A amamentação na primeira hora de vida e a tecnologia moderna: prevalência e fatores limitantes Breastfeeding in the first hour of life and modern technology: prevalence and limiting factors

Share Embed


Descrição do Produto

ARTIGO ORIGINAL

A amamentação na primeira hora de vida e a tecnologia moderna: prevalência e fatores limitantes Breastfeeding in the first hour of life and modern technology: prevalence and limiting factors Maria Cristina Pillegi1, Adriana Policastro2, Sulim Abramovici3, Eduardo Cordioli4, Alice D’Agostini Deutsch5

RESUMO Objetivo: Identificar a prevalência e os fatores limitantes da amamentação na primeira hora de vida na Maternidade do Hospital Israelita Albert Einstein, onde o modelo predominante de assistência ao parto faz amplo emprego da tecnologia moderna. Métodos: Estudo retrospectivo com abordagem quantitativa em população de classe social média e alta, com origens culturais diversas. Dados obtidos do livro de registro de partos num total de 12.350 nascimentos, de Janeiro de 2004 a Dezembro de 2007. Resultados: De 12.350 nascimentos, foram excluídos 3.277 (26,9%) nascimentos por fatores que foram contra-indicações à amamentação na primeira hora de vida como: prematuridade, desconforto respiratório, efeitos adversos da anestesia, patologias obstétricas, malformação congênita e outras. Outros 180 casos foram retirados por falta de dados. Dos 8.893 restantes, 2.279 (18,7%) não foram amamentados por fatores limitantes que requerem ações de melhoria: alta rotatividade de partos, recusa pela paciente, recusa médica, cansaço por trabalho de parto prolongado, perda de registro de dados. O parto operatório e o uso de anestesia não foram fatores impeditivos à amamentação na primeira hora de vida e ao contato pele à pele. A prevalência foi de 74,3%. Conclusões: O emprego da tecnologia e as práticas hospitalares interferem na amamentação, mas não são fatores impeditivos para que ela ocorra. A identificação da prevalência e dos fatores limitantes contribui para a avaliação da assistência prestada e para a elaboração de intervenções de enfermagem para melhoria continua da prática assistencial. As ações de melhoria devem abranger o pré-natal e o próprio parto. Descritores: Aleitamento materno/contra-indicações; Relações mãefilho; Trabalho de parto

ABSTRACT Objective: To identify the prevalence and limiting factors of breastfeeding in the first hour of life at the Maternity Center of Hospital

Israelita Albert Einstein, where the predominant model of childbirth care is largely based on the use of modern technology. Methods: A retrospective study with quantitative analysis in a middle and upper class population of different cultural backgrounds. Data were obtained from the delivery record book in a total of 12,350 births from January 2004 to December 2007. Results: Of 12,350 births, 3,277 (26.9%) were excluded because of contraindications to breastfeeding in the first hour of life such as: prematurity, respiratory distress, adverse effects of anesthesia, obstetric conditions, congenital malformation, and others. Other 180 cases were excluded due to missing data. Of the remaining 8,893 cases, 2,279 (18.7%) were not breastfed because of limiting factors that require improvement actions: high delivery turnover, patient refusal, medical refusal, tiredness due to prolonged labor, loss of data recording. Cesarean delivery and the use of anesthesia did neither prevent breastfeeding in the first hour of life nor skin-to-skin contact. The prevalence was 74.3%. Conclusions: The use of technology and the hospital practices interfere in breastfeeding, but are not factors that prevent it. The identification of the prevalence and limiting factors contributes to the evaluation of the care provided and elaboration of nursing interventions for continuous improvement of the care practice. Improvement actions should include prenatal care and delivery itself. Keywords: Breast feeding/contra-indications; Mother-child relations; Labor, obstetric

INTRODUÇÃO Amamentação é um ato fisiológico e biologicamente determinado, mas que sofre influências emocionais, sociais, políticas e culturais(1). Nas últimas décadas, um dos fatores que contribuiu para o declínio da prática tradicional da amamentação, mesmo que involuntariamente, foi o emprego da tecnologia moderna na assistência ao parto(2).

Trabalho realizado na maternidade do Hospital Israelita Albert – HIAE, São Paulo (SP), Brasil. 1

Enfermeira Obstétrica do Centro Obstétrico da Maternidade do Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, São Paulo (SP), Brasil.

