: Práxis político-pedagógica; Racionalidade técnica; Burocratização da docência. Introdução No que se refere à área de Formação de Professores (FP), questões relativas à identidade e ao desenvolvimento profissional ainda são temas emergentes e relevantes para o desenvolvimento da pesquisa na área. No Brasil, tanto perspectivas mais progressistas quanto conservadoras de FP estão em consonância com os objetivos propostos pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) (BRASIL, 1998). De acordo co m o documento, almeja-se a criação de um novo tipo de professorado, o professor reflexivo e pesquisador (VILLANI, PACCA & FREITAS, 2002). Segundo esses parâmetros, caberia a esse professor mediar conteúdos e aprendizagens, participar da gestão escolar, servir-se de inovações tecnológicas, enfrentando os posicionamentos éticos de sua profissão e gerindo com autonomia sua contínua formação (BRASIL, 1998). Entretanto, o documento não esclarece o significado de vários dos conceitos, como por exemplo autonomia ou ética, tampouco indica as condições

1

Programa de pós Graduação em Educação científica e tecnológica

objetivas para o desenvolvimento de tal profissional. Desta forma, as mais diversas acepções idealistas ou pragmáticas relacionadas ao professor reflexivo podem ser compreendidas na documentação oficial, que têm sido desde a década de noventa, uma marcante tendência nas políticas públicas ligadas a FP e seus objetivos. De forma geral essas políticas têm buscado, a partir de movimentos de formação continuada e em serviço na Educação Básica, o desenvolvimento das competências profissionais para a docência (PIMENTA; GHEDIN, 2002). André e cols. (1999), ao indicar um grande número de pesquisas que analisaram as proposições governamentais promovidas pelas Secretarias de Educação junto aos professores, levantam um grave problema para o desenvolvimento profissional de tais sujeitos. De acordo com a autora, devido ao forte cunho ideológico dessas propostas, os professores acabam muitas vezes sendo culpabilizados por não atingirem as metas educativas preestabelecidas pelo Estado e reguladas pelas redes básicas de ensino. Culpabilidade esta muitas vezes construída desconsiderando as reais condições de trabalho dos professores e a alta complexidade do espaço-tempo da sala de aula (VILLANI, PACCA & FREITAS, 2002). Ao assumir essa postura de sujeitos ineficientes, em um contexto problemático, os professores podem não conceber sua ação pedagógica como um objeto de estudo e reflexão crítica, imprimindo uma espécie de inércia frente a suas práticas pedagógicas, impedindo tanto a superação das necessidades educativas de seu contexto de ensino, quanto as almejadas pelas políticas públicas nacionais (GIROUX, 1997). Levando em consideração esse discurso descontextualizado e fatalista a respeito da prática pedagógica, a expressão das políticas públicas voltadas à formação permanente de professores parece estar mais preocupada com as ações pedagógicas competentes em si 2 , reduzidas à metodologia de ensino e ao conteúdo conceitual técnico, do que com a constituição contextualizada do sujeito professor, de seus alunos e de seu conhecimento (SMYTH, 1993). O intuito acaba sendo pragmático e, por isso, desenvolvendo saberes teóricos, metodológicos e atitudinais em relação ao ofício da docência, orientada para a autoreflexão imediata e principalmente para a auto-regulação. Uma forma de pragmatismo que capacita professores, principalmente em contextos materialmente deficientes e sucateados, 2 Para Pimenta e Ghedin (2002) a co mpetência é um constructo que desloca o sujeito de sua ação, pois ela está relacionada ao local de trabalho e não a uma elaboração criativa do sujeito que age. A competência não é o mes mo que rigor, característica de u m sujeito desenvolvida historicamente, mas sim eficiência, característica de uma ação pontualmente localizada para fins específicos dentro da sala de aula. Essa compreensão vem da necessidade do capital em despersonalizar o trabalho pedagógico do trabalhador/professor, ao mes mo tempo em que o induz a amp liar seus índices de produtividade. Logo, há u ma negação do sujeito, tornando-o substituível e mantendo-se um padrão comum e gerenciável da ação pedagógica pelo Estado e seus financiadores .

