A aliança França-Rússia, os Países Emergentes e o Futuro da Segurança Coletiva [MUNDO EM FLUXO 01]

June 16, 2017 | Autor: C. Pereira da Sil... | Categoria: International Relations, Terrorism, International Terrorism, International Studies, International Security, United Nations, Russian Foreign Policy, Collective Security, Emerging Powers, Role of United Nations in Conflict Resolution, BRICS, Relações Internacionais, Segurança Internacional, História da Política Externa Brasileira, Foreign policy of France, Collective Security Theory, EL FUTURO INCIERTO DE LOS PAÍSES EMERGENTES, ONU, Estudos de Defesa, Defesa Estratégica, Segurança Estratégica, Segurança Externa, Segurança Interna, Segurança Pública, Gestão Estratégica Internacional, Sistema Interestatal, Guerras e Conflitos, Poder, Ciência Política, Sociologia, Antropologia., Emerging powers, Global power shift, Rise of BRICS Countries, Terrorismo, Política Internacional, COLLECTIVE SECURITY PROVISIONS IN UN CHARTER, BRICS nations (Brazil, Russia, India, China and South Africa), Política Externa Brasileira, Syrian Conflict, Syrian Civil War, Syria Civil War, United Nations, Russian Foreign Policy, Collective Security, Emerging Powers, Role of United Nations in Conflict Resolution, BRICS, Relações Internacionais, Segurança Internacional, História da Política Externa Brasileira, Foreign policy of France, Collective Security Theory, EL FUTURO INCIERTO DE LOS PAÍSES EMERGENTES, ONU, Estudos de Defesa, Defesa Estratégica, Segurança Estratégica, Segurança Externa, Segurança Interna, Segurança Pública, Gestão Estratégica Internacional, Sistema Interestatal, Guerras e Conflitos, Poder, Ciência Política, Sociologia, Antropologia., Emerging powers, Global power shift, Rise of BRICS Countries, Terrorismo, Política Internacional, COLLECTIVE SECURITY PROVISIONS IN UN CHARTER, BRICS nations (Brazil, Russia, India, China and South Africa), Política Externa Brasileira, Syrian Conflict, Syrian Civil War, Syria Civil War
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A aliança França-Rússia, os Países Emergentes e o Futuro da Segurança Coletiva Carlos Frederico Pereira da Silva Gama1 Em Janeiro, o ex-secretário geral da Organização das Nações Unidas Kofi Annan e a ex-diretora-geral da Organização Mundial de Saúde Gro Harlem Brundtland apresentaram um manifesto2 contendo ideias para fortalecer a ONU, organização que completou 70 anos de atividade em 2015. O órgão de segurança coletiva da ONU – o Conselho de Segurança (CS) – seria inadequado para as demandas do século XXI. O caso mais grave seria o da guerra civil na Síria: discordâncias entre os cinco membros permanentes com poder de voto especial – Estados Unidos, Rússia, China, Reino Unido e França – impediram a ONU de agir e salvar milhões de pessoas. Porém, há um segundo impasse: quem deve entrar no CS para adequá-lo ao presente? Discordâncias entre os mais de 190 estados-membros da ONU frustraram todas as propostas de reforma. Como seria possível fortalecer a ONU? Por um lado, é necessário flexibilizar e tornar pública a escolha dos secretários-gerais. Atualmente, o CS monopoliza a decisão a portas fechadas; escolhe nomes de sua confiança num rodízio entre as regiões. Jamais uma mulher foi escolhida. Assimetrias de gênero são problemas graves na ONU3. Por outro lado, Annan e Brundtland propõem a criação de vagas semipermanentes no CS para as regiões. O caráter regional evitaria disputas entre aspirantes a cadeiras permanentes. Seriam vagas com duração longa e renováveis. Estados emergentes comprometidos com a manutenção da paz e segurança internacionais poderiam manter sua participação no novo CS continuamente. No final de 2015, essas propostas voltaram dramaticamente à tona. Em 27 de Setembro, os principais estados aspirantes a uma cadeira permanente no CS (Brasil, Japão, Alemanha e Índia – G4) anunciaram sua disposição de obter mudanças substanciais no CS até 20164. Em 30 de Outubro, após o governo de Vladimir Putin intensificar seus bombardeios na Síria, um avião comercial russo explodiu sobrevoando o Egito após sua decolagem em Sharm El-Sheik, matando 224 passageiros. Após descartar um atentado e ligações com o conflito na Síria, autoridades russas (como o primeiro-ministro Dmitri Medvedev) admitiram que o avião não explodiu por falha mecânica ou desastre natural, mas graças a uma bomba de origem “estrangeira”5.

