A APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DO POLUIDOR-PAGADOR E DA PRECAUÇÃO AOS ESTUDOS DE IMPACTO AMBIENTAL BRASILEIROS E PORTUGUESES: ALGUNS PROBLEMAS E SUGESTÕES

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UNIVERSIDADE DE COIMBRA FACULDADE DE DIREITO CURSO DE MESTRADO EM CIÊNCIAS JURÍDICO-POLÍTICAS II

MARINA MOTTA BENEVIDES GADELHA

A APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DO POLUIDOR-PAGADOR E DA PRECAUÇÃO AOS ESTUDOS DE IMPACTO AMBIENTAL BRASILEIROS E PORTUGUESES: ALGUNS PROBLEMAS E SUGESTÕES

COIMBRA 2009

MARINA MOTTA BENEVIDES GADELHA

A APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DO POLUIDOR-PAGADOR E DA PRECAUÇÃO AOS ESTUDOS DE IMPACTO AMBIENTAL BRASILEIROS E PORTUGUESES: ALGUNS PROBLEMAS E SUGESTÕES Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas II da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, como parte das exigências para a obtenção do título de Mestre em Ciências Jurídico-Políticas II. Orientadora: Professora Doutora Maria Alexandra de Sousa Aragão

COIMBRA 2009

Agradecimentos

Aos meus pais, Maysa e Renato, pelo incentivo a despeito da ausência, que, pretensiosamente, suponho ter sido dolorosa. À Doutora Alexandra Aragão, pela presteza e altruísmo na difusão do conhecimento. Ao Lucas, pela irmandade refletida no suporte intelectual e psicológico. Ao Vlad, pela resignada paciência e pelas preciosas intervenções. Aos amigos Beto, Bill, Cris, Maria e Moema, pelo carinho tão necessário quando distante do lar. À Dani, pela compreensão. À Paula e à Dulce, em nome dos demais funcionários da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, pela atenção e respeito ao pesquisador.

Überzeugungen sind gefährlichere Feinde der Wahrheit als Lügen. As convicções são inimigas mais perigosas da verdade do que as mentiras.

(Friedrich Nietzsche)

Resumo

Peça fundamental à melhor avaliação de impacto ambiental (AIA), o estudo de impacto ambiental (EIA) vem ganhando importância ao longo dos seus pouco mais de trinta anos de existência. Entendemos, porém, que a despeito dos avanços, o EIA ainda não consegue desempenhar a contento o seu papel, em razão das falhas que a legislação a ele atinente ainda possui. O objetivo dessa pesquisa, portanto, foi comprovar que os defeitos na normatização brasileira e portuguesa relativa ao EIA descendem, em sua maioria, de uma aplicação equivocada dos Princípios do Poluidor-Pagador e da Precaução. Para tal, foi realizada a análise da legislação ambiental nos dois Estados – nomeadamente no que tange ao EIA – bem como dos princípios em tela e o necessário cotejo das normas com os princípios nominados. Para contribuir no aprimoramento da execução dos EIA’s no Brasil e em Portugal, algumas alterações legislativas foram propostas como forma de adequar a legislação aos princípios indicados.

Palavras-chave: Avaliação de impacto ambiental. Estudo de impacto ambiental. Princípio da Precaução. Princípio do Poluidor-Pagador.

Abstract

Cornerstone of a better environmental impact assessment (EIA), the environmental impact studies (EIS) have been gaining importance since their introduction a little over thirty years ago. We believe, however, that despite improvements, the EIA does not perform its role adequately due to flaws in the law regulating it. The aim of this study was therefore to prove that the deficiencies in Brazilian and Portuguese body of laws relating to EIA come, in most cases, from a misapplication of the Polluter Pays and Precautionary Principles. To this end, we performed analysis of environmental legislation in both countries - in particular with regard to EIA - besides the aforementioned principles and the necessary comparison between the laws and principles specified. To assist in improving the implementation of EIAs in Brazil and Portugal, some legislative changes have been proposed to make the laws adapt to the principles.

Keywords: Environmental impact evaluation. Environmental impact assessment. Precautionary Principle. Polluter Pays Principle.

Lista de siglas e acrônimos

AAE – avaliação ambiental estratégica ACB – análise de custo-benefício AIA – avaliação de impacto ambiental APA – Agência Portuguesa do Ambiente APAI – Associação Portuguesa de Avaliação de Impacte ASEAN – Acordo sobre a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento BIRD – Banco Mundial CE – Comunidade Européia CECA – Comissão Estadual de Controle Ambiental CEE – Comunidade Econômica Européia CEQ – Council of Environmental Quality CFC – clorofluorcarbono CNBS – Conselho Nacional de Biossegurança CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente CTNBio – Comissão Técnica Nacional de Biossegurança EARP – Environmental Assessment and Review Process EIA – estudo de impacto ambiental EIS – environmental impact statement EIV – estudo de impacto de vizinhança EPIA – estudo prévio de impacto ambiental (variação de EIA) EUA – Estados Unidos da América EURATOM – Comunidade Européia da Energia Atômica FEEMA – Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis IDH – índice de desenvolvimento humano IPAMB – Instituto de Promoção Ambiental LBA – Lei de Bases do Ambiente LI – licença de instalação LO – licença de operação LP – licença prévia

MPF – Ministério Público Federal NEPA – National Environmental Policy Act OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico OGM – organismo geneticamente modificado ONG – organização não governamental OPCR [convention] – International Convention on Oil Pollution Preparedness, Response and Co-Operation OSPAR [convention] – Convention for the Protection of the Marine Environment of the North-East Atlantic PCA – plano de controle ambiental PDA – proposta de definição do âmbito do EIA PPP – Princípio do Poluidor-Pagador PRAD – plano de recuperação de áreas degradadas RAIAS – relatório de ausência de impacto ambiental significativo RCA – relatório de controle ambiental RIMA – relatório de estudo de impacto ambiental RNT – resumo não técnico SLAP – sistema de licenciamento de atividades poluidoras TCU – Tribunal de Contas da União TR – termo de referência UE – União Européia

Sumário

0. INTRODUÇÃO ............................................................................................. 11 1. RESUMO HISTÓRICO................................................................................. 13 1.1. O modelo canadense......................................................................................16 1.2. A situação brasileira........................................................................................17 1.3. A avaliação de impacto ambiental na União Européia....................................20 2. ACERCA DAS TERMINOLOGIAS ............................................................... 23 2.1. Licenciamento ambiental ................................................................................23 2.2. Licença ambiental ...........................................................................................24 2.3. Avaliação de impacto ambiental .....................................................................26 2.4. Estudo de impacto ambiental..........................................................................27 2.5. Relatório de impacto ambiental e resumo não técnico ...................................28 3. O ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL NO BRASIL .................................. 30 3.1. As atividades, obras e empreendimentos sujeitos ao estudo de impacto ambiental ...............................................................................................................31 3.2. As diretrizes para elaboração do estudo de impacto ambiental e relatório de impacto ambiental..................................................................................................34 3.3. O conteúdo mínimo do estudo de impacto ambiental e relatório de impacto ambiental ...............................................................................................................36 3.4. A equipe multidisciplinar .................................................................................38 3.5. A publicidade do estudo de impacto ambiental e do relatório de impacto ambiental ...............................................................................................................41 4. O ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL EM PORTUGAL ........................... 43 4.1. A exigibilidade do estudo de impacto ambiental .............................................44 4.2. O momento de apresentação do estudo de impacto ambiental......................46 4.3. A proposta de definição do âmbito do estudo de impacto ambiental..............48 4.4. O conteúdo da proposta de definição do âmbito do estudo de impacto ambiental ...............................................................................................................50

4.5. O conteúdo do estudo de impacto ambiental..................................................52 4.6. O resumo não técnico.....................................................................................55 4.7. A equipe técnica responsável pela elaboração do estudo de impacto ambiental ...............................................................................................................58 4.8. A apresentação do estudo de impacto ambiental ...........................................60 5. O PRINCÍPIO DO POLUIDOR-PAGADOR .................................................. 61 5.1. As externalidades: Pigou e Coase ..................................................................64 5.2. A opção pela regulamentação estatal.............................................................66 5.3. As interpretações do Princípio do Poluidor-Pagador ......................................67 5.4. A conceituação de poluição e de poluidor ......................................................70 5.4.1. A legislação européia ...............................................................................71 5.4.2. A legislação brasileira ..............................................................................72 5.5. A identificação do poluidor..............................................................................73 5.6. Quanto deve pagar o poluidor ........................................................................76 6. O PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO.................................................................. 78 6.1. O Princípio da Precaução na União Européia ................................................82 6.2. O Princípio da Precaução no Brasil ................................................................84 6.3. A definição do Princípio da Precaução a partir da noção de risco apresentada por Ulrich Beck ......................................................................................................85 6.4. A aplicação do Princípio da Precaução ..........................................................87 6.5. O viés econômico do Princípio da Precaução ................................................90 7. A TRIAGEM DOS EMPREENDIMENTOS SUJEITOS AO EIA .................... 93 8. AS EQUIPES RESPONSÁVEIS PELA EXECUÇÃO DO ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL ................................................................................................... 101 8.1. A situção brasileira .......................................................................................101 8.2. A situação portuguesa ..................................................................................104 8.3. Algumas sugestões.......................................................................................107 9. CONCLUSÃO............................................................................................. 108 BIBLIOGRAFIA .............................................................................................. 111

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0. INTRODUÇÃO

A

presente

dissertação

foi

motivada,

inicialmente,

por

nossa

insatisfação pessoal para com a legislação brasileira acerca das avaliações de impacto ambiental (AIA's), e, sobretudo, acerca dos estudos de impacto ambiental (EIA's) realizados no país. No decorrer da pesquisa, constatamos que os problemas enfrentados pela legislação brasileira não eram exclusivos desta, estando presentes, também, nas normatizações norte-americana e européia, por exemplo. Como a imprensa vem anunciando, EIA’s viciados1 têm conduzido a avaliações igualmente defeituosas, as quais, em ilação, favorecem a expedição de licenças ambientais em inteira dissonância não apenas com as orientações da lei (ou do órgão ambiental licenciador), mas – o que é ainda mais grave – em desacordo com alguns dos princípios reitores do Direito Ambiental. Além dos vícios, a baixa qualidade dos EIA’s é uma realidade infelizmente freqüente tanto em Portugal quanto no Brasil. Neste último Estado, o Tribunal de Contas da União (TCU) já manifestou seu descontentamento para com os EIA’s apresentados ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) em processos de licenciamento. Segundo o TCU, é necessário criar mecanismos de punição dos responsáveis, pois, atualmente, ainda de acordo com o Tribunal, não há previsão de penalidade aos técnicos que assinam estudos e respectivos relatórios (RIMA) incompatíveis ou inadequados2. Em Portugal, semelhantemente, a má-realização dos EIA’s é objeto de preocupação daqueles que se dedicam ao estudo do Direito Ambiental, pois “a

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Caso emblemático é o da usina hidrelétrica de Barra Grande, no Estado do Rio Grande do Sul, cujo EIA fraudulento escondeu a existência de uma das últimas áreas primárias de araucárias (Araucaria angustifolia) do Brasil. Para maiores detalhes, sugerimos a leitura do artigo disponível em «http://www.consciencia.net/2004/mes/10/barragrande-crime.html». Acesso em 11/09/2009. A obra de transposição do Rio São Francisco, licenciada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), é alvo de Ação Cível Originária junto ao Supremo Tribunal Federal, fulcrada, dentre outros aspectos, na suposta inobservância de exigências relativas ao estudo e relatório de impacto ambiental (EIA/RIMA). Os pormenores da ação podem ser encontrados em «http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=996&classe=ACO&orige m=AP&recurso=0&tipoJulgamento=M ». Acesso em 17/09/2009. 2 Disponível em «http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/136798». Acesso em 25/08/2009.

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qualidade do EIA é de grande importância para informar devidamente o público, e os decisores acerca dos efeitos ambientais significativos do projeto3”. Com o escopo último de comprovar que a aludida imperfeição técnica dos estudos está associada à má-interpretação e, sobretudo, à má-aplicação dos princípios do Direito Ambiental, especialmente, o Princípio do Poluidor-Pagador (PPP) e o Princípio da Precaução, realizaremos, inicialmente uma apresentação da história da AIA e do próprio EIA. Nesse

resumo

histórico,

além

da

origem

norte-americana,

apresentaremos o surgimento dos institutos supracitados no Canadá, no Brasil, na União Européia (UE) e, conseqüentemente, em Portugal. Posteriormente, algumas definições consideradas indispensáveis para a compreensão do tema serão apresentadas, de forma a não apenas mais bem delinear o assunto selecionado, mas, principalmente, a permitir sua compreensão. Em seguida, abordaremos alguns dos mais relevantes aspectos do EIA no Brasil e em Portugal, buscando conhecer as obras e atividades cujo licenciamento o exigem, as diretrizes gerais para sua elaboração, seu conteúdo mínimo e as características da equipe multidisciplinar responsável por sua elaboração, além dos mecanismos de publicidade e participação pública utilizados. Num quarto momento, ofereceremos as nossas considerações a respeito dos Princípios do Poluidor-Pagador (PPP) e da Precaução. Um enfrentamento ligeiramente mais amplo desses dos princípios se justifica pela necessidade de que o nosso entendimento pessoal de seus contornos seja apresentado. Na realidade, quando da demonstração do desajuste entre a normatização acerca dos EIA’s e os indigitados princípios será necessário não somente que o leitor tenha um conhecimento prévio destes, mas que, para além disso, tenha acesso à nossa concepção sobre tais princípios, haja vista, especialmente, as divergências conceituais existentes. Finalmente, serão conhecidas as razões pelas quais cremos no descompasso entre os mencionados princípios e a legislação relativa aos EIA’s, especificamente nos sistemas legislativos brasileiro e português. Teremos a 3

Tradução nossa para: “The quality of the EIS is of great importance to properly inform the public and the decision makers about the significant environmental effects of the project”. CANELAS, Leonel et. al. Quality of environmental impact statements in Portugal and Spain. Environmental impact assessment review. Ano 25, p. 217-225, 2005, p. 217.

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oportunidade de manifestar o nosso desagrado para com as normas ambientais atinentes ao EIA no Brasil e em Portugal, a partir de uma exegese sistemática entre elas e os princípios em tela, demonstrando os aspectos dissonantes e, conseqüentemente, que estão a exigir, segundo o nosso ponto-de-vista, imediato reparo. Como certamente esperado, às críticas seguem propostas de alterações em ambas as legislações relativas aos EIA’s, de maneira a aproximá-las do formato que consideramos o mais próximo possível do ideal. Ressaltemos, nesse diapasão, que as sugestões resultam da análise de normas estrangeiras ou de adaptações da doutrina, de maneira que possuem a chancela de experiências legislativas anteriores ou de pesquisadores de escol. Fica, assim, delineada a nossa proposta quando da realização deste trabalho: prestar uma contribuição à construção do Direito Ambiental de maneira prática e de aplicabilidade possível.

1. RESUMO HISTÓRICO

Os Estados Unidos da América (EUA) foram os pioneiros na AIA4 e, em conseqüência, nos EIA's. No primeiro dia do ano de 1970, o presidente Nixon promulgou o National Environmental Policy Act (NEPA5), que fixou a política ambiental norte-americana6. Até aquela data, fazia-se nos EUA uma avaliação meramente contábil dos projetos federais, por meio dos estudos de viabilidade técnica e de análise de custo-benefício (ACB), os quais pretendiam, tão somente, garantir um melhor 4

ROCHA, Mário de Melo. A avaliação de impacto ambiental como princípio do direito do ambiente nos quadros internacional e europeu. Porto: Publicações Universidade Católica, 2000, p. 117. 5 "O Ato estabelece a política nacional de meio ambiente e os objetivos para a proteção, manutenção e desenvolvimento do ambiente, e fornece os meios de implementação desses objetivos junto às agências federais. O Ato ainda estabelece o Conselho para a Qualidade Ambiental (CEQ)". Tradução nossa para: "The Act establishes national environmental policy and goals for the protection, maintenance, and enhancement of the environment, and it provides a process for implementing these goals within the federal agencies. The Act also establishes the Council on Environmental Quality (CEQ)" Basic information. Disponível em «http://www.epa.gov/compliance/basics/nepa.html». Acesso em 11/09/2009. 6 CLARK, Brian. O processo de AIA: conceitos básicos. In PARTIDÁRIO, Maria do Rosário; JESUS, Júlio de. (Eds.) Avaliação do impacte ambiental: conceitos, procedimentos e aplicações. Lisboa: CEPGA – Centro de Estudos de Planeamento e Gestão do Ambiente, 1994, p. 3-24, p. 4.

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emprego das verbas públicas7. Todavia, além da quase inexistência de preocupações ambientais àquela época, os apontados mecanismos não eram capazes de mensurar e, especialmente, de valorar as imprevisibilidades ambientais, impondo-se, assim, a formação do conceito de AIA8. Muito embora a utilização da expressão "avaliação de impacto ambiental" tenha surgido com o NEPA, algumas formas de AIA já vinham sendo utilizadas desde os anos 1930. Entretanto, somente com o NEPA – motivado, sem dúvidas, pela ocorrência de desastres ambientais (como o derramamento de petróleo em Santa Bárbara9) e pela pressão dos ativistas ambientais – é que a AIA adquiriu efetividade. O NEPA possui quatro objetivos explícitos: “estabelecer uma política nacional que encoraje uma produtiva e agradável harmonia entre o homem e o seu ambiente; envidar esforços para prevenir ou eliminar os danos ao ambiente e à biosfera e estimular a saúde e o bem-estar do homem; enriquecer os conhecimentos acerca dos sistemas ecológicos e dos recursos naturais importantes para a Nação; e estabelecer um Conselho para a Qualidade Ambiental10”. Em seu artigo 102, o NEPA coloca vários procedimentos para a sua implementação, trazendo, na alínea "c", do número 2, do artigo 102, a obrigatoriedade de as agências federais incluírem EIA's "em cada recomendação ou proposta legislativa e nas grandes ações federais que afetem significativamente a qualidade do ambiente humano11". De acordo com esse mesmo dispositivo, todo EIA deve apresentar informações detalhadas sobre: 1. o impacto ambiental da ação proposta; 2. qualquer efeito ambiental adverso que não possa ser evitado, caso a proposta seja implementada;

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Idem. GARCIA, José Luís. (Coord.) Impacte ambiental, contigência e regulação: os estudos de impacte ambiental em Portugal, 1990-1997. Lisboa: OBSERVA – Ambiente, Sociedade e Opinião Pública, 2000, p. 7. 9 Idem. 10 Tradução nossa para: "to declare a national policy which will encourage productive and enjoyable harmony between man and his environment; to promote efforts which will prevent or eliminate damage to the environment and biosphere and stimulate the health and welfare of man; to enrich the understanding of the ecological systems and natural resources important to the Nation; and to establish a Council on Environmental Quality" Sec. 2 [42 USC 4321]. 11 Tradução nossa para: "include in every recommendation or report on proposals for legislation and other major Federal actions significantly affecting the quality of the human environment". 8

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3. alternativas à ação proposta; 4. a relação entre os usos a curto prazo do ambiente humano e a manutenção e aumento da produtividade a longo prazo; e 5. qualquer comprometimento irreversível e irrecuperável dos recursos que podem ser envolvidos na ação proposta, caso ela venha a ser implementada12. O Decreto Executivo nº. 11.514, que impunha o cumprimento do NEPA a todas as agências e incumbia o Council of Environmental Quality (CEQ) de "controlar" esses estudos, acabou por reforçar a exigência da elaboração do EIA13. Esse mesmo Decreto definiu os procedimentos a serem observados na confecção dos EIA's, criou os conceitos de "draft EIS" e "final EIS", estabeleceu os prazos para revisão e comentário daqueles e, ainda, o tempo de espera até o início da ação14. Em novembro de 1978, como reação direta ao Decreto Executivo nº. 11.991, de 24 de maio de 1977 – já na gestão do Presidente Jimmy Carter – o CEQ publicou seu regulamento final, no qual foram fixadas as orientações gerais relativas aos EIA's, bem como os procedimentos de execução dos mesmos. As principais inovações da norma foram as seguintes: 1. imposição da confecção de EIA's mais sintéticos; 2. necessidade de definição dos elementos a serem incluídos no EIA (scoping); 3. adoção de uma abordagem sistemática e interdisciplinar; 4. fornecimento de alternativas à ação a ser desenvolvida15. Desde a sua implantação, o NEPA tornou-se um modelo para outros sistemas de AIA e resultou na preparação de mais de 15000 AIA's nos EUA, as quais influenciaram incontáveis decisões e se transformaram numa poderosa base de informações ambientais16. Força é reparar, porém, que muitos dos princípios do NEPA foram fixados por meio de decisões judiciais17. 12

Tradução nossa para: "(i) the environmental impact of the proposed action, (ii) any adverse environmental effects which cannot be avoided should the proposal be implemented, (iii) alternatives to the proposed action, (iv) the relationship between local short-term uses of man's environment and the maintenance and enhancement of long-term productivity, and (v) any irreversible and irretrievable commitments of resources which would be involved in the proposed action should it be implemented". 13 GARCIA, José Luís. (Coord.) Impacte ambiental... Op. cit., p. 7. 14 CLARK, Brian. O processo de AIA... Op. cit., p. 5. 15 Idem. 16 GLASSON, John; THERIVEL, Riki; CHADWICK, Andrew. Introduction to environmental impact assessment. Londres: University College of London Press, 1994, p. 26. 17 Ibidem, p. 28.

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1.1. O modelo canadense

Seguindo o caminho trilhado pelos EUA18, o Canadá passou a adotar, a partir de janeiro de 1973, o processo de AIA. Uma resolução do Conselho de Ministros foi responsável pela criação do Environmental Assessment and Review Process (EARP) para projetos originários dos departamentos ou agências federais, custeados por verbas federais ou abrangidos pela propriedade federal19. O EARP segue três princípios basilares: 1. a auto-avaliação – as próprias agências apontam se os seus projetos causam ou não impactos ambientais importantes; 2. abordagem hierárquica do projeto – apenas os projetos mais perigosos para o ambiente devem ser objeto de AIA; 3. Princípio do Poluidor-Pagador – o proponente é responsável pelo custeio do EIA (caso este venha a ser exigido), pelas despesas relativas às alterações ao projeto, ao retardo na sua implementação e às medidas mitigadoras a serem efetivadas20. Fácil é perceber, portanto, que, o EARP, contrariamente ao NEPA, é uma alternativa política, de maneira que as agências espontaneamente realizam a AIA dentro de seus processos de planejamento. Em assim sendo, não podem tais agências ser judicialmente processadas pelo descumprimento do EARP21. Existindo consideráveis diferenças entre a AIA norte-americana (legislativa) e a AIA canadense (política)22, nota-se que a grande maioria dos países

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"Desde o anúncio do NEPA, o sistema de AIA foi estabelecido de várias formas ao redor do mundo, iniciando-se pelos países mais desenvolvidos – e.g. Canadá em 1973, Austrália em 1974, Alemanha Ocidental em 1975, França em 1976 – e depois também nos países menos desenvolvidos". Tradução nossa para: "Since the enactment of NEPA, EIA systems have been established in various forms throughout the world, beginning with more developed countries – e.g. Canada in1973, Australia in 1974, West Germany in 1975, France in 1976 – and later also in the less developed countries". Ibidem, p. 33-34. 19 CLARK, Brian. O processo de AIA... Op. cit., p. 7. GARCIA, José Luís. (Coord.) Impacte ambiental... Op. cit., p. 9. 20 CLARK, Brian. O processo de AIA... Op. cit., p. 8. GARCIA, José Luís. (Coord.) Impacte ambiental... Op. cit., p. 9. 21 CLARK, Brian. O processo de AIA... Op. cit., p.8. GARCIA, José Luís. (Coord.) Impacte ambiental... Op. cit., p. 10. 22 Há grandes diferenças nas AIA's praticadas pelo mundo, em relação, principalmente, à exigibilidade do EIA: alguns sistemas utilizam uma definição dos projetos submetidos ao EIA, enquanto outros adotam uma lista de atividades cuja implementação exige EIA. Também há dessemelhanças relacionadas à obrigatoriedade de EIA exclusivamente para projetos oficiais (caso do NEPA),

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desenvolvidos e em desenvolvimento optou por seguir o modelo dos EUA23, como é o caso da União Européia (UE)24 – através da Diretiva Comunitária nº. 85/377/CEE – e do Brasil.

1.2. A situação brasileira

No Brasil, não é despiciendo afirmar, a adesão à AIA foi motivada menos pelo aumento da consciência ambiental que pelas exigências dos organismos mundiais de financiamento – Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e Banco Mundial (BIRD) – os quais foram influenciados quer por algumas grandes catástrofes ambientais, quer pela força da Conferência de Estocolmo (1972), que, em seu relatório final, recomendou aos países a feitura ou requerimento de avaliações ambientais prévias para as atividades que pudessem afetar significativamente o ambiente ou que façam uso de recursos naturais25. De acordo com Fernando Almeida, as AIA's começaram a chegar ao Brasil pela Fundação Estadual de Engenharia e Meio Ambiente (FEEMA), órgão ambiental do Estado do Rio de Janeiro, em 1978, por meio do sistema de licenciamento de atividades poluidoras (SLAP)26.

exclusivamente para projetos particulares, ou em ambos os casos. GLASSON, John; THERIVEL, Riki; CHADWICK, Andrew. Introduction to environmental… Op. cit., p. 34. 23 CLARK, Brian. O processo de AIA... Op. cit., p. 9. Apesar disso, John Glasson, Riki Therivel e Andrew Chadwick acreditam que o NEPA "é único". GLASSON, John; THERIVEL, Riki; CHADWICK, Andrew. Introduction to environmental… Op. cit., p. 26. 24 O modelo norte-americano constitui uma "indispensável referência da Directiva 85/337/CEE", influenciada, também, pela lei francesa de proteção à natureza, de 10 de julho de 1976. ANTUNES, Luís Filipe Colaço. O procedimento administrativo de avaliação de impacto ambiental: para uma tutela preventiva do ambiente. Coimbra: Almedina, 1998, p. 319. 25 WORLD COMMISION ON ENVIRONMENT AND DEVELOPMENT. Our common future. Oxford: Oxford University Press, 1987, Anexo I, Princípio 5, p. 449. "Em razão dessas exigências internacionais, alguns projetos desenvolvidos em fins da década de 70 e início dos anos 80 e financiados pelo BIRD e pelo BID foram submetidos a estudos ambientais, dentre eles: as usinas hidrelétricas de Sobradinho, na Bahia, e de Tucuruí, no Pará; e o terminal porto-ferroviário Ponta da Madeira, no Maranhão, ponto de exportação do minério extraído pela CVRD, na Serra do Carajás. No entanto, os estudos foram realizados segundo as normas das agências internacionais, já que o Brasil ainda não dispunha de normas ambientais próprias". ABSY, Miriam Laila; ASSUNÇÃO, Francisca Neta A.; CORREIA DE FARIA, Sueli, STROH, Paula Yone (versão de) et al. Avaliação de impacto ambiental: agentes sociais, procedimentos e ferramentas. Brasília: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, 1995, p. 24. 26 ALMEIDA, Fernando. O bom negócio da sustentabilidade. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2002, p. 45.

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Os EIA's foram introduzidos no sistema normativo brasileiro em 02 de julho de 1980, por meio do § 3º, do artigo 10, da Lei nº. 6.803, que tornou obrigatória a apresentação de “estudos especiais de alternativas e de avaliações de impacto” para a localização de pólos petroquímicos, cloroquímicos, carboquímicos e instalações nucleares. Entretanto, a AIA foi efetivamente estabelecida em todo o Brasil apenas no ano seguinte, através do artigo 9º, III, da Lei nº. 6.938, de 31 de agosto de 1981, a qual "dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação e dá outras providências". Essa mesma norma, aliás, novamente reafirmou a necessidade dos EIA's, elevando-os à categoria de instrumento de política ambiental a ser exigido pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) – artigos 9º, III e 8º, II. O Decreto nº. 88.351, de 01 de julho de 1983, que "regulamenta a Lei n°. 6.938, de 31 de agosto de 1981, e a Lei n°. 6.902, de 27 de abril de 1981, que dispõem, respectivamente, sobre a Política Nacional do Meio Ambiente e sobre a criação de Estações Ecológicas e Áreas de Proteção Ambiental, e dá outras providências" (posteriormente revogado pelo Decreto nº. 99.274, de 06 de junho de 1990), em seu artigo 18, ratificou a exigência de EIA27 para a "construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimento de atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras, bem como os empreendimentos capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental". Em 1986, o CONAMA, fazendo uso das competências que lhe foram atribuídas pelo Decreto nº. 88.351/83 e "considerando a necessidade de se estabelecerem as definições, as responsabilidades, os critérios básicos e as diretrizes gerais para uso e implementação da Avaliação de Impacto Ambiental como um dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente28", editou a Resolução nº. 001, de 23 de janeiro, a qual, em seu artigo 2º, iniciou a enumeração

Essa informação é indiretamente confirmada por Iara Verocai Dias Moreira. MOREIRA, Iara Verocai Dias. A AIA no Brasil. In PARTIDÁRIO, Maria do Rosário; JESUS, Júlio de. (Eds.) Avaliação do impacte ambiental... Op. cit., p. 557. 27 FERREIRA, Heline Sivini. Política ambiental constitucional. In CANOTILHO, José Joaquim Gomes e LEITE, José Rubens Morato (Orgs.). Direito constitucional ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 230-316, p. 243. 28 Ementa da Resolução CONAMA nº. 001/86.

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(diversas vezes ampliada) das atividades cujo licenciamento ambiental depende da elaboração de EIA29. Com o advento da Constituição Federal de 05 de outubro de 1988, o EIA adquiriu índole constitucional, pois a Carta Magna passou a exigir, em seu artigo 225, § 1º, IV, "para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade". No plano infraconstituicional, o EIA é, ainda, regulamentado pela Lei nº. 11.205, de 24 de março de 2005 (Lei de Biossegurança), a qual encerra, em seu bojo, assuntos extremamente díspares, pois, muito embora destinada, inicialmente, a regulamentar o artigo 225, §1º, incisos II, IV e V da Constituição Federal, a Lei de Biossegurança agrupa, “qual colcha-de-retalhos jurídica”, quatro matérias distintas: a pesquisa e a fiscalização dos organismos geneticamente modificados (OGM’s); a utilização de células-tronco embrionárias para fins de pesquisa e terapia; o papel, a estrutura e as competências da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio); e, finalmente, a formação e organização do Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS)30.