para o uso da intuição e improvisação durante suas aulas (PIMENTA & GHEDIN, 2002). Entretanto, no que se refere às ações de formação permanente dos professores, poucos espaços têm sido desenvolvidos de forma crítico-reflexiva, dialógica, problematizadora e colaborativa, que tornam a articulação entre as condições concretas da docência, os conteúdos conceituais disciplinares associados e o contexto sociopolítico e econômico mais amplo do país, o objeto de interesse na constituição de um que fazer político pedagógico local, crítico e conscientemente comprometido com um projeto ético de sociedade (GIROUX, 1997; ZEICHNER, 1992; FREIRE, 2005). De acordo com Pimenta e Ghedin (2002), a formação por competência profissional é uma demanda da racionalidade tecnocrática apreendida mais concretamente a partir dos anos 1970, resultando em um controle cada vez mais burocrático do trabalho do professor em seu cotidiano de ensino. Essa racionalidade influenciou fortemente a política de democratização do ensino público na ditadura militar brasileira, principalmente após a constatação de que havia uma grande distância entre as práticas de ensino dos professores e os novos objetivos e aspirações econômicas do país (PIMENTA; GHEDIN, 2002; KRASILCHICK, 2008). Foi com o objetivo de maior gerenciamento sobre os recursos humanos que, a partir das décadas de oitenta e noventa, ampliou-se o poder do Estado frente ao controle da escolarização e do trabalho do professorado nas instâncias públicas de ensino, culminando na produção do s Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) (VILLANI; PACCA; FREITAS, 2002; PIMENTA; GHEDIN, 2002). Nessa racionalidade, instaura-se um modelo de gestão e controle sobre o cotidiano escolar do professor e sobre sua formação contínua. Desta forma, os professores acabam sendo reduzidos a meros técnicos do ensino, responsáveis unicamente pela aplicação ou transmissão de conhecimentos técnico-conceituais, organizados por um currículo que não foi por eles produzido, distante das salas de aula e da realidade concreta da Escola (PIMENTA; GHEDIN, 2002; FREIRE, 2007). Entretanto, qual a consciência que tais professores possuem sobre sua prática de ensino no contexto político local e global? É com esse questionamento que, neste trabalho, buscamos problematizar a docência, enquanto espaço não de determinação externa, mas de formação permanente (FREIRE, 2005), identificando como os professores de Ciências da Rede Municipal de Ensino de Florianópolis (RMEF) concebem sua práxis 3 político-pedagógica e como se desenvolvem as relações de determinação e condicionamento sobre a mesma. 3 De acordo com Freire (2005) a práxis é u ma atitude, u m que fazer exclusivamente humano, que representa a

unidade inseparável entre teoria e prática, e reflexão e ação na busca constante pe la transformação da natureza, da sociedade e do próprio homem. So mente a part ir da ação dialét ica e dialogicamente orientada que podemos

Uma possibilidade para se entender a origem da determinação sobre a práxis do professor está na compreensão não só da prática de ensino cotidiana em si, mas também sobre os processos formativos que os professores têm vivenciado. De acordo com Freire e Shor (2011), existe uma distinção radical no currículo da formação inicial de professores entre os cursos que dão formação mais concreta para o trabalho, baseada em múltiplas técnicas, e aqueles que fazem uma reflexão mais crítica. Segundo os autores, essa distinção não é casual, mas sim política. Essa intencionalidade administrativa e burocrática impede que a futura mão de obra – o professorado – se livre da ideologia dominante, isolando o pensamento crítico de sua formação profissional. Assim, ao reduzir os professores a apenas competências técnicas para o trabalho, também se reduz a capacidade dos mesmos, enquanto sujeitos, de posicionarse criticamente frente ao sistema de ensino em que atuam (FREIRE; SHOR, 2011). Logo, o resultado desse controle ideológico, tanto da formação quanto do cotidiano escolar, induz os professores ao não exercício de seu julgamento lógico e seu pensamento crítico, mecanizando suas ações e burocratizando suas mentes (FREIRE, 2005; 2007; FREIRE; SHOR, 2011). Essa burocratização da mente do professorado é um reflexo da burocratização da própria escola e das condições de trabalho dos professores que, desvalorizados socialmente, se vêem impotentes diante das transformações neoliberais da sociedade na e sobre a escola. Nessa lógica fabril, ao se padronizar o conhecimento escolar e se particionar a prática docente em um sistema escolar mecânico, individual e fragmentado, reduz-se a clareza que os professores podem desenvolver sobre os processos formativos em que estão implicados. Desta forma, a burocratização da escola e, por conseqüência, da mente do professor, tem grande influência tanto na qualidade e autonomia da ação pedagógica concreta dos professores quanto na ampliação da desvalorização social e pessoal de sua docência. Um olhar metodológico e problematizador para a práxis político-pedagógica do professor de Ciências Mesmo com esse grau de condicionamento sobre o trabalho docente, Oliveira (2005) aponta que cabe aos professores, que para além da reprodução estão comprometidos com a produção de conhecimentos em sala de aula, a ação de organizar, programar e determinar as tarefas a serem utilizadas em seu ensino, sendo, inclusive, essa liberdade de ação garantida por lei (BRASIL, 1996). É a partir das contradições presentes na autonomia sempre relativa fugir de u m verbalismo teórico, vazio de concretude, e de um ativismo vazio de reflexão, ou seja, objetivos humanizadores (FREIRE, 2005). Por isso, o termo aqui é referido como práxis polít ico -pedagógica dos professores, pois nela reflete-se não só a docência como prática social, mas também co mo u m posicionamento do sujeito, um meio de desenvolver um projeto crítico, democrático e ético de sociedade (FREIRE, 2005).