2

Coordenadora de Enfermagem da Maternidade do Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, São Paulo (SP), Brasil.

3

Gerente Médico do Departamento Materno Infantil da Maternidade do Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, São Paulo (SP), Brasil.

4

Coordenador Médico da Maternidade do Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, São Paulo (SP), Brasil.

5

Coordenadora médica da Neonatologia da Maternidade do Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, São Paulo (SP), Brasil.

Autor correspondente: Maria Cristina Pillegi – Avenida Rebouças, 1.278 – apto 903 – Jardim América – CEP 05402-000 – SP (SP), Brasil – Tel.: (11) 3083-2766 - e-mail: [email protected] Data de submissão: 1/3/2008 – Data de aceite: 14/10/2008

einstein. 2008; 6(4):467-72

468

Pillegi MC, Policastro A, Abramovici S, Cordioli E, Deutsch AD’A

Com o progresso científico e as novas descobertas no campo da assepsia, cirurgia, anestesia, antibioticoterapia e hemotransfusão, os riscos hospitalares diminuíram e ampliaram-se as intervenções, resultando num aumento progressivo de cesáreas(3-4). Também foram criadas rotinas hospitalares que, por razões supostamente científicas ou visando uma melhor organização dos serviços, promoveram a separação da mãe do recém-nascido logo após o nascimento, tendo impacto negativo sobre a amamentação(5). A Organização Mundial de Saúde (OMS), em 1989, estabeleceu recomendações sobre a tecnologia adequada para a assistência ao parto e algumas delas estão diretamente relacionadas à amamentação por influenciarem diretamente na recuperação materna e o recém-nascido: o índice de cesáreas não deve ser superior a 15%; não se deve praticar a administração de rotina de analgesia e anestesia, pois algumas drogas utilizadas durante o trabalho de parto e o parto podem provocar sonolência na mãe e no recém-nascido; a indução do parto deve ser indicada com critério médico e em um serviço não deve ultrapassar a taxa de 10%(6). A amamentação deve ser iniciada na primeira hora de vida, ainda na sala de parto, se a mãe e o recém-nascido estiverem em boas condições de saúde, favorecendo o contato pele a pele de ambos(7-8). O contato precoce entre mãe e filho está associado à maior duração do aleitamento materno exclusivo(9-10). São inúmeras e reconhecidas as vantagens do aleitamento materno precoce: com o contato pele a pele, logo após o nascimento, o intestino do recém-nascido será colonizado por microrganismos da flora cutânea materna se essa for a primeira pessoa a segurá-lo(11-12). Além disso, o corpo da mãe o aquece na temperatura adequada, evitando hipotermia. A queda brusca de temperatura pode levá-lo a problemas metabólicos(8-9). A sucção do colostro vai imunizá-lo, protegendo-o contra infecções(12). O colostro é laxativo e ajuda na prevenção e redução da icterícia fisiológica por estimular movimentos peristálticos com a conseqüente eliminação do mecônio(6), ocorrendo menor reabsorção da bilirrubina através do circuito êntero-hepático; previne, também, a hipoglicemia que, muitas vezes, é o motivo de se prescrever outro tipo de leite como complemento alimentar ao recém-nascido(7,13). A sucção do mamilo produz a estimula a hipófise na produção da prolactina e da ocitocina, a produção láctea e faz o útero contrair-se, auxiliando na involução uterina e diminuindo o risco de hemorragia após o parto(5,8,14). Há, também, o fortalecimento do vínculo afetivo. O recém-nascido cuja mãe não recebeu sedativos durante o parto, logo após o nascimento apresenta um estado de alerta tranqüilo, que dura em torno de 40 minutos. Depois de uma hora e meia de vida, geralmente não são encontrados einstein. 2008; 6(4):467-72

mais estados tão prolongados de alerta. Em relação ao comportamento materno, alguns estudos revelam que, no momento do parto, há produção de hormônios femininos que provocam um comportamento maternal, facilitando as trocas fisiológicas do estado gravídico para o estado puerperal. A ocitocina é um desses hormônios. Logo após o parto a mãe está ansiosa por tocar o recém-nascido e ambos estão impregnados de substâncias que os deixam biologicamente preparados para uma interdependência(14). Esse é o momento de fortalecimento máximo do vínculo afetivo e de estímulo à lactação(2). Visando atenuar os possíveis efeitos negativos que o emprego da tecnologia moderna e as práticas hospitalares poderiam determinar sobre o início e estabelecimento da amamentação, em 2002, a equipe de Enfermagem do Centro Obstétrico da Maternidade do Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE) iniciou um programa de incentivo, promoção e apoio à amamentação na primeira hora de vida.