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os

Tais atividades encontram-se exemplificativamente listadas nas Resoluções CONAMA n . 001/86, 011/86, 006/87, 009/90 ou definidas nas normatizações estaduais e municipais. "Após a aprovação da Resolução CONAMA 001/86, seguiu-se um período de incertezas e de adaptação por parte dos órgãos de meio ambiente existentes. Tal fato foi atribuído à falta de tradição de planejamento em nosso País, às diferenças regionais na edição de leis complementares à Resolução, a problemas de interpretação da legislação federal e à falta de definição de atribuições e competências em nível dos órgãos ambientais. Esse período foi marcado por intensa mobilização, busca de informações e intercâmbio em torno do funcionamento do processo de AIA no País. Foram realizados diversos eventos nos quais foram definidos os seguintes requisitos básicos para a operacionalização da AIA no Brasil: "• criar procedimentos de licenciamento ambiental específicos, conforme os tipos de atividades; "• treinar equipes multidisciplinares na elaboração de EIA/RIMA; "• treinar pessoal dos órgãos de meio ambiente para analisar os casos de AIA no País; "• gerar instruções e guias específicos para conduzir os diferentes tipos de estudos, de acordo com as características dos projetos propostos". ABSY, Miriam Laila; ASSUNÇÃO, Francisca Neta A.; CORREIA DE FARIA, Sueli, STROH, Paula Yone (versão de) et al. Avaliação de impacto... Op. cit., p. 24. 30 MARTINS-COSTA, Judith; FERNANDES, Márcia Santana; GOLDIM, José Roberto. Lei de biossegurança: medusa legislativa? Disponível em «http://www.ufrgs.br/bioetica/ibiosseg.htm». Acesso em 11/09/2009. A Lei de Biossegurança não menciona expressamente os EIA’s, estabelecendo, apenas, que algumas das determinações sobre o EIA e o licenciamento ambiental encontradas na Lei de Política Ambiental serão aplicáveis aos casos em que a CTNBio considerar que o manejo de OGM's é potencial ou efetivamente causador de significativa degradação ao meio ambiente. FERREIRA, Heline Sivini. Política ambiental... Op. cit., p. 246-247.

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Também merece nota a inclusão, na Declaração do Rio, de 1992, do EIA como um dos princípios proclamados pela Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento31.

1.3. A avaliação de impacto ambiental na União Européia

De acordo com Ramón Martín Mateo, objetivos similares aos pretendidos pela AIA já vinham sendo alcançados na UE, através da legislação de planejamento urbanístico de certos Estados europeus, a exemplo da Grã-Bretanha com o Town and Country Planning Act, de 1971 e das leis belga (1962), holandesa (1965) e alemã (1965)32. A Alemanha introduziu, em 1971, no programa ambiental então aplicado, a necessidade de análise da compatibilidade ambiental para uma vastidão de empreendimentos federais. Foi, todavia, a França, em 1976, o primeiro Estado europeu a estabelecer uma normatização para a AIA, qual seja: a Lei de Proteção da Natureza33. Ainda consoante Ramón Martín Mateo, a AIA se expandiu no continente europeu graças a algumas iniciativas nacionais, mas foi somente com a Diretiva 85/337/CEE que adquiriu a esperada e necessária generalização34. Desta mesma opinião comunga José Luís Garcia, ao afirmar que a Diretiva 85/337/CEE conferiu um “novo impulso” ao desenvolvimento da AIA na Europa35. A Diretiva 85/337/CEE apareceu em um momento no qual as bases da política comunitária do meio ambiente estavam, tão somente, na possibilidade de normas nacionais díspares ensejarem um desequilíbrio concorrencial entre os

31

Princípio 17 – O estudo de impacto ambiental, compreendido como instrumento nacional, deve ser levado a efeito nos casos de atividades propostas, que apresentem o risco de ter efeitos nocivos importantes sobre o meio ambiente e que dependam da decisão da autoridade nacional competente. 32 MARTÍN MATEO, Ramón. Tratado de derecho ambiental. Volume I, primeira edição. Madri: Trivium, 1991, p. 306-307. 33 Ibidem, p. 307. 34 Idem. 35 GARCIA, José Luís. (Coord.) Impacte ambiental... Op. cit., p. 10. Ressalta, a seguir, esse mesmo autor que “o início tardio do processo de AIA, a falta de um controlo rígido dos EIA, a deficiência das consultorias, a falta de medidas de mitigação dos impactes ambientais e, por último, a irrelevância quase completa do resultado de AIA para a tomada de decisão de tutela, impedem que esta se processe de forma a pontenciar as suas vantagens”.

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Estados36. A partir do novo regramento, os Estados-membros passaram a adotar as medidas indispensáveis a que, antes de concessão da aprovação, os projetos causadores de importante impacto ambiental – em razão de sua natureza, dimensão ou localização – fossem submetidos à avaliação dos seus efeitos37. Para Glasson, Therivel e Chadwick, a UE teve duas motivações primordiais para implantar um sistema de avaliação ambiental comum a todos os seus Estados-membros: a primeira diz com a necessidade de proteção do meio ambiente e de prevenção de sua degradação. A segunda, de seu turno, refere-se à necessidade de evitar concorrência econômica desleal entre os Estados-membros por permitir a um Estado-membro determinada espécie de mecanismo vedada a outro ou vários outros Estados-membros38. Através da Diretiva 85/337/CEE, foram firmados, definitivamente, aspectos como39: 1. implementação,

na

então

CEE,

de

uma

política

ambiental

eminentemente preventiva40; 2. conciliação legislativa ambiental na comunidade, de modo a sanar as diferenças causadoras de eventuais dissonâncias concorrenciais41; 3. submissão de empreendimentos específicos – e não de planos ou ações – à AIA42; 4. declaração dos projetos obrigatória ou ocasionalmente submetidos à AIA (cabendo a cada Estado-membro a estipulação de regras próprias – desde que mais rígidas – nesse sentido)43; 5. possibilidade de sujeição de determinado empreendimento à AIA por suas características específicas (regime de cláusula aberta); 6. emissão de parecer acerca do pedido de aprovação pelas autoridades com interesse no projeto44;

36

ROSA MORENO, Juan. Régimen jurídico de la evaluación de impacto ambiental. Primeira edição. Madri: Trivium, 1993, p. 35. 37 Artigo 2º da Diretiva 85/337/CEE. 38 GLASSON, John; THERIVEL, Riki; CHADWICK, Andrew. Introduction to environmental… Op. cit., p. 38-39. 39 GASPAR, Pedro Portugal. A avaliação de impacto ambiental. Revista jurídica do urbanismo e do ambiente. Lisboa, ano VII, nº. 14, p. 83-143, dez. 2000, p. 91. 40 Programas, preâmbulo e artigos 3º e 4º da Diretiva 85/337/CEE. 41 Preâmbulo da Diretiva 85/337/CEE. 42 Artigo 1º da Diretiva 85/337/CEE. 43 Artigo 4º e Anexos I e II da Diretiva 85/337/CEE. 44 Artigo 6º da Diretiva 85/337/CEE.

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7. capacidade de os Estados-membros serem mais rígidos na aplicação das regras estabelecidas pela diretiva45; 8. obrigatoriedade de transposição da diretiva até 03 de julho de 198846; Reparemos que a Diretiva 85/337/CEE garante a AIA apenas a projetos específicos de obras e instalações, deixando de aplicar a proteção a programas e planos47, motivo pelo qual sofreu sérias críticas. Em 1997 entrou em vigor a Diretiva 97/11/CE a qual, consoante Maria Alexandra Aragão, José Eduardo Figueiredo Dias e Maria Ana Barradas, não alterou substancialmente a Diretiva 85/337/CEE. Ainda conforme os autores supra, a Diretiva 97/11/CE serviu para tornar explícitos requisitos e expedientes de AIA já previstos na Diretiva 85/337/CEE, se corretamente interpretada, evitando, dessarte, as hipóteses de “‘fuga’ dos Estados-membros48”. Assim sendo, não é difícil perceber que a maior crítica feita à Diretiva 85/337/CEE, ou seja, a de que ela não abarcava os planos e programas, acabou sendo estendida, também à Diretiva 97/11/CE, que fez perpetuar na norma que alterou a falha vergastada. Somente, pois, com a Diretiva 2001/42/CE, “relativa à avaliação dos efeitos de determinados planos e programas no ambiente” – em Portugal transposta por meio do Decreto-Lei nº. 232/2007, de 15 de junho – e com a Diretiva 2003/35/CE, de 26 de maio, “que estabelece a participação do público na elaboração de certos planos e programas relativos ao ambiente” foi implantado na Europa um regime jurídico para a realização de avaliações ambientais que ultrapassassem o limite dos empreendimentos e fossem associadas a planos e programas. De acordo com a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), a avaliação ambiental estratégica (AAE) objetiva incorporar o fator ambiental à tomada de decisão em planos e projetos, garantindo uma visão estratégica “e uma perspectiva alargada em relação às questões ambientais através da integração global das 45

Artigo 13º da Diretiva 85/337/CEE. Artigo 12º da Diretiva 85/337/CEE. 47 ROSA MORENO, Juan. La evaluación de impacto ambiental. Intervención de los entes locales. In: ESTEVE PARDO, José. (Coord.). Derecho del medio ambiente y administración local. Barcelona, Madri: Diputación de Barcelona, Editorial Civitas, 1996, p. 427-450, p. 431. 48 ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa; DIAS, José Eduardo Figueiredo; BARRADAS, Maria Ana. Presente e futuro da AIA em Portugal: notas sobre uma “reforma anunciada”. Revista do Centro de Estudos de Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente – CEDOUA. Coimbra, nº 2, ano I, p. 89-110, 1998, p. 90-91. 46

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considerações biofísicas, económicas, sociais e políticas relevantes que possam estar em causa, num quadro de sustentabilidade49”.

2. ACERCA DAS TERMINOLOGIAS

Soa-nos extremamente útil esboçarmos as diferenças entre termos símiles como licenciamento ambiental, licença ambiental, AIA, EIA e relatório de estudo de impacto ambiental (RIMA) ou resumo não técnico (RNT).

2.1. Licenciamento ambiental

A Resolução CONAMA nº. 237, de 19 de dezembro de 1997, no inciso I do artigo 1º, realizando a denominada interpretação autêntica, assim define o licenciamento ambiental:

Procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso.

Partindo da definição exposta pela Resolução, vemos que o licenciamento 49

ambiental

constitui

verdadeiro

procedimento

administrativo50,

O regime jurídico da AAE em Portugal está firmado no Decreto-Lei nº. 232/2007, de 15 de junho, o qual é responsável pela transposição da Diretiva 2001/42/CE, de 27 de junho, que versa sobre a avaliação dos efeitos de determinados planos e programas no ambiente, e da Diretiva 2003/35/CE, de 26 de maio, relativa à participação do público na elaboração de certos planos e programas relativos ao ambiente. Disponível em « h t t p : / / w w w . a p a m b i e n t e . pt / I N S TR U M E N TO S / A V A L I A C A O A M B I E N T A L E S TR A T E G I C A / P ag in a s / de f a u l t . a s p x » . A c e s s o e m 2 3 / 0 7 / 2 0 0 9 . 50 "Procedimento administrativo ou processo administrativo é uma sucessão itinerária e encadeada de atos administrativos que tendem, todos, a um resultado final e conclusivo. Isto significa que para existir o procedimento ou processo cumpre que haja uma seqüência de atos conectados entre si, isto é, armados em uma ordenada sucessão visando a um ato derradeiro, em vista do qual se compôs esta cadeia, sem prejuízo, entretanto, de que cada um dos atos integrados neste todo conserve a sua identidade funcional própria, que autoriza a neles reconhecer o que os autores qualificam como

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compreendendo, pois, vários atos encadeados visando a um único objetivo: a obtenção da licença ambiental. Trata-se de um procedimento conduzido no âmbito do Poder Executivo que, assim, regularmente exerce seu poder de polícia administrativa51, e que deve ser desenvolvido, no caso brasileiro, dentro do órgão ambiental cuja competência foi determinada pela Constituição Federal, por lei ou por decreto52.

Como uma das funções constitucionalmente definidas do Estado é a de conservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado, o licenciamento ambiental, como um dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente, faz parte da tutela administrativa preventiva, ou seja, visa à preservação do meio ambiente, prevenindo a ocorrência de impactos negativos ou minorando-os ao máximo53.

Seu maior objetivo, atendendo ao Princípio da Prevenção, é conciliar o desenvolvimento econômico com a manutenção da qualidade ambiental, ou seja, favorecer o desenvolvimento sustentável.

2.2. Licença ambiental

De acordo com a Resolução CONAMA nº. 237/97, artigo 1º, II, a licença ambiental é o: 54

(...) ato administrativo pelo qual o órgão ambiental competente estabelece as condições, restrições e medidas de controle ambiental que deverão ser obedecidas

'autonomia relativa'". BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo brasileiro. 25ª ed. rev. e ampl. até a emenda constitucional 56, de 10.12.2007. São Paulo: Malheiros, 2008, 2ª. tiragem, p. 477. Destaques no original. 51 "A atividade estatal de condicionar a liberdade e a propriedade ajustando-as aos interesses coletivos designa-se 'poder de polícia'". Ibidem, p. 809. 52 A Resolução CONAMA nº. 237/97, nos artigos 4º, 5º e 6º especifica as competências para licenciar, atribuíndo-as ao IBAMA, ao órgão ambiental estadual ou distrital, ou mesmo ao órgão ambiental municipal, conforme o caso. Todavia, dadas as particularidades do Estado federado e a repartição de competências entre seus membros, a definição da competência para o licenciamento ambiental apresenta nuances várias que merecem um estudo detalhado, o qual foge aos objetivos desse trabalho. 53 FINK, Daniel Roberto; HORTA DE MACEDO, André Camargo. Roteiro para licenciamento ambiental e outras considerações. In FINK, Daniel Roberto; ALONSO JÚNIOR, Hamilton; DAWALIBI, Marcelo; HORTA DE MACEDO, André Camargo (colaboração no capítulo I). Aspectos jurídicos do licenciamento ambiental. 3ª ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 1-42, p. 3. 54 Após longa discussão acerca das dificuldades ou mesmo da necessidade de se definir o ato administrativo, Celso Antônio Bandeira de Mello o entende como sendo a "declaração do Estado (ou de quem lhe faça as vezes – como, por exemplo, um concessionário de serviço público), no exercício das prerrogativas públicas, manifestada mediante providências jurídicas complementares da lei a

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pelo empreendedor, pessoa física ou jurídica, para localizar, instalar, ampliar e operar empreendimentos ou atividades utilizadoras dos recursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou aquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental.

Consoante é dado reparar através de uma leitura um pouco mais acurada do excerto legislativo transcrito, apenas as atividades que possam causar degradação ambiental, que poluam e/ou que utilizem recursos naturais é que carecem de licença ambiental. A licença ambiental é o intento final do procedimento administrativo de licenciamento ambiental. Entretanto, no caso brasileiro, a licença almejada não é una; havendo uma licença específica para cada etapa do empreendimento, a saber: licença prévia (LP), licença de instalação (LI) e licença de operação (LO). Assim, cada fase do licenciamento finda com a concessão da licença ambiental que lhe corresponde, de modo que as licenças expressam que, até aquela etapa, o proponente cumpre as determinações legais e administrativas no âmbito do processo de licenciamento ambiental55. Muito embora não haja unanimidade doutrinária acerca da natureza jurídica da licença ambiental, a maioria dos estudiosos tem que se trata mesmo de licença administrativa56. Isto é, de um ato administrativo vinculado aos termos específicos da lei; de maneira que, se cumpridos todos os pré-requisitos exigidos, sua concessão pela autoridade torna-se obrigatória (perfaz direito da parte se encontrados os requisitos autorizadores). título de lhe dar cumprimento, e sujeitas a controle de legitimidade por órgão jurisdicional". BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito... Op. cit., p. 378. Destaques no original. 55 FARIAS, Talden. Direito ambiental: tópicos especiais. João Pessoa: Editora Universitária, 2007, p. 137. "A licença prévia, a ser concedida na fase preliminar do planejamento do empreendimento ou atividade, poderá aprovar a localização e concepção, atestar a viabilidade ambiental e estabelecer os requisitos básicos e demais condicionantes que deverão ser atendidos nas outras fases de implementação. A licença de instalação concede a autorização da instalação do empreendimento ou atividade nos termos das especificações constantes dos planos, programas e projetos aprovados, incluídas as medidas de controle ambiental e outras condicionantes. A licença de operação, por seu turno, autoriza a operação da atividade ou empreendimento, depois da verificação do efetivo cumprimento dos elementos constantes das licenças anteriores, com as medidas de controle ambiental e outras condicionantes determinadas para a operação" FERNANDES, Paulo Victor. Impacto ambiental: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 92. 56 "É o ato vinculado, unilateral, pelo qual a Administração faculta a alguém o exercício de uma atividade, uma vez demonstrado pelo interessado o preenchimento dos requisitos legais exigidos. (...) Uma vez cumpridas as exigências legais, a Administração não pode negá-la. Daí seu caráter vinculado, distinguindo-se, assim, da autorização". BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito... Op. cit., p. 430. Destaques no original.

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Para José Afonso da Silva, “se o titular do direito a ser exercido comprova o cumprimento dos requisitos para seu efetivo exercício, não pode ser recusada, porque do preenchimento dos requisitos nasce o direito à licença57”.

2.3. Avaliação de impacto ambiental

Mário de Melo Rocha afirma que, em relação ao conceito de AIA, “’o laboratório normativo’ em que o Direito do Ambiente se constituiu não produziu ainda um resultado genericamente aceite58”. Ainda segundo o mesmo autor, existem vários motivos que justificam a situação, entre eles: 1. a análise tanto da técnica de avaliação quanto do procedimento administrativo; 2. a utilização de várias expressões como sinônimas; 3. a alteração do foco do direito ambiental na Europa da luta contra a poluição para a gestão do ambiente59. Para José Luís Garcia, os problemas para definição da AIA “radicam nas diferentes concepções sobre os dois pressupostos fundamentais que a figura da AIA contém: a relação entre contingência e risco nos projectos tecnocientíficos contemporâneos e a capacidade para a sua avaliação no quadro do princípio da precaução; a isenção do procedimento e a participação social no âmbito dos ideais da transparência e da democraticidade60”. Muito embora entendamos não ser excessivamente grave não haver uma definição de AIA unanimemente aceita61, adotaremos, nesse estudo, a definição de AIA fornecida por Iara Verocai Dias Moreira. Verbis: 57

DA SILVA, José Afonso. Direito Ambiental Constitucional. 2ª ed., 2ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 190. Deste entendimento comungam Daniel Roberto Fink e André Camargo Horta de Macedo: "Resulta de um direito subjetivo do interessado que, para seu exercício, precisa preencher alguns requisitos previstos em lei. Daí decorre que a Administração não pode negá-la quando o requerente satisfaz todos esses requisitos. Trata-se, portanto, se um ato adminstrativo vinculado". FINK, Daniel Roberto; HORTA DE MACEDO, André Camargo. Roteiro para licenciamento... Op.cit., p. 15. 58 ROCHA, Mário de Melo. A avaliação de impacto... Op. cit., p. 121. 59 Idem. 60 GARCIA, José Luís. (Coord.) Impacte ambiental... Op. cit., p. 12. 61 ROCHA, Mário de Melo. A avaliação de impacto... Op.cit., p. 121.

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Instrumento de política ambiental, formado por um conjunto de procedimentos capazes de assegurar, desde o início do processo, que se faça um exame sistemático dos impactos ambientais de uma ação proposta (projeto, programa, plano ou política) e de suas alternativas, e cujos resultados sejam apresentados de forma adequada ao público e aos responsáveis pela tomada da decisão, e por eles considerados. Além disso, os procedimentos devem garantir adoção das medidas de proteção do meio ambiente, determinada no caso de decisão da implantação do projeto62.

2.4. Estudo de impacto ambiental

Objeto central desse trabalho, o EIA, na verdade, é mais confundido com a AIA que dela individuado. Com efeito, trata-se de um verdadeiro caso de substituição (inconsciente) do todo pela parte, hipótese de metonímia extremamente mal aplicada. Mário de Melo Rocha sinala que “têm sido usadas diversas expressões aparentemente empregues para a designação de uma só realidade. As expressões mais vezes usadas são, precisamente, as de ‘Avaliação de Impacto Ambiental’ e de ‘Estudo de Impacto Ambiental’63”. Juan Rosa Moreno, inclusive, assenta que estamos diante de uma “anarquia dos termos empregados”, sobretudo, “em referência às noções de Avaliação de Impacto Ambiental, Estudos de Impacto Ambiental e Declaração de Impacto Ambiental, assim como aos aspectos substantivos e formais que concorrem em seus perfis conceituais64”. Luís Filipe Colaço Antunes percebe, nesse sentido, que o EIA “é peça documental essencial da avaliação ambiental, mais precisamente um documento

62

MOREIRA, Iara Verocai Dias. Avaliação de Impacto Ambiental – AIA. Rio de Janeiro: FEEMA, 1985. Apud ROCHA, Ednaldo Cândido; CANTO, Juliana Lorensi do; PEREIRA, Pollyanna Cardoso. Avaliação de impactos ambientais nos países do Mercosul. Campinas, v. 8, n. 2, Dec. 2005. Disponível em «http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414753X2005000200008&lng=en&nrm=iso». Acesso em 20/09/2009. 63 ROCHA, Mário de Melo. A avaliação de impacto... Op. cit., p. 123. As imprecisões na utilização dos conceitos de AIA e EIA atingem até mesmo a legislação, como é o caso da Lei Portuguesa de Bases do Ambiente (Lei n.º 11/87, de 7 de Abril, alínea g) do n.º 1 do art.º 27.º). GASPAR, Pedro Portugal. A avaliação de impacto... Op. cit., p. 88 e nota 8. 64 Tradução nossa para: "Esta anarquía en los términos empleados hace referencia a las nociones de Evaluación de Impacto Ambiental, Estudios de Impacto Ambiental y Declaración de Impacto Ambiental, así como a los aspectos substantivos y formales que concurren en sus perfiles conceptuales." ROSA MORENO, Juan. Régimen jurídico... Op. cit., p. 20-21.

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técnico que o dono da obra deve apresentar no início do procedimento de avaliação de impacto ambiental65”. Palmilhando esse percurso, Pedro Portugal Gaspar conclui que “o E.I.A. é um elemento, dentre outros, (...) inseridos num procedimento mais vasto e que consiste na A.I.A66”. Em suma: o EIA é um dos instrumentos do processo de AIA. Percebemos, portanto, que uma concepção apriorística do EIA é de crucial relevo, uma vez que nele estarão contidos os dados que fomentarão as análises e conseqüentes conclusões sobre a viabilidade (ou inviabilidade) da obra67. Dessarte, o objetivo do EIA é impedir que um projeto economicamente viável ou interessante ao empreendedor, mostre-se, a posteriori, absolutamente infausto ao ambiente. Tem, portanto, o EIA inegável potencial preventivo.

2.5. Relatório de impacto ambiental e resumo não técnico

Conforme determina o artigo 2º da Resolução CONAMA nº. 001/8668, concluído o EIA, este dará origem a um RIMA69, cujo conteúdo mínimo está descrito no artigo 9º do mesmo diploma legal.

65

ANTUNES, Luís Filipe Colaço. O procedimento administrativo... Op. cit., p. 307-308. Original sem destaque. 66 GASPAR, Pedro Portugal. A avaliação de impacto... Op. cit., p. 88. 67 "Assim, o estudo prévio de impacto ambiental deve ter por origem um plano de trabalho impecável, isento de qualquer omissão, vício, irregularidade ou falha, tal qual o plano de vôo de uma aeronave ou de uma nave espacial. Isso porque, na medida em que as informações apresentadas no termo de referência e no próprio estudo forem baseadas em estudos falhos, omissos, deficientes, insuficientes, ineficientes, impróprios ou viciados, evidente será que o instrumento se mostrará inapropriado para o fim a que se presta e não poderá ser aceito ou tomado como adequado para fundamentar qualquer etapa, quer de apresentação ao debate público ou posterior análise do estudo". FERREIRA, Sérgio Cláudio Menezes. O estudo prévio de impacto ambiental (EPIA) como instrumento de proteção ao meio ambiente do trabalho. 2004. 132 f. Dissertação (Mestrado em Direito Ambiental) – Faculdade de Direito, Universidade Estadual do Amazonas (UEA), Manaus, 2004, p. 57. 68 O artigo 2º, II da Lei nº. 6.938/81, com redação dada pela Lei nº. 8.028, de 12 de abril de 1990, já asseverava ser competência do CONAMA "determinar, quando julgar necessário, a realização de estudos das alternativas e das possíveis conseqüências ambientais de projetos públicos ou privados, requisitando aos órgãos federais, estaduais e municipais, bem assim a entidades privadas, as informações indispensáveis para apreciação dos estudos de impacto ambiental, e respectivos relatórios, no caso de obras ou atividades de significativa degradação ambiental, especialmente nas áreas consideradas patrimônio nacional". Original sem destaque. 69 O RIMA foi estabelecido pelo Decreto nº. 88.351/83.

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O RIMA deve conter as conclusões do EIA dispostas de maneira acessível ao grande público, já que este é elaborado segundo critérios técnicos, pouco compreensíveis para a grande maioria das pessoas70. Na verdade, "o teor dos dois documentos, EIA e RIMA, deve ser substancialmente o mesmo, mas a linguagem pode [deve] ser diferente71". Iara Verocai Dias Moreira assim conceitua o RIMA:

O relatório de impacto ambiental é o documento que apresenta os resultados dos estudos técnicos e científicos de avaliação de impacto ambiental. Constitui um documento do processo de avaliação de impacto ambiental e deve esclarecer todos os elementos do projeto em estudo, de modo compreensível aos leigos, para que possam ser divulgados e apreciados pelos grupos sociais interessados e por todas as instituições envolvidas na tomada de decisão. A sigla RIMA apareceu, pela primeira vez, no Estado do Rio de Janeiro, na Norma Administrativa NA 001, estabelecida pela Deliberação CECA nº. 03 de 28.12.77, para designar o Relatório de Influencia no Meio Ambiente. O Decreto nº. 88.351, de 01.06.83, ao regulamentar a Lei nº. 6.938, de 31.08.81, no § 2º do artigo 18, denomina Relatório de Impacto Ambiental RIMA ao documento que será constituído pelo estudo de impacto ambiental, a ser exigido para fins de licenciamento das atividades modificadoras do meio ambiente72.

Em Portugal, a figura equivalente ao RIMA é denominada RTN e, à semelhança do que ocorre no Brasil, é parte fundamental do EIA. Seu objetivo também é em tudo muito símile: traduzir, para uma linguagem acessível ao grande público, as tecnicidades apostas no EIA, para, assim, atender ao Princípio da Publicidade e, em seguida, facultar a participação pública. Diante da extensão e da complexidade dos EIA’s é de bom alvitre que o RNT seja fiel ao documento que lhe deu origem. Todavia, a sua leitura deverá ser ágil e agradável e o seu conteúdo, reduzido, mas completo o bastante para que possa “cumprir a função para a qual foi concebido73”. Por ocasião do capítulo 4, discorreremos mais pormenorizadamente sobre o RNT, além, por óbvio, do próprio EIA em Portugal.

70

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 10ª ed. ver. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 140. 71 PEREIRA DE QUEIROZ, Sandra Mara. Avaliação de impactos ambientais: conceitos, definições e objetivos. [s. n. t.], p. 6. 72 MOREIRA, Iara Verocai Dias. (Org.) Vocabulário básico de meio ambiente. Rio de Janeiro: Serviço de Comunicação Social da Petrobrás, 1990. Disponível em «http://portaldomeioambiente.win2.k8.com.br/dicionario_ambiente/r.asp». Acesso em 11/09/2009. 73 Disponível em «http://aiacirca.apambiente.pt:8980/Public/irc/aia/aiapublico/library?l=/documentos_normativos/critrios _tcnicopdf/_PT_1.0_&a=d». Acesso em 28/08/2009.

30

3. O ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL NO BRASIL

A partir de agora, deter-nos-emos, de modo específico, ao EIA, o qual surge, indubitavelmente, como um dos mais valiosos mecanismos de atuação administrativa de proteção do meio ambiente74. Vários doutrinadores têm-no como um importante meio de planejamento, posto trazer consigo a obrigação de considerar o ambiente sempre que a implantação de alguma obra ou atividade com importante potencial degradante for ventilada. O EIA possui um caráter notadamente preventivo dos danos ambientais, convertendo-se num precioso exemplo de bom emprego prático do Princípio da Prevenção. As orientações básicas para elaboração do EIA/RIMA estão dispostas na Resolução CONAMA nº. 001/86, que estabelece definições, responsabilidades, critérios básicos e diretrizes gerais com a finalidade de utilizar e levar à prática a AIA, um dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente75. O EIA pode englobar 5 (cinco) fases, a saber: 1. planejamento da atividade – etapa na qual o proponente expõe o seu desejo de efetivar o empreendimento e vai ao órgão ambiental76 em busca de orientações e da licença prévia (LP); 2. elaboração efetiva do EIA; 3. confecção do RIMA – ou do relatório de ausência de impacto ambiental significativo (RAIAS); 4. avaliação e apreciação do EIA/RIMA pelo órgão licenciador – a autorização do projeto leva à outorga da licença de instalação (LI); 5. execução do projeto, após a expedição da licença de operação (LO)77. 74

AMOY, Rodrigo de Almeida. Princípio da precaução e estudo de impacto ambiental no direito brasileiro. Revista da Faculdade de Direito de Campos. Campos, ano VII, nº. 8, p. 607-668, jun/20, p. 622. 75 ABSY, Miriam Laila; ASSUNÇÃO, Francisca Neta A.; CORREIA DE FARIA, Sueli, STROH, Paula Yone (versão de) et al. Avaliação de impacto... Op. cit., p. 63. 76 "... o empreendedor procura o órgão ambiental licenciador, basicamente, nos casos seguintes: por exigência dos órgãos financiadores de projetos e de infra-estrutura; por exigência de órgãos da administração pública responsáveis pelo licenciamento da atividade a ser implementada; por exigência do IBAMA e/ou órgão estadual competente, no caso de desmatamento; em função de pressões sociais, nos projetos sem o acompanhamento do órgão ambiental competente e em razão de cumprimento à penalidade de natureza disciplinar ou compensatória, imposta pelo órgão de meio ambiente pelo descumprimento de medidas ambientais anteriormente estipuladas". FERNANDES, Paulo Victor. Impacto ambiental... Op. cit., p. 97.