do ato de ensinar que nosso olhar de pesquisa se debruça sobre as concepções dos professores a respeito das condicionantes de sua prática profissional. Para tanto, nesta pesquisa de caráter qualitativo, buscamos caracterizar como se estabelecem as relações entre a ação e a reflexão individual e coletiva dentro das condicionantes inerentes ao contexto escolar do ensino de Ciências presente na RMEF. Neste trabalho analisamos as representações da docência enquanto um discurso oral e fortemente condicionado à realidade imediata na enunciação dos sujeitos professores sobre seu que fazer (FREIRE, 2005). A essas sínteses, dá-se a denominação de falas significativas (SILVA, 2004). Para Silva (2004, p.18), a fala significativa, nossa unidade de análise, caracteriza-se como uma expressão da comunidade e seus diferentes segmentos, que traz a denúncia de algum conflito ou contradição vivenciada, mesmo que de forma velada, pela comunidade escolar local. São então observados os contextos de ensino e analisadas as falas de quatro professores de Ciências da RMEF no ano de 2012 que expressam uma determinada representação coletiva e historicamente construída do real. As falas significativas foram coletadas a partir de um conjunto de observações de aulas de ciências e de entrevistas reflexivas semi-estruturadas (SZYMANSKI; ALMEIDA; PARNDINI, 2008). O conjunto dessas entrevistas, realizadas a partir da problematização da práxis político-pedagógico observada junto aos professores, constituiu um corpus de análise denominado Inventário Crítico (FRIGO TTO, 1989). Este material foi analisado a partir dos fundamentos teórico- metodológicos da Dialética enquanto proposta de análise crítica das contradições inerentes à realidade escolar buscando a produção de sínteses sobre mesma (GAMBOA, 1989). Compreendemos que o conhecimento então se constitui na relação dialética entre o sujeito pesquisador e as contradições postas sobre a relação dos discursos e das práticas que emergem em diálogo com os professores, buscando sempre vincular tais elementos discursivos ao contexto concreto de ensino local e histórico-cultural mais amplo da escola brasileira. A Denúncia sobre a Burocratização da Docência Concordamos com Giroux (1997) quando aponta que a racionalidade conservadora que sustenta toda a burocratização, tanto escolar quanto do professor, é extremamente prejudicial, pois “Ela ignora os sonhos, histórias e visões que as pessoas trazem para a escola.” (p. 38). Na concepção do autor, tal racionalidade hegemônica baseia-se em políticas públicas de formação de professores e de “gerenciamento” escolar que mostram pouca confiança na capacidade dos professores em oferecer uma liderança intelectual e moral para a juventude. De forma geral, as falas significativas coletadas apontam para uma

interiorização deste discurso de desvalorização profissional fatalista (KRASILCHIC, 2008; FREIRE, 2007). Essa desvalorização já afeta o professorado antes mesmo de efetivamente estarem atuando, caracterizando professores que comumente não têm como objetivo profissional primário a docência, como aponta a fala a seguir: “Na verdade, no início, eu não pensava em dar aula realmente, né. A minha idéia começou em pesquisa e a ideia era continuar com a parte de biotecnologia, que era o grande sonho, né? [...] E... Não consegui, na verdade [...] E então acabei ficando [...]” Fala significat iva que emerg iu em entrevista com o Professor B, mostrando sua resposta ao ser questionado quanto ao seu percurso acadêmico e profissional para a docência.

