A Academia na berlinda – e uma oportunidade que exige apenas abertura e ainda mais rigor (aberto)

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A Academia na berlinda – e uma oportunidade que exige apenas abertura e ainda mais rigor
Rodrigo Contrera
Quem prestar alguma atenção, reparará que os artigos que escrevo aqui neste site, chamado Academia.edu não por acaso, não são rigorosamente acadêmicos. Não tem nenhum, aliás, acadêmico, que é como são, de praxe, aqui publicados.
Na verdade, comecei a publicar textos aqui para guardar resenhas e textos variados que publico em meus muitos blogs. Mas acabou acontecendo que, para dar maior visibilidade e rigor a textos que passei a publicar em outros lugares, comecei a coloca-los aqui.
Mas essa distinção entre textos acadêmicos e não-acadêmicos sempre me incomodou. Primeiramente porque sou jornalista e acostumei-me a perceber que diversos textos que saem em papel jornal mereceriam sobrevida pelos próprios critérios de rigor que apresentam. Por outro lado, como acadêmico sei que muitos textos publicados na Academia não merecem muita atenção, pela ruindade mesmo, ou pela incapacidade de promoverem um olhar diferenciado sobre temas conhecidos ou quase novos (dificilmente artigos acadêmicos dizem algo realmente novo). Terceiro, eu sei que muitos textos que hoje são valorizados na própria Academia não surgiram nela, muito ao contrário. Os próprios diálogos platônicos não conseguiriam ser publicados em locais acadêmicos, se fossem escritos hoje (o que é estranho mas coisa dos tempos). Quarto, noto que diversos tipos de textos, mesmo publicitários, possuem um interesse no pensamento que mereceriam, sim, ser divulgados nesse meio – até para provocarem e destruírem consensos (que é, a meu ver, um dos maiores deveres dos verdadeiros intelectuais). Quinto, por último, EU não separo textos por gêneros – ou seja, até uma mera frase ou mesmo uma palavra ou citação, num devido contexto, com uma imagem ou não, com um tamanho específico, num determinado local que nada tem a ver com a Academia nem mesmo com a rua, tem PARA MIM valor acadêmico e até mesmo científico (claro que variando a noção do que seja uma ciência).
Dessa forma, com esses argumentos, que podem ser falhos, claro, afinal a distinção Academia-não-Academia não é de hoje, não é simples assim de ser enfrentada e além de tudo não convenceria facilmente nenhuma banca de acadêmicos defrontados com textos não-acadêmicos que seus autores gostariam de apresentar em congressos, eu justifico esta minha opção de publicar textos assim neste site. Mas tem mais.
Com isto, defendo que a distinção Academia-não-Academia é, hoje, hostil ao pensamento. Não uso o argumento corriqueiro de que os artigos acadêmicos têm pouco interesse geral – e têm mesmo. Ou que, muitos deles, são ruins e não dizem nada demais. Isso realmente acontece – também. Ou que eles pecam pela ausência ou falta de assertividade e coragem – isso também acontece, em sua grande maioria. Ou que são de difícil entendimento – muitos deles de fato o são, o que porém não lhes retira qualquer mérito (minha posição). Os meus argumentos são outros. Tentarei não ser chato mas também não deixar o rigor de lado (afinal, este texto tem uma PRETENSÃO acadêmica – quero, sim, começar a tentar, do meu jeito, deste jeito, influenciar o meio – muito arrogante, sei).
Vivemos uma época em que o conhecimento se multiplica muito mais que exponencialmente. Isso, diversos estudos mostram (XXXXXXXXXXXXX). Os novos meios permitem a criação de muito conhecimento por quase todas as pessoas, que possuem uma infinidade de meios para divulgar seus textos, imagens e tudo o mais, que também trocam impressões de formas variadas e muito potentes – que influenciam os meios tradicionais, como os jornais, revistas, televisão, rádio, etc., a ponto de essas novas formas hoje mal serem consideradas "novos meios" –, que influenciam direta e indiretamente a opinião pública de n formas, mas que, por diversos critérios tradicionais, não faz (esse conhecimento) parte do meio acadêmico – nele não tem guarida.
Isso não é novidade. Por milênios, aquilo que era divulgado nas ruas, bares, casas ou quase quaisquer lugares públicos nunca foi objeto sério de discussão na Academia. Para começar, Academia refere-se à escola que Platão fundou, e fora dela havia uma infinidade de escolas, que porém não eram a academia platônica e que só muito depois passaram a ser estudadas pela Academia, ela mesma, já distanciada da denominação platônica. Mas havia naquela época, na Grécia, também aquele conhecimento que nunca fez parte de nada propriamente acadêmico ou de escola – cito, por exemplo, o cinismo antigo (de Diógenes, Antístenes, etc.), ou o pensamento que não sobreviveu nem nessa forma. Claro, o pensamento das ruas também afetava o pensamento acadêmico. Mas em última instância, por maiores que sejam os esforços dos historiadores, arqueólogos, filólogos e filósofos, ele em grandissíssima parte se perdeu. E sobrou o pensamento oficial, o acadêmico.