31

3.1. As atividades, obras e empreendimentos sujeitos ao estudo de impacto ambiental

Consoante visto alhures, a exigência de EIA/RIMA para "instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente78" depende, por força do artigo 225, § 1º, IV, da Constituição Federal, de prévio EIA79. A Resolução CONAMA nº. 001/86 trouxe, em seu artigo 2º, o rol dos empreendimentos cuja instalação está subordinada ao processo de licenciamento ambiental, o qual, por seu turno, depende da "elaboração de estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto ambiental" (EIA/RIMA). De se ver, contudo, que tal enumeração é meramente exemplificativa. Isto não apenas pelo uso da expressão "tais como" na parte final do caput do dispositivo em apreciação, mas, sobretudo, pelo teor do artigo 225, § 1º, IV, da Constituição Federal – que amplia o alcance das situações subordinadas ao EIA/RIMA ("para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente") – e de sua interpretação sistemática diante dos conceitos de poluição – trazido pela Lei nº. 6.938/81 (artigo 3º, III) – e de impacto ambiental – expresso na aludida Resolução CONAMA nº. 001/86 (artigo 1º)80. Nesse mesmo sentido, aliás, já se manifestou a jurisprudência, consoante atesta o julgado que abaixo colacionamos, originário do Tribunal Regional Federal da Primeira Região:

77

Ibidem, p. 95. Resolução CONAMA nº. 237/97, artigo 3º, caput. 79 Pelo fato de a Constituição Federal mencionar, no indigitado dispositivo, que o EIA será exigido "na forma da lei", algumas vozes doutrinárias se levantaram pela inconstitucionalidade da exigência do os EIA/RIMA, que, como visto, está disciplinado pelas Resoluções CONAMA n . 001/86 e 237/97. Celso Antônio Pacheco Fiorillo explica, entretanto, que tal inconstitucionalidade é apenas "aparente". Segundo esse autor, "a lei a que se refere o Texto Constitucional é a de n. 6.938/81 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente)", a qual, no artigo 8º, II, cria o CONAMA e lhe dá competência para "determinar, quando julgar necessário, a realização de estudos das alternativas e das possíveis conseqüências ambientais de projetos públicos ou privados, requisitando aos órgãos federais, estaduais e municipais, bem assim a entidades privadas, as informações indispensáveis para apreciação dos estudos de impacto ambiental, e respectivos relatórios, no caso de obras ou atividades de significativa degradação ambiental, especialmente nas áreas consideradas patrimônio nacional". FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito... Op. cit., p. 141. 80 FERREIRA, Heline Sivini. Política ambiental... Op. cit., p. 244. 78

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CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DECISÃO CONCESSIVA DE LIMINAR. AGRAVO DE INSTRUMENTO. REEXAME DOS PRESSUPOSTOS. CONSTRUÇÃO DE TERMINAL DE GRÃOS. DIQUE PROVISÓRIO. DEFERIMENTO DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL. NECESSIDADE DO EIA/RIMA. RESOLUÇÃO 001/86 – CONAMA. 1. O Conama, por meio da Resolução 001/86, em seu art. 2º, erigiu lista, exemplificativa, das atividades modificadoras do meio ambiente que dependerão de elaboração de Estudo de Impacto Ambiental - EIA e respectivo Relatório de Impacto Ambiental - RIMA para obter o licenciamento ambiental, dentre elas, portos e terminais de minério, petróleo e produtos químicos. 2. A construção de silos, píers, dolfins, esteiras transportadoras, ou seja, de um terminal de grãos é essencialmente obra de ampliação de Porto, portanto, atividade explicitamente mencionada pela Resolução 001/86, regida pelo princípio da obrigatoriedade, segundo o qual a Administração deve, e não simplesmente pode, determinar a elaboração do EIA. 3. O endicamento só é necessário porque é obra de infra-estrutura para a construção do "terminal de grãos" e tem a finalidade de ensecar a área de construção. Ele é a primeira fase do empreendimento em questão e sem o qual não é possível levar adiante a obra. 4. Agravo de instrumento improvido. (TRF – Primeira Região; classe: AG – agravo de instrumento – 200001000197131; processo: 200001000197131; UF: PA; órgão julgador: sexta turma; data da decisão: 29/9/2003; documento: TRF 100156370; fonte: DJ; data: 10/11/2003; página: 68; relator(a) Desembargadora Federal Maria do Carmo Cardoso. Original sem destaques.)

Para que se verifique a necessidade de elaboração de EIA/RIMA duas situações devem ser consideradas: uma em que a significância do impacto é presumida, de modo que a Administração Pública se encontra vinculada, e outra em que

não há previsão legal

específica, devendo o administrador, agindo

discricionariamente, exigir ou dispensar a apresentação do EIA/RIMA, de acordo com o caso concreto81. Para Celso Antônio Pacheco Fiorillo, o rol constante do aludido artigo 2º da Resolução CONAMA nº. 001/86, não somente é exemplificativo, como também traz consigo "uma presunção juris et jure de execução do EIA/RIMA82". Ainda segundo o entendimento do autor, o fato de o artigo 3º da Resolução CONAMA nº. 237/97 trazer uma lista ainda mais ampla que aquela constante da Resolução CONAMA nº. 001/86 de atividades obrigatoriamente sujeitas ao licenciamento ambiental, sem que do mesmo conste, necessariamente, um EIA/RIMA, autoriza o órgão ambiental a dispensar "a elaboração do EIA/RIMA se verificar (...) que a atividade não causará um impacto significativo no ambiente, podendo, todavia, exigir estudos complementares, conforme estabelece o parágrafo único do art. 3º83". Todavia, ainda perseguindo o raciocínio de Fiorillo, pela exegese

81

MILARÉ, Édis; BENJAMIN, Antônio Herman V. Estudo prévio de impacto ambiental: teoria, prática e legislação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 68. 82 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito... Op. cit., p. 144. Destaque no original. 83 Idem.

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do parágrafo único do artigo 3º, no que tange às atividades constantes do Anexo I da Resolução CONAMA nº. 237/97, não há discricionariedade da Administração Pública, pelo que o licenciamento de todas aquelas atividades está sujeito à apresentação de EIA84. Aqui, contudo, ousamos discordar da opinião do professor paulista. A lista do Anexo I da Resolução CONAMA nº. 237/97 apresenta as "atividades ou empreendimentos sujeitos ao licenciamento ambiental85", as quais podem ou não causar a "significativa degradação" a que o caput do artigo 3º da mesma norma aduz quando trata da exigibilidade de EIA/RIMA para fins de licenciamento. Um exemplo é capaz de comprovar o que se argumenta: o primeiro item do elenco do Anexo I da Resolução CONAMA nº. 237/97 se refere à "extração e tratamento de minerais", aí se incluindo: "pesquisa mineral com guia de utilização; lavra a céu aberto, inclusive de aluvião, com ou sem beneficiamento; lavra subterrânea com ou sem beneficiamento; lavra garimpeira e perfuração de poços; produção de petróleo e gás natural". Contudo, o licenciamento de mineração das classes expostas no Código de Mineração (Decreto-Lei nº. 227/67) depende, em regra, da elaboração do plano de controle ambiental (PCA); da mesma forma, a extração de minérios de Classe II86, por força das Resoluções CONAMA nos. 009/90 e 010/90, exige "apenas" relatório de controle ambiental (RCA), além do plano de recuperação de áreas degradas (PRAD). Como, então, podem todos os empreendimentos de mineração depender, necessária e obrigatoriamente, da elaboração de EIA/RIMA para a obtenção da licença ambiental87? A dificuldade se instaura na compreensão do que seria a "significativa degradação" do ambiente, que, uma vez presente, determina a confecção do

84

Idem. Original sem destaque. 86 O Regulamento do Código de Mineração (Decreto nº. 62.934, de 2 de julho de 1968), em seu artigo 7º, classifica como de Classe II, as “jazidas de substâncias minerais de emprego imediato na construção civil”. 87 Hamilton Alonso Júnior, corroborando o entendimento apresentado, diz que a Resolução CONAMA nº. 237/97, "outorga certa margem de discricionariedade ao órgão ambiental licenciador", pois lhe garante decidir qual empreendimento é capaz de causar "significativa degradação" (artigo 3º, parágrafo único). ALONSO JÚNIOR, Hamilton. O autolicenciamento ambiental. In FINK, Daniel Roberto; ALONSO JÚNIOR, Hamilton; DAWALIBI, Marcelo; HORTA DE MACEDO, André Camargo (colaboração no capítulo I). Aspectos jurídicos do licenciamento ambiental. 3ª ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 56-73, p. 57. 85

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EIA/RIMA. Na realidade, a ausência de uma interpretação autêntica desse conceito impõe que a sua delimitação seja realizada pelo órgão ambiental, durante o processo de licenciamento. Deste assunto trataremos, amiudamente, no capítulo 7. Para Luiz Guilherme Marinoni:

Se a norma constitucional regula de forma vinculada o conteúdo da atividade da administração, resta discricionariedade ao administrador quanto ao motivo do ato administrativo. Deixe-se claro, porém, que não se trata de discrição quanto à escolha do motivo do ato administrativo, mas apenas e tão somente discrição quanto à identificação desse pressuposto fático. A discricionariedade, no caso, é decorrência do caráter indeterminado do conceito 'obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente'. Esse conceito sempre supõe a existência de uma zona de certeza positiva – na qual certamente se dá o conceito – e de uma zona de certeza negativa – na qual certamente não se dá o conceito. Nessas duas zonas de certeza não se pode pensar em existência de discricionariedade, pois caso se dê o conceito 'obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente', a administração terá o dever de exigir o estudo de impacto ambiental, enquanto que na outra hipótese esse dever inexistirá. Será apenas naquela zona intermédia entre as duas zonas de certeza, o chamado halo do conceito ou zona de penumbra, que existirá discricionariedade. Como diz Celso Antônio [Bandeira de Mello], “a discricionariedade fica, então, acantonada nas regiões em que a dúvida sobre a extensão do conceito ou sobre o alcance da vontade legal é ineliminável”88.

Nesse sentido, em se tratando de "empreendimentos e atividades consideradas efetiva ou potencialmente causadoras de significativa degradação do meio ambiente89" a concessão de licença ambiental desprovida de EIA/RIMA é nula, devendo o Poder Judiciário, mediante provocação de parte legitimamente interessada, declarar tal nulidade90.

3.2. As diretrizes para elaboração do estudo de impacto ambiental e relatório de impacto ambiental

As regras gerais para a elaboração do EIA/RIMA estão fixadas na Resolução CONAMA nº. 001/86:

88

MARINONI, Luiz Guilherme. O Direito Ambiental e as ações inibitória e de remoção do ilícito. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 272, 5 abr. 2004. Disponível em: «http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5044». Acesso em 11/09/2009. Destaques no original. 89 Resolução CONAMA nº. 237/97, artigo 3º, caput. 90 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 316.

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Artigo 5º O estudo de impacto ambiental, além de atender à legislação, em especial os princípios e objetivos expressos na Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, obedecerá às seguintes diretrizes gerais: I - Contemplar todas as alternativas tecnológicas e de localização de projeto, confrontando-as com a hipótese de não execução do projeto; II - Identificar e avaliar sistematicamente os impactos ambientais gerados nas fases de implantação e operação da atividade; III - Definir os limites da área geográfica a ser direta ou indiretamente afetada pelos impactos, denominada área de influência do projeto, considerando, em todos os casos, a bacia hidrográfica na qual se localiza; IV - Considerar os planos e programas governamentais, propostos e em implantação na área de influência do projeto, e sua compatibilidade. Parágrafo único. Ao determinar a execução do estudo de impacto ambiental o órgão estadual competente, ou o IBAMA ou, quando couber, o Município, fixará as diretrizes adicionais que, pelas peculiaridades do projeto e características ambientais da área, forem julgadas necessárias, inclusive os prazos para conclusão e análise dos estudos.

Como o parágrafo único do dispositivo retro faz perceber, as orientações indicadas são normas gerais, que podem – e devem – ser complementadas pelo órgão ambiental licenciador. Entretanto, as regras fixadas pelo CONAMA não exigem que em todo e qualquer EIA se forneçam diretrizes ou mesmo um termo de referência (TR)91. Na realidade, é possível até que o órgão público ambiental expeça normas orientadoras para a elaboração do EIA e do RIMA após os mesmos já terem sido iniciados. Todavia, essa conduta da Administração deve ser evitada, pois dificulta o melhor desenrolar dos atos do estudo. Frisemos: a lei não impede que novos esclarecimentos sejam solicitados durante a elaboração do EIA, mas é necessário que "haja interesse público fundamentado e não capricho, negligência ou incapacidade dos servidores públicos ambientais92". É importante destacarmos a presença, no inciso I do artigo supratranscrito, da necessidade de o EIA contemplar, também, a possibilidade de não-execução do projeto. Trata-se daquilo que a doutrina chama de opção (ou alternativa) zero e que se refere à hipótese de os custos sociais e ecológicos do projeto suplantarem as vantagens de sua concretização. Essa solução, perante o princípio do desenvolvimento sustentável, só deve ser escolhida em último caso, uma vez que a regra não é a intocabilidade do ambiente, mas a intervenção parcimoniosa. 91

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Fundamentação jurídica. In MACHADO, Paulo Affonso Leme; MOREIRA, Iara Verocai Dias; MOREIRA DE OLIVEIRA, Noeme; PEREIRA DE QUEIROZ, Sandra Mara. Os envolvidos no processo de avaliação de impacto ambiental e suas responsabilidades. [s. n. t.], p. 2. 92 Ibidem, p. 3.

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3.3. O conteúdo mínimo do estudo de impacto ambiental e relatório de impacto ambiental

O artigo 6º, da Resolução CONAMA nº. 001/86 contempla o conteúdo mínimo do EIA/RIMA:

Artigo 6º O estudo de impacto ambiental desenvolverá, no mínimo, as seguintes atividades técnicas: I - Diagnóstico ambiental da área de influência do projeto completa descrição e análise dos recursos ambientais e suas interações, tal como existem, de modo a caracterizar a situação ambiental da área, antes da implantação do projeto, considerando: a) o meio físico – o subsolo, as águas, o ar e o clima, destacando os recursos minerais, a topografia, os tipos e aptidões do solo, os corpos d'água, o regime hidrológico, as correntes marinhas, as correntes atmosféricas; b) o meio biológico e os ecossistemas naturais – a fauna e a flora, destacando as espécies indicadoras da qualidade ambiental, de valor científico e econômico, raras e ameaçadas de extinção e as áreas de preservação permanente; c) o meio sócio-econômico – o uso e ocupação do solo, os usos da água e a sócioeconomia, destacando os sítios e monumentos arqueológicos, históricos e culturais da comunidade, as relações de dependência entre a sociedade local, os recursos ambientais e a potencial utilização futura desses recursos. II - Análise dos impactos ambientais do projeto e de suas alternativas, através de identificação, previsão da magnitude e interpretação da importância dos prováveis impactos relevantes, discriminando: os impactos positivos e negativos (benéficos e adversos), diretos e indiretos, imediatos e a médio e longo prazos, temporários e permanentes; seu grau de reversibilidade; suas propriedades cumulativas e sinérgicas; a distribuição dos ônus e benefícios sociais. III - Definição das medidas mitigadoras dos impactos negativos, entre elas os equipamentos de controle e sistemas de tratamento de despejos, avaliando a eficiência de cada uma delas. IV - Elaboração do programa de acompanhamento e monitoramento (os impactos positivos e negativos, indicando os fatores e parâmetros a serem considerados. Parágrafo único. Ao determinar a execução do estudo de impacto ambiental o órgão estadual competente; ou o IBAMA ou quando couber, o Município fornecerá as instruções adicionais que se fizerem necessárias, pelas peculiaridades do projeto e características ambientais da área.

Assim, inicialmente, é necessário definir a área de influência do projeto, já que esta é normalmente incerta. A área de influência do projeto deve ser, preferencialmente, determinada por meio da bacia hidrográfica93 na qual se 93

“... a Resolução CONAMA indica a necessidade de ter sempre em referência a bacia hidrográfica em que se realizará o projeto”. PHILIPPI JR., Arlindo; MAGLIO, Ivan Carlos. Avaliação de impacto ambiental. In PHILIPPI JR., Arlindo; ALVES, Alaôr Caffé (Eds.). Curso interdisciplinar de direito ambiental. Barueri: Manole, 2005, p. 215-259, p. 238-239. Todavia, o Ministério Público Federal, procedendo à análise dos EIA’s brasileiros, constatou que, além da diversidade de denominações e de combinações entre os termos utilizados para indicar a área de influência do projeto, vários recortes espaciais foram utilizados para a delimitação das áreas de influência nos EIA’s. Dessarte, “a bacia hidrográfica, que deveria ser o critério preferencial para a delimitação da área de influência do projeto,

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localizará o empreendimento94. Verificamos, entretanto, delimitações realizadas por critérios ambientais, que consideram o sistema ecológico em que o empreendimento está encravado. Há, ainda, delimitações segundo critérios econômicos, sopesando os efeitos (direitos e indiretos) do projeto sobre as atividades dos grupos sociais estabelecidos tanto interna quanto externamente ao espaço sob exploração95. Para fins de diagnóstico, deve-se: 1. analisar os meios físico e biológico, de forma sistêmica, percebendo as características dos recursos naturais, notadamente naquilo que tange às funções essenciais de um ecossistema: produtividade, capacidade de suporte, de informação e de auto-regulação; 2. descrever e analisar o meio sócio-econômico segundo os efeitos ambientais do uso existente ou planejado para a área de influência do projeto; 3. integrar os resultados das análises dos meios físico, biológico e sócioeconômico da área de influência do projeto96. Realizar-se-á o prognóstico através, inicialmente, da identificação e exame dos efeitos ambientais potenciais (positivos e negativos) do projeto, plano ou programa proposto, bem como das possibilidades tecnológicas e econômicas de prevenção, controle e minimização das seqüelas negativas. Em seguida, todos os mencionados efeitos serão avaliados perante cada

uma

das alternativas do

empreendimento, além

das

possibilidades

tecnológicas e econômicas de prevenção, controle, mitigação e reparação dos seus efeitos negativos. Finalmente, comparar-se-ão o projeto e as suas alternativas ao cálculo dos efeitos ambientais e às possibilidades concretas de

prevenção, controle,

97

mitigação e reparação dos seus efeitos negativos .

de modo a atender à legislação existente (Resolução CONAMA 001/86), não é expressivo (37%). Os EIAs têm utilizado outros critérios (aqui agrupados em divisão geopolítica e área do empreendimento e seu entorno) não previstos como diretriz normativa (60% e 76%, respectivamente)”. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF) Procuradoria Geral da República – 4ª Câmara de Coordenação e Revisão: Meio Ambiente e Patrimônio Cultural. A área de influência no EIA: análise e propostas: versão internet. Disponível em «http://4ccr.pgr.mpf.gov.br/institucional/grupos-de-trabalho/gtlicenciamento/informa-tecnicas/NT%20039-07_Encaminha_trabalho_area_de_influencia.pdf». Acesso em 27/08/2009. 94 PEREIRA DE QUEIROZ, Sandra Mara. Avaliação de impactos... Op. cit., p. 4. 95 FERNANDES, Paulo Victor. Impacto ambiental... Op. cit., p. 107. 96 ABSY, Miriam Laila; ASSUNÇÃO, Francisca Neta A.; CORREIA DE FARIA, Sueli, STROH, Paula Yone (versão de) et al. Avaliação de impacto... Op. cit., p. 71.

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Medidas mitigadoras (ou minimizadoras) são aquelas que objetivam reduzir o impacto negativo ou abrandar a sua gravidade, sem, contudo, compensar os danos sofridos98. O EIA/RIMA deve, portanto, apontar as melhores medidas de mitigação99 para o empreendimento a ser instalado, considerando, inclusive, as modificações necessárias ao projeto e os "equipamentos de controle e sistemas de tratamento de despejos, definindo os prazos e periodicidade em que essas medidas devem ser monitoradas e/ou auditadas100". Por fim, o EIA/RIMA deve contemplar a elaboração do programa de acompanhamento e monitoramento dos impactos, a fim de manter ou mesmo potencializar os impactos positivos identificados e implantar as medidas de controle, mitigação101, reparação e compensação dos impactos negativos102.

3.4. A equipe multidisciplinar

De acordo com o artigo 7º da Resolução CONAMA nº. 001/86, "o estudo de impacto ambiental será realizado por equipe multidisciplinar habilitada, não dependente direta ou indiretamente do proponente do projeto e que será responsável tecnicamente pelos resultados apresentados"; de maneira que não se permite que uma pessoa física (ainda que habilitada em diversas áreas do conhecimento) elabore o estudo prévio de impacto ambiental e o seu respectivo relatório103. Os componentes da equipe ou a empresa devem estar devidamente registrados no Cadastro Técnico Federal de Atividades e Instrumentos de Defesa Ambiental, criado pela Lei nº. 6.938/81 (artigo 9º, VIII), gerido pelo IBAMA, e cujos critérios e procedimentos básicos foram estabelecidos pela Resolução CONAMA nº. 97

Idem. PEREIRA DE QUEIROZ, Sandra Mara. Avaliação de impactos... Op. cit., p. 5. 99 A cada impacto importante observado deve corresponder uma medida mitigadora específica. O conjunto dessas medidas tornará do projeto ambientalmente viável. PHILIPPI JR., Arlindo; MAGLIO, Ivan Carlos. Avaliação de impacto ambiental. In PHILIPPI JR., Arlindo; ALVES, Alaôr Caffé (Eds.). Curso interdisciplinar ... Op. cit., p. 253. 100 ABSY, Miriam Laila; ASSUNÇÃO, Francisca Neta A.; CORREIA DE FARIA, Sueli, STROH, Paula Yone (versão de) et al. Avaliação de impacto... Op. cit., p. 72. 101 É necessário que se apontem os indicadores de monitoramento utilizados. Idem. 102 Idem. 103 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Fundamentação jurídica... Op. cit., p. 5. 98

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001/86. Nada impede, entretanto, que as unidades federadas criem e administrem um Cadastro Técnico Estadual de Atividades e Instrumentos de Defesa Ambiental, estruturado semelhantemente ao cadastro federal e que pode conter requisitos outros além daqueles previstos no cadastro sob responsabilidade do IBAMA104. Importa mencionarmos, nesse sentido, que não há qualquer responsabilidade do órgão ambiental mantenedor do cadastro pelo serviço prestado pelas empresas listadas105. Para a confecção do EIA/RIMA, o proponente deve escolher uma pessoa jurídica já arrolada no cadastro federal próprio ou nos cadastros estaduais e municipais. Se o proponente desejar compor ele mesmo a equipe multidisciplinar, tem de convocar pessoas físicas devidamente cadastradas nos mencionados registros106. Esta equipe deverá ser multidisciplinar, de maneira que cada meio (físico, biótico e socioeconômico) seja representado pelo mesmo número de pessoas e com o mesmo nível de qualificação107. Também cumpre que cada membro da equipe torne seu conhecimento permeável ao conhecimento dos demais componentes, colocando o seu saber individual a serviço do saber do grupo108. É possível que haja discrepância de opiniões entre os membros da equipe. Nesse caso, as divergências poderão ser explicitadas, desde que os seus defensores assumam, individualmente, as responsabilidades pelo julgamento apresentado109. Importantes aspectos a respeito da equipe multidisciplinar dizem com a sua independência e com o pagamento pelo trabalho por ela desempenhado, tema que enfrentaremos no capítulo 8 com mais vagar. 104

Ibidem, p. 3 MACHADO, Paulo Affonso Leme; PEREIRA DE QUEIROZ, Sandra Mara. Termos de referência para a elaboração e apresentação de estudo e relatório de impacto ambiental (EIA/RIMA). [s. n. t.], p. 10. 106 "Escolhendo pessoa física e/ou jurídica com a infringência da obrigação do cadastro, terá o empreendedor a tarefa de recomeçar a escolha, a menos que os membros da equipe venham a obter o cadastramento". Ibidem, p. 4. 107 STAMM, Hugo Roger. Método para avaliação de impacto ambiental (AIA) em projetos de grande porte: estudo de caso de uma usina termelétrica. 2003. 265 f. Tese (Doutorado em Engenharia de Produção) – Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2003, p. 57. 108 MOREIRA, Iara Verocai Dias. Equipas multidisciplinares e AIA. In PARTIDÁRIO, Maria do Rosário; JESUS, Júlio de. (Eds.) Avaliação do impacte ambiental: conceitos, procedimentos e aplicações. Lisboa: CEPGA – Centro de Estudos de Planeamento e Gestão do Ambiente, 1994, p. 128-131, p. 129. 109 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Fundamentação jurídica... Op. cit., p. 5. 105

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A Resolução CONAMA nº. 001/86, em seu artigo 7º, dispõe que o EIA/RIMA será realizado por uma equipe "não dependente direta ou indiretamente do proponente do projeto", e que seria tecnicamente responsável pelos resultados apresentados. Ocorre, porém, que o artigo 8º da mesma norma determina que "correrão por conta do proponente do projeto todas as despesas e custos referentes à realização do estudo de impacto ambiental", de maneira que se pode verificar aparente incoerência entre a independência da equipe versada no artigo antecedente e o custeio, pelo empreendedor, dos dispêndios com o EIA/RIMA110. Por outro lado, o artigo 17, § 2º, do Decreto nº. 99.274/90, que regulamentou a Lei nº. 6.938/81, textualmente afirma que "o Estudo de Impacto Ambiental será realizado por técnicos habilitados e constituirá o Relatório de Impacto Ambiental – RIMA, correndo as despesas à conta do proponente do projeto". Nenhuma menção, como vemos, à independência da equipe111. O caput do artigo 11 da Resolução CONAMA nº. 237/97, no entanto, expressamente revogou o indigitado artigo 7º, ao enunciar que "os estudos necessários ao processo de licenciamento deverão ser realizados por profissionais legalmente habilitados, às expensas do empreendedor112". A responsabilidade da equipe multidisciplinar e do empreendedor será, de acordo com o parágrafo único do artigo 11 da Resolução CONAMA nº. 237/97, administrativa, civil e penal. De se ressaltar, ainda, que a responsabilidade civil, neste caso, segue a sistemática objetiva para todos os envolvidos, fato que, na opinião de Celso Antônio Pacheco Fiorillo, talvez sirva para suprir a falta de precisão do legislador113; e que, para Paulo Affonso Leme Machado, favorece o órgão ambiental, que não precisará provar que a equipe e/ou o consultor estão errados114.

110

FERNANDES, Paulo Victor. Impacto ambiental... Op. cit., p. 70. MILARÉ, Édis; BENJAMIN, Antônio Herman V. Estudo prévio... Op. cit., p. 38-39. 112 Original sem destaque. 113 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito... Op. cit., p. 142. 114 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Fundamentação jurídica... Op. cit., p. 6. 111

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3.5. A publicidade do estudo de impacto ambiental e do relatório de impacto ambiental

A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 225, § 1º, IV, determina que seja dada publicidade ao EIA115. Da mesma forma, o Decreto nº. 99.274/90, ao regulamentar as Leis nos. 6.902/81 e 6.938/81, assevera, no § 3º do artigo 17, que "respeitada a matéria de sigilo industrial, assim expressamente caracterizada a pedido do interessado, o Rima, devidamente fundamentado, será acessível ao público116". 115

Antes mesmo da CF/88, a Resolução CONAMA nº. 001/86, em seu artigo 11, já estabelecia que o RIMA seria sempre acessível ao público, respeitado o sigilo industrial. 116 FERNANDES, Paulo Victor. Impacto ambiental... Op. cit, p. 111. A Lei nº. 6.938/81, em seu artigo 10, § 1º, dispõe que todos os requerimentos de licenciamento ambiental, sua renovação e concessão devem ser publicados no jornal oficial do Estado e num periódico local ou regional de grande circulação. O parágrafo único do artigo 37 da Lei nº. 10.257, de 10 de julho de 2001 (Estatuto das Cidades), assenta que será dada publicidade a todos os documentos integrantes do estudo de impacto de vizinhança (EIV), os quais ficarão disponíveis para consulta de qualquer interessado. A Lei nº. 10.650, de 16 de abril de 2006, que trata do acesso público aos "dados e informações existentes nos órgãos e entidades integrantes do Sisnama" – sistema nacional do meio ambiente – reza no seu artigo 2º: Art. 2º Os órgãos e entidades da Administração Pública, direta, indireta e fundacional, integrantes do Sisnama, ficam obrigados a permitir o acesso público aos documentos, expedientes e processos administrativos que tratem de matéria ambiental e a fornecer todas as informações ambientais que estejam sob sua guarda, em meio escrito, visual, sonoro ou eletrônico, especialmente as relativas a: I - qualidade do meio ambiente; II - políticas, planos e programas potencialmente causadores de impacto ambiental; III - resultados de monitoramento e auditoria nos sistemas de controle de poluição e de atividades potencialmente poluidoras, bem como de planos e ações de recuperação de áreas degradadas; IV - acidentes, situações de risco ou de emergência ambientais; V - emissões de efluentes líquidos e gasosos, e produção de resíduos sólidos; VI - substâncias tóxicas e perigosas; VII - diversidade biológica; VIII - organismos geneticamente modificados. § 1º Qualquer indivíduo, independentemente da comprovação de interesse específico, terá acesso às informações de que trata esta Lei, mediante requerimento escrito, no qual assumirá a obrigação de não utilizar as informações colhidas para fins comerciais, sob as penas da lei civil, penal, de direito autoral e de propriedade industrial, assim como de citar as fontes, caso, por qualquer meio, venha a divulgar os aludidos dados. § 2º É assegurado o sigilo comercial, industrial, financeiro ou qualquer outro sigilo protegido por lei, bem como o relativo às comunicações internas dos órgãos e entidades governamentais. § 3º A fim de que seja resguardado o sigilo a que se refere o § 2o, as pessoas físicas ou jurídicas que fornecerem informações de caráter sigiloso à Administração Pública deverão indicar essa circunstância, de forma expressa e fundamentada. § 4º Em caso de pedido de vista de processo administrativo, a consulta será feita, no horário de expediente, no próprio órgão ou entidade e na presença do servidor público responsável pela guarda dos autos. § 5º No prazo de trinta dias, contado da data do pedido, deverá ser prestada a informação ou facultada a consulta, nos termos deste artigo. Idem, p. 110 - 111.