Percebe-se, nos professores participantes, que há uma grande lacuna na formação inicial docente, provida da desvalorização das disciplinas pedagógicas e da excessiva valorização das disciplinas específicas (biológicas; químicas e físicas), não as articulando entre si nem ao ensino de ciências (KRASILCHICK, 2000). Esta perspectiva é um resquício de um modelo de formação direcionado ao conteúdo técnico (MARCELO GARCIA, 1999), oriundo da LDB 5692/71, que introduz a concepção de que, para um professor da área científica ter “qualidade”, bastaria que ele tivesse uma formação sólida em disciplinas das ciências naturais, mesmo sendo tal foco insuficiente para abordar a realidade escolar e seus múltiplos objetivos pedagógicos (VILLANI; PACCA; FREITAS, 2002; ZEICHNER, 1992; 2008). Assim, O professor, quando vai iniciar sua carreira profissional, tem, co m certa frequência, um choque de realidade [...] consideram que sua própria inexperiência, as classes numerosas e heterogêneas e o despreparo dos alunos para conviver em situações de liberdade, além de apatia e desmotivação de alguns, são obstáculos que exigem preparação para serem superados (KRASILCHIK, 2008, p.176).

Há nesse confronto com a realidade de ensino um choque entre a teoria - reduzida à academia- e a prática docente – escolarizada- que se vê lidando com uma crescente exigência técnica sobre o professorado (PIMENTA; GHEDIN, 2002) em uma estrutura física, institucional, política e profissional sucateada (KRASILCHICK, 2000). Essa situação, como aponta a fala significativa a seguir, acaba gerando a alienação do professor, cuja prática pedagógica estaria dissociada de uma reflexão mais crítica e/ou autoformativa. Na tentativa de alcançar as demandas irreais impostas pelas diretrizes governamentais, desarticuladas aos contextos locais de ensino, mecanizam-se práticas e também sujeitos (FREIRE; SHOR, 2011; SMYTH; 1992).

“Eu li, mas muitas coisas ficaram na teoria. Eu acho que na prática é muito diferente, as realidades são diferentes, né? O ensino e a aprendizagem [teórico da academia] ... é muito diferente do que a gente vê na escola.” Fala significativa do Pro fessor B, mostrando sua resposta ao ser questionado a respeito de qual seria a real contribuição de sua formação inicial para sua ação profissional.

Podemos observar na fala, comum aos professores entrevistados, a falsa dicotomia entre teoria e prática na ação do professor, uma vez que os professores analisados não compreendem que toda ação necessariamente é orientada por um campo teórico, mesmo que não tenhamos plena consciência disso (SILVA, 2004). Essa redução da teoria à visão acadêmica vista de forma incompatível com a escola, reflete uma forma de ação associada à reflexividade prática (VAN MANEM, 1977). Essa reflexão alicerça-se em uma resolução pragmática e imediatista de demandas e problemas pertencentes à cotidianidade escolar, por não se articular em profundidade à totalidade das questões sócio-políticas e econômicas mais amplas, pela qual passa a sociedade brasileira. Desta forma, não se permite aos professores o desenvolvimento de uma consciência crítica mais ampla sobre seu contexto de atuação e seu que fazer pedagógico. É preciso desvelar o pragmatismo ingênuo que se desenvolve sobre o imediatismo imposto aos professores na necessidade constante de enfrentamento individual dos problemas cotidianos de origem social e cultural, muitas vezes omissos pela gestão. É preciso ampliar as condições de trabalho e coletivizar as problemáticas e ações, uma vez que, mesmo com a formação continuada, os professores não têm tempo hábil para refletir sobre sua própria prática, levando a uma forma de isolamento na escola. As falas significativas a seguir denunciam esse contexto: “Hoje eu qualificaria assim... A assessoria pedagógica nas escolas, que eu vejo, não assume a responsabilidade [...] Se tem algum problema dentro da sala de aula [indisciplina], chamo a assessoria para que dê um respaldo, né? Eu vejo [...] que não houve nenhum respaldo, nunca, até hoje, o pessoal da assessoria foi em uma sala de aula lá. [...]” Fala significat iva do Professor B, mostrando sua resposta ao ser questionado a respeito de qual seria seu apoio pedagógico na escola. Para o professor, ele tem que resolver sozinho todos os problemas que surgem em sala de aula.

