A acessibilidade visual de curtas-metragens de animação em mídias locativas

June 14, 2017 | Autor: Adriano Chagas | Categoria: Animation, Convergence, Spectatorship, Audiovisual, Mobile and Location-Based Media
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Acessibilidade visual de curtas-metragens de animação em mídias locativas Visual accessibility of animation short films in locative media Adriano Chagas dos Santos1 Resumo

Trama Indústria Criativa em Revista

Este trabalho pretende ampliar o debate sobre a realização de produtos audiovisuais voltados para o consumo em dispositivos móveis. Busca-se evidenciar as estratégias e referências visuais que proporcionariam comunicabilidade integral ao objeto de estudo: os curtasmetragens finalistas da categoria animação da edição 2014 do Festival Celucine. O suporte teórico da pesquisa surge nos estudos de Rudolf Arnhein, Jacques Aumont, Antonio Gomes Penna e Lucia Santaella. Propõe-se uma investigação sobre os limites do ato de criar na contemporaneidade e, ainda, se esta ação estaria condicionada ao universo das pequenas telas.

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Palavras-chave: Audiovisual, convergência, mídias móveis, animação, espectatorialidade.

Abstract This work aims to broaden the debate about the realization of audiovisual products for consumption on mobile devices. We seeks to highlight the strategies and visual references that would provide full communicability to the object of study: the short films finalists os the animation category in edition 2014 of Celucine Festival. The theTrama: Indústria Criativa em Revista. Dossiê: Mobilidades e Cotidianos. Ano 1, vol.1, Janeiro-Julho de 2016: 206-221. ISSN: 2447-7516

oretical support for the research comes from the studies of Rudolf Arnhein, Jacques Aumont, Antonio Gomes Penna e Lucia Santaella. It is proposed an investigation into the limits of the act of creating the contemporaneity and even if this action would be inherent to the universe of small screens.

Keywords: Audiovisual, convergence, mobile media, animation, spectatorship.

O cinema brasileiro de animação atravessa um momento único. Depois de vencer o prêmio de melhor curta-metragem nacional no festival Anima Mundi 2015, a obra “Guida”, de Rosana Urbes, com seus 11 minutos e 30 segundos de duração, conquistou o prêmio Jean-Luc Xibernas, de melhor curta de estreia, no festival de Annecy, na França. “Guida” apresenta uma história sobre “a passagem do tempo, a nostalgia e a busca poética pela inspiração como forma de renovação da vida”, define a diretora. A história da arquivista que tem a rotina alterada ao posar como modelo vivo em uma centro cultural de São Paulo já foi exibido em festivais em todo o Brasil e países como Estados Unidos, México, Venezuela, Argentina, Portugal, Espanha e França. O reconhecimento a “Guida” marcou também o terceiro ano seguido de vitórias brasileiras no festival criado há 55 anos em Annecny: “Uma história de amor e fúria”, de Luiz Bolognesi, ganhou em 2013, e “O menino e o mundo”, de Alê Abreu, foi a melhor animação no ano passado. Este último apresenta a questão da desigualdade social por meio do percurso de um menino em sua jornada de autoconhecimento, possui 85 minutos de duração, e ainda foi premiado este ano com o troféu de melhor animação no festival Platino, em Marbella, na Espanha e foi um dos finalistas ao Oscar 2016. Na quase totalidade dos produtos audiovisuais do gênero animação, o realizador detém o controle integral dos elementos estéticos de sua obra. A acessibilidade ao conteúdo, assim, estaria submetida às escolhas artísticas e videográficas que envolvem cor, forma, enquadramento e movimentos de câmera, por exemplo, e são definidas na etapa de criação. Mas hoje, o cenário de convergência, apontado nas