OBJETIVO O objetivo deste estudo foi identificar, dentro do programa de incentivo ao aleitamento materno do HIAE, a prevalência e os fatores limitantes à amamentação na primeira hora de vida. MÉTODOS O estudo foi realizado na maternidade do HIAE. A Maternidade presta atendimento a gestantes usuárias de planos de saúde conveniados ou particulares, com equipes médicas, de sua livre escolha, cadastradas na Maternidade do Hospital. As pacientes atendidas na Maternidade são de origens culturais diversas e, em sua maioria, de classe social média e alta(15). No programa de promoção, incentivo e apoio à amamentação na primeira hora de vida, toda puérpera é convidada a amamentar seu bebê logo após o parto, desde que ela e o recém-nascido estejam em boas condições de saúde. A amamentação pode ocorrer na sala de parto, nos pré-partos ou no ‘Labor and Delivery Room’ (LDR). O LDR, também chamado quarto PPP (pré-parto, parto e puerpério) é constituído por suíte equipadas para realização de partos vaginais em gestações de baixo risco, de uso de livre escolha por parte da parturiente e de seu médico obstetra, onde a paciente permanece durante todos os períodos clínicos do parto. Tipo de estudo: Foi realizado um estudo do tipo descritivo, retrospectivo, com abordagem quantitativa de 12.386 nascimentos consecutivos ocorridos na Maternidade do HIAE no período de Janeiro de 2004 a Dezembro de 2007.

A amamentação na primeira hora de vida e a tecnologia moderna: prevalência e fatores limitantes

Amostra: Do total de nascimentos do período, 12.350 atenderam aos seguintes critérios de inclusão: recém-nascidos vivos de partos vaginais ou cesarianas, idade gestacional superior a 20 semanas e peso do recém-nascido superior a 500 g. Foram considerados como fatores de exclusão os casos de abortamentos e natimortos. Procedimentos: Os dados foram coletados do livro de registro de partos do Centro Obstétrico onde se criou um campo para registro da ocorrência ou não da amamentação e um campo para registro das causas do não aleitamento materno. Para padronizar e facilitar o registro desses dados, criou-se um quadro com as prováveis causas do não aleitamento materno e as siglas para registro (Quadro 1). Quadro 1. Prováveis causas do não aleitamento materno no Centro Obstétrico e siglas para registro Causas Siglas para registro Causas maternas Efeitos adversos da anestesia (sedação, sonolência, 1A hipotensão, vômitos) Cansaço por trabalho de parto prolongado 1B Dor pós-parto 1C Recusa materna: mãe não irá amamentar ou prefere 1D amamentar no quarto Outras causas: patologias obstétricas ou doenças maternas, cirurgias pós-partos, encaminhamentos para UTI 1E e RPA (recuperação pós-anestésica) Causas do recém-nascido Prematuridade 2A Desconforto respiratório 2B Malformações congênitas que impeçam a amamentação 2C Outras causas (especificar) 2D Causas externas Recusa pelo médico (obstetra, pediatra ou anestesista) 3A Alta rotatividade no setor; falta de pré-partos 3B Outras causas (especificar) 3C

A prevalência foi calculada pela razão entre o número de amamentações e o número de nascidos vivos sem contra-indicações e sem os casos em que houve falta de registro de dados sobre a amamentação (Tabela 1), visto que o programa de promoção, incentivo e apoio à amamentação na primeira hora de vida abrange

469

somente mães e recém-nascidos em boas condições de saúde. A meta estabelecida para a prevalência foi amamentação de 70% dos nascidos vivos no período estudado, classificada como: muito satisfatória acima de 80%, satisfatória entre 70 e 80%; pouco satisfatória entre 60 e 70% e insatisfatória abaixo de 60%. Durante o período do estudo, realizaram-se treinamentos e reciclagens anuais com a equipe de enfermagem pelo Grupo de Apoio ao Aleitamento Materno (GAAM).