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Professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do Tocantins, pesquisador voluntário do BRICS Policy Center 2 http://www.nytimes.com/2015/02/07/opinion/kofi-annan-gro-harlem-Brundtland-four-ideas-for-a-strongerun.html?_r=0 3 http://www.newsweek.com/should-next-un-secretary-general-be-woman-377647 4 http://www.sankei.com/politics/news/150927/plt1509270004-n1.html 5 http://www.usatoday.com/story/news/world/2015/11/17/russia-egypt-plane-brought-down-bomb/75913192/

Em 12 de Novembro, atentados terroristas numa região de maioria xiita de Beirute, capital do Líbano, mataram 43 pessoas6. No dia seguinte, 13 de Novembro, uma série de atentados coordenados em Paris, França, deixou 128 mortos7 e criou comoção mundial. Após decretar estado de emergência, o presidente François Hollande anunciou disposição de mudar a Constituição e declarou que França e Rússia colaborarão no combate ao “estado” islâmico/ISIS, grupo que assumiu autoria dos atentados em Beirute e Paris. A França bombardeou a Síria a seguir. O silêncio da ONU durante os atentados amplificou críticas ao perfil baixo da gestão Ban Ki-Moon e torna mais compreensível a aliança entre dois membros permanentes do CS. A gestão coletiva da força é inviabilizada por oposições entre os membros permanentes. Os EUA de Barack Obama e o Reino Unido de David Cameron bombardeiam a Síria há anos sem autorização da ONU, na expectativa de forçar a mudança de regime. O ditador Bashar Al-Assad (apoiado por Rússia e Irã) enfrenta grupos rebeldes (apoiados por Turquia e Arábia Saudita), dentre os quais o mais famoso é o ISIS. A internacionalização do conflito sírio após a Primavera Árabe explica parcialmente o impasse na ONU e diferenças com relação a 2001 (os EUA tiveram autorização para atacar o Afeganistão dos Taleban). Após atentados em Paris e a derrubada do avião russo, França e Rússia se aliaram. A aliança (apoiada pelos BRICS8) muda a dinâmica política na Síria e esvazia promessas de reformar o CS em breve. Mesmo havendo um considerável abismo entre a maior potência militar – os Estados Unidos – e os demais, o status da Rússia não pode ser subestimado. Herdeira de uma fração do poderio militar e prestígio da União Soviética, a Rússia nunca foi “emergente” em termos estratégicos. Prestes a ser ultrapassada pela China, a Rússia pode ser chamada, se muito, de uma potência decadente. Os laços que unem Síria e Rússia são bastante antigos. Já existiam em 1961, quando a República Árabe Unida reunia dois aliados soviéticos: a Síria do Partido Baath (“socialismo árabe”) e o Egito de Gamal Abdel Nasser (“pan-arabismo”). Caças russos foram destruídos por Israel na Guerra dos Seis Dias (1967) e foram utilizados por Síria e Egito na contraofensiva da Guerra do Yom Kippur (1973). O uso da força para salvar um antigo aliado não é uma postura expansionista, mas uma resposta ao declínio relativo do poderio russo diante da ascensão de emergentes, numa região da qual China e Índia mantém cautelosa distância. O bombardeio de inimigos do regime Assad por aviões russos reafirma a posição de destaque que Rússia (e URSS) tradicionalmente desfrutaram na região. A aliança de 2015 tem um precedente importante: franceses e russos impediram que a invasão do Iraque pretendida por George W. Bush (justificada com falsas informações sobre armas de destruição em massa) tivesse a chancela da ONU em 2003. Os dois países fizeram uso de seu direito especial de voto e mantiveram autonomia frente aos EUA na “guerra ao Terror”, concentrando energias, respectivamente, no Norte da África (ex-colônias francesas) e Cáucaso (ex-repúblicas soviéticas). Em contraste com a postura do último líder soviético Mikhail Gorbatchev (que autorizou o uso da força contra o Iraque – governado pelo partido Baath – em 1990) a Rússia de Putin e Medvedev impediu que a ONU autorizasse o uso da força duas vezes: contra o Iraque em 2003 e contra a Síria