O mesmo aconteceu com respeito às mais importantes manifestações artísticas. Desde sempre virou moeda corrente (repare-se como, ao citar a expressão moeda corrente, eu cito propositadamente o lema do cinismo antigo, que era "deturpar a moeda corrente") identificar as origens do teatro ocidental com os festivais dionisíacos gregos e com os frutos decorrentes dele (as primeiras peças da tradição, de Eurípides, Sófocles e Ésquilo). Claro, hoje sabemos que havia também a comédia de um Aristófanes, etc. Mas havia também – isso a gente não sabe tão bem – o teatro de rua, o teatro de bonecos, as manifestações populares, que desde então – e até hoje – deturpam o que é socialmente aceito pelas camadas mais abastadas e que – até hoje – é muito precariamente aceito como teatro. As demonstrações artísticas populares costumam passar por isso. Ou você identifica como teatro o teatro de Mamulengos? E o Cavalo Marinho? E o cordel? Isso acaso é teatro para a sociedade, digamos, tradicional? Esse tipo de conhecimento não é muito levado em conta, até hoje.
Deixemos um pouco a arte de lado. Ainda sobre a multiplicação avassaladora do conhecimento na época atual, qualquer um hoje pode acumular uma biblioteca considerável de clássicos em praticamente qualquer língua a um clique de mouse. E não só de clássicos. Mas deixem que eu me restrinja a eles. Imagine uma pessoa que quer fazer Filosofia. Ela tem diversas opções à mão, e uma delas – atualmente – é simplesmente ler Filosofia – sem qualquer orientação. Com toda certeza, essa pessoa, um perfeito diletante, deve passar por diversas etapas de aprendizado nesse seu afã. Mas um dia pegará os clássicos na internet e provavelmente irá lê-los. Sem problema. A Filosofia sempre esteve, sob a forma de livros, ao alcance de todos. Acontece que essa pessoa pode também trocar impressões com pessoas semelhantes a ela e também com acadêmicos. Ela pode fazer o download de trabalhos acadêmicos os mais variados sobre os clássicos que acabou de ler – ou mesmo sobre assuntos indiretamente relacionados. Pode questionar diversos aspectos desses clássicos, e mais, pode escrever artigos sobre isso. Pode até ser considerada uma entendida no assunto, caso realmente consiga dominá-lo. Isso sem diploma, sem orientação, sem avaliação de qualquer espécie. Será isso ilegítimo? Claro que não. Mas ela poderá dar aula, por exemplo? Não, isso não. Para que possa dar aula, terá, essa mesma pessoa, de fazer um curso de graduação em Filosofia e fazer licenciatura. Não questiono nem tenho qualquer pretensão de questionar tudo isso. Digo apenas que isso existe.
Mas penso em todo o conhecimento gerado nesse afã que, com toda certeza, milhões de pessoas vêm desfrutando e no fato de esse conhecimento ficar inteiramente de fora do ambiente acadêmico. Os acadêmicos seguem rumo próprio – e regras próprias. Tendo como base a liberdade intelectual, muitas vezes arduamente conquistada, os acadêmicos desenvolvem, eles próprios, suas ferramentas de pensamento, assim como qualificam entre si, suas referências, e aprovam, inter pares, aqueles estudiosos que merecem ser lidos e analisados, entre todos eles. Mas e com respeito ao conhecimento compartilhado, fora da academia, entre outros milhões de diletantes? Não me iludo. Imagino que muito do conhecimento gerado pela simples multiplicados de meios de comunicação seja realmente rasteiro. Isso eu derivo simplesmente dos argumentos que proliferam num facebook, por exemplo, com respeito a questões de momento. Há muitos que utilizam os meios, por sua vez, simplesmente para espalharem contra-argumentos sabidamente inválidos a argumentos de ordem acadêmica, com o simples intuito de influenciarem os incautos. Isso eu também sei. A informação virou uma arma política, e a Academia não escapou ilesa disso. Chega a ser quase covarde a situação. Acadêmicos com décadas de formação tentando argumentar, nesses novos meios, e baseados em documentos, contra uma massa de gente que se apoia apenas numa doxa – opinião – determinada. É triste.
