A aglomeração urbana internacional de Foz do Iguaçu/Brasil: uma aproximação através da análise da migração pendular

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A aglomeração urbana internacional de Foz do Iguaçu/Brasil: uma aproximação através da análise da migração pendular Cleverson Alexsander Reolon1 Universidade Estadual Paulista (Brasil)

A rede urbana brasileira tem se tornado mais complexa devido à interiorização do fenômeno urbano, ao crescimento das cidades médias e à formação e consolidação de aglomerações urbanas metropolitanas e não-metropolitanas. O IPEA, IBGE e Unicamp (2001) buscaram mapear a espacialidade das aglomerações urbanas brasileiras, mas não mensuraram o grau de integração entre os centros pesquisados, revelado pelo movimento pendular de população. Neste artigo, quantificou-se as pessoas que utilizam o transporte coletivo intermunicipal para se deslocar entre Foz do Iguaçu e outros distritos contemplados por tal serviço, concluindo-se que, à aglomeração urbana internacional de Foz do Iguaçu, apontada parcialmente pelo IPEA, IBGE e Unicamp, deveria ser incluído mais um município brasileiro: São Miguel do Iguaçu. Sumariando o artigo, indaga-se sobre o real sentido do processo de aglomeração urbana que ocorre tríplice fronteira. The Brazilian urban network has become more complex because of the expansionism of the urban phenomenon to the countryside, the growth of the intermediate-sized cities and also because of the formation and consolidation of the metropolitan and nonmetropolitan urban agglomerations. The IPEA, IBGE and Unicamp (2001) have mapped the spatiality of the Brazilian urban agglomerations, but they haven’t measured the integration degree among the districts researched, that can be revealed by the commuting. This research focused on analyzing how many people use the public transportation to get around Foz do Iguaçu and others districts where this kind of transportation service is offered. It was concluded that at the international urban agglomeration of Foz do Iguaçu, partially pointed by the IPEA, IBGE and Unicamp (2001), should be include another Brazilian district: São Miguel do Iguaçu. At the end of the research, a question about the real sense of the urban agglomeration process that occurs at the triple border of Brazil, Paraguay and Argentina was raised. Palavras-chave: Produção do espaço, aglomeração urbana; cidades médias; migrações pendulares; Foz do Iguaçu. Keywords: Production of the space; urban agglomeration; intermediate-sized cities; commuting; Foz do Iguaçu.

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Doutor em Geografia, com pós-doutorado em andamento, pela UNESP – Univ Estadual Paulista, Presidente Prudente. Pesquisador do Laboratório de Estudos Regionais (LABER), vinculado ao Grupo de Estudos Fronteiriços (GEF), e do Observatório das Cidades e membro do Grupo de Pesquisa Produção do Espaço e Redefinições Regionais (GAsPERR) e da Rede de Pesquisadores sobre Cidades Médias (ReCiMe). Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), sob processo n. 2012/24563-1. AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 6, dez 2013

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INTRODUÇÃO A rede urbana brasileira tem se tornado mais complexa nos últimos anos, em parte, em virtude da reestruturação produtiva. Neste contexto, dentre outros elementos, destacamse a interiorização do fenômeno urbano, o crescimento das cidades médias e a formação e consolidação de aglomerações urbanas metropolitanas e não-metropolitanas, isto é, polarizadas ou não por metrópoles (MOTTA, 2004). Segundo Motta (2004), amparada pelo estudo Caracterização e Tendências da Rede Urbana do Brasil, desenvolvido pelo IPEA, IBGE e Unicamp (2001), o sistema urbano brasileiro compreende quarenta e nove aglomerações urbanas, cuja distribuição territorial acompanha a faixa litorânea do país, interiorizando-se especialmente na região Centro-Sul, mas tornando-se menos densa na medida em que avança para o Oeste2. A autora ainda descreve a existência de um “arco urbano” que acompanha a fronteira meridional do Brasil, estendendo-se desde o Rio Grande do Sul até o Mato Grosso do Sul, refletindo “antigas preocupações geopolíticas e novas tendências geoeconômicas em razão da integração econômica do Cone Sul da América” (p. 136). A aglomeração de Foz do Iguaçu se insere neste quadro, tendo a Usina Hidrelétrica Itaipu Binacional e sua posição geográfica como elementos ilustrativos de sua formação, insinuada desde os anos de 1980 (SOUZA, 2002; MOURA, 2004)3. Conforme o IPEA, IBGE e Unicamp (2001), Foz do Iguaçu configura uma mancha de ocupação contígua com Santa Terezinha de Itaipu, e contínua com Ciudad del Este