RESULTADOS No período do estudo foram realizados 11.863 partos com 12.350 nascidos vivos. Dos 11.863 partos, 9.080 (76,5%) foram cesarianas e 2.783 (23,5%), partos vaginais. A Tabela 2 mostra a distribuição anual dos tipos de partos realizados. Dos 12.350 nascidos vivos, 180 foram retirados para fins de cálculo por não haver registro de dados sobre a amamentação. Entre os 12.170 restantes, 5.556 (45,65%) não foram amamentados na primeira hora de vida devido a fatores limitantes (Tabela 3). Foram amamentados, na primeira hora de vida, 6.614 nascidos vivos, constituindo a taxa bruta de amamentação de 54,3%. Entretanto, entre os fatores limitantes, encontraram-se fatores de contra-indicação da amamentação na primeira hora de vida (3.277ou 26,9%), sobre os quais não se pode atuar, e fatores que requerem ações de melhoria (2.279 ou 18,7%) sobre os quais é necessário intervir para a melhoria da prática assistencial. Para se obter a prevalência, excluíram-se os fatores que contra-indicaram a amamentação na primeira hora de vida (3.277) do total de nascidos vivos (12.170) e, assim, encontraram- se 8.893 recém-nascidos e mães em boas condições de saúde e sujeitos à amamentação, dos quais 6.614 foram amamentados. A prevalência da amamentação na primeira hora de vida foi, portanto, de 74,3% Tabela 2. Distribuição anual dos tipos de parto Ano 2004 2005 2006 2007

Parto cesárea (%) 2.190 (75,1) 2.353 (76,1) 2.254 (77,1) 2.283 (77,9)

Parto vaginal (%) 726 (24,9) 738 (23,9) 671 (22,9) 648 (22,1)

Total (%) 2.916 (100) 3.091 (100) 2.925 (100) 2.931 (100)

Tabela 1. Freqüência dos valores obtidos Variáveis Fatores que contra-indicaram Fatores que requerem melhoria Falta de registro sobre a amamentação Número de nascidos vivos amamentados (taxa bruta de amamentação) Número total de nascidos vivos

2004

2005

2006

2007

n (%) 821 (26,9) 512 (16,8) 18 (0,6) 1.702 (55,7) 3.053 (100)

n (%) 790 (24,6) 619 (19,3) 48 (1,5) 1.751 (54,6) 3.208 (100)

n (%) 839 (27,4) 624 (20,4) 89 (3,0) 1.506 (49,2) 3.058 (100)

n (%) 827 (27,3) 524 (17,3) 25 (0,8) 1.655 (54,6) 3.031 (100)

einstein. 2008; 6(4):467-72

470

Pillegi MC, Policastro A, Abramovici S, Cordioli E, Deutsch AD’A

Tabela 3. Fatores limitantes a amamentação na primeira hora de vida Fatores Fatores que contra-indicaram amamentação

Fatores que requerem melhoria

Variáveis

n

%

Prematuridade

1.165

35,5

Desconforto respiratório Efeitos adversos da anestesia Outras causas do RN Afecções obstétricas, doenças maternas Malformação congênita Total de recém-nascidos

1.061 778 140

32,4 23,7 4,3

17

3,6

16 3.277

0,5 100,0

862

37,8

696 405 210 82 9 15 2.279

30,5 17,8 9,2 3,6 0,4 0,7 100,0

Alta rotatividade de partos Recusa pela paciente Recusa médica Sem anotação da causa Cansaço Dor Outras causas Total de recém-nascidos