42

O RIMA, então, refletirá as conclusões do EIA, tendo seu conteúdo mínimo estabelecido pelo artigo 9º da Resolução CONAMA nº. 001/86. O RIMA, na verdade, pode ser considerado um dos mais importantes documentos do processo de licenciamento ambiental, pois expressa e comunica, em linguagem acessível, os resultados do estudo cujo intuito maior é o de verificar o potencial de agressão ao ambiente do empreendimento que se pretende levar a efeito117. É dentro do RIMA que a equipe multidisciplinar apresenta seu parecer final (favorável ou não) acerca da viabilidade do projeto – aludindo, inclusive, às divergências

de

opiniões

dentro

do

grupo



além

das

alternativas

ao

empreendimento e o resumo das atividades desenvolvidas durante a elaboração do EIA118. O administrador público, na verdade, não está vinculado ao conteúdo do EIA/RIMA, mas este representa uma limitação à sua discricionariedade; o que significa que a Administração Pública pode tomar uma decisão distinta daquela proposta pelo EIA e seu respectivo relatório, desde que esta seja devidamente motivada e justificada. Uma decisão contrária à proteção do ambiente, porém, conduzirá à ilegalidade do empreendimento119. Na lição de Luiz Guilherme Marinoni:

O administrador pode contrariar a conclusão do estudo de impacto ambiental, mas deve motivar seu ato de licenciamento com fundamentos que sejam aptos a evidenciar o equívoco do resultado do estudo. A motivação do ato de licenciamento não pode esquecer o objetivo do próprio procedimento de licenciamento, bem como a natureza do direito ambiental, ignorando que a atividade do administrador, no caso, tem por escopo proteger o meio ambiente, pois se isso acontecer o ato administrativo concessivo da licença ficará marcado por vício de desvio de poder 120.

De acordo com a Resolução CONAMA nº. 009/87, artigo 2º, § 1º, recebido o EIA/RIMA e publicado o respectivo edital, o órgão licenciador concederá prazo igual a 45 (quarenta e cinco) dias para a (eventual) solicitação de audiência 117

MOREIRA, Iara Verocai Dias. Comunicação dos resultados do estudo de impacte ambiental – preparação do "resumo não técnico". In PARTIDÁRIO, Maria do Rosário; JESUS, Júlio de. (Eds.) Avaliação do impacte ambiental: conceitos, procedimentos e aplicações. Lisboa: CEPGA – Centro de Estudos de Planeamento e Gestão do Ambiente, 1994, p. 179-185, p. 179. 118 FERNANDES, Paulo Victor. Impacto ambiental... Op. cit., p. 70 e 108. 119 MARCHESAN, Ana Maria Moreira; STEIGLEDER, Annelise Monteiro; CAPELLI, Sílvia. Direito Ambiental. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2004. Apud FERREIRA, Heline Sivini. Política ambiental... Op. cit., p. 245. 120 MARINONI, Luiz Guilherme. O direito ambiental... Loc. cit. Original sem destaque.

43

pública, a qual, muito embora não possua caráter decisório, apresenta-se como uma oportunidade de conceder à população o direito de conhecer e debater a viabilidade do empreendimento, ou mesmo de controlar a discricionariedade concedida ao administrador público121. A audiência pública é a ocasião em que o órgão ambiental presta informações ao púbico e este informa a Administração Pública122. O necessidade

órgão de

ambiental

realização

da

possui

discricionariedade

audiência

pública123.

para

Entretanto,

avaliar

a

havendo

requerimento por parte de entidade civil (que não necessita ter em sua finalidade estatutária a defesa do meio ambiente124), do Ministério Público (Federal e/ou Estadual, de qualquer comarca ou instância funcional125) ou de 50 (cinqüenta) ou mais cidadãos (os quais devem apor o número de seus títulos eleitorais no pedido, para comprovar a sua cidadania ativa126), torna-se obrigatória a promoção da audiência, sob pena de invalidade da licença concedida127. De acordo com o artigo 4º da Resolução CONAMA nº. 009/87, "ao final de cada audiência será lavrada uma ata sucinta". De se ver que apesar de sintética, a ata deve mencionar todas as interpelações e protestos ocorridos, uma vez a mesma servirá de base para o parecer final de concessão (ou não) da licença requerida128.

4. O ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL EM PORTUGAL

Alexandra Aragão, José Eduardo Dias e Maria Ana Barradas, analisando a AIA portuguesa, caracterizam esse procedimento como essencial ao Princípio da Precaução, pois se trata de um procedimento antecipatório dos

121

FERREIRA, Heline Sivini. Política ambiental... Op. cit., p. 245. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Fundamentação jurídica... Op. cit., p. 7. 123 A realização da audiência pública é obrigatória nos Estados de Goiás (Constituição Estadual, artigo 132, § 3º), Maranhão (Constituição Estadual, artigo 241, VIII), Mato Grosso (Constituição Estadual, artigo 263, parágrafo único, IV), Mato Grosso do Sul (Constituição Estadual, artigo 222, § 2º, VI), Pernambuco (Constituição Estadual, artigo 215) e São Paulo (Constituição Estadual, artigo 192, § 2º). Ibidem, p. 7. 124 Ibidem, p. 7-8. 125 Ibidem, p. 8. 126 Idem. 127 Resolução CONAMA nº. 009/87, artigo 2º, § 2º. 128 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Fundamentação jurídica... Op. cit., p. 8. 122

44

eventuais danos que determinado empreendimento, ainda não instalado, poderá causar ao ambiente. Ressaltam, entretanto, que não basta a realização da mencionada avaliação, mas é, por óbvio, necessário que ela seja levada a efeito de modo a alcançar todos os seus objetivos, ou seja, que seja “cabal e adequada129”. Prosseguem os autores afirmando que uma das maneiras de atingir os objetivos pretendidos pela AIA é aproximá-la cada vez mais do seu “cariz preventivo intrínseco130”, através, dentre outros mecanismos, da melhoria dos EIA’s. Isso porque, da forma como foram transpostas as Diretivas 85/337/CEE e 97/11/CE para a legislação interna, o procedimento passou a ser fulcrado no parecer técnico que será oferecido ao final de todo o procedimento administrativo131, em detrimento de momentos outros considerados de crucial relevo, a exemplo do EIA132.

4.1. A exigibilidade do estudo de impacto ambiental

Muito embora a Diretiva 85/337/CE (alterada pela Diretiva 11/97/CE) não o exija, em Portugal, todos os empreendimentos sujeitos à AIA, são sujeitos, ainda, ao EIA. Isto porque o número 1 do artigo 12º do Decreto-Lei nº. 69/2000 (alterado pelo Decreto-Lei nº. 197/2005) informa ser a ocasião da apresentação do EIA pelo proponente do empreendimento o momento inaugural do procedimento de AIA. Também o número 1 do artigo 30º da Lei de Bases do Ambiente (LBA) faz entender que se exige o EIA para todos os empreendimentos e ações que possam comprometer o meio ambiente, o território e a qualidade de vida dos cidadãos.

129

ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa; DIAS, José Eduardo Figueiredo; BARRADAS, Maria Ana. Presente e futuro... Op. cit., p. 90. Destaques no original. 130 Idem. 131 Para Pedro Portugal Gaspar, “há, de forma indiscutível, uma sindicabilidade judicial autónoma do parecer emitido em sede de A.I.A., ou seja independente do designado procedimento principal, isto é para o procedimento que o A.I.A. visa ‘instruir’ e, portanto, temporalmente em momentos distintos, ou seja desde o momento de sua emissão”. GASPAR, Pedro Portugal. A avaliação de impacto... Op. cit., p. 129. 132 ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa; DIAS, José Eduardo Figueiredo; BARRADAS, Maria Ana. Presente e futuro... Op. cit., p. 91.

45

Dito de outro modo, muito embora a Diretiva 85/337/CEE não obrigue, em verdade, sequer, a apresentação de um EIA, mas apenas que a AIA seja realizada “com base na informação adequada fornecida pelo dono da obra e eventualmente completada pelas autoridades e pelo público133”, a transposição para o direito português se deu de forma a que todos os empreendimentos sujeitos à AIA tragam consigo um EIA. Assim, investigar quais os empreendimentos que, em Portugal, estão sujeitos ao EIA significa perquirir para quais projetos é necessária uma AIA. Assim, o ponto de partida dessa averiguação será, necessariamente, as já mencionadas Diretivas da UE e, obviamente, a transposição delas ao direito interno português. Nesse sentido, e conforme o artigo 4º da Diretiva 85/337/CEE, os projetos elencados no Anexo I desta mesma norma serão, necessariamente, submetidos à AIA; já para aqueles enumerados no anexo II, AIA será obrigatória “sempre que os Estados-membros considerarem que as suas características assim o exigem”. Há, nessas hipóteses específicas, portanto, a possibilidade de, no último caso, os Estados-membros decidirem quanto à necessidade ou não da avaliação134. Cumpre observar que não estão os Estados-membros autorizados a excluir, de antemão, qualquer dos itens constantes do Anexo II da Diretiva 85/337/CEE. Permite a Diretiva, apenas, que os empreendimentos do Anexo II sejam submetidos a uma análise concreta da necessidade de AIA para aquele projeto. Nesse sentido, inclusive, já se manifestou o Tribunal de Justiça das Comunidades Européias ao, no processo nº. C-133/94 (Comissão das Comunidades Européias contra Reino da Bélgica), asseverar que “(...) os Estados-Membros podem nomeadamente especificar determinados tipos de projectos a submeter a uma avaliação ou fixar critérios e/ou limiares a reter para poderem, de entre os projectos pertencentes às categorias enumeradas no Anexo II, determinar quais os que devem ser submetidos a uma avaliação (...)”. Significa dizer que, ab initio, tanto os empreendimentos constantes do Anexo I quanto do Anexo II da Diretiva 85/337/CEE estão sujeitos à AIA, podendo o 133

Considerando nº 6 da Diretiva 85/337/CEE. De ressaltarmos, mais uma vez, que, no caso português, havendo AIA, haverá, obrigatoriamente, ainda, o EIA; esteja o empreendimento a ser licenciado na lista do Anexo I ou II da Diretiva 85/337/CEE – evidentemente transpostos para a normatização interna – ou em qualquer outro diploma legal nacional. 134

46

Estado-membro

decidir,

específica

e

concretamente,

se

um

determinado

empreendimento, pertencente ao Anexo II da mencionada diretiva não será submetido à AIA. Portanto, a não ser que o Estado-membro decida (justificadamente) pela desnecessidade de AIA para um dos empreendimentos enumerados no Anexo II da Diretiva 85/337/CEE, todos eles deverão passar pelo processo de AIA. E, no caso específico português, por um processo de AIA que se inicia com a apresentação do EIA. Muito embora exista, como verificamos, a garantia de que, pelo menos a priori, os empreendimentos do Anexo II da Diretiva 85/337/CEE serão submetidos à

AIA,

a

possibilidade

de

o

Estado-membro

afastar

um

determinado

empreendimento da avaliação – ainda que essa análise se dê no caso concreto – reveste-se de uma indesejável discricionariedade, a qual deve ser sanada pelo arcabouço jurídico interno.

4.2. O momento de apresentação do estudo de impacto ambiental

Diz o já mencionado número 1 do artigo 12º do Decreto-Lei nº. 69/2000 que “o procedimento de AIA inicia-se com a apresentação pelo proponente de um EIA à entidade licenciadora ou competente para a autorização”. O número 1 do artigo 3º do revogado Decreto-Lei nº. 186/1990 dispunha que “para efeitos da AIA, os donos da obra devem apresentar, no início do processo conducente à autorização ou licenciamento do projeto, à entidade pública competente para tal decisão um estudo de impacto ambiental (EIA)”. Aludindo ao sistema anteriormente em vigor, os autores pré-citados afirmaram, oportunamente, que o EIA apresentado pelo proponente juntamente com o projeto do empreendimento e o próprio pedido de concessão da licença ambiental, para além de ser visto como uma mera formalidade, redunda – possivelmente como conseqüência dessa compreensão formalística – num documento não raras vezes

47

inconsistente e apartado da realidade do projeto, pois quando do início da AIA, as opções ambientais do projeto já foram tomadas135. Nesse sentido, Paulo Pinho já havia ressaltado que, se por um lado um processo em que o EIA seja acompanhado pela Administração Pública em todas as suas fases é moroso e dispendioso, por outro, o oferecimento de um EIA sem qualquer orientação da Administração Pública há que ser questionado. Isso porque inexiste a colaboração técnica da Administração Pública quer na “definição inicial do âmbito de análise” dos EIA’s, quer na “focagem sobre os principais aspectos a aprofundar posteriormente”136. Parece, portanto, que a nova legislação absorveu as críticas da doutrina e, assim, passou a facultar ao empreendedor a oportunidade de apresentar à Administração Pública – ora denominada “autoridade de AIA” – uma “proposta de definição do âmbito do EIA (PDA)137”. Todavia, é importante ressaltar, na esteira de Mário de Melo Rocha, que a nova normatização deixou de progredir ainda mais ao tratar tal fase preliminar como facultativa, deixando, portanto, a critério do empreendedor, a sua realização ou não138. Nesse mesmo diapasão, Maria do Rosário Partidário e Júlio de Jesus lembram que:

Na maior parte dos países internacionalmente apontados como modelos de boa prática de AIA (casos do Canadá, alguns estados dos EUA ou a Holanda), a definição de âmbito constitui um passo obrigatório do procedimento de AIA e envolve 139 obrigatoriamente a consulta do público .

135

ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa; DIAS, José Eduardo Figueiredo; BARRADAS, Maria Ana. Presente e futuro... Op. cit., p. 95. 136 O autor ainda menciona como desvantagem a impossibilidade de o EIA caminhar pari passu com o desenvolvimento do projeto, observação com a qual discordamos em razão da necessidade de o EIA anteceder a instalação e desenvolvimento do empreendimento, sob pena de se descaracterizar o seu caráter preventivo. PINHO, Paulo. O sistema de AIA em Portugal: concepção e funcionamento. In: PARTIDÁRIO, Maria do Rosário; JESUS, Júlio de (Eds.). Avaliação de impacte ambiental. Lisboa: Centro de Estudos de Planeamento do Ambiente, 1994, p. 528-536, p. 532. 137 Número 1 do artigo 11º do Decreto-Lei nº. 69/2000. 138 ROCHA, Mário de Melo. O princípio da avaliação de impacto ambiental. In ROCHA, Mário de Melo (Coord.). Estudos de direito do ambiente. Porto: Publicações Universidade Católica, 2003, p. 135-147, p. 139. 139 PARTIDÁRIO, Maria do Rosário; JESUS, Júlio de. Fundamentos de avaliação de impacte ambiental. Lisboa: Universidade Aberta, 2003, p. 73.

48

4.3. A proposta de definição do âmbito do estudo de impacto ambiental

Essa proposta, consoante dispõe o número 2 do artigo 11º do DecretoLei nº. 69/2000, deverá conter “uma descrição sumária do tipo, características e localização” do empreendimento, além de se fazer acompanhar de uma declaração formal da intenção de concretizar o projeto apresentado140. Para Maria do Rosário Partidário e Júlio de Jesus, a definição do âmbito do EIA se resume na identificação e seleção dos aspectos ambientais relevantes e que, em ilação, deverão ser tratados no EIA, haja vista a possibilidade de serem afetados, positiva ou negativamente, pelo futuro empreendimento141. Uma vez recebida a proposta de definição do âmbito do EIA pela autoridade de AIA, esta deverá solicitar às entidades públicas com competência para autorizar a implementação do projeto alguns pareceres sobre a indigitada proposta, bem como nomear a comissão de avaliação à qual será submetida a proposta para análise e deliberação142. As entidades públicas mencionadas no parágrafo anterior terão, então, o prazo de 15 (quinze) dias para oferta dos pareceres requeridos pela autoridade de AIA,

sob

pena

de

não

serem

eles

considerados

se

apresentados

extemporaneamente143. O proponente poderá, desde que com isso concorde a comissão de avaliação, submeter a proposta de definição do âmbito de EIA à uma consulta pública144. Essa consulta, portanto, será levada a efeito por tempo entre 20 (vinte) a 30 (trinta) dias, fixados pela própria autoridade de AIA, a qual, findo esse prazo, deverá apresentar à comissão de avaliação, dentro de mais 10 (dez) dias, o relatório respectivo145. Cumpre-nos observar, porém, que o fato de o proponente ser o responsável pelo requerimento da consulta pública diminui consideravelmente a

140

A PDA a ser apresentada à autoridade de AIA deverá ser entregue em 10 (dez) vias, cada uma delas acompanhada da declaração de intenção cujo texto deverá ser inspirado no modelo constante da Parte 1 do Anexo VI da Portaria nº. 330/2001 (número 2 do artigo 1º da Portaria nº. 330/2001). 141 PARTIDÁRIO, Maria do Rosário; JESUS, Júlio de. Fundamentos de avaliação... Op. cit., p. 72. 142 Número 3 do artigo 11º do Decreto-Lei nº. 69/2000. 143 Número 4 do artigo 11º do Decreto-Lei nº. 69/2000. 144 A intenção de realização da consulta pública deverá constar da declaração de intenção de concretização do projeto (número 3 do artigo 1º da Portaria nº. 330/2001). 145 Número 6 do artigo 11º do Decreto-Lei nº. 69/2000.

49

possibilidade de sua ocorrência, de modo que a oportunidade de a comunidade, as organizações não governamentais (ONG’s) ou a própria autoridade de AIA solicitar a realização da consulta pública seria considerada um avanço em termos de participação pública. Tudo em atenção ao Princípio 10 da Declaração do Rio146 e à Convenção de Aarhus. Recebida a proposta de definição do âmbito do EIA – com ou sem a emissão dos pareceres pelas autoridades públicas – ou findo o procedimento de consulta pública – com a apreciação do parecer da consulta – a comissão de avaliação, dentro do prazo de 30 (trinta) dias e observando os pareceres recebidos, deliberará sobre “a proposta apresentada, indicando os aspectos que devam ser tratados no EIA, do que notifica de imediato o proponente147”. É de suma importância a observância do prazo estabelecido no número 7 do artigo 11º do Decreto-Lei nº. 69/2000 – 30 (trinta) dias para deliberação sobre a proposta de definição do âmbito de EIA – porque a negligência da comissão de avaliação com relação a ele poderá levar à aprovação tácita da proposta148, situação tanto perigosa quanto indesejável. E tal não afirmamos ao acaso, pois a mesma norma, no número 9 do artigo 11º, assenta que “a definição do âmbito do EIA vincula o proponente e a comissão de avaliação quanto ao conteúdo do EIA a apresentar por aquele, salvo a verificação, em momento posterior ao da deliberação, de circunstâncias que manifestamente a contrariem”. Nesse sentido, inclusive, já se manifestou o Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável, o qual, em parecer sobre a nova regulamentação da AIA, salientou que muito embora não pareça justo colocar-se o empreendedor à espera da Administração Pública por um prazo indeterminado, também não parece ser a solução mais adequada a penalização dos direitos ambientais coletivos. Assim, recomenda o Conselho que seja criada uma alternativa capaz de evitar o prejuízo das duas partes. Nesse sentido, sugere um mecanismo

146

Princípio 10 – A melhor maneira de tratar as questões ambientais é assegurar a participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. No nível nacional, cada indivíduo terá acesso adequado às informações relativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades públicas, inclusive informações acerca de materiais e atividades perigosas em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar dos processos decisórios. Os Estados irão facilitar e estimular a conscientização e a participação popular, colocando as informações à disposição de todos. Será proporcionado o acesso efetivo a mecanismos judiciais e administrativos, inclusive no que se refere à compensação e reparação de danos. 147 Número 7 do artigo 11º do Decreto-Lei nº. 69/2000. 148 Número 8 do artigo 11º do Decreto-Lei nº. 69/2000.

50

de recurso obrigatório ao Ministro do Ambiente sempre que a autoridade de AIA deixe de se pronunciar atempadamente149. Ademais, a PDA gera um comprometimento não apenas do empreendedor como da própria Administração Pública150, a qual, após chancelar o seu resultado, terá dificuldades – para dizer-se o mínimo – de realizar alterações quando da realização do EIA.

4.4. O conteúdo da proposta de definição do âmbito do estudo de impacto ambiental

Muito embora a proposta de definição do âmbito do EIA tenha surgido com o Decreto-Lei nº. 69/2000, somente no ano seguinte, ou seja, em 2001, foi editada a Portaria nº. 330 que, conforme previu o Decreto-Lei, viria a regulamentar as normas relativas ao EIA e à PDA151 – além do conselho consultivo de AIA. 149

CONSELHO NACIONAL DO AMBIENTE E DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL (CNADS). Parecer do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável sobre a nova regulamentação da Avaliação dos Impactes Ambientais. Pareceres e reflexões 1998-2000. Série “Estudos, Pareceres e Reflexões”, Lisboa, p. 51-62, 2000, p. 61. 150 PARTIDÁRIO, Maria do Rosário; JESUS, Júlio de. Fundamentos de avaliação... Op. cit., p. 73. 151 Segundo o Anexo I da Portaria nº 330/2001, na PDA devem ser focados os seguintes aspectos: 1. Identificação, descrição sumária e localização do projeto, a qual deverá conter: a. a identificação do proponente; b. a designação do projeto, a fase em que ele se encontra e seus ocasionais antecedentes; c. os objetivos e a justificativa do projeto; d. a existência de projetos associados ou complementares ao projeto originário; e. a indicação da entidade licenciadora ou com competência para promover a autorização; f. a precisa localização do projeto, indicando, os concelhos e freguesias, as eventuais áreas sensíveis (conforme definido no Decreto-Lei nº. 69/2000) situadas nesses mesmos concelhos ou freguesias, os planos de ordenamento do território – sejam regionais, municipais, intermunicipais, setoriais e especiais – em vigor junto à área do empreendimento e as servidões condicionantes e equipamentos ou infra-estruturas relevantes eventualmente comprometidos pelo projeto; g. a descrição resumida da área onde será implantado o projeto, bem como de suas principais características físicas, além, se este for o caso, dos processos tecnológicos envolvidos; h. o rol das principais atividades de engenharia, exploração e desengenharia do empreendimento i. a relação dos materiais e energias mais utilizados ou gerados; j. a listagem dos efluentes, resíduos e emissões gerados; k. o cronograma das fases de instalação, operação e desativação do empreendimento, apontando, se for o caso, a associação destes ao regime de licenciamento ou concessão. 2. Alternativas ao projeto: o proponente deverá considerar, na PDA, alternativas ao seu projeto relacionadas à: a. localização;

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É importante registrarmos que a despeito das normas técnicas para elaboração da PDA constantes do Anexo I da Portaria nº. 330/2001 se apresentarem de uma maneira bastante detalhada, abarcando a grande maioria das variantes ambientais a serem analisadas, há duas pequenas falhas que estão a merecer reparo. A primeira delas diz respeito à adaptação daquele elenco ao caso concreto. Explicamos: apesar de o número 1 do artigo 1º da Portaria nº. 330/2001 prever a adaptação dessas exigências ao empreendimento especificamente considerado, deixa ao inteiro talante do empreendedor essa acomodação, de modo que este – quer por medidas de economia, quer por desconhecimento – tem a tendência a realizar os ajustes sempre a menor, ou seja, provavelmente as conformações eventualmente levadas a efeito o serão no sentido de diminuir os aspectos abordados.

b. c. d. e. f. g.

3.

4.

5.

6.

7.

dimensão; concepção ou desenho; técnicas e processos de construção; técnicas e procedimentos de operação e manutenção; procedimentos de desativação; cronograma das fases de obra. Identificação das questões significativas: a. apontamento das ações ou atividades nas fases de construção, exploração e desativação potencialmente causadoras de significativos impactos indesejáveis; b. ranqueamento dos potenciais impactos identificados com a conseqüente seleção dos impactos a analisar ou mesmo da profundidade com que cada impacto será estudado; c. indicação dos fatores ambientais importantes em razão do ranqueamento dos potenciais impactos ambientais; d. identificação dos aspectos que possam constituir condicionantes ao empreendimento; e. registro preliminar dos outros grupos sociais potencialmente afetados ou interessados pelo empreendimento. Proposta metodológica de caracterização do ambiente afetado e sua porvável evolução caso seja desconsiderada a instalação do empreendimento que considere: a. os objetivos da caracterização; b. as espécies de informação necessárias, incluindo limites geográficos e temporais; c. as fontes dessas informações; d. os métodos utilizados na consecução dessas informações; e. as metodologias de tratamento das informações; f. as escalas de cartografia dos resultados obtidos, se necessário. Proposta metodológica para avaliação de impactos, indicando as metodologias que o empreendedor pretende adotar para a identificação e avaliação dos impactos – incluindo definição de critérios a utilizar para apreciação da sua significância – e para a previsão de impactos cumulativos, nomeadamente fronteiras espaciais e temporais dessa análise. Proposta metodológica para a elaboração de um plano geral de monitorização. Planejamento do EIA, através de uma proposta de estrutura, da indicação das especialidades da equipe técnica envolvida e dos principais recursos logísticos, quando relevantes (desde que aplicável) e o apontamento das potenciais condicionantes ao prazo de elaboração do EIA, sobretudo aqueles motivados pelas atividades de recolha e tratamento da informação.

52

A segunda deficiência, umbilicalmente associada à anterior, toca à completa ausência de acompanhamento por parte da Administração Pública do desenvolvimento desta PDA. Na verdade, este acompanhamento serviria – e isso diz com a crítica feita anteriormente – à possibilidade de acrescer à PDA alguns itens faltantes ao rol do Anexo I, mas que, a certo empreendimento específico, seria importante na PDA. Tomando em consideração os julgamentos formulados, sugerimos que a Administração Pública possa participar ao menos do primeiro momento da PDA: aquele em que são indicados os aspectos a serem considerados na confecção do documento.

4.5. O conteúdo do estudo de impacto ambiental

Diz o artigo 31º da Lei de Bases do Ambiente que:

O conteúdo do estudo de impacte ambiental compreenderá, no mínimo: a) Uma análise do estado do local e do ambiente; b) O estudo das modificações que o projecto provocará; c) As medidas previstas para suprimir e reduzir as normas aprovadas e, se possível, compensar as eventuais incidências sobre a qualidade do ambiente.

Porque o número 2 do artigo 30º do mesmo diploma remete a uma lei regulamentadora a forma como será efetuado o EIA, bem como o seu conteúdo mínimo, temos, na esteira de Pedro Portugal Gaspar, que:

O enquadramento de tal obrigação está identificável, sem prejuízo do esforço complementar dos requisitos expressos no art.º 31.º, onde estatui-se a descrição do local a instalar o empreendimento e as medidas mitigadoras para obviar a eventuais 152. inconvenientes quanto à localização de tal empreendimento

Essa função regulamentadora, portanto, findou por ser dividida entre o Decreto-Lei nº. 69/2000 e a Portaria nº. 330/2001.

152

GASPAR, Pedro Portugal. A avaliação de impacto... Op. cit., p. 104.

53

Inicialmente, é necessário dizer que o EIA se deverá fazer acompanhar do respectivo estudo prévio ou, caso não tenha o empreendedor optado por esta via, do projeto a ser submetido ao licenciamento153. O número 3 do artigo 12º do Decreto-Lei nº. 69/2000 reza que o EIA deve “abordar, necessariamente, os aspectos constantes do Anexo III do presente diploma154” que dele será parte. O mencionado anexo, por seu turno, determina que o EIA realize uma descrição e caracterização física detalhada do empreendimento, bem como das soluções alternativas encontradas – inclusive a alternativa de não-execução – considerando a localização e as exigências no domínio da utilização dos recursos naturais e razões da escolha em função: 1. das fases da construção, operação e desativação; 2. do tipo de empreendimento; 3. da extensão da atividade; 4. da origem das emissões155. Essa caracterização deverá ser feita de modo dinâmico, ou seja, deverá projetar “para vários horizontes temporais (e.g. o ano da possível entrada em funcionamento do projecto, o horizonte do projecto) e considerar a solução de ausência do projecto156” – a já mencionada alternativa de não-execução ou “alternativa zero”. Do EIA deverá constar, ainda, a descrição dos materiais e da energia utilizados os produzidos, considerando, ainda, a origem e as quantidades de matérias-primas e de matérias acessórias157. Exige-se, ademais, uma descrição detalhada do local e dos fatores ambientais suscetíveis de sofrer alguma alteração em função do empreendimento158. Devem ser delineados, ainda, a natureza, a quantidade e o volume dos efluentes gerados nas fases de instalação, operação e desativação do projeto, nos diferentes meios físicos159.