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É importante ressaltar que a espacialidade das aglomerações urbanas identificadas não coincide, necessariamente, com a espacialidade das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas, microrregiões ou regiões integradas de desenvolvimento criadas por lei federal ou estadual, pois, neste caso, o foco é o processo de aglomeração urbana, isto é, algo que não possui qualquer vínculo com o ato políticoadministrativo de instituir unidades regionais.

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Para saber mais sobre o arcabouço político-econômico-social em que se insere o processo de construção da Usina Hidrelétrica Itaipu Binacional, bem como suas conseqüências, consultar Souza (2002; 2009a). Nestas obras, o autor analisa a dinâmica da produção do espaço regional relacionado ao Lago de Itaipu, desde o início da construção da hidrelétrica Itaipu Binacional, na década de 1970, até a recente organização da atividade turística, partindo do pressuposto de que a constituição de um espaço regional contém elementos do passado que são continuamente alterados.

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(Paraguai) e Puerto Iguazú (Argentina), cumprindo o complexo papel de polarizar uma aglomeração de fronteira entre três países4. Para definir a espacialidade das aglomerações urbanas brasileiras o IPEA, IBGE e Unicamp (2001) se basearam em critérios de natureza demográfica e de estrutura ocupacional da população, como tamanho populacional do núcleo da aglomeração, densidade demográfica do núcleo e de seu entorno e caráter urbano das atividades econômicas desempenhadas pelos habitantes. Todavia, tendo em vista a ausência de informações sobre o movimento pendular de população5, não se mensurou o grau de integração entre os municípios pesquisados. Soares (1968) e Galvão et al. (1969), autores que abordam critérios possíveis de serem utilizados no Brasil para auxiliar a definição da espacialidade de aglomerações urbanas, atestam que a análise de estatísticas relacionadas à integração entre unidades administrativas possui o mérito de dirimir dúvidas quanto à inclusão ou não de algumas unidades à aglomeração. Por isso, o IPEA, IBGE e Unicamp (2001) afirmam que o quadro de aglomerações urbanas apresentado em Caracterização e Tendências da Rede Urbana do Brasil é preliminar, ou seja, está sujeito à adequações. Visando suprir a lacuna deixada por Caracterização e Tendências da Rede Urbana do Brasil, complementando-o, procurou-se determinar o número de pessoas que utilizam o transporte coletivo intermunicipal6 para se deslocar a Foz do Iguaçu, a partir de localidades situadas no Brasil, com o objetivo de exercer suas atividades cotidianas. Considerou-se interessante trabalhar com esta modalidade de serviço de transporte

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As informações de Penner (1998) complementam o estudo Caracterização e Tendências da Rede Urbana do Brasil, de 2001, certificando que, no lado paraguaio da fronteira, a referida aglomeração se estende aos municípios de Hernandarias e Presidente Franco. No entanto, baseando-se simplesmente em imagens de satélite, pode-se assegurar também a inclusão de Minga Guazú a esta aglomeração, já que todos os municípios paraguaios possuem uma mancha de ocupação contínua. 5

Entendido como o ato de ir e vir diário das pessoas, deslocando-se de um ponto a outro do território.

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Transporte coletivo intermunicipal é a expressão utilizada neste artigo para designar o que o Departamento de Estradas de Rodagem (DER) chama de transporte metropolitano. De acordo com Vercezi (2001), o DER cunhou esta expressão para diferenciar esta modalidade de serviço do transporte regional de passageiros, portanto, a princípio, nada tem em haver com uma representação políticosocial.