no período estudado. A Tabela 1 mostra a freqüência dos valores obtidos. A partir da utilização dos dados da Tabela 1, foram encontradas as seguintes prevalências ano a ano: 76,8% em 2004; 73,9% em 2005; 70,7% em 2006 e 75,9% em 2007. O número de recém-nascidos que não foi amamentado devido a fatores que contra-indicaram a amamentação na primeira hora de vida, 3.277 (26,9%), foi assim distribuído (Tabela 3): 1.165 por prematuridade (recémnascidos com idade gestacional abaixo de 37 semanas); 1.061 por desconforto respiratório (considerados os casos de recém-nascidos com desconforto respiratório e idade gestacional acima de 37 semanas); 778 devido a efeitos adversos da anestesia, como náuseas e vômitos, hipotensão, sonolência, sedação; e 140 devido a outras causas relacionadas ao recém-nascido como aspiração de mecônio, RN deprimido; 117 devido a causas maternas, afecções obstétricas como eclampsia, descolamento prematuro de placenta, atonia uterina; doenças maternas como HIV+, Hepatite B, paciente mastectomizada; cirurgias pós-parto como histerectomia, hemorroidectomia, curetagem; encaminhamento para UTI, Recuperação Pós Anestésica (RPA); e 16 devido à malformação congênita impeditiva do aleitamento, como lábio leporino e fenda palatina, ou malformação cardíaca. O número de recém-nascidos que não foram amamentados na primeira hora de vida devido a fatores que requerem ações de melhoria, 2279 (18,7%), foi assim distribuído (Tabela 3): 862 devido à alta rotatividade de partos no setor, com falta de salas e de pré-partos disponíveis para a amamentação; 696 por recusa da paciente que preferiu amamentar no quarto ou optou por não amamentar por motivos pessoais; 405 por recusa einstein. 2008; 6(4):467-72

médica (anestesista, obstetra, pediatra); em 210 casos não foi feita a anotação da causa do não aleitamento; 82 por cansaço devido a trabalho de parto prolongado; 15 por causas externas não relacionadas à mãe ou ao recém-nascido; e nove devido à dor no pós-parto.

DISCUSSÃO Atualmente, no Brasil, a maioria dos partos é hospitalar e assistido por médicos obstetras. O modelo de assistência obstétrica é caracterizado pela medicalização onde, algumas vezes, a prática médica é justificada por conveniência e não por razões técnicas(7,14). Segundo levantamento encomendado pelo Ministério da Saúde, dados de 2006, a taxa de cesáreas atinge os 44% dos partos realizados no Brasil(17). Se considerarmos apenas as mulheres que se utilizam de planos de saúde, o percentual é de 80%. A alta taxa de cesáreas está relacionada a indicações por escolha do profissional, por preferência da mulher e como método de esterilização definitiva(17). Não podemos negar o valor e a contribuição que os avanços na tecnologia trouxeram na redução da morbidade e mortalidade materna e neonatal(7,14), mas, por outro lado, o mau uso da tecnologia pode trazer sérios problemas de saúde a ambos, além de interferir no aleitamento materno(7). Ao analisarmos os resultados obtidos, deparamonos com vários aspectos que interferiram diretamente na amamentação na primeira hora de vida, alguns relacionados com o uso da tecnologia moderna, sobre os quais não se pode atuar, e outros que podem ser melhorados. Acreditamos que um dos principais pontos seja o fato de o hospital praticar a política de corpo clínico aberto de tal forma que as várias origens culturais das pacientes e o atendimento prestado por equipes médicas de formação acadêmica diversa abrangem diferentes formas de encarar o parto e o nascimento. Isso leva a uma assistência ao parto bastante diversificada, feito desde o modo mais tradicional, com condutas intervencionistas e uso de tecnologia moderna como ultra-sonografia, anestesia e analgesia, uso de prostaglandina, ocitocina, dinoprostona, monitorização fetal contínua, cesáreas eletivas, até a realização de partos humanizados com uso de banheira de hidromassagem para relaxamento, bola para auxiliar a descida da apresentação, música ambiente de escolha da paciente, participação do pai. Há até equipes que, na impossibilidade de realização do parto normal, realizam cesáreas ‘humanizadas’, com diminuição da iluminação da sala de parto, música ambiente, realização do contato pele a pele logo após o nascimento e participação ativa do pai cortando o cordão umbilical. Outro aspecto importante que poderia ter influenciado nos resultados (taxa bruta de amamentação) é o