Mas também é triste que os acadêmicos, com toda sua formação, simplesmente ignorem o fato de que eles não mais detêm o privilégio de interpretarem os clássicos. E mais, agora eles também não mais detêm o privilégio – se é que alguma vez o tiveram – de influenciar a opinião pública com argumentos racionais de ordem acadêmica ou científica. Todo e qualquer um pode, agora, questionar interpretações avaliadas e aprovadas pela Academia com base nos textos originais, até mesmo em descobertas amplamente sustentadas em documentos. Leituras que antes eram consideradas inatacáveis hoje, se não ruem, tornam-se apenas leituras dentre muitas outras, feitas por acadêmicos novos ou mesmo por gente que não é do ramo. Claro, pode haver um certo rigor a perder – ou a ser ameaçado, nessa brincadeira. Mas também pode haver algo a ganhar – é o meu ponto.
Fato é que hoje qualquer um pode ler e usar argumentos tirados de clássicos achados na íntegra na internet – às vezes não tão antigos, como os da Psicologia, disciplina do século XX, por exemplo – para questionar assuntos de ordem geral e altamente interessantes. Dirão os acadêmicos que as leituras daí derivadas são necessariamente rasteiras. Discordo. Os fins é que muitas vezes o são. Os diletantes muitas vezes estudam os clássicos para resolverem problemas pessoais, ao invés de para se dedicarem ao conhecimento. Noto por outro lado que aos poucos pessoas em geral, não necessariamente motivadas por questões pessoais, apropriam-se de um conhecimento antes dominado apenas por especialistas e que, com isso, passam a navegar no conhecimento por conta própria. Resolvem questões sem nem mesmo consultarem especialistas e muitas vezes se dão bem. Não digo com isso que o conhecimento virou, nesse caso, uma espécie de auto-ajuda (esse caso de diletantes é levemente diferenciado). Digo que além disso o conhecimento virou uma forma de libertação de um certo obscurantismo originado pelo domínio do saber por especialistas até então inatacáveis. Claro, isso não quer necessariamente dizer que os especialistas, até agora, fossem uma espécie de sábios que seria impossível questionar. Digo apenas que agora as pessoas comuns possuem mais facilmente ferramentas para pensarem por si próprias e para, também, verificarem sozinhas se isso que os especialistas lhes dizem faz algum sentido em suas vidas.
Acompanho a trajetória de ex-professores e de formadores de opinião incensados por este ou aquele meio de comunicação. Esses meus ex-professores com o tempo acostumam-se a publicar artigos cujo conteúdo pouco os diferencia de jornalistas especializados em áreas determinadas ou artigos cuja ênfase eu bem conheço – foi sua especialização em anos passados ou é alguma área que, num determinado espectro de interesses, requer leituras que a maioria dos mortais não costuma fazer. Esses meus ex-professores são então motivados a repercutirem assuntos do dia. E, por não estarem tão a par do que todos já conseguem ler, falam o que a grande maioria não acha de forma alguma especial. O que os sustenta no seu posto de formadores de opinião? O fato de serem – ou terem sido – professores titulares disto ou daquilo, o fato de terem orientado tais ou quais então pretendentes a acadêmicos, etc. O saber desses meus ex-professores é realmente diferenciado? Com o tempo, mostra-se que não. Por outro lado, e quanto a esses formadores de opinião incensados por este ou aquele meio de comunicação? Normalmente, esses caras são cientistas políticos ou sociais formados em alguma universidade de destaque que, por diversos motivos, dentre eles uma incomum capacidade de argumentação, servem de baliza para comentar questões candentes. Esses caras falam algo que escape dos pontos de vista comuns? Dificilmente. Esses caras simplesmente sabem como pesquisar – como muitos hoje sabem – e possuem formação e critérios morais devidamente refletidos que lhes permitem escolherem posições determinadas com respeito a questões importantes. Algo, no conhecimento que possuem, os distingue do simples mortal? Não. Esses caras normalmente possuem apenas uma capacidade diferenciada de argumentação – mas esta, alguns jornalistas também possuem. Algo em suas trajetórias acadêmicas lhes permite assumir uma posição diferenciada? Não, quase nunca. Pois normalmente distinguem-se, em seus currículos, por simplesmente terem defendido dissertações ou teses de orientação acadêmica, pura e simplesmente. Não são intelectuais orgânicos, se bem me entendem. São acadêmicos de algum destaque, que por algum motivo extra-Academia são entronizados como porta-vozes de mensagens determinadas – que devem ser aprovadas por este ou aquele meio de comunicação.