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porque, na região, as passagens custavam aproximadamente 0,6% do valor de um salário mínimo vigente7, sendo, portanto, acessível para grande parte da população. Contudo, pelo menos um aspecto torna a análise dos deslocamentos exercidos no âmbito do transporte coletivo intermunicipal extremamente complexa. Trata-se do fato de o número de passageiros transportados ser apresentado conforme a linha, sem se mencionar a quantidade de pessoas que sobem ou descem em cada ponto. A única linha de transporte coletivo intermunicipal com destino ou origem em Foz do Iguaçu possui, em sua extremidade, São Miguel do Iguaçu; assim, ter-se-ia apenas o dado global da linha, desconhecendo-se a quantidade de pessoas que desembarcam ou tomam ônibus em cada um dos pontos situados em Foz do Iguaçu, São Miguel do Iguaçu e Santa Terezinha de Itaipu. Esta dificuldade também foi encontrada por Galvão et al. (1969) ao procederam à análise do número de pessoas que utilizavam o transporte coletivo intermunicipal nas adjacências de algumas das principais cidades do país. Estes autores tentaram corrigir o dado relativo à linha inteira utilizando uma fórmula adaptada a partir de modelos gravitacionais (intervening opportunity), objetivando distribuir o número de passageiros transportados pelos pontos de paradas intermediários. Aplicando-se a fórmula apresentada por Galvão et al. (1969) aos dados referentes às linhas de transporte coletivo intermunicipal ofertadas na Mesorregião Oeste Paranaense, compreendendo Foz do Iguaçu, percebeu-se que menores distâncias entre os centros analisados, assim como maiores tamanhos populacionais, tendem a superestimar o número de passageiros. Esta constatação foi possível porque a linha entre Cascavel e Capitão Leônidas Marques, nos trajetos de ida e volta, é seccionada em Lindoeste, significando que o dado referente ao número de passageiros que utilizam a linha mensalmente, embarcando ou desembarcando em Lindoeste, é controlado e declarado pela empresa que presta o serviço. Isto permitiu uma comparação dos valores estimados através da aplicação da fórmula com aqueles apresentados pela empresa e, conseqüentemente, uma readequação da fórmula original (Quadro 1). 7

Salário mínimo vigente no Estado Paraná em meados de 2006, de R$ 430,00.

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Quadro 1 – Fórmula utilizada para estimar o número de pessoas que utilizam o transporte coletivo intermunicipal, conforme a origem e destino dos fluxos Fórmula original* P x P1 D2 I= P x P1 2

D

+

P x P2

+

2

D



P x Pn D2

Onde: I = índice; P = população da localidade de origem; P1, P2, Pn = população de diferentes localidades, às quais os passageiros de destinam; D = distância entre duas localidades. Fórmula readequada P1÷3,12457 x P11÷3,12457 D I= P1÷3,12457 x P11÷3,12457 D

+

P1÷3,12457 x P21÷3,12457 D

+



P1÷3,12457 x Pn1÷3,12457 D

Fonte: Galvão et al. (1969)*.

Ao se readequar a fórmula utilizada por Galvão et al. (1969), portanto, atribuiu-se menor importância ao tamanho dos centros e à distância entre eles, o que se justifica se se pensar que, atualmente, em relação ao final da década de 1960, menores cidades passaram a dispor de maior variedade de mercadorias e serviços especializados prestados, do mesmo modo que maiores distâncias passaram a ser percorridas em menor período de tempo em função da modernização da infra-estrutura e meios de transporte. Outra questão importante refere-se ao fato de nem todos os distritos serem contemplados pelo transporte coletivo intermunicipal: este serviço está disponível apenas aos habitantes dos distritos-sede8 dos municípios pesquisados (Foz do Iguaçu, Santa Terezinha de Itaipu e São Miguel do Iguaçu). Destarte, procurou-se quantificar as pessoas que migram entre os distritos de Foz do Iguaçu, Santa Terezinha de Itaipu e São Miguel do Iguaçu utilizando o transporte 8

O distrito-sede possui a mesma denominação do município para o qual pertence.