“De maneira alguma! Não existe esse tempo. [...] E quando a prefeitura nos chama para ter cursos, palestras, nós ficamos disponíveis [...] Só que essa formação continuada muitas vezes acaba em lamúrias, em lamentações, desabafos dos professores sobre o que ocorre na escola, aí a parte de formação mesmo, de aquisição de novos conhecimentos, de novas práticas, de novas possibilidades, fica aquém. E eu tenho d e buscar sozinha, e eu não tenho esse tempo! Porque eu tenho que planejar as minhas aulas, eu não entro em uma sala sem um planejamento.” Fala significativa do Professor A, que mostra sua resposta ao ser questionado quanto à possibilidade de tempo hábil para refletir sobre sua prática pedagógica. Pesquisador: “Aparentemente, o que você está querendo dizer é que o professor está meio isolado, é isso?”. Professor B: “Exatamente! É... Está meio órfão!” Fala significativa do Professor B, mostrando sua resposta ao ser questionado a respeito do atual estado do professor frente aos problemas que enfrenta em sala de aula.

De forma geral, podemos observar que entre os professores entrevistados as condicionantes como o isolamento, a falta de tempo, o comprometimento da gestão escolar com o cotidiano em sala de aula e a indisciplina dos alunos são apresentados como problemas naturais e insuperáveis à profissão docente. Por conta das fortes condições de trabalho e dos problemas pontuais e imediatos – que no fundo estão articulados a uma demanda neoliberal nas escolas – excluem-se as questões de cunho social, político e econômico mais amplas, que estão na base desses problemas cotidianos, transformando os condicionantes à docência em determinantes esmagadoras às quais os professores isolados apenas podem se adaptar (FREIRE, 2005). Ao levarmos em consideração tais condições de trabalho, constituintes de uma consciência pragmática, percebemos que os professores tendem a não se questionar frente à própria prática, o que os induz a reproduzir um modelo de ensino de Ciências que não lhes é próprio e sim externo, burocrático e conteudista, como aponta a tradição do ensino da área (PIMENTA e GHEDIN, 2002; KRASILCHICK, 2000). Ao analisar a s observações das aulas e as entrevistas, nossos dados nos levam a concordar com Krasilchick (2008), ao apontar que a ação docente no espaço-tempo da sala de aula se reduz a uma forma mecânica, conteudista e acrítica de ensino. Caracterizando-se assim como um ensino bancário de Ciências (FREIRE, 2005). A observação de aula de biologia revela que o professor fala, ocupando, com preleção, cerca de 85% do tempo. Os 15% restantes são preenchidos por períodos de pedidos de esclarecimentos sobre as tarefas [...] Os professores não usam o recurso do questionamento em classe porque temem que, de alguma forma, sua autoridade seja abalada e haja perda da segurança e do poder assegurados pelas aulas expositivas (KRASILCHIK, 2008, p.58).

De acordo com a observação das aulas de Ciências dos quatro professores, cada um em escolas de contextos bem distintos da RMEF, percebemos que as práticas de ensino foram comuns, limitando-se a atividades de leitura, cópia e explicação do conteúdo, seguindo exclusivamente o livro didático e de forma conceitualmente padronizada. Como é possível os professores isolados apresentarem o mesmo padrão em relação ao ensino dos conteúdos de C iências? Fica evidente que, apesar de os professores estarem isolados quanto aos problemas pontuais em sala de aula, o mesmo isolamento não ocorre quando as questões se referem aos conteúdos conceituais da área articulada aos objetivos técnico formativos, como demonstra a fala a seguir. “Então, o professor tendo autonomia, ele pode, hum... no seu pensamento, nas suas concepções... ele pode optar, em ver qual é o determinado conteúdo que é importante pro aluno e aquele que não é. Porque senão ele não vence.” (grifo nosso) Fala do professor A ao relatar como ele seleciona os conteúdos de ciências, ressaltando a grande quantidade de conteúdos em relação ao pouco tempo para efetivamente trabalhá-los.