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Introdução

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ideias de Marshall McLuhan, conduz a audiência de produtos audiovisuais de todos os gêneros para muito além da tradicional sala escura. A diversificação das formas de acesso a conteúdos de entretenimento como vídeos, por exemplo, é facilitada pela oferta, no mercado, de dispositivos móveis cada vez mais velozes e com maior poder de processamento. Os novos meios, com suas telas de dimensões reduzidas, assumem a forma de um palco de exibição de conteúdos com características próprias, instigando uma reflexão artística particular e projetando desafios inéditos para produtores e desenvolvedores, para o entendimento e a aplicação deste contexto. Concomitantemente, a cada dia o espectro de radiofrequências suporta o tráfego de informações em maiores velocidade e capacidade. O movimento de universalização do acesso à internet converte-se em uma garantia de que o consumo de imagens ocorra em todo lugar, dentro dos mais diversos contextos, referenciando um modelo de convergência de meios jamais experimentado na história da humanidade. Considerando este contexto, a ideia deste artigo é contribuir com a reflexão sobre os atributos necessários em produtos adequados às novas e onipresentes mídias locativas, dispositivos manuseados com destreza pela parcela mais jovem da população em diversas atividades cotidianas. A produção de filmes de animação, especialmente a que se enquadra no formato de curtas-metragens, ainda não estabeleceu um mercado formal para a remuneração de seus realizadores. Por outro lado, torna-se um desafio construir uma obra que sirva, sem alterações, para ser exibida em telas como as das salas de cinema e as de poucas polegadas de diâmetro, presentes em equipamentos como tablets e smartphones. Esta disparidade, no momento de exibição, deveria ser considerada relevante e, eventualmente, afetar o processo de planejamento e enquadramento de cenas. Os conteúdos e mensagens dos produtos audiovisuais, independentemente do gênero, duração e formato, têm a sua comunicabilidade influenciada pela mobilidade dos novos meios. A espectatorialidade, nestas condições, é afetada por uma série de fatores externos, na comparação com os veículos já consagrados. A cena de um consumidor assistindo televisão, confortavelmente sentado na sala de casa, foi substituída pelo ambiente típico das grandes cidades e suas ruas barulhentas, dos transportes públicos lotados e os restaurantes especializados em refeições rápidas, entre outros contextos. Nestes locais,

a audiência mergulha nas narrativas expostas em seus telefones celulares e tablets para configurar uma nova relação entre um produto audiovisual e seu público.

Contextos de produção O realizador de uma obra audiovisual, na contemporaneidade, não pode ignorar a complexidade de formas de visualização do seu produto, muito menos os elementos que atrapalhariam ou facilitariam este processo. Os estudos de Rudolf Arnhein (2005) indicam que os fatores humanos, há muito tempo, margeiam o diálogo entre aqueles que criam e apreciam um bem artístico ou cultural. Ele defende que: A atividade artística é um componente do processo motivador tanto no artista como no consumidor, e como tal participa da busca do equilíbrio. O equilíbrio se consegue na aparência visual não apenas das pinturas e esculturas, mas também dos edifícios, móveis e cerâmica é desfrutado pelo homem como uma imagem de suas aspirações mais simples (ARNHEIN, 2005, p. 28).

A organização da imagem proposta por Eisenstein tem como principal foco de atenção o espectador: é ele quem o autor visa transformar através deste procedimento. Tal fato faz com que ele ainda se encontre, com certa instância, preso a um sentido estabelecido pré-diegeticamente, isto é, ancorado na realidade compartilhada com este espectador (BUTRUCE, 2005, p.61).

O psicólogo alemão Rudolf Arnhein (2005) perpetuou que “o ver é compreender”. O homem, de forma modesta, anteciparia a capacidade do artista na produção de padrões de representação da experi-

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Conectar um determinado grupo cultural ao bem artístico, por meio de um conjunto de referências icônicas compartilhadas com o realizador, torna-se crucial para a criação de uma espécie de “ponte comum” entre o público e a obra. A compreensão do público para o qual se está produzindo uma obra é tão essencial que esta relação profunda se situa no limiar da própria obra. Foi o resgaste de Butruce (2005), sobre o cinema das primeiras décadas do século XX, em que:

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ência por meio da forma, assumida como configuração visível de um determinado conteúdo, narrado pela imagem. Em um display de dimensões reduzidas, a decomposição de um produto deve considerar uma complexa cadeia de ocorrências. Elas envolvem exposição, meio, percepção, significado e fatores emocionais e fisiológicos. No cinema de animação, a relação entre a percepção e as alternativas artísticas que se apresentam para a realização da obra são decisivas para integralizar sua comunicabilidade. Para o teórico Jacques Aumont, a imagem é, em primeiro lugar, um objeto do mundo. As determinações fisiológicas ou psicológicas da relação do espectador com a imagem não são suficientes para descrever este processo sem a participação dos modernos meios técnicos de produção, circulação e reprodução de imagens: os lugares onde estas imagens são assistidas e os suportes em que as mesmas são difundidas, ou seja, o dispositivo. Nos referimos aos estudos do professor e escritor francês sobre o tamanho da imagem. Segundo ele, a imagem está posicionada entre os elementos que determinam e especificam a relação que o espectador vai estabelecer entre seu próprio espaço e o espaço físico da imagem. Aumont também registrou que as:

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Nossas principais fontes de imagens, o livro, o dispositivo, a tela de televisão, achatam por completo a gama de dimensões das imagens, incutem-nos inidevidamente a ideia de que todas as imagens têm dimensão média e nos levam a uma relação espacial fundada também em distâncias médias (AUMONT, 2012, p.144).

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Assim, um produto audiovisual assistido em um dispositivo móvel, inicialmente tenderia a afastar ou dispersar a atenção do seu espectador, entre outros fatores, em função da proporção reduzida da tela. No entanto, o fascínio exercido pelo manuseio do dispositivo, especialmente entre a camada mais jovem de usuários, poderia compensar esta noção inicial. Desta forma, a análise da realização de um produto de animação deve situar-se, fundamentalmente, em torno dos seguintes recursos: a percepção e a sensação; o roteiro; a proporcionalidade da imagem; a cor; a escala; o movimento da câmera; o enquadramento e, por último, sua linguagem. O consumidor de conteúdo audiovisual, na contemporaneidade, superou o conceito da mídia onde se fixa uma determinada informa-

ção ou conteúdo, para chegar à hipermídia, na qual a associação de meios de navegação entre diversos textos, formas, sons e imagens criam uma nova forma de pensar a criação de um conteúdo de animação, como registrado por Machado e Vélez (2007): A hipermídia oferece hoje a possibilidade de fundir num único meio e num único suporte todos os outros meios; e ela o faz ainda de uma forma integrada, de modo que textos escritos e oralizados, imagens fixas e em movimento, sons musicais ou ruídos, gestos, toques e toda sorte de respostas corporais se combinam para constituir uma modalidade discursiva única e holística. A hipermídia nos coloca, portanto, o desafio de aprender a construir o pensamento e expressá-lo socialmente através de um conjunto integrado de meios, através de um discurso áudio-tátil-verbo-moto-visual, sem hierarquias e sem a hegemonia de um código sobre os demais. (MACHADO e VÉLEZ, 2007, p.13)

Dentro desta perspectiva convergente, da profusão de meios, o produtor de animação construirá suas narrativas e produtos, valendose das escolas artísticas e meios expressivos, com o objetivo de comunicar. Tornar comum uma narrativa que se aplica a um universo inteiro ou a um grupo específico é exercitar o papel disseminador que as mídias locativas executam, como poucos aparatos registrados na história.

A continuidade deste ensaio refere-se à relevância dos ambientes de consumo de imagens por meio dos dispositivos móveis e sua importância na construção da obra audiovisual. Em artigo anterior, enfatizamos que a disseminação de conteúdos por meios digitais traz alternativas para o consumo de vídeos. Observa-se atualmente uma associação das possibilidades de distribuição de conteúdo entre antigas e novas plataformas. Entre elas estão as mídias locativas, uma vez que, “nos dias atuais, sempre há um dispositivo capaz de solucionar a questão da distância e do espaço entre produtores e consumidores: uma garantia da audiência em todo lugar, em qualquer contexto” (CHAGAS, SOPRANA, 2014, p. 216). O fenômeno da convergência, que possui como suporte os dispositivos digitais, evoca a consciência do contexto. Hoje, talvez, a função

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Contextos de audiência

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menos utilizada por um usuário de smartphone, seja a ortodoxa comunicação por voz. As demais ferramentas que propiciam a comunicação alteram não só os padrões dos fluxos de informação e de interação, mas também, e fundamentalmente, as situações em que esta comunicação se efetiva. Os estudos de Lucia Santaella apontam o surgimento de estruturas espaciais interativas e a reconfiguração das práticas cultuais. As mídias locativas oferecem:

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Serviços baseados em locais que, por meio da rede geoespacial, estão ligando os bits imateriais da mídia e informação com lugares físicos do espaço público urbano. São práticas tecnosociais com o potencial de gerar formas de participação pública que reconectam as dimensões materiais do espaço físico com os recursos participativos da esfera pública virtual (SANTAELLA, 2014, p. 130).