Não é à toa, portanto, na minha opinião, que muitos desses pretensos intelectuais são, HOJE, não tão bem considerados, como outrora, pela grande maioria do público pensante que tem acesso aos meios de comunicação tradicionais e que também consulta outros meios amplamente divulgados entre todos – sessões de tribunais, câmaras, arquivos, etc. Esses pretensos intelectuais não têm quase nada a diferenciá-los dos leigos, a não ser o fato de terem percorrido os tradicionais corredores da Academia e de terem tido seus trabalhos aceitos por seus pares, professores, acadêmicos e colegas. No conteúdo em si, pouco os distingue dos seres humanos comuns, que muitas vezes, apesar de dominarem melhor determinados assuntos, são em grande parte desqualificados pelo simples fato de não terem sido acadêmicos. Hoje mantém-se uma distância entre acadêmicos e não-acadêmicos que, pelo mérito da argumentação, muitas vezes não se sustenta.
Por outro lado, a sociedade avança e com ela os desafios que abarcam a todos. Os eventos multiplicam-se e exigem posições diferenciadas. As instituições mantêm políticas questionáveis e os formadores de opinião são defrontados com situações que exigem posturas diferenciadas. Eles costumam fazer jus a elas? Quase nunca. Surge um tema candente – a execução de um brasileiro condenado à morte por tráfico de drogas – e os comentadores colocam-se ora a favor (dificilmente), ora contra (mais comum). Os meios de comunicação abrem espaço para comentários dos leitores e pronto, sente-se feito o que deveria ser feito. Será? Não haverá espaço para comentadores diferenciados? Cadê eles? Eles não existem? Devem existir. Mas, por experiência própria, o que acontece nesse tipo de situação é que os meios de comunicação são instados a procurar intelectuais diferenciados num meio que não promove qualquer diferenciação, que é o meio acadêmico. Nesse meio, todos lêem as mesmas coisas, em geral. Todos dominam as mesmas línguas. Todos precisam ter parâmetros similares para aprovarem os mesmos e serem aprovados por eles. Kuhn, em seu livro A Estrutura das Revoluções Científicas, mostra bem isso. Ou alguém aí não cita a torto e a direito a terminologia paradigmas, sem saber de onde ela se origina? Paradigma é o conceito por excelência de Kuhn nesse livrinho tão influente e normalmente esquecido. E o que ele diz? Que os cientistas normalmente tendem a esposar paradigmas que só costumam ser questionados por fora, por cientistas – ou não – que ousam pensar diferente. O que digo, neste artigo? Que por diversos motivos os acadêmicos jamais ousam pensar diferente. E que quem ousa pensar diferente normalmente está fora da Academia. E que normalmente estes que ousam pensar diferente não são levados em conta por quase ninguém. Todos buscam, da boca para fora, novos ditos paradigmas. Mas ninguém que poderia tenta estabelece-los. Por quê? Porque obedece os ditames dos de sempre, os acadêmicos que têm medo de pensar diferente. Pergunte a um ex-amigo meu o que ele pensa sobre determinado assunto. Ele propõe-se a citar referências que costumam valer para todo o mundo – mas dificilmente especula por si próprio sobre o tema. Opta pela segurança ao invés de pelo frio na barriga de poder ser questionado pelos pares.
Claro, até o conhecimento acadêmico evolui. Referências antigas ruem com o passar do tempo e são substituídas por outras. Mas isso é gradual e cria uma aparência de consenso que, também aí, limita as tentativas de pensar diferente. Há pouco moda era citar Walter Benjamin. Antes, era Foucault. Hoje é Agamben. Por quê? Por méritos argumentativos de todos esses autores. Mas por que cita-se tão facilmente esse ou aquele autor? Normalmente porque ele é lido e aceito. Mas lê-se algo que poderia questioná-los? Até se lê autores discordantes. Mas, regra geral, os acadêmicos citam o que mais agrada seu público leitor, que é o.... acadêmico, claro. São pares avaliando os próprios pares. E o público em geral? Engole em seco, não sabendo por que citam este e não aquele. Normalmente cita-se este e não aquele por identificações político-ideológica, todos sabem. Mas não admitem.