153

Número 2 do artigo 12º do Decreto-Lei nº. 69/2000. Original sem destaque. 155 Item 1 do Anexo III do Decreto-Lei nº. 69/2000. 156 PARTIDÁRIO, Maria do Rosário; JESUS, Júlio de. Fundamentos de avaliação... Op. cit.,p. 74. 157 Item 2 do Anexo III do Decreto-Lei nº. 69/2000. 158 Item 3 do Anexo III do Decreto-Lei nº. 69/2000. 159 Item 4 do Anexo III do Decreto-Lei nº. 69/2000. 154

54

Há que mencionar, também, a espécie e a hierarquização dos impactos considerados significativos decorrentes do empreendimento e de suas alternativas, “resultantes da existência do projeto, da utilização dos recursos naturais, da emissão de poluentes, da criação de perturbações e da forma prevista de eliminação de resíduos e de efluentes160”. Evidentemente, será preciso indicar, em todos os parâmetros, os métodos de previsão utilizados para a avaliação dos impactos, bem como para a fundamentação científica desses mesmos impactos161. Faz-se necessário o relato das medidas e técnicas a ser utilizadas com a finalidade de evitar, mitigar ou compensar ou impactos negativos, evitar a geração de resíduos ou para os reciclar, além das medidas de prevenção de acidentes162. O EIA deve contemplar também: 1. a descrição dos programas de monitoramento necessários às fases de construção, operação e desativação do empreendimento163; 2. um

relato

breve

das

embaraços

ocasionalmente

enfrentados,

sobretudo dentro do aspecto técnico164; 3. as sugestões recolhidas do público e um arrazoado dos motivos pelos quais estas sugestões não foram acolhidas165. A complementação das informações exigidas ao EIA pelo Decreto-Lei nº. 69/2000 ficou, portanto, a cargo da Portaria nº. 330/2001, a qual, segundo consta do texto de seu Anexo II, significou o plano de elaboração do estudo166. A primeira fase, correspondente ao número I do item 3 do indigitado anexo, trata da identificação do empreendimento, da entidade responsável pelo seu licenciamento e do(s) responsável(is) pela elaboração do EIA. Na fase seguinte, deverão ser descritos e justificados todos os objetivos do empreendimento, contemplando os antecedentes do projeto e a sua conformidade com os instrumentos de gestão já em vigor167. Posteriormente, serão expostos o projeto e as alternativas a ele existentes, sempre considerando os projetos complementares eventualmente 160

Item 5 do Anexo III do Decreto-Lei nº. 69/2000. Item 6 do Anexo III do Decreto-Lei nº. 69/2000. 162 Item 7 do Anexo III do Decreto-Lei nº. 69/2000. 163 Item 8 do Anexo III do Decreto-Lei nº. 69/2000. 164 Item 9 do Anexo III do Decreto-Lei nº. 69/2000. 165 Item 10 do Anexo III do Decreto-Lei nº. 69/2000. 166 PARTIDÁRIO, Maria do Rosário; JESUS, Júlio de. Fundamentos de avaliação... Op. cit., p. 127. 167 Número II do item 3 do Anexo II da Portaria nº. 330/2001. 161

55

existentes, o cronograma de desenvolvimento de cada uma das etapas de instalação do empreendimento e a sua precisa localização168. Na quarta fase, serão apresentadas as atuais condições ambientais da área afetada pelo empreendimento169. À continuação, serão enunciados, qualitativa e quantitativamente, os impactos ambientais esperados para a área identificada no momento anterior, bem como as medidas mitigatórias propostas, justificadamente170. No sexto momento, dedicado à monitorização, serão comentados, pormenorizadamente, os programas de monitorização propostos para cada impacto negativo identificado nas diversas fases de implementação e operação do projeto171. Ato contínuo, serão historiadas as lacunas técnicas ou de conhecimento encontradas durante a elaboração do EIA172. Finalmente, à guisa de conclusão do estudo, evidenciar-se-ão as questões controversas e as deliberações esperadas para a AIA, aí insertas as atinentes às alternativas propostas173. Todas as informações obtidas com o EIA devem ser sistematizadas no RNT, o qual deverá, caso possível, recorrer aos meios visuais de apresentação, como forma de facilitar o acesso da população aos resultados do estudo174.

4.6. O resumo não técnico

O EIA é, consoante já dissemos, um documento que será publicitado. Todavia, por ser um documento eminentemente técnico, de nada adiantaria ser disponibilizado ao público nos termos em que é redigido, haja vista a inegável dificuldade que teria o homem médio de ler e compreender o seu conteúdo. Por essa razão, exige o item 11 do Anexo III do Decreto-Lei nº. 69/2000 que, ao final, seja o EIA reduzido a termo em um resumo não técnico. 168

Número III do item 3 do Anexo II da Portaria nº. 330/2001. Número IV do item 3 do Anexo II da Portaria nº. 330/2001. 170 Número V do item 3 do Anexo II da Portaria nº. 330/2001. 171 Número VI do item 3 do Anexo II da Portaria nº. 330/2001. 172 Número VI do item 3 do Anexo II da Portaria nº. 330/2001. 173 Número VII do item 3 do Anexo II da Portaria nº. 330/2001. 174 Item 11 do Anexo III do Decreto-Lei nº. 69/2000. 169

56

De acordo com o Anexo III da Portaria nº. 330/2001, o objetivo do RNT é “traduzir em linguagem não técnica o conteúdo do EIA, tornando este documento acessível ao público em geral”. Dessarte, é necessário que o documento traduza o EIA com fidelidade, mas com simplicidade, através de uma linguagem clara, acessível e, preferencialmente, recorrendo a recursos visuais175 para fins de facilitar a compreensão do público. O Anexo III da Portaria nº. 330/2001 recomenda que na elaboração do RNT sejam seguidos os critérios de boa prática para a elaboração e avaliação de resumos não técnicos publicados pelo Instituto de Promoção Ambiental (IPAMB) e datados de 1998, os quais se encontram disponibilizados no site do instituto na Internet. Todavia, cerca de dez anos depois, a Associação Portuguesa de Avaliação de Impactes (APAI) com a colaboração da APA deram impulso à revisão das orientações do IPAMB176. Assim, seguindo os critérios recentemente estabelecidos pela APAI, deve o RNT ser estruturado seqüenciada e logicamente, enunciando com clareza todas as ações do empreendimento capazes de causar impactos, assim como os impactos associados, as ações mitigatórias previstas, os impactos residuais dignos de nota, bem como a as formas de monitorização propostas. É importante que o RNT abarque, também, a ficha técnica da eventual equipe responsável pela realização do EIA177. Muito embora seja nítida a atrelagem do RNT ao EIA, não deve aquele ser uma coleção de excertos deste último. É dizer: faz-se necessária resguardar certa autonomia entre o texto do RNT e o do EIA178. Também não pode o RNT recorrer a anexos, separatas e aditamentos. Recomenda-se, portanto, que o RNT constitua um documento inteiriço, único179. Em sendo um documento único, o RNT precisa ser, também, sintético, sob pena de sua leitura se tornar exaustiva e desestimulante e, então, deixar de

175

Item 11 do Anexo III do Decreto-Lei nº. 69/2000. Disponível em «http://aiacirca.apambiente.pt:8980/Public/irc/aia/aiapublico/library?l=/documentos_normativos/critrios _tcnicopdf/_PT_1.0_&a=d». Acesso em 24/06/2009. 177 Idem. 178 Idem. 179 Idem. 176

57

cumprir a sua função essencial: a de informar o público. Deste modo, a APAI sugere que o RNT não exceda 20 páginas180. Estruturalmente, deve o RNT comportar um índice simplificado, o qual não inclua a indicação de figuras, quadros ou tabelas. Por ser um documento sabidamente não-técnico, o RNT não deve conter um glossário, pois não serão suportados tecnicismos. Na inevitabilidade do uso de algumas expressões técnicas, sugere a APAI uma explicação sucinta das mesmas181. No que tange ao conteúdo do RNT, deve haver uma referência direta ao EIA que o gerou. Assim, à semelhança do que ocorre no EIA, deve o RNT apresentar, com brevidade, e se houver importância, os antecedentes do projeto. Além dos antecedentes, deve o RNT conter os objetivos do empreendimento e a sua descrição detalhada, à semelhança de uma descrição detalhada do ambiente afetado, dos impactos previstos e das medidas a serem postas em prática para prevenir, reduzir ou compensar os impactos negativos e para incrementar os positivos182. Da mesma forma como se enunciaram os impactos negativos previstos e as mediadas necessárias para minimizá-los, é preciso que sejam historiados os impactos residuais e as formas de monitorização a eles aplicadas, além das falhas de técnicas ou de conhecimento183. Por

ocasião

das

conclusões,

expõem-se

a

ponderação

das

alternativas, quando tiverem sido propostas, ou dos impactos positivos e negativos previstos184. O RNT deve ser redigido em língua portuguesa, sendo possível a edição de versões bilíngües quando são esperados impactos transfronteiriços em razão do empreendimento. A linguagem adotada será simples, clara, direta, sem a utilização de termos técnicos, inclusive – e sobretudo – na explicação e jerarquização dos impactos ambientais esperados. Para prestigiar a clareza e a desafetação, no RNT devem ser explicadas as siglas e os acrônimos, na primeira vez que forem utilizados185.

180

Idem. Idem. 182 Idem. 183 Idem. 184 Idem. 185 Idem. 181

58

O RNT precisa convidar à sua leitura. As partes escritas do RNT devem ser entregues em folhas paginadas no formato A4 (ou A3 dobrado no tamanho A4). As peças desenhadas seguem o mesmo padrão: preferem-se os formatos A4 ou o A3, aceitando-se, excepcionalmente, um formato maior, desde que, nos dois últimos casos, sejam dobrados e reduzidos ao tamanho A4186. O RNT exige uma folha de rosto na qual devem estar expressas as seguintes informações: identificação do proprietário do projeto, identificação do(s) responsável(is) pelo EIA, data de edição do RNT, designação "Resumo Não Técnico do Estudo de Impacto Ambiental do projeto [designação do projeto]" e fase em que se encontra o empreendimento187. A cartografia do RNT será referenciada, com a apresentação dos elementos estruturantes e dos elementos complementares. As alternativas igualmente devem aparecer em formato cartográfico ou em outra apresentação gráfica. É importante, ainda, que o RNT contenha fotografias (aéreas ou não) e simulações visuais ilustrativas. Tais imagens, quando viável, devem ser expostas proximamente ao texto a que se referem188. O RNT deverá ser sempre apresentado física e eletronicamente189. A versão eletrônica será exposta de acordo com as “Normas para a elaboração de documentos AIA destinados a divulgação na Internet” disponibilizadas em «http://aiacirca.apambiente.pt:8980/Public/irc/aia/aiapublico/library?l=/documentos_n ormativos/»190.

4.7. A equipe técnica responsável pela elaboração do estudo de impacto ambiental

Diz o já mencionado item 2 do artigo 12º do Decreto-Lei nº. 69/2000 que a AIA se inicia com a apresentação, pelo proponente, do EIA. O que, todavia, não menciona este ou qualquer outro diploma legal é como deverá o proponente 186

Idem. Idem. 188 Idem. 189 Item 8 do artigo 12º do Decreto-Lei nº. 69/2000. 190 Disponível em «http://aiacirca.apambiente.pt:8980/Public/irc/aia/aiapublico/library?l=/documentos_normativos/critrios _tcnicopdf/_PT_1.0_&a=d». Acesso em 24/06/2009. 187

59

atuar para conceber o apontado EIA; donde concluimos, com rara facilidade, que a atividade de elaboração do EIA, em Portugal, encontra-se completamente desregulamentada. Referindo-se aos responsáveis pela elaboração do EIA, a Portaria nº. 330/2001, no item 4 do Anexo II, limita-se a exigir que:

Na identificação dos responsáveis, devem distinguir-se claramente o ou os responsáveis pela globalidade do EIA dos consultores que apenas são responsáveis por uma análise particular constante de uma ou mais secções do EIA; em ambos os casos a identificação deve incluir o nome dos responsáveis/consultores, a respectiva responsabilidade assumida no EIA e, eventualmente, a sua formação académica e ou profissional relevante e o resumo da experiência profissional.

Paulo Pinho, neste diapasão, afirma, com propriedade, que:

A actual legislação não reconhece um estatuto próprio à autoria do estudo como parte integrante do processo de AIA. Na maioria dos casos, os donos dos projectos adjudicam os trabalhos a empresas exteriores de consultoria no quadro de uma notória ausência de regulamentação desta actividade profissional que, actualmente, se encontra aberta a qualquer cidadão com qualquer habilitação técnica, literária ou profissional191.

Dito de outro modo, a completa ausência de regulamentação acerca dos profissionais habilitados à confecção do EIA – e, conseqüentemente, do RNT – gera a possibilidade não apenas de o empreendedor contratar uma empresa para elaborar o EIA relativo ao seu projeto – sem saber ao certo quais os profissionais estão envolvidos nessa tarefa, frisemos – mas, ainda, de o próprio empreendedor fazer ele mesmo o seu EIA, ou mesmo de um único profissional realizar o estudo por completo. Atualmente, em Portugal, a atividade de elaboração de EIA ou de qualquer outro estudo ambiental ressente-se da falta de regulamentação. Muito embora – de acordo com Maria do Rosário Partidário e Júlio de Jesus – atualmente se esteja discutindo a obrigatoriedade do registro do profissional na respectiva ordem, os próprios proponentes – mormente quando o projeto é público – costumam exigir este registro192.

191 192

PINHO, Paulo. O sistema de AIA... Op. cit., p. 534. PARTIDÁRIO, Maria do Rosário; JESUS, Júlio de. Fundamentos de avaliação... Op. cit., p. 126.

60

O Banco Mundial recomenda que o EIA seja realizado por equipes multidisciplinares compostas por, no mínimo, 7 (sete) profissionais, atuantes em áreas distintas, da seguinte forma: 1. um coordenador com experiência na realização de EIA’s; 2. um biólogo; 3. um sociólogo ou antropólogo com experiência em meios sociais similares ao afetado pelo projeto; 4. um geógrafo ou um geólogo; 5. um urbanista; 6. um engenheiro agrônomo ou florestal ou um especialista em pesca, conforme o caso; 7. um engenheiro químico com qualificação bastante para lidar com poluição industrial193. Haja vista a ausência de normatização, em Portugal, a praxe – que consideramos insuficiente – tem determinado que equipes técnicas multidisciplinares realizem os EIA’s. A despeito da sugestão do Banco Mundial, os EIA’s portugueses têm sido levados a efeito por equipes multidisciplinares temporárias – isto é, que se formam para um EIA específico e se desmancham após a conclusão do trabalho – compostas, normalmente, por 3 (três) a 5 (cinco) pessoas194.

4.8. A apresentação do estudo de impacto ambiental

Como um dos principais documentos do processo de AIA, ao qual, inclusive, será dada, além de visibilidade, grande publicidade, o EIA segue alguns padrões mínimos em sua apresentação. O item 7 do artigo 12º do Decreto-Lei nº. 69/2000 determina que o EIA seja entregue em suporte de papel – 10 (dez) vias, caso o empreendimento esteja relacionado no Anexo I do Decreto-Lei nº. 69/2000; ou 8 (oito) vias, caso o projeto faça parte do Anexo II do indigitado diploma195 – e, desde que possível (o que,

193

Disponível em «http://worldbank.org». Acesso em 23/06/2009. PARTIDÁRIO, Maria do Rosário; JESUS, Júlio de. Fundamentos de avaliação... Op. cit., p. 138. 195 Item 2 do artigo 2º da Portaria nº. 330/2001. 194

61

hodiernamente, parece ser sempre possível), também em arquivo digital que não permita alterações, acompanhados de uma nota de envio endereçada à autoridade de AIA196. Quando houver, no EIA, alguma espécie de informação cujo segredo seja necessário ao empreendedor ou à Administração Pública, este dado será especialmente protegido, isto é, será inserido em documento apartado do estudo original e será tratado com todas as prerrogativas facultadas pela legislação às informações sensíveis197. Muito embora a responsabilidade da elaboração do EIA seja integralmente depositada sobre o empreendedor, a este é dado solicitar à Administração Pública todas as informações necessárias para o bom andamento do EIA198. Não são estipulados prazos máximos ou mínimos para a confecção do EIA – as exigências decorrem da maior ou menor pressa em que se encontre o empreendedor. Porém, a deliberação sobre a PDA tem validade máxima de 2 (dois) anos199.

5. O PRINCÍPIO DO POLUIDOR-PAGADOR

O Princípio do Poluidor-Pagador apareceu pela primeira vez num texto legal através da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que, na “Recomendação do Conselho Sobre Princípios Orientadores Relativos aos Aspectos Econômicos Internacionais das Políticas Ambientais” (1972) assim definiu o princípio:

O princípio que se utiliza para alocar os custos das medidas de prevenção e controle da poluição para encorajar o uso racional dos recursos ambientais escassos e para evitar distorções no comércio e investimentos internacionais é o assim chamado “Princípio do Poluidor Pagador”. Este princípio significa que o poluidor deve suportar as despesas de desenvolvimento das acima mencionadas medidas tomadas pela autoridade pública para assegurar que o meio ambiente esteja num estado aceitável. 196

Item 2 do artigo 2º da Portaria nº. 330/2001, in fine. Item 5 do artigo 12º do Decreto-Lei nº. 69/2000. 198 Item 6 do artigo 12º do Decreto-Lei nº. 69/2000. 199 PARTIDÁRIO, Maria do Rosário; JESUS, Júlio de. Fundamentos de avaliação... Op. cit., p. 87. 197

62

Em outras palavras, os custos destas medidas devem ser refletidos nos custos dos produtos e serviços que causam poluição na produção e/ou no consumo. Tais medidas não deveriam ser acompanhadas de subsídios que criariam distorções 200 significantes no comércio e investimento internacionais .

De acordo com Jonathan Nash, durante algum tempo, o Princípio do Poluidor-Pagador ficou restrito à recomendação da OCDE, tendo, há cerca de dez anos, sido introduzido em diversos instrumentos legais, internacionais ou não201. De Sadeleer informa, em adição, que o princípio pode ser encontrado nos preâmbulos do Protocolo de Atenas para a Convenção para a Proteção do Mar Mediterrâneo contra a Poluição (1980), da Convenção Internacional Relativa à Preparação, Resposta e Cooperação em casos de Poluição por Óleo – OPRC (1990), da Convenção de Helsinque sobre Efeitos Transfronteiriços de Acidentes Industriais (1992), da Convenção de Lugano sobre a Responsabilidade Civil pelos Danos Resultantes de Atividades Perigosas para o Ambiente (1993) e do Protocolo de Londres sobre a Prevenção, Atuação e Cooperação no Combate à Poluição por Substâncias Nocivas e Potencialmente Perigosas (2000)202. Em sua forma obrigatória, o Princípio do Poluidor-Pagador pode ser localizado no Acordo sobre a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais – ASEAN (1985), na Convenção sobre a Proteção dos Alpes (1991), no Acordo do Porto para o Estabelecimento da Área Econômica Européia (1992), na Convenção OSPAR (1992), na Convenção de Helsinque sobre Proteção e Uso dos Cursos d'Água Transfronteiriços e Lagos Internacionais (1992), na Convenção de Helsinque sobre a Proteção do Meio Ambiente Marinho da Área do Mar Báltico (1992), nos Acordos relativos à proteção dos rios Scheldt e Mosa (1994), na Convenção de Cooperação para Proteção e Uso Sustentável do Rio Danúbio (1994), na Convenção sobre Conservação da Natureza no Pacifico Sul (1976, emendada em 1995), na

200

Tradução nossa para: “The principle to be used for allocating costs of pollution prevention and control measures to encourage rational use of scarce environmental resources and do avoid distortions in international trade and investments is the so-called ‘Polluter-Pays Principle’ This principle means that the polluter should bear the expenses of carrying out the above mentioned measures decides by public authorities to ensure that the environment is in an acceptable state. In other words, the costs of these measures should be reflected in the cost of goods and services that cause pollution in production and/or consumption. Such measures should not be accompanied by subsidies that would create significant distortions in international trade and investment”. 201 NASH, Jonathan Remy. Too much market? Conflict between tradable pollution allowances and the ‘polluter pays’ principle. The Harvard environmental law review. Boston, v. 24, n. 2, p. 465-535, 2000, p. 469. 202 DE SADELEER, Nicholas. Environmental principles: from political slogans to legal rules. Oxford: Oxford University Press, 2002, p. 23.

63

Convenção sobre Prevenção da Poluição Marinha por Alijamento de Resíduos e Outras Matérias (1996) e na Convenção de Roterdam para Proteção do Reno (1998)203. Outra norma internacional que adotou o Princípio do Poluidor Pagador foi a Declaração do Rio, a qual, em seu princípio 16, enuncia:

Tendo em vista que o poluidor deve, em princípio, arcar com o custo decorrente da poluição, as autoridades nacionais devem procurar promover a internalização dos custos ambientais e o uso de instrumentos econômicos, levando na devida conta o interesse público, sem distorcer o comércio e os investimentos internacionais.

No que tange às normas internas, podemos citar como exemplo o Código Ambiental Francês de 2002204, cujo texto do artigo L110-1, 3º dispõe:

I – Os espaços, recursos e meios naturais, os lugares e paisagens, a qualidade do ar, as espécies animais e vegetais, a diversidade e os equilíbrios biológicos e os que com eles contribuem, são parte do patrimônio comum da Nação. II – Sua proteção, valorização, restauração, reabilitação e gestão são de interesse geral e contribuem com o objetivo de desenvolvimento sustentável, o qual se propõe a garantir as necessidades de desenvolvimento e saúde das gerações presentes sem comprometer a capacidade de as gerações futuras satisfazerem as suas. Dentro do marco das leis que estabelecem escopo, sua prática inspirar-se-á nos seguintes princípios: (...) 3º O princípio do poluidor pagador, de acordo com o qual os custos oriundos das medidas de prevenção, redução ou combate de poluição devem ser suportados pelo poluidor205. 203

Ibidem, p. 23-24. No Brasil, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº. 6.938/81), em seu artigo 4º, I, assenta que: Art. 4º A Política Nacional do Meio Ambiente visará: (...) VII - à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos. Muito embora haja quem entenda, a exemplo de Édis Milaré (MILARÉ, Édis. Princípios fundamentais do direito do ambiente. Revista Forense. Rio de Janeiro, v. 352, 2000. Biblioteca Forense Digital 2.0) que se trata de uma exposição do Princípio do Poluidor-Pagador, temos que o dispositivo em análise versa sobre a responsabilidade civil pelos danos ambientais, mormente se for interpretado sistematicamente em relação ao parágrafo 3º do artigo 225 da Constituição Federal (§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.). 205 Tradução nossa para o texto apresentado, em língua inglesa, pelo governo francês no sítio www.legifrance.gouv.fr: I - Natural areas, resources and habitats, sites and landscapes, air quality, animal and plant species, and the biological diversity and balance to which they contribute are part of the common heritage of the nation. II - Their protection, enhancement, restoration, rehabilitation and management are of general interest and contribute to the objective of sustainable development which aims to satisfy the development needs and protect the health of current generations without compromising the 204

64

Porque as definições apresentadas para o Princípio do PoluidorPagador

mencionam

aspectos

como

“distorções

comerciais”,

“custos”

e

“investimentos”, não é difícil perceber que o Princípio do Poluidor-Pagador possui nítida associação com a economia, aproximando o Direito Ambiental do conceito – econômico – de externalidade. Para De Sadeleer, o Princípio do Poluidor Pagador é, na verdade, uma “regra econômica de alocação de custos cujas fontes repousam na teoria das externalidades206”. Nesse sentido, e no dizer de Alexandra Aragão, possui este mesmo princípio duas finalidades capazes de apontar a sua origem econômica: estimular a utilização racional dos recursos naturais escassos e evitar distorções no comércio nos investimentos internacionais207.

5.1. As externalidades: Pigou e Coase

O conceito de externalidade tem origem na teoria econômica, e pode se apresentar positiva ou negativamente. Para Pindyck e Rubinfeld, verifica-se uma externalidade positiva quando determinada ação de uma parte beneficia outra parte. Por seu turno, uma externalidade negativa existe quando a ação de uma das partes importa em custos – não refletidos pelos preços de mercados – à outra208. Esses mesmos autores ainda ressaltam que porque as externalidades negativas não se encontram refletidas nos preços dos bens ou serviços elas podem significar um motivo de ineficiência econômica, já que esta decorre do excesso de produção209.

ability of future generations to meet their own needs. They draw their inspiration, within the framework of the laws that define their scope, from the following principles: (…) 3° The polluter pays principle, according to which the costs arising from measures to prevent, reduce or combat pollution must be borne by the polluter; 206 Tradução nossa para: “The polluter-pays principle is an economic rule of cost allocation whose source lies precisely in the theory of externalities”. DE SADELEER, Nicholas. Environmental principles... Op. cit., p. 21. 207 ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa. O princípio do poluidor pagador: pedra angular da política comunitária do ambiente. Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Studia Juridica 23. De Natura et de Urbe 1. Coimbra: Coimbra Editora, 1997, p. 60-61. 208 PINDYCK, Robert S. e RUBINFELD, Daniel R. Microeconomia. 4. ed. São Paulo: Makron Books, 1999, p. 702. 209 Ibidem, p. 703-704.

65

Nesse sentido é que, conforme Cristiane Derani, “procura a economia ambiental incorporar o mercado ao meio ambiente”, através da adoção da teoria da extensão de mercado (Ronald Coase), bem como pretende, por meio da correção de mercado (Arthur Pigou), revalorizar as preferências individuais, utilizando-se da intervenção estatal210. Para

Coase,

a

“regulamentação

governamental

direta

não

necessariamente dará melhores resultados que deixar o problema ser solucionado pelo mercado211”, de modo que prefere este autor que causador e “suportador” das externalidades negociem entre si as soluções para a melhor internalização dos efeitos negativos externos, pois provavelmente haverá uma supervalorização das vantagens advindas da regulamentação estatal212. Isso é o que se convencionou denominar “extensão do mercado”, em razão da atribuição de preços aos recursos naturais. No artigo intitulado “’Coase v. Pigou’ reexaminated”, Brian Simpson resume

em

cinco

as

principais

idéias

de

Coase,

expressas

no

texto

supramencionado: 1. ceticismo em relação à intervenção estatal; 2. simpatia com as alternativas à intervenção estatal; 3. reciprocidade do problema dos custos sociais – especialmente para um economista; 4. existência de um papel para a lei no mundo real, no qual há custos de transação; 5. questionamento sobre se o ganho pela prevenção do dano é maior que a perda suportada em razão da paralisação da atividade responsável pela poluição213. O modelo de Coase para a solução das externalidades surgiu em oposição à teoria de Pigou, que, em 1920 pretendeu implementar, por meio do

210

DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. 2. ed. rev. São Paulo: Max Limonad, 2001, p. 111. 211 COASE, Ronald H. The problem of social cost. Journal of law and economics. Chicago, v. 3, n.1, p. 1-44, 1960. Disponível em «http://www.sfu.ca/~allen/CoaseJLE1960.pdf». Acesso em 03/02/2009. Tradução nossa para: “(…) direct governmental regulation will not necessarily give better results than leaving the problem to be solved by the market (…)” 212 COASE, Ronald H. The problem of social… Loc.cit. 213 SIMPSON, A. W. Brian. "Coase v. Pigou" reexamined. The journal of legal studies. Chicago, v. 25, n. 1. p. 53-97, 1996. Disponível em «http://www.ccer.edu.cn/download/7877-2.pdf». Acesso em 16/09/2009.

66

Estado, o uso racional dos recursos naturais, promovendo a internalização das externalidades ambientais. Trata-se da “correção do mercado”, em que uma ação estatal busca proteger o meio ambiente214. Para Simpson, Pigou parecia consciente da onipresença das externalidades, passando a considerá-las como parte da ordem natural das coisas215. Daí porque o entendimento pigouviano de que todos os efeitos da atividade produtiva – alguns positivos, outros negativos – devem ser incluídos no cômputo dos produtos da rede social216; o que, em outras palavras, importa na internalização das externalidades, de modo que as negativas sejam compensadas tributariamente, e as positivas sejam objeto de subvenções ou incentivos217.

5.2. A opção pela regulamentação estatal

Já dissemos que a teoria de Coase prestava-se a combater a teoria da regulamentação estatal de Pigou, ou seja, que o modelo coasiano pretende deixar a cargo dos particulares a solução para o problema das externalidades, enquanto a teoria de Pigou se baseia na ação do Estado como instrumento “corretivo” das distorções encontradas não apenas em relação ao consumo dos recursos naturais, mas, ainda, daquelas resultantes das externalidades negativas suscitadas pelo exercício da atividade econômica. Atualmente, é estreme de dúvidas que a teoria de Coase não prevaleceu, mas, por outro lado, o problema da economia ambiental como ordenadora da utilização dos (escassos) recursos naturais persiste e a cada dia se torna mais presente. Assim é que Cristiane Derani acredita que para equacionar a 214

Na verdade, Pigou ultrapassa os contornos da Economia e parece mesmo se lançar sobre o desenvolvimento sustentável, ao assinalar que o “Estado deve proteger os interesses do futuro, em algum grau, de nossa irracional utilização e de nossa preferência a nós mesmos sobre nossos descendentes”. (Tradução nossa para: “(...) the State should protect the interests of the future in some degree against the effects of our irrational discounting and our preference for ourselves over our descendants.” Destaque no original.). P IGO U, Ar th ur C . T he e c on o mi c s of w elf ar e : v olu m e I. S pr in gf ie ld : Cos i mo Classics, 2006. Disponível em «http://books.google.com.br/books?id=V_q2f4oTLwYC&dq=The+Economics+of+Welfare.&printsec=fr ontcover&source=bn&hl=pt-BR&sa=X&oi=book_result&resnum=4&ct=result#PPR4,M1». Acesso em 04/02/2009. p. 29. 215 SIMPSON, A. W. Brian. "Coase v. Pigou" reexamined. Loc. cit. 216 P IG OU , A r t hur C . Th e e c ono mi c s of we l far e … Lo c. ci t . 217 DERANI, Cristiane. Direito ambiental... Op. cit., p. 112.

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raridade dos bens ambientais a economia ambiental pode se valer quer da teoria pigouviana (“correção de mercado”) quer da coasiana (“extensão de mercado”), não havendo necessariamente um entrechoque ou uma necessária exclusividade218. Para Alexandra Aragão, entretanto, o modelo coasiano (“felizmente”) não predominou, mas, por outro lado, o ordenamento jurídico e o sistema econômico impulsionam o homem a “degradar o ambiente”. Daí porque o Estado é, também, responsável pela degradação ambiental e pelo dispêndio dos recursos naturais; não podendo, portanto, colocar-se à parte da discussão e, sobretudo, deixar de intervir na questão ambiental219. A intervenção chega, então, por meio de normas que determinam ao poluidor que internalize os custos de suas externalidades, ou seja, que obrigam o poluidor a pagar pela utilização dos recursos naturais. Esta é a origem do Princípio do Poluidor-Pagador.