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No cenário global dos países com desenvolvimento pleno de suas redes de comunicações físicas e móveis, sempre há um dispositivo apto a solucionar a questão da distância física e do espaço entre produtores e consumidores de conteúdo. Mas, no contexto de rede compartilhada, é possível afirmar que estes papéis se confundem. O palco que evidencia a importância da reflexão artística nos produtores de conteúdo e se transfere, virtualmente, para as mãos dos usuários e novos espectadores, por meio de tablets, laptops, telefones pessoais e os demais aparatos que se multiplicam em profusão e capacidade de recebimento e transmissão de dados. Os novos meios, nos últimos anos, foram responsáveis por expandir a experiência de consumo de conteúdo audiovisual. Como os vídeos da amostra em observação neste artigo – filmes de animação com duração entre 30 segundos e três minutos – a ação de assistir qualquer produto em dispositivos móveis caracteriza uma relação singular entre a veiculação de conteúdo, sua utilização pelo usuário e o modo de audiência. A teórica de televisão Amanda D. Lotz elabora este modo particular de ver televisão, enquanto uma espécie de “condomínio fechado”, caracterizado pela expansão da flexibilidade na distribuição de conteúdos e da oferta de programação sob demanda. Este cenário está, aos poucos, fragmentando a audiência em nichos e enfraquecendo o poder das grandes redes. Desta forma, tanto os aparelhos de televisão, como os dispositivos móveis, se caracterizam

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como máquinas, mas também – e principalmente – pelos conjuntos de atributos e práticas associadas ao seu uso: uma cena cotidiana em espaços públicos e privados nos dias atuais. Este cenário é amparado pelo aumento regular da disponibilidade de equipamentos como os smartphones, cada vez mais acessíveis aos usuários, com maior capacidade de processamento de tarefas e melhores características técnicas de captação, processamento, distribuição, reprodução e projeção de imagens e sons. O número de dispositivos móveis portáteis2 aumenta em progressão geométrica no Brasil. O país fechou o ano de 2015 com 257,79 milhões de acessos em telefonia móvel, ou seja, cerca de 1,25 aparelho por habitante, segundo a Agência Nacional de Telecomunicações3. Um estudo4 da multinacional de tecnologia Cisco estima que a proporção entre o número de celulares e habitantes continuará em evolução: até 2020, haverá no planeta cerca de 5,4 bilhões de pessoas com um celular. Este indicador supera o número de pessoas que, naquela data, devem possuir acesso à energia elétrica (5,3 bilhões), água corrente (3,5 bilhões) e ultrapassar até a previsão de número de carros nas estradas (2,8 bilhões). Em seis de abril de 2016, o IBGE divulgou um suplemento da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad)5, de 2014, dedicada ao uso do celular, internet e televisão. Os indicadores mostraram que a internet está presente em quase 55% dos lares no Brasil. Destes, 80,5% usam o celular para acessar a rede mundial de computadores. A relevância destes números é ampliada pelo fato de que o aumento no uso do celular como meio de acesso à internet, no período de um ano, foi superior (78,8%) aos tablets (50,4%), equipamentos que também possuem comprovada mobilidade, mas foram desconsiderados intencionalmente nesta dissertação, em função de sua diminuta característica de portabilidade. Ao mesmo tempo, O processo de convergência e modernização das redes de telecomunicações avança em progressão geométrica. Em 23 de fevereiro de 2016, a União Europeia e o Brasil assinaram um termo de cooperação para o desenvolvimento da tecnologia 5G, a próxima geração das redes de comunicação para pessoas e objetos, cuja implantação em toda a Europa deverá estar consolidada até 2020, quando cerca de 26 bilhões dispositivos estarão conectados entre si e sete em cada 10 pessoas terão um smartphone. Esta nova rede