Claro, esse costume de ficar apenas com o que já previamente se conhece não é privilégio da academia. Em quase qualquer ambiente, ou mesmo grupo, existe uma tendência disseminada de só gostar de citar e comentar aquilo que previamente o grupo aprova ou mesmo conhece. É um hábito humano, em suma. Pois citar algo que não conhecemos faz-nos parecer ignorantes ou mesmo não termos base para pensar a respeito – pois parece que precisamos conhecer profundamente algo para simplesmente opinarmos com a intenção de acertar. O que acontece, então, com aqueles, como eu, que costumam destoar da maioria? São considerados excêntricos, pessoas não muito gratas, pessoas polêmicas ou mesmo incômodas que o grupo faz questão de aos poucos retirar do convívio. Vocês podem me dizer que isso é um exagero. Não, não é. Pois noto que mesmo entre aqueles grupos dirigidos por pessoas extremamente tolerantes existe uma tendência por não ouvir aquilo que destoa, aquilo que pode ameaçar um certo consenso que "faz as coisas funcionarem". Quando pessoas como eu, que pensam por si próprias, fazem trabalhos que acrescentam em direções inconvenientes, elas no máximo são toleradas e seus trabalhos, guardados. Dificilmente discute-se o que uma pessoa polêmica coloca em questão. Prefere-se deixar para lá, deixar a pessoa falar e depois mudar de tema. É natural, isso. Pois afinal vivemos numa sociedade em que o conhecimento é poder, e admitir que o outro possa ter um conhecimento que nós não temos significa dar-lhe poder – quando muitas vezes não queremos fazer isso por não termos certeza de que tal pessoa possa ser controlada ou obedecer os mesmos fins que nos norteiam. Já se essa pessoa faz parte da entourage, é diferente. Pode ela falar a maior bobagem que tudo bem. Afinal, faz parte do nós, é nossa amiga. Schmitt explica.
É curioso, porque conversando com amigos e amigas distantes do universo acadêmico percebo, com o passar do tempo, que isso que eu aprendi como se fosse o tal do rigor acadêmico de uma FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP), ao menos do que dizia respeito a um curso de Filosofia é, em grande parte do tempo e das vezes, ao menos parcialmente, rotulado como simples respeito à letra do texto, quando o rigor necessário para fazer do pensamento algo duro e vivo, ao mesmo tempo, radica também em outro lugar, qual seja, no rigor necessário para ter coragem de afirmar e de pensar o que é necessário. E nesse sentido vejo muito mais rigor às vezes no pensamento de quem está de fora da Academia.
Vejam, existem hoje diversos outros espaços em que especialistas formados pela Academia refletem sobre suas especialidades e sobre outras realidades. O site Obviousmag é um deles. Lá estão 364 ensaístas que opinam sobre os mais diversos pontos. Reparo, olhando em seus perfis, que a grande maioria deles são especializados no ramo da Comunicação, especialmente a comunicação audiovisual. Ocorre que nesse espaço eles pouco se estendem, em geral, em assuntos diversos. Na verdade, a eles parece faltar, em geral, algo de fôlego, é o que eu reparo. Mas por outro lado o espaço, que parece bastante visto, abre oportunidades para experimentos. Pensamentos que fogem do tradicional passam por lá. Hipóteses aparentemente improváveis fazem a graça do local. Ou seja, há, lá, nesse espaço bastante bem organizado, um local para quem já tem algum rigor conceitual derivado de seu trabalho na Academia conseguir "viajar" rumo a lugares desconhecidos. Porque ao que parece na Academia mesmo esse lugar escasseia. E porque escasseia decepciona quem gosta do pensamento também por algo lúdico, pelo prazer da descoberta. Por isso que muitos consideram dever conseguir passar ao estudantado que parece não ter vontade de nada.
Os desafios envolvendo o pensamento parecem só se multiplicar ao nosso redor. Diversos questionamentos de ordem prática que por sua vez demandam desenvolvimentos teóricos não cansam de desafiar os homens de ênfase prática e os intelectuais, que são mais e mais formados, ao menos teoricamente, pela Academia, em suas mais variadas formas. Mas o pensamento acadêmico parece ter parado no tempo ou não dar espaço a quem pode eventualmente desafiá-lo para que se renove. O pensamento acadêmico tanto parece haver parado que jornalistas como o Jabor, e colunistas de alcance razoável na opinião pública, não vêem nos especialistas nada além de decadência, mesmo ou especialmente tomando os especialistas do exterior. Aqui no Brasil, então, nem pensar em ouvi-los. Parece tão anacrônica a Academia que mal daria para leva-la, em última instância, a sério. Fazer o que, dirão. Reinventar-se, diria eu.
Conclamo, então, a Academia a refletir sobre o que ela tem a ganhar com a aproximação de seus critérios de rigor aos do mundo à sua volta, que não para de se tornar mais e mais complexo e a roubar seus privilégios em nome da liberdade de expressão e de pensamento. Haverá alguém que leve isso a sério? Não sei. Eu levo. Este texto é apenas uma expressão parcial de uma reflexão que faço há muito e que começa a tomar corpo em diversos campos em que atuo, por exemplo no teatro, na comunicação e na política.
Rodrigo Contrera

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