5.3. As interpretações do Princípio do Poluidor-Pagador

Muito embora os contornos do Princípio do Poluidor-Pagador estejam sendo desenhados desde o princípio da década de 70, sua definição permanece imprecisa220, o que gera não apenas a óbvia divergência de interpretações, mas, também, algumas dificuldades em sua aplicação. Para Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin o fato de o Princípio do Poluidor-Pagador estar sendo invocado constantemente como fórmula mágica para a formatação de políticas públicas e normas ambientais findou por comprometer as suas definições, interpretações e aplicações221. São encontradas, então, interpretações que vão desde o entendimento de que se trata de uma “autorização” de punição ao poluidor até um conceito amplo do Princípio do Poluidor-Pagador, que tem entre seus aspectos um viés

218

Idem. ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa. O princípio do poluidor... Op. cit., p. 41. 220 NASH, Jonathan Remy. Too much market?... Op. cit., p. 472. 221 BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos. O princípio do poluidor-pagador e a reparação do dano ambiental. BDJur, Brasília, DF. Disponível em «http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/8692». Acesso em 11/09/2009. 219

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indenizatório222, passando, evidentemente, pela concepção de que o Princípio do Poluidor-Pagador se resume à responsabilidade civil223. Entre os autores brasileiros, vê-se que Paulo Affonso Leme Machado

224

, Antonio Herman de Vasconcelos e Benjamin225, Édis Milaré226, Marcelo

Abelha Rodrigues227 – para citar alguns – comungam da idéia que o Princípio do Poluidor-Pagador possui uma faceta preventiva, mas, em adição, também é dotado de um potencial “reparador”, o que importa na indenização pelos danos suportados, ou seja, na responsabilidade civil pela poluição perpetrada. Em Portugal, Gomes Canotilho e Alexandra Aragão228 parecem ser os maiores defensores da inexistência de associação entre o Princípio do PoluidorPagador e a responsabilidade civil. Para aquele, “o princípio do poluidor-pagador não se identifica com o princípio da responsabilidade, pois abrange, ou pelo menos

222

Na visão de Chris Wold, o Princípio do Poluidor-Pagador encerra a alocação de três espécies de custos: os de prevenção, controle e reparação. Os primeiros, como o próprio nome indica, importam nos dispêndios relativos às medidas de prevenção dos danos ambientais. Os segundos são os custos associados ao controle e monitoramento da poluição perpetrada pelos empreendimentos causadores de impacto ambiental. Estes últimos, por seu turno, são “aqueles associados à adoção de medidas de recuperação ou reabilitação ambiental. São, portanto, os custos sobre que se discute nas ações de responsabilidade civil por danos ao meio ambiente e sua imposição ocorre após o advento de eventos específicos de degradação ambiental”. WOLD, Chris. A emergência de um conjunto de princípios destinados à proteção internacional do meio ambiente. In: SAMPAIO, José Adércio Leite; WOLD, Chris; NARDY, Afrânio. Princípios de direito ambiental na dimensão internacional e comparada. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 5-31, p. 24-25. Original sem destaque. 223 Maria Alexandra de Sousa Aragão cita como defensores do Princípio do Poluidor Pagador num sentido tão somente associado à responsabilidade civil os seguintes autores: Araújo de Barros, Borges de Soeiro, Franco Giampietro, Jean Duren, Manuela Flores e Martine Remond-Gouilloud. ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa. O princípio do poluidor... Op. cit., p. 109-110 (notas de rodapé). 224 “O princípio do usuário-pagador contém, também, o princípio poluidor-pagador, isto é, aquele que obriga o poluidor a pagar a poluição que pode ser causada ou que já foi causada.” MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 16. ed., rev. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 63. Original sem destaque. 225 “Isso quer dizer que o princípio poluidor-pagador, nesses casos, se processa não pela recomposição do bem lesado, mas pela sua substituição de uma soma monetária que, econômica ou idealmente, substitui o bem.” BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos e. O princípio do poluidorpagador... Loc. cit. 226 “O princípio [do poluidor pagador] não objetiva, por certo, tolerar a poluição mediante um preço, nem se limita apenas a compensar os danos causados, mas sim, precisamente, evitar o dano ao ambiente.” MILARÉ, Édis. Princípios fundamentais... Loc. cit. Original sem destaque. 227 “Logo se vê que o princípio do poluidor-pagador não possui uma visão meramente repressiva e voltada para a idéia de responsabilidade civil pelos danos causados ao meio ambiente.” RODRIGUES. Marcelo Abelha. Elementos de direito ambiental: parte geral. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 200. Original sem destaque. 228 Maria Alexandra de Sousa Aragão cita como cita como defensores do Princípio do Poluidor Pagador num sentido não afeito à responsabilidade civil os seguintes autores: Jean-Philippe Barde, Emilio Gerelli, Alonso García, Eckard Rehbinder, Ludwig Kramer e Sousa Franco, além de Gomes Canotilho. ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa. O princípio do poluidor... Op. cit., p. 112-113 (notas de rodapé) e ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa. Direito constitucional do ambiente da União Europeia. In: CANOTILHO, José Joaquim e LEITE, José Rubens Morato (coord.). Direito constitucional ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 11-55, p. 46-47.

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foca, outras dimensões não enquadráveis neste último229”. Esta, por sua vez, é taxativa ao afirmar que não há utilidade em se admitir a existência de um princípio de responsabilidade civil exclusivo para o meio ambiente, que, in casu, seria o Princípio do Poluidor-Pagador230. Noutra oportunidade, a mesma autora assenta que muito embora o Princípio do Poluidor-Pagador em sua formulação pareça apresentar a teoria de que aquele que causa um dano (ao meio ambiente, especificamente) deve indenizá-lo, o princípio não pode ser confundido com a responsabilidade civil; não só porque não era essa a intenção da OCDE ao criar seus contornos, mas, ainda, porque é inútil a existência de dois princípios com o mesmo objetivo. Lembra, ainda, que o Princípio do Poluidor-Pagador é um princípio associado à prevenção e à precaução, de modo que a sua atuação deve ser verificada sempre “antes e independentemente dos danos ambiente terem ocorrido, antes e independentemente231 da existência de vítimas232”. Somos, portanto, pela concepção de que o Princípio do PoluidorPagador não pode ser confundido com a responsabilidade civil, não só pelos argumentos apresentados, mas, ainda, por uma razão complementar às já expostas: a existência anterior de um meio – a responsabilidade civil – de obter uma indenização pelos prejuízos causados ao meio ambiente, o que importa na desnecessidade de a OCDE, a Declaração do Rio, e todos os instrumentos normativos que os seguiram formularem ou mencionarem um princípio novo para um fim idêntico. Não há, inclusive, que se falar em uma vertente de responsabilidade do princípio em estudo; porque este, como vimos, serve à alocação dos custos ambientais de produção, ou seja, à internalização de aspectos negativos dessa produção,

o

que

ratifica

sua

condição

de

anterioridade

ao

dano

e,

conseqüentemente, às suas vítimas. 229

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. A responsabilidade por danos ambientais: aproximação juspublicística. In: AMARAL, Diogo de Freitas do; TAVARES DE ALMEIDA, Marta. (coord.). Direito do ambiente. Oeiras: Instituto de Administração, 1994, p. 397-708, p. 401. 230 ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa. O princípio do poluidor... Op. cit., p. 113. 231 Jonathan Remy Nash fala, em oposição, que “aqui, o governo serve como procurador da sociedade vitimada, especialmente quando o governo deve implementar um projeto público para reduzir os efeitos da poluição”. Tradução nossa para: “here, the government serves as a proxy for the victimized society, especially since the government may have to implement a public project to reduce the pollution’s effect”. NASH, Jonathan Remy. Too much market?... Op. cit., p. 478. 232 ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa. Direito constitucional do ambiente... Op. cit., p. 47-48. Destaques no original.

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Em suma, e mais uma vez segundo Cristiane Derani, “o custo a ser imputado ao poluidor não está exclusivamente vinculado à imediata reparação do dano. O verdadeiro custo está na norma de atuação preventiva233”. Complementam esse entendimento as palavras de Alexandra Aragão: “os fins que o PPP visa realizar são a precaução, a prevenção e a equidade na redistribuição dos custos das medidas públicas234”.

5.4. A conceituação de poluição e de poluidor

Outra dificuldade enfrentada pelos que se propõem a estudar o Direito Ambiental – e que, por óbvio, têm que se debruçar sobre o Princípio do PoluidorPagador – consiste em precisar quem é o poluidor, melhor dizendo, quem é o responsável pelo pagamento dos valores relativos à internalização dos custos ambientais de produção. De Sadeleer lembra que muito embora os conceitos de poluidor e pagador pareçam, à primeira vista, evidentes, uma investigação mais profunda denota a dificuldade em defini-los235. Para Cristiane Derani, a conceituação do poluidor e do pagador é uma decisão política, já que a definição deve ser fornecida pelas normas ambientais. Isto porque poluidores são todos os que, nas respectivas atividades, fazem uso ou produzem poluentes, bem como os que realizam processos poluentes. Para a autora, “o endereçamento de medidas a um integrante desta ‘comunidade de poluidores’ não pode ser deduzido automaticamente do princípio do poluidorpagador, porém precisa (e pode) ser deduzido de pontos de vista políticos236”. Nesse mesmo diapasão, De Sadeleer entende se tratar de uma escolha entre dois conceitos de poluição: um que entende como efetivada a poluição quando um determinado limiar estabelecido para evitar a ocorrência de danos

233

DERANI, Cristiane. Direito ambiental... Op. cit., p. 166. ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa. Direito constitucional do ambiente... Op. cit., p. 48. 235 DE SADELEER, Nicholas. Environmental principles... Op. cit., p. 37-38. 236 DERANI, Cristiane. Direito ambiental… Op. cit., p. 166. 234

71

ecológicos é ultrapassado, e outro que vê como poluição qualquer indício de dano237.

5.4.1. A legislação européia

A Recomendação 75/436/Euratom, CECA, CEE: Recomendação do Conselho, de 3 de março de 1974, relativa à imputação dos custos e à intervenção dos poderes públicos em matéria de ambiente, no parágrafo 2 do Anexo, reza que:

2. Com este fim, tanto as Comunidades Européias a nível comunitário, como os Estados-membros nas suas legislações nacionais, em matéria de proteção do ambiente devem aplicar o princípio do “poluidor-pagador”, de acordo com o qual as pessoas singulares ou coletivas, de direito privado ou público, responsáveis por uma poluição, devem pagar as despesas das medidas necessárias para evitar essa poluição ou para a reduzir, a fim de respeitar as normas e as medidas equivalentes, permitindo atingir os objetivos de qualidade ou, quando tais objetivos não existam, a fim de respeitar as normas e as medidas equivalentes fixadas pelos poderes 238 públicos .

Uma leitura menos acurada do dispositivo transcrito conduz ao entendimento de que a Recomendação em análise se filia à primeira corrente apresentada por De Sadeleer. Todavia, esse mesmo autor nos desperta para o fato de que a Recomendação 75/436/Euratom define, no parágrafo 3 do Anexo239, o poluidor como sendo “aquele que degrada direta ou indiretamente o ambiente ou cria condições que levam à sua degradação240”. De acordo, pois, com o parágrafo 3 do Anexo da Recomendação 75/436/Euratom, o poluidor, para existir, “depende” do próprio dano. Assim, uma interpretação sistemática dos parágrafos 2 e 3 do Anexo da Recomendação 75/436/Euratom permite concluir que se o poluidor é aquele que causa um prejuízo ao meio ambiente, logo esse prejuízo é conditio sine qua non para que exista a

237

DE SADELEER, Nicholas. Environmental principles... Op. cit., p. 38-41. Nota de rodapé relativa a esse mesmo parágrafo dispõe que: “Enquanto um tal nível não é estabelecido pelo poderes públicos, as medidas tomadas por estes últimos para evitar a poluição devem ser igualmente respeitadas pelos poluidores, em aplicação do princípio ‘poluidor-pagador’”. 239 Nota de rodapé relativa a esse mesmo parágrafo dispõe que: “A noção de poluidor, tal como é definida nesta frase não afeta as disposições relativas à responsabilidade civil”. 240 DE SADELEER, Nicholas. Environmental principles... Op. cit., p. 39. 238

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poluição. Esse parece ser, portanto, o sentido atualmente aceito na União Européia para os conceitos de poluidor e poluição. Importante ressaltar que não apenas a Hermenêutica Jurídica nos concede meios para compreender a relação existente entre o poluidor, a poluição e o dano ambiental, mas, sobretudo, o bom-senso nos faz perceber que, adotar a primeira opção, melhor dizendo, conceituar a poluição como a mera ultrapassagem dos patamares de emissão legalmente fixados não estimula o poluidor a reduzir ainda mais as suas emissões, conduzindo-o à acomodação e, muito provavelmente, ao aumento da poluição em virtude do crescimento econômico geralmente não acompanhado pelas alterações legislativas.

5.4.2. A legislação brasileira

Nesse aspecto, merece nota o fato de ser a legislação brasileira tão moderna quanto coerente, desde a fixação do conceito de poluição das águas, por meio do Decreto nº. 50.877, de 29 de junho de 1961, o qual “dispõe sobre o lançamento de resíduos tóxicos ou oleosos nas águas interiores ou litorâneas do País e dá outras providências”, e assim estabeleceu:

Art. 3º Para os efeitos deste Decreto, considera-se "poluição" qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas das águas, que possa importar em prejuízo à saúde, à segurança e ao bem-estar das populações e ainda comprometer a sua utilização para fins agrícolas, industriais, comerciais, recreativos e, principalmente, a existência normal da fauna aquática.

A Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº. 6.938, de 31 de agosto de 1981), em seu artigo 3º, incisos III e IV, assim definiu poluição e poluidor:

Art. 3º Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: (...) III – poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos;

73

IV – poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental; (...)

Como é perceptível, a norma brasileira definidora da política ambiental estatal considera poluição qualquer resultado de atividade que, de alguma maneira, cause prejuízos ecológicos. Significa dizer que não há necessidade haver emissões para além dos limites legalmente fixados.

No conceito são protegidos o homem e sua comunidade, o patrimônio público e privado, o lazer e o desenvolvimento econômico através das diferentes atividades (alínea b), a flora e a fauna (biota), a paisagem e os monumentos naturais, inclusive os arredores naturais desses monumentos – que encontram também proteção constitucional (arts. 216 e 225 da CF/88). (...) Em último lugar, considera-se como poluição o lançamento de materiais ou de energia com inobservância dos padrões ambientais estabelecidos. Essa colocação topográfica da alínea é importante: pode haver poluição ainda que observados os padrões ambientais. A desobediência aos padrões constitui ato poluidor, mas pode ocorrer que mesmo com a observância dos mesmos ocorram os danos previstos nas quatro alíneas anteriores, o que também caracteriza a poluição, com a implicação jurídica daí decorrente241.

Nesse diapasão, correto afirmar que o poluidor, conceituado pelo Dicionário Houaiss da língua portuguesa como “que ou o que polui242”, passa a ser aquele que, ao efetuar emissões – estejam elas ou não dentro dos contornos estabelecidos – causa qualquer espécie de degradação ao meio ambiente. Todavia, precisar quem é este poluidor não é tarefa das mais simples, motivo pelo qual enfrentaremos essa questão no item que segue.

5.5. A identificação do poluidor

Concordando com a tese da dificuldade em se individuar o poluidor – muito embora seja ele, por definição, o causador da poluição – De Sadeleer afirma que esse problema se acentua nos casos em que há poluição difusa, ou seja,

241

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental... Op. cit., p. 532. POLUIDOR. In: Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Disponível «http://houaiss.uol.com.br/busca.jhtm?verbete=poluidor&stype=k». Acesso em 24/09/2009. 242

em

74

quando várias causas produzem um único efeito degradante ou, inversamente, quando uma causa única é capaz de originar múltiplos efeitos243. Por seu turno, a já invocada Recomendação 75/436/Euratom, no igualmente mencionado parágrafo 3 do Anexo, assim orienta:

Se a determinação do poluidor se revelar impossível ou muito difícil e, por conseguinte, arbitrária, e no caso da poluição do ambiente ser o resultado, quer da conjugação simultânea de várias causas – poluição cumulativa244 – quer da sucessão de várias dessas causas – cadeias de poluidores245 – os custos da luta antipoluição devem ser imputados aos pontos – por exemplo da cadeia ou da poluição cumulativa – e por meios legislativos ou administrativos que ofereçam a melhor solução nos planos administrativo e econômico, e que contribuam da maneira mais eficaz, para a melhoria do ambiente. No caso de poluições em cadeia, a imputação dos custos pode, pois, fazer-se no ponto onde o número dos operadores é o mais fraco possível e o mais fácil de controlar, ou então onde contribua mais eficazmente para a melhoria do ambiente e onde sejam evitadas as distorções de concorrência.

Para Alexandra Aragão, a “fórmula” estabelecida pela Recomendação 75/436/Euratom mais não faz que se eximir de solucionar a dificultosa questão, deixando de determinar o poluidor efetivamente responsável pela poluição para apontar aquele que melhor paga. Para a professora, a existência de dois critérios finda por atribuir a internalização dos custos ambientais ao produtor, por ter uma atividade mais facilmente identificável e controlável246. A mesma autora defende que o “poluidor-que-deve-pagar” é aquele que pode controlar os fatores que causam a poluição, isto é, aquele que pode tomar medidas preventivas ou de precaução capazes de afastar ou minimizar os danos. Nesse sentido, entende que os custos da poluição resultante de uma atividade produtora de um bem de consumo devem ser suportados pelo produtor, pois é ele quem lucra com a atividade. Quando a poluição for conseqüência de uma atividade produtora de um bem transformado, também deve o produtor responder pela internalização

das

externalidades ambientais

negativas, haja

vista

a sua

possibilidade de controlar tais externalidades247. 243

DE SADELEER, Nicholas. Environmental principles... Op. cit., p. 41. Nota de rodapé relativa a esse mesmo parágrafo dispõe que: “Por exemplo, no caso de uma aglomeração onde vários poluidores são simultaneamente responsáveis pela poluição do ar por SO2 tais como lares, utilizadores de veículos a motor e instalações industriais”. 245 Nota de rodapé relativa a esse mesmo parágrafo dispõe que: “Por exemplo, no caso da poluição do ambiente por gás de escape de veículos a motor, estão na origem da poluição atmosférica não só o utente do veículo, mas também os fabricantes desse veículo e do carburante”. 246 ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa. O princípio do poluidor... Op. cit., p. 135. 247 Ibidem, passim. 244

75

Há, inclusive, a possibilidade, inspirada na norma alemã (BGBI.1990 I, S. 2.634) de se estabelecer um nexo legal de atribuição dos custos de poluição. Isto porque a norma apontada – atinente à responsabilidade civil relativa às atividades consideradas perigosas ao meio ambiente – dispõe, nos quatro parágrafos de seu art. 6º, que:

§ 1º Se uma instalação é apta a causar o dano surgido nas circunstâncias de um caso concreto, há presunção de que o dano é causado pela instalação. A aptidão – no caso concreto – será julgada de acordo com a regulamentação da instalação; através das instalações utilizadas, a qualidade e a quantidade de substâncias químicas utilizadas e emitidas, segundo a hora e o lugar da emergência do dano e segundo a impressão de conjunto causada pelo dano e todas as outras circunstâncias, que indicam ou refutam o liame de causalidade. § 2º O § 1º não se aplica se a instalação está em serviço de uma forma regular. Uma instalação é explorada de forma regular se as obrigações particulares são respeitadas, e isto no caso de ausência de incômodos. § 3º As obrigações particulares são aquelas que resultam das autorizações administrativas, de disposições particulares, de ordens executórias e de normas as quais tenham por fim impedir impactos sobre o meio ambiente, que são os mesmos que causam o dano. § 4º Se a autorização, as disposições particulares, as ordens executórias ou as normas prevêem controles para a fiscalização de uma obrigação particular, há presunção do respeito da obrigação quando: 1. os controles tenham sido executados no período durante o qual o impacto sobre o meio ambiente apareceu e esses controles não tenham indicado violação da obrigação ou 2. o momento do exercício do direito à indenização ocorra dez anos depois da 248. realização do impacto

Muito embora tenhamos ressaltado a nossa posição contrária à equiparação do Princípio do Poluidor Pagador à responsabilidade civil por danos ao meio ambiente, existe a possibilidade de inspiração na norma acima para soluções relativas à internalização dos custos ambientais. Isso porque, na esteira de Paulo Affonso Leme Machado, é possível, ao perceber a “aptidão de uma instalação para causar o dano”, imputar a essa atividade a atribuição de arcar com os custos da poluição, afastando a necessidade de nexo causal entre os atos praticados pelo empreendimento e o dano249. Há, portanto, uma presunção de causalidade que pode e deve ser adotada para as hipóteses de aplicação do Princípio do Poluidor-Pagador. Essa presunção encerra, destarte, aquilo que Cristiane Derani trata como uma opção política, já que a definição do que venha a ser o poluidor-pagador 248

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental... Op. cit., p. 355-356. Tradução a partir do francês. 249 Ibidem, p. 356.

76

está atrelada a uma definição normativa motivada, obviamente, por aspectos políticos250.

5.6. Quanto deve pagar o poluidor

Identificado o poluidor, é necessário, ainda, estipular quanto e como deve

ele

pagar

pelas

externalidades

ambientais

negativas

que

o

seu

empreendimento é capaz de produzir. A já mencionada “Recomendação do Conselho Sobre Princípios Orientadores Relativos aos Aspectos Econômicos Internacionais das Políticas Ambientais” (1972) assenta que:

Este princípio [poluidor pagador] significa que o poluidor deve suportar os custos da supramencionadas medidas [de prevenção e controle da poluição] decididas pelas autoridades para garantir que o meio ambiente esteja num estado aceitável. Em outras palavras, os custos dessas medidas devem ser refletidos nos custos dos bens 251 e serviços causadores da poluição durante a produção e/ou consumo .

Adotando a mesma orientação, a Declaração do Rio, em seu Princípio 16 assim dispõe:

Tendo em vista que o poluidor deve, em princípio, arcar com o custo decorrente da poluição, as autoridades nacionais devem procurar promover a internalização dos custos ambientais e o uso de instrumentos econômicos, levando na devida conta o interesse público, sem distorcer o comércio e os investimentos internacionais.

Para Alexandra Aragão, a primeira definição apresentada importa em três conslusões essenciais: 1. é necessário que a Administração Pública defina o que pode ser considerado um estado aceitável do meio ambiente, ou seja, é necessária a fixação de standards para as emissões perpetradas;

250

DERANI, Cristiane. Direito ambiental ... Op. cit., p. 166. Tradução nossa para: “This principle means that the polluter should bear the expense of carrying out the above mentioned measures decided by public authorities to ensure that the environment is in an acceptable state. In other words, the cost of these measures should be reflected in the cost of goods and services which cause pollution in production and/or consumption”. 251

77

2. meios e instrumentos necessários ao alcance desses padrões devem ser disponibilizados; 3. os poluidores devem custear as medidas de prevenção e controle da poluição252. É digno de nota o fato de que as conclusões extraídas não são suficientes para resolver, em definitivo, o problema do valor a ser pago pelo poluidor. Inicialmente, porque é preciso ter em mente que o Princípio do Poluidor-Pagador

não

está,

como

dissemos,

associado

ao

Princípio

da

Responsabilidade. Ou seja, é necessário retirar do valor a ser pago qualquer espécie de resquício indenizatório. Depois, porque é preciso definir, de acordo com De Sadeleer, se o princípio será aplicado num sentido mais restrito ou num sentido mais vasto253, melhor dizendo, se será internalizada apenas parte dos custos ou se será absorvida a totalidade das externalidades. Como solução para este problema, temos que a Administração Pública deve, sempre com vistas à promoção da maior proteção possível ao meio ambiente, internalizar o maior número possível de externalidades, de modo a funcionar como um desestímulo à poluição. Dito de outro modo, ao poluidor deve ser mais interessante investir em tecnologia capaz de minimizar as agressões ambientais que pagar ao Estado pela poluição produzida254. Em resumo: não apenas deve ser internalizada a totalidade das externalidades ambientais, como essa internalização deve ser feita após o estabelecimento de um índice que seja capaz de incitar o poluidor a minimizar a poluição lançada, pois será economicamente mais vantajoso investir em tecnologias menos poluentes que deixar de gastar com a melhoria das condições de produção e ter de pagar ao Estado pelos custos dessa poluição.

252

ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa. O princípio do poluidor... Op. cit., p. 146. DE SADELEER, Nicholas. Environmental principles... Op. cit., p. 42. 254 ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa. Direito constitucional do ambiente... Op. cit., p. 49. 253

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6. O PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO

Durante um longo período, a certeza científica foi o meio encontrado para legitimar as intervenções do homem na natureza. Friedrich Nietzsche, entretanto, lançou dúvidas sobre a verdade absoluta da ciência ao, na obra intitulada “Humano, demasiado humano”, “reconsiderar a clássica subordinação da cultura à cientificidade, que em Platão tem seu ponto de partida255”, pois a pluralidade de interpretações das conclusões científicas denota não somente a impossibilidade de consagração de uma delas, como, ainda, a inaplicabilidade dessas mesmas conclusões dentro de uma perspectiva eminentemente científica. Raciocínio que explica a formulação do célebre aforismo: “Tudo, porém, veio a ser; não há fatos eternos: assim como nenhuma verdade absoluta”. Seguiram a inteligência de Nietzsche – a qual fora, inclusive, reanalisada por Freud – a Escola de Frankfurt, com Adorno e Horkheimer, e a Filosofia Analítica. Na segunda metade do século XX, Thomas Kuhn256 critica fortemente a relação existente entre a ciência e a fé, bem como afirma inexistirem provas de que a história da ciência se apresenta de modo progressivo257. Por seu turno, Karl-Otto Apel critica duramente a relatividade da ciência258. Nesse contexto é que, em 1973, a Lei Sueca sobre Produtos Perigosos para o Homem e o Meio Ambiente, estabelece, em seu artigo 5º, que aquele que manipule ou importe produtos considerados perigosos para o homem ou para o meio

255

BARROS, Roberto. Crítica científica e modelos interpretativos em Nietzsche. Trans/Form/Ação, Marília, v. 31, n. 2, 2008. Disponível em «http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010131732008000200004&lng=en&nrm=iso». Acesso em: 24/04/2009. 256 “Para ter progresso, é preciso pressupor algum tipo de certeza paradigmática que não é posta em dúvida. Kuhn detecta isso muito bem, num sentido bem wittgensteiniano. Mas ele vai longe demais – ou, pelo menos, ia – quando afirma que a transição de um paradigma para outro é apenas conversão (no sentido de conversão religiosa), que não existe transição racional, que não existe idéia de progresso que perpasse todas as fases da ciência”. ASSIS, Jesus de Paula. Karl-Otto Apel: a raiz comum entre ética e linguagem. São Paulo, v. 6, n. 14, abril 1992. Disponível em: «http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010 3 - 4 0 1 4 1 9 9 2 0 0 0 1 0 0 0 1 1 & l n g = e n & n r m = i s o ». Acesso em 25/04/2009. 257 PENNA-FORTE, Marcelo do Amaral. A imagem de ciência de Thomas Kuhn e a noção de objetividade cientifica: contribuição à historia de uma mudança conceitual em processo. Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humana, Campinas, SP, 2001. Disponível em «http://libdigi.unicamp.br/document/?code=vtls000228708». Acesso em: 24/04/2009. 258 APEL, Karl-Otto. Como Escapar do Blablablá. Tempus Fugit. Disponível em «http://edsongil.wordpress.com/2008/08/20/como-escapar-do-blablabla/». Acesso em 25/04/2009. Entrevista.

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ambiente deve adotar as medidas necessária à prevenção dos danos que essas substâncias possam trazer. Todavia, o marco inicial do Princípio da Precaução, dada a sua elaboração sistemática, é considerada a adoção, pela então Alemanha Ocidental, do die Vorsorgeprinzip, o qual determinava a tarefa (estatal) de prevenir ou reduzir os danos ambientais futuros, ainda que não houvesse riscos presentes259. No que se refere ao direito internacional, as decisões estatais relativas às Conferências Ministeriais do Mar do Norte assinalam o início da aplicação do Princípio da Precaução. Assim, menções expressas ao princípio em tela são encontradas no preâmbulo da Declaração Ministerial de Bremen (1984), na Declaração Ministerial de Londres (1987), na Terceira Conferência do Mar do Norte, realizada em Haia (1990), e na Declaração de Esbjerg, na Quarta Conferência do Mar do Norte (1995). Rapidamente, o Princípio da Precaução estendeu seus domínios no campo na poluição marinha. Durante os anos 1980, o Princípio da Precaução foi adotado nas Comissões de Oslo e Paris – a primeira, criada por ocasião da Convenção para Prevenção da Poluição Marinha Originária de Fontes Terrestres (1974) e a segunda, por ocasião da Prevenção da Poluição Marinha por Afundamento de Navios e Aeronaves (1989). O Princípio da Precaução aparece, ainda, na Convenção OPCR (1990); na Convenção OSPAR (1992), nas Convenções de Helsinque para Proteção e Uso dos Cursos d’Água Transfronteiriços e dos Lagos Internacionais (1992), na Convenção de Helsinque para Proteção do Meio Ambiente Marinho da Área do Mar Bático (1992), no Acordo de Charleville-Mésièrre Relativo à Proteção dos Rios Mosa e Escalda (1994), na Convenção de Sofia para Cooperação para Proteção e Uso Sustentável do Rio Danúbio (1994), na Convenção de Barcelona para Proteção do Mar Mediterrâneo contra a Poluição (1976), no Protocolo de Atenas para Proteção do Mar Mediterrâneo contra Poluição Marinha Originária de Fontes e Atividades Terrestres (1980) e na Convenção de Roterdã sobre a Proteção do Rio Reno (1998). A partir dos anos 1990, este mesmo princípio passou a ser invocado em novas áreas, sobretudo nas relativas ao gerenciamento costeiro e à pesca internacional. Assim é que o Acordo das Nações Unidas sobre a Aplicação da 259

SAMPAIO. José Adércio Leite. Constituição e meio ambiente na perspectiva do Direito Constitucional Comparado. In SAMPAIO, José Adércio Leite; WOLD, Chris; NARDY, Afrânio. Princípios de direito ambiental na dimensão internacional e comparada. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 33-112, p. 58-59.