A amamentação na primeira hora de vida e a tecnologia moderna: prevalência e fatores limitantes

fato de a Maternidade do HIAE também prestar assistência a gestantes de alto risco, o que poderia aumentar o número de intervenções médicas, justificadas elevando o índice dos fatores que contra-indicam a amamentação na primeira hora de vida. É importante ressaltar que apesar do índice de cesáreas realizadas no período de estudo ser considerado elevado(16-17) e a anestesia e ou analgesia ser utilizada na grande maioria dos partos realizados na Instituição, dentro do programa de promoção, incentivo e apoio à amamentação na primeira hora de vida, somente foram considerados fatores impeditivos à amamentação e ao contato pele a pele nos casos em que houve alguma intercorrência. A prevalência atingiu a meta estabelecida e foi considerada satisfatória, sendo que a análise dos fatores mostra que pode ser melhorada por meio da elaboração de intervenções de enfermagem. Entre aos fatores limitantes que requerem ações de melhoria, a porcentagem da alta rotatividade de partos no setor e a falta de salas ou pré-partos disponíveis para a amamentação foi a mais significativa. O agendamento prévio dos partos eletivos, a permanência das pacientes com cesáreas eletivas nas alas até o momento do parto são intervenções que podem otimizar o uso das salas de parto e pré-parto, evitando-se a sobreposição nos horários de nascimento. Em relação à recusa da paciente em amamentar logo após o parto e ao cansaço por trabalho de parto prolongado, não podemos deixar de considerar a paciente como sujeito do processo e com poder de decisão(18). Entretanto, observamos que, logo após o parto, a puérpera apresenta um estado emocional mais fragilizado em que muitas vezes não é capaz de decidir e, outras vezes, encontra-se desinformada. É preciso acolhê-lha nesse momento, orientá-la, incentivá-la para que obtenha êxito no início e estabelecimento da amamentação. Deve-se ressaltar a importância das ações educativas serem iniciadas no pré-natal, tanto nos consultórios médicos como nos cursos de preparo para o parto e se estenderem até o parto. A paciente orientada estará mais motivada a amamentar logo após o parto. O fator recusa médica à amamentação, em alguns casos, ocorreu pelo anestesista que, com receio dos efeitos adversos da anestesia, preferiu suspender o aleitamento logo após o parto ou mesmo encaminhar a puérpera para a recuperação pós-anestésica. Em outros casos, a recusa ocorreu pelo pediatra que, por excesso de zelo e temendo a hipotermia e o surgimento de problemas metabólicos, solicitou que o recém-nascido fosse encaminhado ao berçário; algumas vezes, ocorreu pelo obstetra, com o intuito de preservar a mãe e deixá-la descansar. O papel da equipe de enfermagem é fundamental nesse processo, pois pode agir como facilitadora

471

e atuar junto às equipes médicas, buscando informá-las, sensibilizá-las e integrá-las ao programa de incentivo, promoção, e apoio à amamentação na primeira hora de vida. Para isso deve haver conhecimento científico, capacidade técnica e envolvimento pessoal. Houve empenho da enfermagem nos registro de dados. A perda foi considerada pequena, mas pode ser melhorada por meio de reciclagens anuais, reforçandose sua importância e elegendo-se um representante para revisar e complementar a anotação dos dados. Quanto à dor logo após o parto, o resultado foi pouco importante, o que era esperado visto que a quase totalidade das pacientes foram submetidas a algum tipo de anestesia. Em relação ao item “outras causas”, o resultado também foi pouco importante e faltou a descrição das mesmas. O resultado do estudo está de acordo com outros trabalhos(2,4-5) que relatam que as práticas hospitalares e o uso da tecnologia moderna podem interferir na amamentação na primeira hora de vida. Espera-se que este estudo possa incentivar e auxiliar na implantação de programas de promoção, apoio e incentivo à amamentação na primeira hora de vida em outras instituições hospitalares onde a tecnologia moderna também está presente na assistência ao parto.