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pretende ser a espinha dorsal de um Mercado Único Digital da União Europeia, formado por indústrias de vanguarda, serviços públicos modernos e de aplicações inovadoras, como os automóveis conectados, as casas inteligentes e os serviços de saúde móveis. O telespectador, no celular, experimenta uma variedade muito maior de modos de assistir televisão do que o espectador de cinema. Antes mesmo do surgimento da tecnologia, o teórico estadunidense John Fiske registrou que o “ver” seria um processo ativo, afetado pelas relações sociais do próprio espectador e a situação material ao seu redor (FISKE, 1987). O ambiente do espectador em casa, sentado em sua poltrona, assistindo a uma televisão, foi substituído pelas ruas barulhentas, os transportes lotados e as mesas de restaurantes especializados em refeições rápidas. No display convencional ou no telefone celular, hoje, a qualquer momento, é possível ver conteúdo ao vivo, via aplicativos como o Periscope, televisão digital aberta (broadcast), filmes baixados por download ou streaming, serviços de vídeo sob demanda (VoD) como Netflix e Crackle, sites especializados no armazenamento e reprodução de vídeos como Youtube e Vimeo, além dos vídeos dos próprios usuários, registrados com os dispositivos móveis e compartilhada pelas redes sociais.

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O Festival Celucine

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O Festival Celucine detém o protagonismo histórico de direcionar a atenção para a realização audiovisual digital. A mostra foi criada em 2008, no Rio de Janeiro, pela Associação Revista do Cinema Brasileiro. Os filmes concorrentes devem ser gravados com tecnologia digital e ter entre 30 segundos e três minutos de duração, classificação definida pelo regulamento como “micrometragem”. As obras devem ser inéditas e podem ser inscritas em apenas uma, entre três categorias: documentário, ficção e animação. Os vencedores de cada categoria recebem um prêmio em dinheiro. Em 2014, o festival recebeu o número recorde de 256 filmes inscritos, de todo o Brasil e de Portugual, contra 175 no ano anterior. A procedimento de inscrição, gratuito, inclui a disponibilização do video em plataformas de armazenamento e reprodução de conteúdo audiovisual, como o YouTube ou o Vimeo, além do preenchimento da inscrição na página do concurso no Facebook.

No caso da categoria animação, objeto de análise neste artigo, houve oito obras finalistas: “Nunca vi ela sorrir”, de Afarés Nattan; “All You Need is SEX”, de Luiz Melo, “Power Charques”, de Rafaela Cavalcanti, Fernanda Xavier e Sara Régia; “À Procura da Identidade Digital”; de Christian Caselli; “Touch”, de Caíque Oliveira; “Chá das Cinco”, de Jarbas Valim; “Um Salve”, de Mário Sérgio Ferreira; e “Restos de Coisas”, de Marco Nick. A tabela 1, abaixo, apresenta as obras, seus diretores, o tempo de duração de cada uma delas e o Estado em que o filme foi realizado.

Direção

Tempo Estado

Nunca vi ela sorrir

Afarés Nattan

1:44

GO

All you need is SEX

Luiz Melo

1:00

PE

Power Charques

Rafaela Cavalcanti, Fernanda Xavier e Sara Régia

1:20

PE

À procura da identidade Christian Caselli digital*

1:00

RJ

Touch*

Caíque Oliveira

2:28

SP

Chá das Cinco

Jarbas Valim

2:48

SP

Restos de Coisas

Marco Nick

1:00

MG

Um salve*

Mário Sérgio Ferreira

1:36

SC

Tabela 1 – Obras finalistas da categoria Animação do Celucine 2014 Fonte: elaborado pelo autor, com base na pesquisa realizada. *Obras não disponíveis na internet.