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Convenção sobre o Direito do Mar Relativamente à Conservação e Gestão das Populações de Peixes Tranzonais e Peixes Altamente Migratórios (1995) “elaborou uma aproximação precaucionista a ser aplicada às medidas de conservação, gerenciamento e exploração260”. No que tange à poluição do ar, a Convenção de Viena para Proteção da Camada de Ozônio (1985) foi responsável pelo despertar para um relatório que culminou com a adoção, em 1987, do Protocolo Adicional de Montreal sobre as Substâncias que Empobrecem a Camada de Ozônio, a qual, após algumas alterações, culminou com a retirada dos clorofluorcarbonos (CFC’s) do mercado, em 1995261. A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (1992) determina que as partes tomem “medidas de precaução”. O Protocolo de Oslo (1994), na Convenção sobre a Poluição Atmosférica de Longa Distância traz o indigitado princípio em seu preâmbulo262. De se ver, ademais, que o Princípio da Precaução rapidamente se moveu para além dos limites das normas internacionais relativas ao controle da poluição do ar ou dos mares, estabelecendo-se como um princípio de política ambiental em diversos documentos legais internacionais263: Comissão Econômica das Nações Unidas para a Europa (Bergen, 1990); Conselho Gestor do Programa Ambiental das Nações Unidas (1989); Conselho de Ministros da Organização da União Africana (Adis Abeba, 1990); Comissão Econômica e Social das Nações Unidas para a Ásia e o Pacífico (1990) e, em 1991, os Ministros do Meio Ambiente da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico264. Por fim, o Princípio da Precaução foi consagrado na Declaração do Rio de 1992, definido, no Princípio 15 daquele instrumento:

260

Tradução nossa para: “(…) elaborated a precautionary approach to be applied to conservation, management, and exploitation measures”. DE SADELEER, Nicolas. Environmental principles… Op. cit., p. 95-96. 261 Ibidem, p. 96. 262 DE SADELEER, Nicolas. O estatuto do princípio da precaução do direito internacional. In: VARELLA, Marcelo Dias; PLATIAU, Ana Flávia Barros (org. e co-aut.). Princípio da precaução. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 29-74, p. 54. 263 Para De Sadeleer, o Princípio da Precaução, atualmente, já excedeu em importância a diversos outros princípios do Direito Ambiental. DE SADELEER, Nicolas. The effect of uncertainty on the threshold levels to which the precautionary principle appears to be subject. In: SHERIDAN, Maurice; LAVRYSEN, Luc. (eds.). Environmental law principles in practice. Bruxelas: Bruylant, 2002, p. 17-43, p. 19. 264 DE SADELEER, Nicolas. Environmental principles... Op. cit., p. 97.

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Princípio 15 – Com o fim de proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deverá ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não será utilizada como razão para o adiamento de medidas economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental.

Todavia, a despeito da adoção do Princípio da Precaução em diversos tratados internacionais, têm sido relutantes as cortes internacionais em reconhecê-lo como de aplicabilidade obrigatória265. Por exemplo, no caso do hormônio da Organização Mundial do Comércio, os Estados Unidos da América afirmaram, assim como o Canadá, que o Princípio da Precaução não pode ser caracterizado, dentro do direito internacional, como um “princípio”, mas, tão somente, como uma “aproximação” – questão a respeito da qual o corpo de apelação não quis fornecer posicionamento266. Por outro lado, no caso do Atum-do-sul (Bluefin Tuna / Thunnus maccoyii), o Tribunal Internacional de Direto do Mar, muito embora não tenha, especificamente, mencionado o Princípio da Precaução em sua decisão, asseverou que:

[O Tribunal considerou que] há incerteza científica quanto às medidas a serem tomadas para conservar a unidade populacional [do atum do sul]. O Tribunal considerou igualmente que, em tais circunstâncias, as partes devem agir com prudência e cautela para garantir que medidas eficazes de conservação sejam tomadas para evitar danos graves para as unidades populacionais do atum do sul. O Tribunal ordenou, inter alia, que as partes deverão retomar as negociações sem demora com vista a chegar a um acordo sobre as medidas para a conservação e gestão do atum do sul e que as partes devem limitar as suas capturas267.

Essa decisão faz perceber que, muito embora não haja uma recepção do Princípio da Precaução como princípio de direito internacional, ele já vem sendo aceito – e aplicado – nos tribunais internacionais.

265

Para João Carlos Simões Gonçalves Loureiro, “o princípio da precaução, centrado num cuidado prévio (Vor-Sorge), não integraria, de acordo com a doutrina dominante, ainda o corpus do Direito Internacional, embora cresçam vozes nesse sentido”. LOUREIRO, João Carlos Simões Gonçalves. Da sociedade técnica de massas à sociedade de risco: prevenção, precaução e tecnociência: algumas questões juspublicísticas. Separata de: Studia Ivridica, Coimbra, n. 61 – Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Rogério Soares, p. 797-891, 2001, p. 876. Destaque no original. 266 DE SADELEER, Nicolas. The effect of uncertainty… Op. cit., p. 22. 267 Tradução nossa para: “It considered that there is scientific uncertainty regarding measures to be taken to conserve the stock. The Tribunal also considered that in the circumstances the parties should act with prudence and caution to ensure that effective conservation measures are taken to prevent serious harm to the stock of Southern Bluefin Tuna. The Tribunal ordered inter alia that the parties should resume negotiations without delay with a view to reaching agreement on measures for the conservation and management of Southern Bluefin Tuna and that the parties should restrict their catches”. Disponível em «http://www.itlos.org/start2_en.html». Acesso em 10/06/2009.

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6.1. O Princípio da Precaução na União Européia

O Princípio da Precaução foi trazido ao Direito Comunitário por meio do artigo 130-R do Tratado de Maastricht – artigo 174, após a renumeração promovida pelo Tratado de Amsterdam – o qual assim reza:

A política da Comunidade no domínio do ambiente visará a um nível de proteção elevado, tendo em conta a diversidade das situações existentes nas diferentes regiões da Comunidade. Basear-se-á nos princípios da precaução e da ação preventiva, da correção, prioritariamente na fonte, dos danos causados ao ambiente, e do poluidor-pagador. As exigências em matéria de proteção do ambiente devem ser 268 integradas na definição e aplicação das demais políticas comunitárias .

Vinculados que estão os Estado-membros da União Européia aos tratados desta, certo é que o anúncio do Princípio da Precaução no texto do Tratado de Maastricht significa a necessidade de adoção, na normatização interna, deste princípio de política ambiental269. A França, por exemplo, aprovou, em 28 de fevereiro de 2005, a Carta do Meio Ambiente, a qual introduz a matéria ambiental na Constituição daquele país. Nesse sentido, o artigo 5º da indigitada Carta dispõe que:

Quando a ocorrência de um dano, ainda que incerto diante do estado dos conhecimentos científicos, puder afetar de modo grave e irreversível o meio ambiente, as autoridades públicas providenciarão, através da aplicação do princípio da precaução, e nas áreas de suas atribuições, a implementação de procedimentos de avaliação de riscos e a adoção de medidas provisórias e proporcionais com a 270. finalidade de evitar a concretização do dano

É importante verificar que muito embora o Princípio da Precaução tenha sido inserido, como visto, no texto do Tratado de Maastricht, a sua apliação ainda gera dúvidas e desconfortos, razão por que a Comissão Européia adotou, no

268

Original sem destaque. GOMES, Carla Amado. A prevenção à prova no direito do ambiente: em especial, os actos autorizativos ambientais. Coimbra: Coimbra Editora, 2000, p. 31. Entretanto, por seu turno, Portugal ainda não adotou expressamente, em sua normatização interna, o Princípio da Precaução. 270 Tradução nossa para: “Lorsque la réalisation d'un dommage, bien qu'incertaine en l'état des connaissances scientifiques, pourrait affecter de manière grave et irréversible l'environnement, les autorités publiques veillent, par application du principe de précaution et dans leurs domaines d'attributions, à la mise en oeuvre de procédures d'évaluation des risques et à l'adoption de mesures provisoires et proportionnées afin de parer à la réalisation du dommage”. 269

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ano 2000, uma Comunicação com o objetivo de orientar a implementação do princípio.

A Comunicação classifica também as medidas que podem ser tomadas ao abrigo do princípio da precaução. Sempre que for considerado necessário, as medidas devem ser proporcionais ao nível de proteção escolhido, não-discriminatórias na sua aplicação e coerentes com medidas semelhantes já tomadas. Tais medidas também devem ser baseadas em uma análise dos potenciais benefícios e custos da ação ou da ausência de ação e ser sujeita à revisão à luz dos novos dados científicos e, portanto, devem ser mantidas enquanto os dados científicos permanecerem incompletos, imprecisos ou inconclusivos, desde que o risco seja considerado demasiado elevado para que seja imposto à sociedade. Finalmente, essas mesmas medidas podem atribuir a responsabilidade – ou o ônus da prova – para a produção das provas científicas necessárias para uma avaliação global do risco271.

A Comunicação senta, inicialmente, que a precaução impõe que se verifique e pondere acerca da real necessidade da ação. Sendo a ação considerada essencial, deve ela ser implementada segundo, dentre outras, as seguintes orientações: 1. proporcionalidade ao nível de proteção almejado; 2. não discriminação em sua aplicação, ou seja, situações símiles devem receber um tratamento parecido, assim como, sempre que possível, situações desiguais devem receber tratamento dessemelhante; 3. consistência com medidas similares já tomadas; 4. análise da relação custo-benefício da ação e da falta dela; e 5. acompanhamento do desenvolvimento científico – sempre que as evidências científicas não forem definitivas, as medidas devem assumir um caráter provisório.

271

Tradução nossa para: “The Communication also qualifies the measures that may be taken under the precautionary principle. Where action is deemed necessary, measures should be proportionate to the chosen level of protection, non-discriminatory in their application and consistent with similar measures already taken. They should also be based on an examination of the potential benefits and costs of action or lack of action and subject to review in the light of new scientific data and should thus be maintained as long as the scientific data remain incomplete, imprecise or inconclusive and as long as the risk is considered too high to be imposed on society. Finally, they may assign responsibility – aor the burden of proof – for producing the scientific evidence necessary for a comprehensive risk assessment”. Disponível em «http://www.gdrc.org/u-gov/precaution-4.html». Acesso em 26/04/2009.

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6.2. O Princípio da Precaução no Brasil

O Brasil assinou, ratificou e promulgou duas das convenções internacionais em cujos textos se insere o Princípio da Precaução: a ConvençãoQuadro das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas272 (1992) e a Convenção da Diversidade Biológica273 (durante a Rio-92). Diz o artigo 5º, § 2º da Constituição da República Federativa do Brasil que:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) § 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Segundo Ingo Wolfgang Sarlet, muito embora o texto constitucional tenha feito uso da expressão “tratados internacionais”, há alguma unanimidade na doutrina em admitir que tal locução “engloba diversos tipos de instrumentos internacionais, tratando-se de gênero, em relação ao qual as convenções e os pactos (para citar alguns dos mais importantes) são espécies274”. Porque a intenção da Carta, ao consagrar o princípio da não-tipicidade na esfera dos direitos fundamentais foi a de ampliar as garantias, adotando uma interpretação teleológica de seus termos, e porque não mais se questiona que o direito ao meio ambiente equilibrado consagrado no artigo 225 da Constituição Federal integra o rol dos direitos fundamentais alheios ao catálogo, mas com status constitucional formal e material, é que se tem como certa a atribuição às convenções supramencionadas do status jurídico de direitos fundamentais com sede nos

272

Assinada em Nova Iorque em 09/05/1992, ratificada pelo Congresso Nacional pelo Decreto Legislativo nº. 1, de 03/02/1994, entrou em vigor no Brasil em 29/05/1994. 273 Assinada no Rio de Janeiro em 05/06/1992, ratificada pelo Congresso Nacional pelo Decreto Legislativo nº. 2, de 03/02/1994 (tendo entrado em vigor para o Brasil em 29/05/1994) e promulgada pelo Decreto nº. 2.519, de 16/03/1998. 274 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 5. ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 137.

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tratados internacionais. De se concluir, portanto, pela inclusão do Princípio da Precaução no âmbito das garantias fundamentais dos cidadãos brasileiros275.

6.3. A definição do Princípio da Precaução a partir da noção de risco apresentada por Ulrich Beck

Ulrich Beck, ao tentar definir risco, começa por advertir acerca da inexistência de um conceito único, havendo, por certo, uma “pluralidade conflituosa de definições de riscos civilizatórios276”. Para o filósofo alemão, o nexo causal por ventura existente entre o sistema de produção industrial e os riscos – atuais ou futuros – conduz a uma multiplicidade de interpretações individuais. O que de mais importante temos é que muitas coisas não serão confirmadas, mas, por outro lado, até situações já consideradas definidas dever-se-ão sustentar diante das dúvidas sempre presentes277. Ulrich Beck afirma que enquanto uns riscos são reais, outros são irreais. Dito de outro modo, alguns perigos já estão concretizados (estes seriam os riscos reais) outros, porém, (os irreais) são ameaças para o futuro que exigem, atualmente, uma medida de precaução, dada a incerteza de sua ocorrência e a eventual irremediabilidade de suas conseqüências278. Convém ressaltar que aquilo que Urich Beck chama de “riscos reais”, são, na realidade, perigos; isto é, riscos que ultrapassaram a fronteira da mera possibilidade e se transformaram numa realidade. Em ilação, os perigos não exigem uma atitude precaucionista (dedicada aos riscos) mas uma ação preventiva279.

275

Observemos, contudo, que há doutrinadores, a exemplo de Solange Teles da Silva, que crêem na exegese do Princípio da Precaução a partir do texto do artigo 225 da Constituição Federal. Diante, porém, da ausência de justificativas para esse posicionamento, preferimos não o adotar. TELES DA SILVA, Solange. Princípio da precaução: uma nova postura em face dos riscos e das incertezas científicas. In: VARELLA, Marcelo Dias; PLATIAU, Ana Flávia Barros (org. e co-aut.). Princípio da precaução. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 75-92, p. 77. 276 Tradução nossa para: “pluralidad conflictiva de definiciones de los riesgos civilizatorios”. BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo: hacia una nueva modernidad. Barcelona: Ediciones Paidós Ibérica, 2002, p. 36-37. 277 Ibidem, p. 37. 278 Ibidem, p. 39. 279 É essa, inclusive, a opinião de De Sadeleer, que, ao distinguir os tipos de riscos, assenta que o mais alto nível dos riscos corresponde aos riscos certos, cuja probabilidade de ocorrência pode ser

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Niklas Luhmann, distinguindo risco de perigo, realiza uma conceituação relevante de cada um dos dois substantivos. Para o sociólogo alemão, a distinção reside na incerteza dos danos futuros. Caso o dano seja atribuído a uma decisão, ter-se-á um risco. Se, de outra banda, o dano for causado pelo ambiente, tratar-se-á de um perigo280. Esse conceito pode ser complementado por Esteve Pardo, que entende o risco como sendo uma conseqüência do perigo. O perigo teria causas naturais, as quais seriam combatidas por técnicas que originariam o risco281. É dizer: o risco resulta do combate ao perigo282. Os riscos, portanto, não se esgotam em conseqüências e danos já verificados, mas contêm, sempre, um componente futuro. Assim, os riscos estão sempre associados a eventos não somente futuros, mas eventos incertos cuja ocorrência uma ação precaucionista deverá evitar283.

O centro da consciência do risco não reside no presente, mas no futuro. Na sociedade de risco, o passado perde o poder de determinar o presente. Em seu lugar aparece como "causa" da vivência e da atuação presentes o futuro, ou seja, algo não existente, construído, fictício. Hoje, colocamo-nos em ação para evitar, mitigar, prever 284 (ou não) os problemas e as crises de amanhã e depois de amanhã .

De Sadeleer classifica os riscos em certos, residuais e incertos. Os primeiros seriam aqueles cuja ocorrência é calculável e que, por essa razão, consoante já visto, já se teriam transformado em perigo. Os riscos residuais são os riscos aceitáveis, com os quais se convive diariamente, sob pena de paralisia completa da vida moderna. Tanto um como outro estão fora do campo de aplicação do Princípio da Precaução moderna285.

calculada e ao qual corresponde o Princípio da Prevenção. DE SADELEER, Nicolas. The effect of uncertainty… Op. cit., p. 28. 280 LUHMANN, Niklas. Risk: a sociological theory. Nova Iorque: Aldine de Gruyter, 1993, p. 21-22. 281 ESTEVE PARDO, José. Técnica, riesgo y derecho: tratamiento del riesgo tecnológico en el derecho ambiental. Barcelona: Ariel, 1999, p. 29. 282 João Carlos Simões Gonçalves Loureiro, na esteira de Karl-Heinz Ladeur, afirma que “o conceito de risco ‘não é só um alargamento do conceito de perigo’, faltando orientação da experiência”. LOUREIRO, João Carlos Simões Gonçalves. Da sociedade técnica de massas... Op. cit., p. 862. 283 BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo... Op. cit., p. 39. 284 Tradução nossa para: “El centro de la conciencia del riesgo no reside en el presente, sino en el futuro. En la sociedad del riesgo, el pasado pierde la fuerza de determinación para el presente. En su lugar aparece como ‘causa’ de la vivencia y de la actuación presentes el futuro, es decir, algo no existente, construido, ficticio. Hoy nos ponemos en acción para evitar, mitigar, prever (o no) los problemas y las crisis de mañana e de pasado mañana”. Ibidem, p. 40. 285 DE SADELEER, Nicolas. The effect of uncertainty… Op. cit., p. 29-30.

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Os riscos que exigiriam uma ação precaucionista são os denominados riscos incertos, cuja ocorrência é controversa ao nível científico. Na realidade, para que uma ação precaucionista se justifique é necessária uma presunção científica, já que a mera intuição afasta a sua aplicação. É dizer: uma ação precaucionista exige um mínimo de conhecimento científico que seja capaz de justificar a intervenção – todavia, esse conhecimento não pode ser comprovado, sob pena de se estar saindo do campo da precaução e adentrando o campo da prevenção. O princípio deve ser aplicado a situações em que uma relação de causa-e-efeito ainda não foi cabalmente estabelecida286. Nesse sentido, e apoiados na interpretação formulada por João Carlos Simões Gonçalves Loureiro, podemos dizer que a “Sociedade de Risco” se caracteriza pela substituição da distribuição dos bens e capitais pela socialização dos riscos, ou seja, a sociedade deixa de dividir produtos positivos da sua atividade para repartir os maus frutos dessa atividade287.

6.4. A aplicação do Princípio da Precaução

O Princípio da Precaução possui, portanto, a função precípua de evitar que o risco se transforme em dano, atuando, por óbvio, antecipadamente. No dizer de Alexandra Aragão, o Princípio da Precaução confere prioridade aos “interesses futuros superiores” sobre os interesses presentes considerados de menor relevo288. O grande problema da aplicação deste princípio reside, inicialmente, em identificar o risco que merece algum tipo de atenção por parte da sociedade; haja vista a possibilidade de, por um lado, agir com excessos precaucionistas e restringir desnecessariamente ou mesmo impedir o desenvolvimento econômico e social de uma região, ou, ou por outro lado, permitir que uma tecnologia nova e insuficientemente segura comprometa a qualidade ambiental ou mesmo a existência das gerações futuras.

286

Ibidem, p. 31. LOUREIRO, João Carlos Simões Gonçalves. Da sociedade técnica de massas... Op. cit., p. 807. 288 ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa. O princípio do nível elevado de protecção e a renovação ecológica do direito do ambiente e dos resíduos. Coimbra: Almedina, 2006, p. 212. 287

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Timothy O’Riordan e Andrew Jordan entendem que o Princípio da Precaução age dentro de um continuum que oscila entre duas formulações: uma “fraca” – que tem o objetivo de proteger o status quo ante – e outra “forte” – que exige alterações sociais e institucionais mais severas. Ainda segundo os autores britânicos, há variações entre estes dois pólos: a formulação mais fraca tende a ser aplicada às atividades mais tóxicas e danosas, já que parte de uma análise de custo-benefício tendenciosa e inclinada a ratificar a importância de basear julgamentos naquilo que se convencionou chamar de “sound science” e que pode ser explicado como uma investigação científica utilizada para justificar uma ação ou posição específica. A concepção fraca associa-se comumente à assim conhecida “shallow ecology”, ou ecologismo antropocêntrico289. Por sua vez, a concepção forte associa-se mais à corrente ecologista conhecida como “deep ecology” – também denominada ecologismo ecocêntrico – a qual se distingue da “shallow ecology”290 em razão do reconhecimento de um valor inerente a todos os seres vivos e a utilização dessa idéia na formatação das políticas públicas ambientais291. Podemos falar, portanto, que adotando uma postura mais rígida em relação ao Princípio da Precaução, o Estado exigirá uma probabilidade ou verossimilhança reduzida para a tomada de uma atitude precaucionista292. Por outro lado, ao reduzir o patamar de certeza científica necessária à assunção de uma conduta protecionista, os políticos evitam a “paralisia da incerteza293”, todavia, atraem a si mesmos a tarefa de gerenciar os riscos resultantes de sua decisão294. A concepção forte (ou ecocêntrica) amparada na máxima “in dubio pro naturæ”, entende que os bens ambientais possuem valores em si, que não podem ser sopesados junto a outros valores. A concepção forte exige prova científica 289

O’RIORDAN, Timothy; JORDAN, Andrew. The precautionary principle, science, politics and ethics. 15 f. Working paper. Centre for Social and Economic Research on the Global Environment University of East Anglia and University College London. Disponível em «http://www.uea.ac.uk/env/cserge/pub/wp/pa/pa_1995_02.pdf». Acesso em 12/05/2009. 290 McINTYRE Owen; MOSEDALE, Thomas. The precautionary principle as a norm of customary international law. Journal of environmental law. Oxford, v.9, n. 2, p. 221-241. 1997, p. 221. 291 Deep ecology movement. Disponível em «http://www.deepecology.org/movement.htm». Acesso em 13/05/2009. 292 GOMES, Carla Amado. Dar o duvidoso pelo (in)certo? Reflexões sobre o “princípio da precaução”. Revista jurídica do urbanismo e do ambiente. Coimbra, n. 15/16, p. 9-38, jul./dez. 2001, p. 14. 293 McINTYRE Owen; MOSEDALE, Thomas. The precautionary principle… Op. cit., p. 221. 294 MAGUIRE, Steve; ELLIS, Jaye. Redistributing the burden of scientific uncertainty: implications of the precautionary principle for state an nonstate actors. Global governance: a review of multilateralism and international organizations. Boulder, v. 11, n. 4, p. 505-526, out./dez. 2005, p. 508.

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irrefutável295 de que todos os eventuais danos causados por uma nova tecnologia já são conhecidos296. De outro lado, a concepção fraca, partindo de “uma ética ambiental antropocêntrica responsável297”, toma em consideração riscos, custos e benefícios associados à atividade. Vê-se logo que não somente componentes ambientais estão em jogo, mas que são ponderados, ainda, aspectos econômicos e sociológicos298. Nesse sentido, a já mencionada Comunicação da Comissão Européia para a prática do Princípio da Precaução (parágrafo 4) assenta que este princípio se comporta como uma ferramenta de gerenciamento de riscos, sendo mais indicada a sua operacionalização após a apresentação de uma avaliação objetiva dos riscos. Para De Sadeleer, a “precaução é vista como uma medida temporária que depende de informações científicas adicionais299”. Todavia, tais informações, ainda na inteligência da Comunicação, devem unir evidências científicas tanto qualitativa quanto quantitativamente relevantes300, de modo a justificar a ação precaucionista301. Além disso, a Comunicação ressalta a importância do bem jurídico protegido (meio ambiente) e estimula a adoção, pelos políticos responsáveis pela definição da política ambiental, de um procedimento de tomada de decisões transparente e que busque o engajamento de todas as partes envolvidas no processo. Isso porque – e esse é o entendimento da própria Comunicação, frisemos – diante de tantas incertezas científicas, a proteção dos valores ambientais é resultado de uma decisão inescondivelmente política. Em verdade, qualquer deliberação que ponha em movimento uma tecnologia nova e, portanto, ainda pendente de certeza científica quanto às suas eventuais conseqüências, será, por óbvio, uma resolução de cunho político. Dito de outro modo, a liberação dessa nova 295

A Carta Mundial da Natureza (1982) exige que novas atividades sejam levadas a efeito apenas quando sejam cabalmente conhecidas as suas implicações prejudiciais. Daí porque esse documento é considerado como associado à corrente da proteção forte. 296 SAMPAIO. José Adércio Leite. Constituição e meio ambiente... Op. cit., passim. 297 Ibidem, p. 62. 298 Ibidem, passim. 299 Tradução nossa para: “Precaution is seen as a temporary measure pending further scientific information”. DE SADELEER, Nicolas. Environmental principles… Op. cit., p. 110. 300 De Sadeleer afirma, no esteio da Comunicação, que se devem evitar os riscos capazes de gerar danos sérios, ainda que sua probabilidade de ocorrência seja reduzida. DE SADELEER, Nicolas. The effect of uncertainty... Op. cit., p. 32. 301 Alexandra Aragão, porém, discorda desse entendimento, preferindo a “verossimilhança” à “probabilidade estatística” como orientação do princípio da precaução, pois acredita ser inadequado submeter tal princípio ao que denominou “jogo dos números”. ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa. O princípio do nível elevado... Op. cit., p. 212.

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tecnologia dependerá, no sentir de Carla Amado Gomes, da parcela de incerteza que cada Estado estará disposto a suportar302.

6.5. O viés econômico do Princípio da Precaução

Já dissemos que independentemente da existência de (in)certezas científicas, a decisão que aceitará ou recusará uma nova tecnologia será, em regra, de caráter político. Para De Sadeleer, trata-se de uma decisão política fulcrada em interesses sócio-econômicos303. Nesse diapasão, é possível tentar-se uma avaliação objetiva dos riscos ambientais, os quais serão apreciados segundo as informações disponíveis e o critério dos valores aos quais se pretende servir304. Para Alexandra Aragão, não é possível dissociar-se o Princípio da Precaução da economia, pois este princípio é, em seu entendimento, “o subprincípio concretizador que obriga a que o poluidor pague os custos da precaução305”. Este subprincípio decorre, na realidade, da “aplicação da ponderação ecológica de bens e interesses”, expressão cunhada por Gomes Canotilho306 e que denota a miscigenação da precaução com a economia. E tal afirmamos porque no artigo intitulado “Relações jurídicas poligonais: ponderação ecológica de bens e controlo judicial preventivo” o professor conimbricense afirma que os “decisores jurídicos” devem sempre sopesar o elemento ambiente em suas deliberações307. Mutatis mutandis, é possível dizermos que decisões ambientais dependem de uma ponderação econômica, ou seja, que não deve haver decisão econômica sem a análise da matéria ambiental, assim como um problema ecológico há de ser enfrentado também sob o aspecto econômico. Esse raciocínio se torna ainda mais palpável quando se percebe, com Carla Amado Gomes, a aplicação de critérios de custo-benefício (critérios 302

GOMES, Carla Amado. Dar o duvidoso pelo (in)certo?... Op. cit., p. 14. DE SADELEER, Nicolas. Environmental principles... Op. cit., p. 115. 304 Idem. 305 ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa. O princípio do poluidor... Op. cit., p. 69. 306 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Relações jurídicas poligonais: ponderação ecológica de bens e controlo judicial preventivo. Revista jurídica do urbanismo e do ambiente. Coimbra, n.1, p. 55-67, jun./1994, p. 55. 307 Ibidem, p. 58-59. 303

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econômicos, portanto) como base de atuação do Princípio da Precaução. A observação da autora se baseia numa leitura mais acurada do Princípio 15 da Declaração do Rio, a partir da qual é possível perceber que conceitos econômicos são invocados para a aplicação do Princípio da Precaução: “(...) o princípio da precaução deverá ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades”. “(...) medidas economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental Precaução308”. Parece, enfim, ser-nos possível inferir que para além de uma decisão política, o ato de aceitar ou não um risco é, ainda, um posicionamento econômico. Trata-se do resultado de uma ponderação entre o custo ecológico de sua inação e o custo sócio-econômico da medida necessária ao afastamento do risco309. O momento decisório finda por ser mais complexo porque ainda que o decisor esteja convencido de que a gravidade do eventual dano ecológico supere a desvantagem econômica de não instalar a nova tecnologia, haverá a desconfiança de que o dano jamais ocorrerá310. Em assim sendo, tem-se uma decisão político-econômica, que, por razões óbvias, varia de Estado para Estado, conforme a situação sócio-políticoeconômica, insistamos, desse mesmo Estado. Como exemplo atestador do que ora afirmamos, podemos trazer a recente decisão do governo alemão de proibir o cultivo de milho geneticamente modificado311. Por se tratar de um Estado economicamente desenvolvido, cujo índice de desenvolvimento humano (IDH) está entre os mais elevados do globo, não parece ter sido difícil àquele país unir-se à França e à Grécia – também com altos patamares de IDH – na proibição. Trata-se, pois, de um Estado em condições ideais para a tomada de decisões restritivas como a que apresentamos. Hipoteticamente, dever-se-ia considerar que outros Estados, os quais se encontram em situação de pobreza, não têm a mesma liberdade política, em razão das pressões econômicas, para tomar medidas proibitivas enérgicas.