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http://www.aljazeera.com/news/2015/11/multiple-explosions-reported-southern-beirut-151112162331001.html http://www.liberation.fr/france/2015/11/13/fusillade-dans-le-10e-arrondissement-de-paris_1413313 8 http://gazetarussa.com.br/brics/2015/11/16/objetivos-do-brics-estao-alinhados-aos-do-g20-diz-putin_540941 7

em 2013 (quando Obama anunciou uma “linha vermelha” referente ao uso de armas químicas). Esse último veto foi o episódio utilizado por Annan e Brundtland para propor mudanças no CS. Após intervenções na Líbia, Mali e Iraque, a França se vê em posição de vulnerabilidade. Na União Europeia, o novo intervencionismo francês sofre intensas críticas da Alemanha de Angela Merkel (país europeu que acolheu o maior contingente de refugiados em fuga da Síria). Após anexar a Criméia em 2014, a Rússia de Putin foi alvo de sanções internacionais (incluindo sanções da EU da qual a França faz parte) e aprofundou seus revezes econômicos. O PIB russo em 2015 será menor que o de 2013. A aliança franco-russa na Síria é vantajosa para ambos. Para o governo cada vez mais nacionalista do socialista Hollande, colaborar com os russos (os mais eficientes no uso da força na Síria) facilita uma resposta rápida capaz de aplacar o clima de pânico coletivo pós-atentados e cria alternativa a impasses de segurança e política externa de órgãos comunitários europeus. Hollande (que considera refugiados sírios “imigrantes”) achou amparo nesse contexto para políticas restritivas de direitos (mudar a Constituição, ampliar o estado de emergência). A atuação na Síria recuperou um pouco da imagem pública de uma combalida Rússia, corroída pela anexação da Criméia. Putin justificou os bombardeios russos como parte de um esforço internacional contra o ISIS. Colaborar com a França torna mais palatável essa narrativa. A aliança enfraquece o ímpeto de sanções europeias à Rússia e limita a colaboração da UE com a Ucrânia (da qual a Criméia fazia parte). A parceria traz alívio ao esforço de guerra russo: divide os custos e aumenta o perfil político de Bashar Al-Assad. O apoio francês e bombardeios sobre insurgentes dão sobrevida ao ditador. A parceria também enfraquece a aliança militar ocidental (OTAN) e pressiona o governo Obama para aceitar como “legítimos” os bombardeios russos na vizinhança do Iraque. Definido por Kofi Annan como “um desafio global”9, a internacionalização da guerra civil na Síria não será resolvida com “os instrumentos tradicionais do estado soberano”10. Ao invés de assumir graves falhas de inteligência e admitir a inutilidade do surveillance, Hollande apelou para um nacionalismo em declínio, na ânsia de empurrar as contradições da política externa francesa (intervenções na Líbia, Síria, Mali, Iraque) para debaixo do tapete. O primeiro-ministro Manuel Valls afirmou que o governo francês se prepara para um possível atentado terrorista utilizando armas químicas durante a conferência da ONU sobre mudança climática – a COP-2111. O pânico coletivo alimentado por medidas emergenciais pode afastar muitos chefes de estado da conferência em Paris, esvaziando-a. Diante da atuação apenas simbólica da ONU na Síria, esse problema de segurança internacional demanda uma concertação12 entre os estados participantes – se forem capazes de fazer convergir suas expectativas e compartilhar responsabilidades. Uma concertação que envolva, para além de França e Rússia, os demais membros permanentes do CS e ainda Turquia, Arábia Saudita e Irã.

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http://www.projectsyndicate.org/commentary/savingglobalorderandinternationalsystembykofiaannan201501 Ibid. 11 http://www.leparisien.fr/faits-divers/video-attentats-valls-evoque-un-risque-d-attaques-chimiques-19-11-20155292533.php 12 Jervis, Robert (1985). "From Balance to Concert: A Study of International Security Cooperation", World Politics, Vol.38, No.1, pp.58-79. 10

A proposta de vagas semipermanentes no Conselho de Segurança da ONU divididas por regiões sinaliza que as aspirações do G4 não serão satisfeitas nos próximos anos. Por outro lado, o perfil das crises em curso no planeta reforça o papel das regiões como vetores de segurança coletiva. Os primeiros 70 anos de existência da ONU trouxeram uma lição: mudanças são incrementais. Diante do oligopólio dos cinco grandes vencedores da Segunda Guerra, vagas semipermanentes são um avanço. A desigualdade de status entre esses cinco e os demais não é sustentável no médio prazo. Mesmo sem cadeiras cativas, cabe ao Brasil e demais emergentes readequar pragmaticamente suas estratégias. São agentes indispensáveis no ordenamento de suas respectivas regiões. Contribuir para a estabilidade regional é uma tarefa decisiva para o sucesso das aspirações globais. O recrudescimento de tensões entre Venezuela, Colômbia e Guiana em 2015 nos lembram que – mesmo durante crises simultâneas da economia e da governabilidade no governo Rousseff – o Brasil deve prestar atenção na América do Sul, para além de controvérsias eleitorais e acordos comerciais.

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