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coletivo intermunicipal. Chama-se atenção ao fato de que o número de migrantes apresentados neste artigo diz respeito, portanto, à estimativas, que derivam, porém, de um dado concreto relacionado à ocupação total da linha de transporte coletivo intermunicipal de Foz do Iguaçu a São Miguel do Iguaçu, respectiva ao período de março e abril de 2006.

FOZ DO IGUAÇU NO CONTEXTO DAS MIGRAÇÕES PENDULARES Em função de abrigar a Usina Hidrelétrica Itaipu Binacional, o valor adicionado fiscal (VAF) do setor industrial de Foz do Iguaçu é bastante elevado: o município é responsável por 0,54% do VAF industrial do Brasil, o que também equivale a 2,88% do VAF industrial da Região Sul do país ou 8,65% do VAF industrial do Estado do Paraná (IBGE, 2005). Contudo, Foz do Iguaçu é uma cidade média (CASTELLO BRANCO, 2005) dinamizada, especialmente, pelo comércio de fronteira e pela atividade turística, devido ao Parque Nacional do Iguaçu, às Cataratas de Iguaçu e à própria usina de Itaipu, destacando-se dentre os centros urbanos brasileiros (MOURA & KLEINKE, 1999). Diariamente, centenas de pessoas, provenientes de diversas localidades do país e do exterior, circulam por Foz do Iguaçu, incluindo aquelas cujo objetivo é realizar compras em Ciudad del Este, no Paraguai, já que acabam hospedando-se em hotéis brasileiros. Boa parcela deste conjunto de pessoas, no entanto, protagoniza fluxos regulares diários, denotando originar-se em municípios adjacentes. A linha de transporte coletivo intermunicipal entre São Miguel do Iguaçu e Foz do Iguaçu contribui para dinamizar este processo migratório contínuo. Considerando-se apenas a média diária dos dias úteis, Foz do Iguaçu mostrava-se destino de cerca de 366 passageiros, ao passo que 444 tomavam ônibus nesta cidade rumo a Santa Terezinha de Itaipu ou São Miguel do Iguaçu, em 2006. A média diária dos finais de semana e feriados era maior do que aquela apresentada nos dias úteis, correspondendo a 418 passageiros com destino a Foz do Iguaçu e 459 com origem nesta cidade, provavelmente denotando sua importância enquanto ponto turístico, onde a população procuraria despender os tempos de folga. AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 6, dez 2013

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Cerca de 67% das pessoas que utilizavam o transporte coletivo intermunicipal com destino a Foz do Iguaçu, tanto nos dias úteis quanto nos finais de semana e feriados, embarcavam em Santa Terezinha de Itaipu; o restante, portanto, partia de São Miguel do Iguaçu (Figura 1). Figura 1 – Fluxos de pessoas que utilizavam o transporte coletivo intermunicipal com origem e destino a Foz do Iguaçu, segundo os distritos contemplados por tal serviço, conforme a média diária dos dias úteis (DU) e finais de semana e feriados (FSF) (2006)

Fonte: Dados da pesquisa; Base cartográfica: IBGE (2006); Grupo Retis de Pesquisa (2006).

Tendo em vista apenas a média diária dos dias úteis, quase 23% das pessoas que tomavam ônibus tanto em Santa Terezinha de Itaipu quanto em São Miguel do Iguaçu, com destino a Foz do Iguaçu, embarcavam antes das 8 horas. Conciliando-se os horários AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 6, dez 2013

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de partida dos ônibus com os horários de abertura do comércio ou de início das aulas, pode-se inferir que este percentual tenha grande possibilidade de representar a quantidade de passageiros que migravam diariamente para Foz do Iguaçu em função do trabalho ou estudo. Esta assertiva se reforça ao se considerar que aproximadamente 26% dos passageiros que tomavam ônibus em Foz do Iguaçu com destino tanto a Santa Terezinha de Itaipu quanto a São Miguel do Iguaçu embarcavam após as 17 horas (Gráfico 1). Gráfico 1 – Fluxo diário de pessoas que utilizam o transporte coletivo intermunicipal nos dias úteis, conforme a origem e destino dos fluxos e horários de saída dos ônibus PROPORÇÃO DE PASSAGEIROS