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Filme

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Entre os oito filmes finalistas, apenas cinco ainda permaneciam disponíveis na internet, no momento da produção deste artigo. Não existe, hoje, uma fórmula final definitiva para a análise de conteúdos audiovisuais. No entanto, entre os videos da amosta, é possível observar as opções compositivas de seus realizadores, a partir de frames selecionados, relacionando-os à base conceitual da psicologia da Gestalt, a partir das alternativas de cor, textura, forma e composição de quadro, dentro de uma perspectiva de eficiência, considerando-se uma área de exibição exígua como as telas dos smartphones. O foco de nosso estudo se posiciona apenas na experiência do usuário. O filme “Nunca vi ela sorrir” é inspirado na sequencia de ilustrações de Meet Raven. O protagonista enfrenta alguns desafios para conquistar sua amada. Quando a música é interrompida, a narrativa mantém a dúvida se, algum dia, ele conseguirá amolecer o frio coração da dama. A música “Futuros Amantes”, de Chico Buarque, completa a contextualização da narrativa. A técnica de desenho simples, a economia nos detalhes e um cenário com poucos elementos, somado ao escalonamento de planos para revelar as nuances dos objetos e reforçar as ações, além da estética monocromática, contribuem para a eficácia da comunicabilidade da obra, dentro da perspectiva de audiência em dispositivos móveis. O finalista “All You Need Is SEX”, produzido por estudantes do Centro Acadêmico do Agreste (CAA), em Caruaru (PE), possui um minuto de duração. A estética do videoclipe – a música é Sex, Sex, Sex, de Gablé – é resgatada neste curtametragem de quadro a quadro que alterna de forma descontínua os estilos gráficos, inspirações e referências estéticas e históricas, dentro de cada cena e plano. A obra convida o usuário a uma experiência de consumo linear, mas também espasmódica, para desvendar o desenho dos personagens em cada frame, sempre enquadrados em dimensão e proporção coerentes, desde a ação do beijo até o momento em que os personagens começam a se despir, em um produto que pode ser considerado como uma Gestalt forte. Neste aspecto, é possível afirmar que não ocorre desperdício narrativo com a apreciação desta obra em uma tela exígua. A animação “Power Charques” também possui um minuto de duração e, a exemplo do video anterior, foi desenvolvida como atividade acadêmica pelos discentes da Universidade Federal de Pernambuco. Esta animação em stop motion sobrepõe colagens em fotografias e foi

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captada por uma câmera Nikon D3200. A narrativa reúne duas heroínas imortalizadas nas histórias em quadrinhos e no audiovisual: a Mulher Gato e a Mulher Maravilha. A sequência de quadros do filme envolve o encontro, o flerte, a conversa, o beijo e a relação sexual entre elas, em um espaço urbano. Sempre enquadradas da cintura para baixo, as duas se livram da máscara, chicote, cinto, tiara e dos braceletes para protagonizarem um balé de pernas que reafirma o respeito aos instintos, em um ambiente no qual a heterossexualidade não é a regra, construindo uma narrativa coerente com o universo das pequenas telas. O vídeo “Chá das Cinco” é o concorrente que apresenta a narrativa mais complexa, culminando em um ponto de virada evidente, recurso comum entre produtos mais elaborados e com maior duração. O filme possui uma boa paleta de cores e visual rico, construído com objetos em 2D em camadas, simulando o 3D. Os personagens são caricaturais, numa estética que remete às histórias em quadrinhos, e os planos iniciais, que ambientam a mansão do personagem principal, criam uma aura de suspense e mistério. A animação apresenta o velho Malaquias, um senhor famoso por nunca perder a hora do chá, e seu novo mordomo, Jarbas. No horário exato, o serviçal serve ao patrão a bebida presenteada pelo amigo, dr. Hyde, sem desconfiar do segredo escondido em sua fórmula. Alguns planos em close e outros seguintes, de detalhes, justificam a integridade das cenas e contribuem para a compreensão da narrativa. Toda a evolução da história remete a uma hipotética compreensão dos conceitos de composição que deveriam ser observados quando está em discussão um projeto audiovisual direcionado a telas de dimensões variadas. O quinto e último trabalho observado neste artigo foi o vencedor do Celucine 2014: “Restos de Coisas” também possui um minuto de duração. A história mostra a trajetória de um homem que, desde a infância, se habituou a descartar todo tipo de objeto em uma caçamba de lixo. Das brincadeiras típicas da infância até a sua velhice, percebese que a cidade se desenvolveu e o homem preservou suas memórias, mas a caçamba não está mais presente no local. O cenário da cidade, ao fundo, é construído em tons de cinza. A caçamba é apresentada em laranja. A textura e o grafismo do personagem - cuja roupa também foi elaborada em tons de cinza - por vezes se confundem com a dos prédios do cenário. No entanto, a proporção da ação, em relação

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à área de exibição, se revela adequada. Neste caso, as condições de espectatorialidade observadas nas modernas mídias móveis – onde o conteúdo pode ser apreciado a qualquer momento, em todo lugar – podem, eventualmente, influenciar a comunicabilidade da obra, especialmente nos momentos em que o personagem atua mais próximo da caçamba, quando a cidade já cresceu.