Ao analisar essa fala, questionamos: por quê os professores sentem a necessidade de “vencer” um currículo que não foi idealizado por ele? Não seria uma contradição dizer que o conteúdo é supostamente determinado a partir das necessidades do aluno e o professor se ver preso às necessidades de um currículo tradicional externo, que historicamente e culturalmente nega o contexto discente? (KRASILCHICK, 2000; SILVA, 2004). Quando nos referimos à autonomia, claramente podemos perceber que esse conceito é relativo, uma vez que, como prática social, a docência se encontra inserida dentro de uma instituição com intencionalidades e condicionantes próprias (FREIRE, 2007). Entretanto, qual é o peso dessas condições para a constituição da prática docente? O quanto o professor é de fato sujeito de sua práxis político-pedagógica? “Então, a minha autonomia é com relação à ordem desses conteúdos, mas os conteúdos específicos do primeiro, segundo e terceiro trimestre são trabalhados nas formações com a assessora pedagógica da área de Ciências. Então, não sou eu quem diz: vou sair de casa hoje e vou trabalhar isso [...]” Fala do professor A ao relatar sobre sua autonomia ao selecionar os conteúdos de Ciências.

Nessa lógica, a compreensão de autonomia dos professores parece estar ligada a pequenas alterações no currículo hermético tradicional da rede, o que reflete a compreensão de uma prática curricular fortemente influenciada por uma ideologia tecnocrata e burocratizante. Quem determina o conteúdo curricular nas salas de aula da RMEF é a gestão pública (FLORIANÓPOLIS, 1996) e não os professores, que conhecem os contextos locais de ensino e ali dispendem energias físicas e intelectuais.

Desta forma, o campo ideológico de políticas públicas, ao tornar o professor um mero técnico do ato de ensinar, isolado pedagogicamente em sua sala de aula, cumpridor de um receituário curricular imposto (FREIRE, 2005; SILVA, 2004;), o desumaniza, na medida em que impede o desenvolvimento de sua curiosidade epistemológica (FREIRE, 2005). As falas apresentadas nos dão indícios de que, para o professor imerso na escola, o currículo enquanto “verdade” e a docência enquanto “técnica reproduzível” são orientados pela ideologia neoliberal, expressando, nas competências técnicas (PIMENTA; GHEDIN, 2002), a determinação externa e ideológica de suas práticas. Desta forma, a concepção de autonomia e de ensino é distorcida, limitando-se às necessidades pontuais dentro de uma rígida estrutura curricular e institucional que impede a objetivação e o desenvolvimento de um nível de reflexividade crítica do professor frente à sua docência, superando a mera prática mecânica de ensino conteudista (VAN MANEM, 1977). Por isso, pensamos que os professores não devem ser os principais agentes culpabilizados por grande parte da prob lemática do ensino de Ciências nas escolas, como vêm apontando as pesquisas sobre o fracasso escolar (KRASILCHICK, 2000; 2008). É preciso levar em conta que, para além das condicionantes estruturais, materiais e formativas, são fortes os condicionamentos ideológicos sobre suas práticas pedagógicas, ao mesmo tempo em que não é oferecido o apoio institucional necessário à formação de sujeitos críticos pretendida pelos PCNs, documento que se mostra dúbio ao possibilitar visões contraditórias sobre a docência e seus agentes. Tais ideologias, ao burocratizar a escola, burocratizam a práxis político-pedagógica dos professores, apartando de suas práticas a reflexão crítica, tornando o ensino mecânico e servil (GIROUX, 1997). Aos professores, isoladamente imersos nesse contexto alienante e burocratizante, resta seguir a maré, em busca de sobrevivência. Entretanto, fica o questionamento: se todos os peixes desse oceano coletivamente nadarem contra a corrente que os aponta a morte certa, o que acontece com esse mar e essa corrente? Ele deixaria de ser um obstáculo intransponível, e passaria a ser um desafio alcançável? A escola, enquanto espaço de coletividade e democracia, poderia passar a ser um espaço de possibilidade ao invés de fatalidade? Considerações Finais Paulo Freire (2005; 2007), ao se defrontar com a burocratização da mente, também observada neste trabalho, avança no sentido de que, ao professorado cabe não só agir, como o campo de políticas públicas o induz, mas ter consciência teórica e prática de suas ações contextualizadas na concretude do mundo. O professor deve, para ser o sujeito de sua práxis político-pedagógica, buscar a superação coletiva de suas condicionantes, tanto na sua ação