45% 5 40%

35% 1

3

1

3

30%

5 4

2 25%

2

4

4

6

6

1

3

5

2

6 2

20%

4

6

15% 1

3

2

4

6

10%

5%

0% Até 8:00

Entre 08:01 e 12:00

Entre 12:01 e 13:00

Entre 13:01 e 17:00

A partir de 17:01

HORÁRIOS DE SAÍDA DOS ÔNIBUS

1, Foz do Iguaçu - Santa Terezinha de Itaipu (301)

2, Santa Terezinha de Itaipu - Foz do Iguaçu (248)

3, Foz do Iguaçu - São Miguel do Iguaçu (143)

4, São Miguel do Iguaçu - Foz do Iguaçu (118)

5, Santa Terezinha de Itaipu - São Miguel do Iguaçu (111)

6, São Miguel do Iguaçu - Santa Terezinha de Itaipu (91)

Fonte: Dados da pesquisa.

Por outro lado, os maiores fluxos de passageiros com destino a Foz do Iguaçu estavam concentrados entre os grupos de horários intermediários, ou seja, a partir das 8 até as 17 horas. Observando-se estes mesmos grupos de horários, percebe-se que o movimento de retorno de Foz do Iguaçu também era grande, sinalizando o fluxo de sacoleiros e

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laranjas9, ou ainda, consumidores de mercadorias e de serviços diversos e pessoas que visitavam familiares ou passeavam pela cidade em busca de seus atrativos turísticos.

OS NOVOS LIMITES DA AGLOMERAÇÃO URBANA DE FOZ DO IGUAÇU No passado, Foz do Iguaçu teve importância para o Brasil, mas não teve o destaque merecido. Este período refere-se ao tempo em que figurou como colônia militar do país, fundada em 1888 com o objetivo de garantir a soberania brasileira no território fronteiriço à Argentina e Paraguai (BERNARDES, 1953). Contudo, o isolamento, devido à falta de vias terrestres, impeliu a referida colônia militar ao fracasso, a ponto de a corrupção dos fiscais da alfândega de Foz do Iguaçu se tornar algo corriqueiro (WACHOWICZ, 1982): na tríplice fronteira predominavam os contrabandistas de ervamate e toras de madeira nativa extraídas do extremo ocidente do Paraná (COLODEL, 2008). Apesar de terem se passado muitos anos, notícias sobre contrabando ainda são comuns à Foz do Iguaçu, contudo, não se pode mais falar em isolamento, notadamente a partir da construção da Ponte da Amizade, ligando Foz do Iguaçu a Ciudad del Este, e da Usina Hidrelétrica Itaipu Binacional, cuja obra dinamizou não apenas a economia e vida social de Foz, como de boa parte dos municípios da região, contribuindo para suas integrações socioeconômicas. Atualmente, Foz do Iguaçu destaca-se dentre os centros urbanos brasileiros, figurando na rede urbana nacional como Centro Subregional A (REGIC, 2008), exercendo, conforme os padrões da Mesorregião Oeste Paranaense, forte influência sobre Santa Terezinha de Itaipu, especialmente, e São Miguel do Iguaçu. Não obstante, o movimento de pessoas que utilizam o transporte coletivo intermunicipal entre Santa Terezinha de Itaipu e São Miguel do Iguaçu também demonstrou ser 9

Os sacoleiros representam uma controversa variedade de pessoas que, via de regra, atuam na ilegalidade e na informalidade, comprando e vendendo ou simplesmente se especializando no transporte por encomenda de artigos banais ou de luxo que fluem, geralmente, do Paraguai ao Brasil. Podem ser, assim, ambulantes, donos de camelódromos ou de lojas de requinte, ou trabalhadores por conta própria. Ao realizarem suas compras são, normalmente, assessorados por laranjas, responsáveis pelo auxílio no transporte e pela divisão dos direitos alfandegários sobre as mercadorias adquiridas. AGIR - Revista Interdisciplinar de Ciências Sociais e Humanas. Ano 1, Vol. 1, n.º 6, dez 2013