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Figura 1 - frame do filme “Restos de Coisas”. Elaborado pelo autor, com base na pesquisa realizada.

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Em sua totalidade, o vídeo “Restos de Coisas” emprega formas simples e não possui variações de quadro e apenas um pequeno movimento de câmera – um zoom out que anuncia o fim da história. Toda a ação ocorre no espaço urbano representado na tela, cujas limitações são respeitadas. Esta simplicidade de formas, dentro de um discurso complexo, pode contribuir negativamente para a integralização da narrativa. Percebe-se, então, que uma questão central para orientar a elaboração dos conteúdos para este segmento reside na adequação das características de dimensão e proporção da obra às pequenas telas. Os créditos finais – onde surge o título da obra – são ilegíveis, dentro das alternativas de proporção escolhidas e das condições de audiência propostas neste trabalho. Por último, cabe esclarecer ainda que, nesta obra, assim como nos demais vídeos analisados, as informações de áudio são consideradas como absolutas, ou seja, não habitam a esfera de influência nas diversas condições de espctatorialidade. Considera-se o consumo das imagens com o apoio de fones de ouvido ou equipamentos afins.

A amostra fornecida pelo Festival Celucine converteu-se em um excelente laboratório de análise do pensamento preliminar sobre um modelo de conteúdo direcionado exclusivamente para veiculação em mídias locativas. Todos os vídeos do objeto, alguns mais, outros menos, apresentaram alternativas artísticas e narrativas prejudiciais à acessibilidade visual a seu conteúdo e a sua narrativa, títulos e créditos, considerando-se o universo dos dispositivos móveis. Mas, na busca de aspectos considerados relevantes pelos realizadores, dentro desta perspectiva de consumo de produtos audiovisuais em telas pequenas, cabe afirmar que houve sucesso na condução artística das obras. Atualmente, há uma infinidade de técnicas de animação para a realização audiovisual. Mesmo o mais humilde artista tem à disposição recursos que dão à imaginação a liberdade sempre sonhada pelos contadores de história. A janela de tamanho limitado que, comprovadamente, deve exercer influência no planejamento que se propõe para uma obra, substitui, aos poucos, as telas de cinema e de televisão. Assim, o maior desafio, neste contexto, reside na identificação de formas de adaptação de conteúdos para este espaço de exibição limitado por poucas polegadas de lado. Nos dias atuais, o pensamento criativo ainda segue muito condicionado para os espaços de exibição ortodoxos, onde as questões de proporção de quadro e tamanho dos objetos são facilmente equalizáveis. As novas mídias invocam uma maior reflexão sobre a arquitetura cenográfica e de cena, agora impactada pelo tamanho limitado para a exibição de conteúdo. E, por fim, esta nova condição de espectatorialidade considera uma diversidade de estímulos, oriundos do ambiente externo. Talvez o baixo potencial de remuneração do segmento desestimule o olhar para a realização de produtos customizados para telas pequenas. Mas, quem sabe, produtos com características mais próprias para pequenas telas possam se tornar os indutores de uma nova ordem de consumo e configure uma tendência do mercado audiovisual. Cabe provocar a arte e a técnica, subvertendo os conceitos e abrindo novas fronteiras de expressão para complementar a revolução tecnológica proporcionada pelos novos meios com a revolução estética e técnica que se impõe.

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Considerações finais

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REFERÊNCIAS

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Notas 1. Metrando em Comunicação na Universidade Federal Fluminense e membro do grupo de pesquisa de televisão, teoria, imagem e recepção, “Entelas”; Professor da UNESA, atua na EBC, onde também integra o Centro de Pesquisa Aplicada, Desenvolvimento e Inovação em Comunicação Pública, desenvolvido em parceria com a Unesco. [email protected] 2. Aparelhos de telefonia celular. 3.http://www.anatel.gov.br/dados/index.php/component/content/article?id=283. Acesso em 16-2-2016. 4. http://www.cisco.com/web/PT/press/articles/2014/20140205.html. Acesso em 17-32016

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5.http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/pesquisas/pesquisa_resultados.php?id_ pesquisa=40. Acesso em 8-4-2016

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