pedagógica

quanto

na

opressão

inerente

à

ideologia

conservadora

de

nossa

contemporaneidade, de forma a alcançar seu empoderamento (FREIRE, 2007). A categoria autonomia em Freire (2007) está na superação ética, teórica e concreta de nossas condições de opressão material, econômica, social, política, cultural e principalmente ideológica, que representam barreiras a uma constante busca pelo nosso devir humanizador, ou seja, nosso ser mais (FREIRE, 2005). Somente com a consciência de nossas necessidades pedagógicas, indissociadas da ação enquanto resistência será possível a superação coletiva das limitações vivenciadas pelos professores. O compromisso do ensino de Ciências com a formação de sujeitos verdadeiramente críticos não será possível sem ser o professor também um sujeito essencialmente crítico e transformador do seu que fazer político-pedagógico. Referências Bibliográficas ANDRÉ, M.; SIMÕES, R.H.S.; CARVALHO, J.M.; BRZEZINSKI, I. (1999). Estado da arte da formação de professores no Brasil. Educação e Sociedade, 20 (68), 301-9. BRASIL. Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. LEI No. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. D. O. U. de 23 de dezembro de 1996. BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais. Ciências Naturais. Brasília: MEC/SEF, 1998. FLORIANÓPOLIS, Prefeitura Municipal de Florianópolis. Secretaria Municipal de Educação. Proposta curricular para Rede Municipal de Ensino de Florianópolis: Traduzindo em Ações das diretrizes a uma proposta curricular. Florianópolis: SME, 1996 FREIRE, P. R. Pedagogia do Oprimido. Paz e Terra, Rio de Janeiro, 2005. 65 p. FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários a prática Educativa. Paz e Terra. São Paulo. 2007. FREIRE. P.; SHOR. I. Medo e Ousadia: o cotidiano do professor. Paz e Terra. 13. Ed. São Paulo. 2011. FRIGOTTO, G. O enfoque da dialética materialista histórica na pesquisa educacional ln: FAZENDA, I. (org.). Metodologia da pesquisa educacional. São Paulo: Cortez, 1989. GAMBOA, S. A. S. A Dialética na Pesquisa em Educação: Elementos de Contexto ln: FAZENDA, I. (org.). Metodologia da pesquisa educacional. São Paulo: Cortez, 1989. GIROUX, H. A. Os professores como intelectuais: Rumo a uma pedagogia crítica da aprendizagem. Artes Médicas, Porto Alegre, 1997. KRASILCHICK. M. Reformas e realidade: o caso do ensino de Ciências. São Paulo em perspectiva, 14(1) 2000. KRASILCHIK, M. Prática de Ensino de Biologia. 4.ª ed. rev. e ampl. 2ª reimpr. – São Paulo: EDUSP, 2008. PIMENTA, S. G; GHEDIN, E. (Orgs.). Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um conceito. São Paulo: Cortez, 2002. RIGOLON, P.S.T. Do tecnicismo à reflexão crítica: Um panorama. VI Encontro Internacional

Fórum Paulo Freire. 2008. SILVA, A. F. G. A construção do currículo na perspectiva popular crítica: das falas significativas às práticas contextualizadas. 2004. Tese (Doutorado em Educação) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), 2004. SMYTH, J. Reflective practice in Teacher education. Australian Journal of Teacher Education: vol. 18:Iss. 1, Art, 2. 1993. SZYMANSKI, H; ALMEIDA, L. R; PARNDINI, R. C. A. R. A Entrevista na Pesquisa em Educação: a prática reflexiva. 2ª ed; Série Pesquisa, v.4, Brasília - Liber Livro Editora, 2008. VAN MANEN, M.. Linking ways of knowing with ways of being practical. In Curriculum Inquiry 6. 1977, p. 205-228. VILLANI, A., PACCA, J. e FREITAS, D. Formação do professor de Ciências no Brasil: tarefa impossível? In: Ata eletrônica do VII Encontro de Pesquisa em Ensino de Física. Florianópolis, março de 2002.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.