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substancial (Gráfico 1), acusando a inter-relação existente entre os três distritos pesquisados, o que autoriza a inclusão de São Miguel do Iguaçu à aglomeração urbana de Foz do Iguaçu. Portanto, tomando-se como referência os limites municipais, a aglomeração urbana de fronteira internacional, cujo núcleo é Foz do Iguaçu (BRA), seria composta, ainda, por Santa Terezinha de Itaipu (BRA), São Miguel do Iguaçu (BRA), Ciudad del Este (PRY), Hernandarias (PRY), Presidente Franco (PRY), Minga Guazú (PRY) e Puerto Iguazú (ARG) (Figura 2). Figura 2 – Aglomeração urbana internacional de Foz do Iguaçu

Base cartográfica: Base cartográfica: University of California (2009); IBGE (2003).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS O mapeamento da aglomeração urbana de Foz do Iguaçu foi realizado tendo em vista a compreensão do movimento da sociedade, auxiliando o entendimento da rede urbana regional, evidenciando a complexificação dessa rede e, paralelamente, sustentando a tese de que o processo de aglomeração urbana é um fenômeno que tem se tornado comum às cidades médias interioranas do Brasil. O caso da aglomeração urbana de Foz do Iguaçu, no entanto, é singular por se tratar de uma aglomeração que extrapola os limites internacionais de três países. Sob essa perspectiva, a indagação que se releva é a de qual seria o sentido dos fluxos intermunicipais de passageiros, descritos nesse artigo. Lembrando-se que a quantidade de migrantes pendulares realmente existente entre Foz do Iguaçu e os demais municípios brasileiros deve ser muito maior, já que nesta pesquisa se considerou apenas as migrações efetuadas no âmbito do transporte coletivo intermunicipal, e também ponderando-se o fato de que, em 2000, de acordo com Deschamps et al. (2008), mais de 10,4 mil habitantes de Foz do Iguaçu se moviam pendularmente entre o Brasil e o Paraguai, atesta-se que a questão do trabalho, estudo, prática de lazer, etc., parece responder apenas parcialmente a essa indagação, que remete às macroesferas política e econômica, em caráter internacional. O próprio processo de aglomeração urbana, neste caso, sendo polarizado por uma cidade de pouco mais de 300 mil habitantes, é indicativo da ocorrência de um fenômeno muito mais complexo. Muitos estudos já alertaram para a fragilidade social, econômica e política imanente à tríplice fronteira configurada por Brasil, Paraguai e Argentina, como os de Penner, (1998), Rabossi (2004), Unicef (2005), Machado (2005), Muller (2005), Souza (2007), Pinheiro-Machado (2008), Souza (2009b), dentre outros. Em meio às questões destacadas, ressalta-se a exploração sexual e o tráfico de menores e adolescentes, o tráfico de drogas e armas, o contrabando e o descaminho de mercadorias, além dos seqüestros-relâmpago seguidos de roubo de veículos com sua transferência imediata para além das fronteiras internacionais.

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De certa forma, todos esses fatos estão ligados à dinâmica da aglomeração urbana internacional de Foz do Iguaçu, que tem se mostrado intensa e complexa. Isso ocorre porque esse espaço tem se tornado um ponto nodal no âmbito da rede urbana nacional brasileira e internacional, congregando pessoas de etnias diversas, como libaneses, sírios, egípcios, palestinos jordanianos, chineses, sul-coreanos, dentre outros de natureza menos comum (AMARAL, 2007; IPARDES, 2008), que se somam aos vários brasileiros, paraguaios e argentinos, no intuito de buscar se aproveitar das assimetrias de regulação e controle dos fluxos de capital, inclusive daqueles em forma de mercadorias, existentes entre Brasil, Paraguai e Argentina. Todas as atividades realizadas na tríplice fronteira, lícitas e ilícitas, acabam movimento muito dinheiro, contabilizado em alguns bilhões de dólares anuais (PENNER, 1998). Sendo dessa forma, tendo em vista as circunstâncias do desenvolvimento e atenção governamental dedicadas às fronteiras em geral, a natureza e característica dessas atividades não surpreendem, de modo que suas existências sugerem, ainda, que as políticas públicas para faixa de fronteira, em especial para esta, são inadequadas ou insuficientes no que respeita à geração de emprego e renda para a população.

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