CONSIDERAÇÕES FINAIS O empenho e colaboração de toda a equipe de enfermagem na participação desse programa foi fator determinante para o resultado obtido e proporcionou, garantiu à mãe e ao recém-nascido o direito à amamentação na primeira hora de vida, bem como ao contato pele a pele. CONCLUSÕES A prevalência de amamentação na primeira hora de vida encontrada foi de 74,3% entre mães e recém-nascidos sadios, sendo que os principais fatores limitantes foram identificados, quer sejam passíveis de intervenção ou não. A identificação desses fatores limitantes e da prevalência permitiu avaliar a assistência prestada e elaborar intervenções de enfermagem para a melhoria contínua da prática assistencial. Essas intervenções devem envolver as equipes médicas e de enfermagem; além disso, devem ser iniciadas no pré-natal e se estender até o parto. AGRADECIMENTOS A Miriam Rissi Carlotti, Auxiliar Administrativa do Departamento Materno-Infantil do HIAE, pela disponibilização de dados; à doutora Conceição Aparecida de Mattos Segre, pelo apoio e orientação. einstein. 2008; 6(4):467-72

472

Pillegi MC, Policastro A, Abramovici S, Cordioli E, Deutsch AD’A

REFERÊNCIAS 1. Almeida JAG. Amamentação: um híbrido natureza-cultura. Rio de Janeiro: Fiocruz; 1999. 2. Valdes V, Sanchez AP, Labbok M. Manejo clínico da lactação. Assistência à nutriz e ao lactente. Rio de Janeiro: Revinter; 1996. 3. Oliveira ME, Zampieri MFM, Bruggemann OD. A melodia da humanização: reflexões sobre o cuidado no processo do nascimento. Santa Catarina: Cidade Futura; 2001. 4. Tedesco RP, Maia NL, Mathias L, Benez NA, Castro VCL, Bourroul GM, Reis FI. Fatores determinantes para as expectativas de primigestas acerca da via de parto. RBGO. 2004;26(10):791-8. 5. Vilela E, Carneiro L. E assim nasceu a REHUNA. Saúde em Foco. 1996;5(14):50-5. 6. Organização Mundial da Saúde, UNICEF. Proteção, promoção e apoio ao aleitamento materno.Genebra: Organização Mundial da Saúde; 1989. 7. Ministério da Saúde. Secretaria de políticas de saúde. Área técnica da Saúde da Mulher. Parto, aborto e puerpério: assistência humanizada à mulher. Brasília (DF); 2001.

10. Ventura WP. Preparando-se para amamentar no pré-natal e na sala de parto. In: Rego JD. Aleitamento materno: um guia para pais e familiares. São Paulo: Atheneu; 2002. p. 33-46. 11. UNICEF. Manejo e promoção do aleitamento materno. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 1993. [Curso de 18 horas para equipes de  Maternidades]. 12. Martins Filho J. Como e porque amamentar. São Paulo: Atheneu; 2002. 13. Hawdon JM, Ward-Ratt MP, Aynsley-Green A. Patterns of metabolic adaptation for preterm and term infants in the first neonatal wee. Arch Dis Child. 1992;67(4 Spec no): 357-65. 14. Giugliani ERJ. O aleitamento na prática clínica. J Pediatr (Rio J). 2000;76(Supl 3):238-52. 15. Segre CAM, Coletto GMDD, Bertagnon JRD. Intrauterine growth curves in a high-income population. J Pediatr (Rio J). 2001;77(3):169-74. 16. Lopes PRA. As vantagens da amamentação. Porque amamentar? In: Rego JD. Aleitamento materno: um guia para pais e familiares. São Paulo: Atheneu; 2002. p. 5-21.

8. Organização Mundial da Saúde (OMS/SRF/MSM). Maternidade segura. Assistência ao parto normal: um guia prático. Brasília (DF); 1996.

17. Ministério da Saúde. MS adverte : altos índices de cesárias colocam em risco mães e bebês.Nota técnica do Ministério da Saúde. A questão da cesárea no Brasil. [ Internet]. [citado 2008 Ago 8]. Disponível em: http://www. aleitamento.com/subcategorias.asp?sub_id=2&id=1

9. Widström AM, Wahlberg V, Matthiesen AS, Eneroth P, Urnas-Moberg K, Werner S, et al. Short term effects of early suckling and touch of the nipple on maternal behavior. Early Hum Dev. 1990;21(3):153-63.

18. Monteiro JCS, Gomes FA, Nakano MAS. A percepção das mulheres acerca do contato precoce e da amamentação na sala de parto. Acta Paul Enferm. 2006;19(4):427-32.

einstein. 2008; 6(4):467-72

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.