308

GOMES, Carla Amado. Dar o duvidoso pelo (in)certo? ... Op. cit., p. 14. Original sem destaque. DE SADELEER, Nicolas. The effect of uncertainty... Op. cit., p. 36. 310 Ibidem, p. 37. 311 VIEGAS, Patrícia. Alemanha proíbe cultivo de milho transgénico. Diário de Notícias. Lisboa, 14 de abril de 2009. Disponível em «http://dn.sapo.pt/inicio/globo/interior.aspx?content_id=1201117&seccao=Europa». Acesso em 15/05/2009. 309

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Vários

autores

propõem,

portanto,

o

apelo

ao

Princípio

da

Proporcionalidade312 para minimizar os possíveis excessos advindos da máaplicação do Princípio da Precaução. Seria o caso, portanto, de sopesar os direitos e as garantias em conflito: em regra, os direitos à livre iniciativa econômica e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Nesse ponto, faz-se apropriada a observação de O’Riordan e Jordan de que o Princípio da Precaução se choca com a ciência, a economia e a política e que, ainda, exige algum “sacrifício” daqueles que não percebem a justificativa das medidas tomadas313. A participação popular passa a ser, portanto, um mecanismo político importante na tomada de decisões com base no Princípio da Precaução. É esta a posição defendida, por exemplo, por Katherine Barrett e Joel Tickner ao afirmarem:

O aumento dos processos participativos, tais como audiências públicas e oficinas de cenário, provavelmente melhorará a capacidade dos tomadores de decisão de antecipar e prevenir danos à saúde e ao meio ambiente por diversas razões: nãoespecialistas vêem problemas, aspectos e soluções que os expertos não observam por pensarem mais longinquamente e por não estarem vinculados a acordos disciplinares; (...). Processos de participação democrática ampliam o quanto possível 314 a qualidade, a legitimidade e a responsabilidade das decisões complexas .

312

“... se isoladamente considerados, ambos os princípios conduzem a uma contradição. Isso significa, por sua vez, que um princípio restringe as possibilidades jurídicas de realização do outro. Essa situação não é resolvida com a declaração de invalidade de um dos princípios e com sua conseqüente eliminação do ordenamento jurídico. Ela tampouco é resolvida por meio da introdução de uma exceção a um dos princípios, que seria considerado, em todos os casos futuros, como uma regra que ou é realizada, ou não é. A solução para essa colisão consiste no estabelecimento de uma relação de precedência condicionada entre os princípios, com base nas circunstâncias do caso concreto. Levando-se em consideração o caso concreto, o estabelecimento de relações de precedências condicionadas consiste na fixação de condições sob as quais um princípio tem precedência em face do outro”. ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 96. Destaque no original. 313 O’RIORDAN, Timothy; JORDAN, Andrew. The precautionary principle… Loc. cit. 314 Tradução nossa para: “More participatory processes, such as consensus conferences and scenario workshops, would likely improve the ability of decision-makers to anticipate and prevent harm to health and the environment for several reasons: Non-experts see problems, issues and solutions that experts miss by thinking more broadly and not being bound by disciplinary constraints; (…). Broader democratic participation processes can increase the quality, legitimacy and accountability of complex decisions”. BARRETT, Katherine; TICKNER, Joel. Trans-Atlantic Consumer Dialogue (TACD) briefing paper on the Precautionary Principle – Draft. Disponível em «http://sustainableproduction.org/downloads/TACD%20Briefing.pdf». Acesso em 26/08/2009.

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7. A TRIAGEM DOS EMPREENDIMENTOS SUJEITOS AO EIA

Consoante já vimos, no Brasil – diversamente do que ocorre em Portugal – os EIA’s não se aplicam a todos os empreendimentos sujeitos ao licenciamento ambiental. A despeito da existência de uma lista (artigo 2º da Resolução CONAMA nº. 001/86) de empreendimentos cujo licenciamento ambiental depende, indiscutivelmente, da realização de um EIA, tal lista não é, como igualmente

analisamos,

taxativa,

deixando

uma

margem

considerável

de

discricionariedade ao administrador público. Este administrador deverá, na ausência de previsão de uma obra ou atividade no rol do dispositivo mencionado, identificar se tal iniciativa é ou não “potencialmente causadora de significativa degradação ambiental” e, em caso afirmativo, exigir do empreendedor a realização do EIA. Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin inicia o artigo intitulado “Os princípios do estudo de impacto ambiental como limites da discricionariedade administrativa” alertando para os perigos para a tutela ambiental que pode trazer um administrador completamente livre ou mesmo incapaz de bem utilizar a discricionariedade que a lei lhe faculta315. Nesse sentido, destaca que muito embora grande parte das competências atribuídas ao administrador apresente um aspecto discricionário, “a tendência, no direito ambiental, é no sentido de restringir gradativamente a margem de liberdade de quem decide”. E como um dos instrumentos de redução da discricionariedade do administrador público, o autor cita o EIA316. Aqui arriscamos divergir pontualmente do ministro Benjamin, vez que, de acordo com o nosso entendimento, a legislação brasileira relativa aos EIA’s não está posta de modo a alcançar a desejada minimização da discricionariedade. É essa, também, a opinião de Celso Antonio Pacheco Fiorillo, que reconhece o grande passo dado na legislação ambiental brasileira ao elevar o EIA a princípio ambiental constitucional, mas ressalta que o constituinte deixou de caminhar mais ao não apenas “admitir a existência de atividades impactantes que não se sujeitam ao EIA/RIMA”, como, ainda, ao não esclarecer o que seria a 315

BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcelos. Os princípios do estudo de impacto ambiental como limites da discricionariedade administrativa. Revista forense, Rio de Janeiro, v. 317, p. 25-46, jan./mar. 1992, p. 25. 316 Idem.

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“significativa degradação317” que um empreendimento deve causar para que dele seja cobrado o EIA, bem como, inclusive, o significado da expressão “obra”318. Conquanto seja inegável que a ausência de uma interpretação autêntica dessas expressões desfavoreça a aplicação do dispositivo constitucional alusivo ao EIA (artigo 225, §1º, IV da Constituição Federal), haja vista a já comentada excessiva discricionariedade, talvez este não seja o maior problema da norma em comento. Justificamos tal afirmação pelo fato de que ainda que a expressão “significativa degradação” tivesse sido interpretada pelo legislador constituinte ou mesmo pelo legislador infraconstitucional, por meio, por exemplo, da fixação de patamares ou índices quantificáveis, a maior dificuldade encontrada pelo administrador seria saber se determinado empreendimento alcançaria ou não tais patamares sem a realização do EIA. No dizer de Juan Rosa Moreno, ao se submeter à avaliação somente as atividades que causam um impacto negativo considerável, adota-se uma abordagem ecológica para a matéria e se incorre, nitidamente, no círculo vicioso que conduz àquele critério, porquanto certamente não se saberá se os efeitos de um projeto são ou não “consideráveis” até que seja concluída a sua análise319, a qual se faz exatamente através do EIA. Tal observação se torna ainda mais palpável num momento de pujante desenvolvimento científico, caracterizado pela superação de antigas tecnologias e pelo surgimento de outras novas, isto é, pela condição de incerteza científica em que estamos inseridos. Há, aqui, portanto, uma dificuldade relativa à aplicação dos Princípios da Prevenção e da Precaução na normatização concernente aos EIA’s. E tal dificuldade finda por desatender exatamente aos princípios aos quais o EIA intenta servir. Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin trata a prevenção como o “princípio reitor” do EIA, afirmando que o surgimento do estudo segue a orientação mais moderna do Direito Ambiental: a de mais se preocupar em evitar o dano que 317

Luis Enrique Sánchez afirma que a definição da expressão “impacto ambiental significativo” não resolveria o problema da subjetividade e, conseqüentemente, da discricionariedade, “porque impacto significativo é um termo carregado de subjetividade”. SÁNCHEZ, Luis Enrique. Avaliação de impacto ambiental: conceitos e métodos. São Paulo: Oficina de Textos, 2006, p. 111. 318 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito... Op. cit., p. 140. 319 ROSA MORENO, Juan. Régimen jurídico... Op. cit., p. 27.

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em repará-lo ou reprimir. E, nesse sentido, o mesmo autor afirma que o EIA tem como função primordial prever e, a partir daí prevenir o dano320. Como é lógico, para que o dano seja previsível é necessário que as suas causas sejam conhecidas. É dizer: quando da implantação de um empreendimento, é necessário que os reflexos ambientais de sua instalação e operação sejam sabidos, a fim de que, se necessário, sejam, também, mitigados ou compensados. Como a legislação brasileira relativa ao EIA impõe a sua realização apenas nas hipóteses em que a empresa seja capaz de causar “significativa degradação ambiental” (excetuando-se os itens do artigo 2º da Resolução CONAMA nº. 001/86), é muito provável que diversos empreendimentos, por desconhecer o administrador a sua origem, o seu funcionamento, as externalidades ambientais que produz, etc., deixem de ser submetidos ao EIA para fins de licenciamento ambiental, muito embora sejam capazes de degradar “significativamente” o meio ambiente. Daí porque lides judiciais surgem para discutir (talvez tardiamente) a necessidade ou não de realização do EIA. Recentemente, no Brasil, o Tribunal Regional Federal da Primeira Região reconheceu, de um lado, a discricionariedade na determinação dos empreendimentos cujo licenciamento ambiental exige ou não o EIA, e, de outro, a necessidade de realização do estudo nas hipóteses em que os reflexos ambientais da ação são desconhecidos:

MANDADO DE SEGURANÇA. PRELIMINAR DE LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM ACOLHIDA. EXAME DO MÉRITO DA IMPETRAÇÃO. PROJETO ENERGIA VERDE. SUSPENSÃO DA AUTORIZAÇÃO DO IBAMA PARA DESMATAMENTO NA ÚLTIMA GRANDE FLORESTA DO SEMI-ÁRIDO NORDESTINO. AUMENTO DA DESERTIFICAÇÃO DO SUL DO PIAUÍ. SUSPENSÃO DA LICENÇA ANTERIORMENTE CONCEDIDA FUNDADA NO PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO. LEGALIDADE. DENEGAÇÃO DA SEGURANÇA. (...) 10. Diante do risco ou da probabilidade de dano à natureza, e não apenas na hipótese de certeza, o dano deve ser prevenido. Trata-se do princípio da precaução, fruto do aperfeiçoamento dos convênios internacionais celebrados no final da década de 80 e objeto da Declaração do Rio (Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento - Rio/92). 11. Ao aplicar o princípio da precaução, "os governos encarregam-se de organizar a repartição da carga dos riscos tecnológicos, tanto no espaço como no tempo. Numa sociedade moderna, o Estado será julgado pela sua capacidade de gerir os riscos." (François Ewald e Kessler in "Lês noces du risque et de la politique" apud Paulo Affonso Leme Machado, in Direito Ambiental Brasileiro). 12. O estudo de impacto ambiental (EIA) é um dos instrumentos da política nacional do meio ambiente, previsto no já transcrito inciso III do art. 9º da Lei nº 6.938/81. Compreende o levantamento da literatura científica e legal pertinente, trabalhos de campo, análises de laboratório e a própria redação do RIMA. 13. A Lei nº 320

BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcelos. Os princípios do estudo... Op. cit., p. 30.

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6.938/81, que trata da Política Nacional do Meio Ambiente, dispõe em seu artigo 10, caput, que a implantação de empreendimentos que envolvam a utilização de recursos naturais e que possam causar, de qualquer forma, a degradação do meio ambiente, dependerá de prévio licenciamento do órgão estadual competente e do IBAMA, em caráter supletivo. Entretanto, reserva a competência da autarquia federal quando se tratar de licenciamento de obras que envolvam significativo impacto ambiental, de âmbito regional ou nacional. 14. A floresta de Serra Vermelha fica a uma distância de 50 km do núcleo de desertificação no sul do Piauí e a destruição da vegetação contribuirá para o processo de degradação ambiental já instalado. O cerrado brasileiro, de forma geral, merece tratamento especial por parte não somente dos agentes públicos, como também dos particulares, com vistas à manutenção desse rico ecossistema. Segundo dados fornecidos em julho de 2004, imagens captadas por satélites apontam que 57% (cinqüenta e sete por cento) do cerrado brasileiro já foram destruídos. Especificamente no Estado do Piauí, os cerrados estão ameaçados de desertificação. A destruição da última floresta do semi-árido nordestino brasileiro, que dista 80 km do cerrado, será mais um elemento no processo de esterilização do solo. 15. Ainda que seja preservada a atividade econômica da empresa, há que se fazê-lo dentro de parâmetros ambientais razoáveis. Ou seja, o princípio da precaução recomenda que não seja admitida a exploração de madeiras nesse importante ecossistema, sem prévio EIA/RIMA que tenha analisado todos os riscos ambientais envolvidos na atividade. Não se afigura jurídico nem moralmente aceitável que, sob o fundamento de que a população é pobre, se possa sem justificativa real destruir o que resta de mata virgem no Estado. 16. O desmatamento indiscriminado do cerrado piauiense sob o argumento de que as empresas criam empregos não é aceitável, pois pode haver atividade economicamente sustentável desde que as empresas estejam dispostas a diminuírem seus lucros, utilizando-se de matrizes energéticas que não signifiquem a política de terra arrasada. 17. Em sede de matéria ambiental, não há lugar para intervenções tardias, sob pena de se permitir que a degradação ambiental chegue a um ponto no qual não há mais volta, tornando-se irreversível o dano. 18. Segurança denegada. (AMS 2007.34.00.022238-4/DF, Rel. Desembargadora Federal Selene Maria de Almeida, Quinta Turma, e-DJF1 p.135 de 17/07/2009)

Se os perigos podem ser identificados pelo conhecimento da tecnologia aplicável ao empreendimento ou pela própria natureza deste, os riscos não são facilmente perceptíveis; carecendo, portanto, do auxílio da “percepção científica” para que sejam identificáveis. No dizer de Ulrich Beck:

Muitos dos novos riscos (contaminações nucleares ou químicas, substâncias nocivas nos alimentos, enfermidades civilizatórias) se subtraem por completo à percepção humana imediata. Ao centro passam cada vez mais perigos que, freqüentemente, para os afetados não são visíveis nem perceptíveis, perigos que, em certos casos, não se ativam durante a vida dos afetados, mas na de seus descendentes; trata-se, em todo o caso, de perigos que precisam de ‘órgãos da ciência’ (teorias, experimentos, instrumentos de medição) para se fazerem ‘visíveis’, interpretáveis 321 como perigos .

321

Tradução nossa para: “Muchos de los nuevos riesgos (contaminaciones nucleares o químicas, sustancias nocivas en los alimentos, enfermedades civilizatorias) se sustraen por completo a la pecepción humana inmediata. Al centro pasan cada vez más los peligros que a menudo para los afectados no son visibles ni perceptibles, peligros que em ciertos casos no se activan durante la lida de los afectados, sino em la de sus descendientes; se trata em todo caso de peligros que precisan de los ‘órganos perceptivos’ de la ciência (teorías, experimentos, instrumentos de medición) para hacerse ‘visibles’, interpretables, como peligros”. BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo... Op. cit., p. 33. Destaques no original.

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O EIA, portanto, teria a capacidade de promover o mencionado aumento da percepção, uma vez que, utilizando-se de uma equipe de técnicos com conhecimentos específicos e, ainda, de instrumentos científicos capazes de ampliar a capacidade de cognição das externalidades, pode suplantar as limitações humanas e trazer à tona riscos até então desconhecidos322. Temos, portanto, que muito embora o Princípio da Prevenção seja nomeado o grande responsável pelo instituto do EIA, ele não foi, assim como o Princípio da Precaução, privilegiado pela legislação relativa ao estudo, vez que a forma como se encontra, hoje, posta a legislação permite que efeitos degradantes, passíveis de serem conhecidos ou não, sejam ignorados pelo agente licenciador. Se a lei determina que o administrador exija o EIA apenas para o licenciamento

de

atividades

“potencialmente”

causadoras

de

“significativa

degradação ambiental”, certo é que atividades novas, não totalmente conhecidas, capazes de gerar efeitos (até o momento) inconclusivos poderão ser eximidas do EIA, ainda que, posteriormente seja verificado o seu cariz danoso ao meio ambiente. Já vimos

que

a legislação

portuguesa, adotando uma

linha

protecionista – quiçá baseando-se no Princípio do Nível Elevado de Proteção Ecológica323 – determinou que todos os empreendimentos sujeitos ao licenciamento ambiental fossem submetidos ao EIA. A despeito de essa ser uma conduta ambientalmente louvável, não é facilmente aplicável em um Estado de grande dimensão territorial e de complexa divisão de competências – inclusive para fins de licenciamento ambiental – como o Brasil324. Nesse sentido, e ainda buscando uma forma de minimizar a discricionariedade do administrador em determinar qual empreendimento será submetido ao EIA para obtenção da licença ambiental, somos pela possibilidade da 322

Para James Cameron e Juli Abouchar, medidas precautórias indiretas são as que estabelecem regras procedimentais. CAMERON, James; ABOUCHAR, Juli. The status of the precautionary principle in international law. In: FREESTONE, David; HEY, Ellen. The precautionary principle and international law: the challenge of implementation. Boston: Kluwer Law International, 1995, p. 29-52, p. 50-51. Daí porque a exigência do EIA pode ser considerada uma espécie de “precaução indireta”. FREESTONE, David; HEY, Ellen. Implementando o princípio da precaução: desafios e oportunidades. In: VARELLA, Marcelo Dias; PLATIAU, Ana Flávia Barros (org. e co-aut.). Princípio da precaução. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 205-232, p. 216. 323 Cf. ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa. O princípio do nível elevado... Op. cit. 324 No acórdão Hanly I, o ministro da Corte de Apelações norte-americana Wilfred Feinberg manifestou-se no sentido de que o NEPA não exige EIA para todos os empreendimentos, pois há empreendimentos cujos impactos sobre o meio ambiente são quase insignificantes. Hanly vs.Mitchell, United States Court of Appeals, Second Circuit, 1972, 460 F.2d 640, cert. denied, 409 U.S. 990, 93 S. Ct. 313, 34 L.Ed.2d.256.

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conjugação de dois critérios325 associados, ainda, ao texto constitucional já em vigor326. O primeiro diz respeito à denominada “lista reversa” ou “lista negativa”. Se na abordagem tradicional, listam-se as atividades cujo licenciamento requer a apresentação de um EIA, no método da lista reversa são relacionados os empreendimentos que dispensam o estudo, de tal modo que a ausência de um tipo específico de obra ou empresa no rol negativo significa a exigibilidade do EIA para o seu licenciamento327. Até a alteração, em 25 de fevereiro de 1993, do Decreto de 12 de outubro de 1977, era esse o sistema adotado na França. Da maneira como estava disposto, antes da reforma, o quadro legal francês era menos permissivo. O Decreto estabelecia um rol de empreendimentos não sujeitos ao EIA, excluindo dessa relação, portanto, todos os grandes projetos, os quais, assim, dependiam do EIA para a consecução da licença ambiental328. A utilização do critério da lista negativa (ou reversa) tem a evidente vantagem de atender ao Princípio da Precaução. Como dito anteriormente, o método da lista positiva traz consigo o inconveniente de possibilitar, haja vista a excessiva discricionariedade a que dá azo, o licenciamento de um empreendimento absolutamente desconhecido sem a apresentação do EIA. No caso da lista negativa, todas as inovações tecnológicas estarão sujeitas ao EIA em seu licenciamento, posto, por óbvio, não constar, inicialmente, da relação; devendo, portanto, demonstrar inquestionavelmente e por reiteradas vezes a pequena importância do impacto que causam, para serem incluídas no arrolamento. Temos, então, uma inversão do ônus da prova329, já que, ao invés de ter de demonstrar os danos que o seu projeto causa ao ambiente330, terá o

325 Essa proposição foi inspirada no que dispõem, para fins de avaliação de impacto ambiental, exemplificativamente, a Lei 11/1990, de 13 de julho, de prevenção do impacto ecológico das Ilhas Canárias (artigos 6 e 7) e o Decreto Legislativo 1/2000, de 18 de maio, que aprova a reformulação do texto da lei de avaliação de impacto ambiental e auditorias ambientais de Castela e Leão (artigos 9º e 10). Todavia, nas duas comunidades autônomas espanholas, as listas propostas a título de características da atividade são positivas, não negativas ou transversas. 326 Artigo 225, §1º, IV. 327 FREESTONE, David; HEY, Ellen. Implementando o princípio... Op. cit., p. 226. 328 GUIGO, Maryse. ALLIER, Claude; CHAPOT, André; CHAPOT-BLANQUET, Maguy; DAUPHINE, André (col.). Gestion de l’environnement et études d’impact. Paris: Masson, 1991, p. 20. 329 Procedimento similar encontramos na justificação prévia utilizada na Convenção de Oslo. Tal modus operandi inverte o ônus de prova tradicionalmente utilizado em hipóteses de poluição

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empreendedor de comprovar a pouca interferência da empresa no ambiente331. Assim, a elaboração do EIA, como pretendem Édis Milaré e Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, seria definitivamente reconhecida como regra e a sua dispensa, como exceção332. Somos, ainda, pela necessidade da combinação do sistema de lista negativa ou reversa com a análise da situação geográfica do empreendimento333. Assim, de acordo com a sensibilidade da localização da empresa, poderá o seu licenciamento ambiental estar ou não condicionado ao EIA. Em outras palavras, uma mesma espécie de empreendimento, poderá ou não exigir o EIA para o seu ambiental, de modo a impor ao empreendedor a comprovação de que o seu projeto não causa dano ambiental. FREESTONE, David; HEY, Ellen. Implementando o princípio... Op. cit., p. 226. 330 A inversão do ônus da prova já vem, de alguma forma, sendo aplicada pelos tribunais brasileiros. Em recente decisão, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que para um empreendimento cujos efeitos ambientais não são totalmente conhecidos cabe ao dono do projeto demonstrar o pequeno potencial ofensivo da obra. PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – DANO AMBIENTAL – ADIANTAMENTO DE HONORÁRIOS PERICIAIS PELO PARQUET – MATÉRIA PREJUDICADA – INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA – ART. 6º, VIII, DA LEI 8.078/1990 C/C O ART. 21 DA LEI 7.347/1985 – PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO. 1. Fica prejudicada o recurso especial fundado na violação do art. 18 da Lei 7.347/1985 (adiantamento de honorários periciais), em razão de o juízo de 1º grau ter tornado sem efeito a decisão que determinou a perícia. 2. O ônus probatório não se confunde com o dever de o Ministério Público arcar com os honorários periciais nas provas por ele requeridas, em ação civil pública. São questões distintas e juridicamente independentes. 3. Justifica-se a inversão do ônus da prova, transferindo para o empreendedor da atividade potencialmente perigosa o ônus de demonstrar a segurança do empreendimento, a partir da interpretação do art. 6º, VIII, da Lei 8.078/1990 c/c o art. 21 da Lei 7.347/1985, conjugado ao Princípio Ambiental da Precaução. 4. Recurso especial parcialmente provido. (REsp 972902/RS, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 25/08/2009, DJe 14/09/2009) 331 Para Carla Amado Gomes, quando se trata de empreendimentos cujos efeitos lesivos ainda não são completamente conhecidos, ou seja, quando representam um “risco”, a imposição feita ao presumível agressor de atestar a inocuidade de seu projeto constitui “verdadeira diabolica probatio”. GOMES, Carla Amado. Dar o duvidoso pelo (in)certo? ... Op. cit., p. 16. 332 MILARÉ, Édis; BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos. Estudo prévio... Op. cit., p.109. 333 É de extrema importância que os empreendimentos constantes do rol negativo sejam avaliados com rigor máximo, haja vista a possibilidade de tal relação incluir empreendimentos capazes de causar “significativa degradação ambiental” e, ainda assim, constar da lista reversa. Caso dessa natureza, em que dispositivo da legislação estadual (artigo 182, § 3º da Constituição do Estado de Santa Catarina) dispensava algumas espécies de projetos da apresentação do EIA, muito embora sejam capazes de degradar o ambiente. Assim, proposta a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1086-SC) o preceito normativo foi considerado inconstitucional, não apenas pela incompetência estadual para legislar sobre a matéria, mas, ainda, pela agrssão ao artigo 225, § 1º, IV da Constituição da República Federativa do Brasil. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 182, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SANTA CATARINA. ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL. CONTRAIEDADE AO ARTIGO 225, § 1º, IV, DA CARTA DA REPÚBLICA. A norma impugnada, ao dispensar a elaboração de estudo prévio de impacto ambiental no caso de áreas de florestamento ou reflorestamento para fins empresariais, cria exceção incompatível com o disposto no mencionado inciso IV do § 1º do artigo 225 da Constituição Federal. Ação julgada procedente, para declarar a inconstitucionalidade do dispositivo constitucional catarinense sob enfoque. (STF – ADI 1086, Relator(a): Min. Ilmar Galvão, Tribunal Pleno, julgado em 10/08/2001, DJ 1008-2001 pp-00002 ement vol-02038-01 pp-00083)

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licenciamento, dependendo da propensão do meio em que estará inserta a sentir as influências de suas externalidades.

(...) projetos propostos em ambientes importantes devido a um ou mais atributos (recursos ambientais ou culturais) deveriam ser cuidadosamente avaliados, ao passo que os mesmos tipos de projetos, em outro contexto ambiental ou cultural, poderiam ser dispensados de um estudo de impacto ambiental334.

Utilizando-nos da combinação dos fatores “características do projeto” – através da lista negativa ou reversa – e “vulnerabilidade do meio” teríamos uma maior possibilidade de atender ao Princípio da Precaução, segundo já relatado, e também ao Princípio da Prevenção, o qual seria observado não somente no que diz com as qualidades fundamentais da obra, mais, ainda, com a pressão que essa mesma obra exercerá sobre recursos ambientais previamente identificados. É dizermos: não apenas seriam prevenidos os efeitos danosos do empreendimento, isoladamente, como, ainda, aqueles que seriam potencializados em razão do contexto ambiental e cultural em que se encontra encravado o projeto. É este, de certa forma, o modelo adotado pelo Canadá, que, para fins de licenciamento ambiental combina a análise de três listas positivas e uma negativa. Assim, para saber se determinado empreendimento será ou não sujeito ao EIA, no Canadá, é necessário: 1. saber se existe um “projeto” tal como definido pela lei; 2. identificar se este “projeto” não foi excluído pela lei ou por um regulamento infralegal; 3. verificar se o projeto envolve uma autoridade federal e / ou; 4. determinar se o projeto envolve uma ação que desencadeia a necessidade de uma avaliação ambiental nos termos da lei335. Há, portanto, uma lista negativa, a qual relaciona os projetos para cuja instalação não é necessária a elaboração de um EIA, e três outras relações, que elencam: 1. os projetos que se submetem a uma avaliação prévia; 2. os empreendimentos sujeitos a estudos detalhados e;

334

SÁNCHEZ, Luis Enrique. Avaliação de impacto... Op. cit., p. 113. Disponível em «http://www.ceaa-acee.gc.ca/default.asp?lang=En&n=EB112721-1#step11». Acesso em 17/08/2009.

335

101

3. as licenças administrativas que demandam uma avaliação de impacto ambiental336.

8. AS EQUIPES RESPONSÁVEIS PELA EXECUÇÃO DO ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL

Enquanto diferem significativamente no que tange à “triagem” dos projetos cujo licenciamento ambiental depende da realização de um EIA, Brasil e Portugal enfrentam alguns problemas similares no que diz respeito às equipes responsáveis pelo estudo337. Inicialmente, é preciso reparar, segundo já apresentamos, que em ambos os Estados, as equipes responsáveis pela elaboração do EIA não resguardam independência em relação ao empreendedor.

8.1. A situção brasileira

No Brasil, a dependência é relativamente recente, pois até a revogação do artigo 7º da Resolução CONAMA nº. 001/86 pelo caput do artigo 11 da Resolução CONAMA nº. 237/97, as equipes não dependiam “direta ou indiretamente do proponente do projeto”. Analisando a alteração do artigo 7º da Resolução CONAMA nº. 001/86 pelo caput do artigo 11 da Resolução CONAMA nº. 237/97, Celso Antonio Pacheco Fiorillo afirma que “com a nova disciplina não se impõe mais que a equipe técnica seja independente do projeto, mas também não autoriza, de maneira clara, que seja dependente338”. Não é esta, todavia, a posição dominante.

336

SÁNCHEZ, Luis Enrique. Avaliação de impacto... Op. cit., p. 127. Larry Canter prefere o uso da expressão “equipes interdisciplinares” a “equipes multidisciplinares”, vez que, para o autor, o segundo termo sugere o trabalho realizado por uma equipe formada por técnicos de diferentes ciências que trabalham juntos sem uma relação específica e pré-estabelecida. CANTER, Larry W. Environmental impact assessment. 2ª ed. Nova Iorque: McGraw-Hill, 1996, p. 50. 338 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito... Op. cit., p. 142. 337

102

Para a grande maioria dos autores brasileiros – corrente à qual nos filiamos – o caput do artigo 11 da Resolução CONAMA nº. 237/97 determinou expressamente que o empreendedor custeie todas as despesas relativas à confecção do EIA339, em razão da (suposta) aplicação ao caso do Princípio do Poluidor-Pagador. É o que se pode entender a partir das seguintes palavras de Paulo Affonso Leme Machado:

É razoável entender-se que cabe ao proponente arcar com os ônus financeiros do custeio da atividade pública, pois é a pretensão do Poder Público. A pretensão do proponente pode estar revestida de diversos méritos, mas é o fato de o seu projeto conter potencialidade de dano ao ambiente que o faz responsável primeiramente pela elaboração do EIA e do RIMA, como, também, pela integralidade das despesas desse procedimento340.

Segundo já dissemos anteriormente, o Princípio do Poluidor-Pagador busca a internalização (prévia) dos custos das externalidades ambientais negativas de um projeto. Trata-se, portanto, da “devolução” ao empreendedor dos custos dos recursos ambientais que utiliza341, ou seja, da cobrança pelo uso do bem ambiental, com o objetivo de induzir o agente poluidor a utilizar esse mesmo bem ambiental com maior parcimônia, “possibilitando a simultaneidade de outros usos e a sustentabilidade a longo prazo342”. Exemplo clássico, portanto, da aplicação deste princípio é a cobrança pelo uso da água, estabelecida no Brasil pela Lei nº. 9.433/97. O que se vê, portanto, na hipótese do custeio dos EIA’s, é uma aplicação imponderada deste princípio que, in casu, ao invés de atender às necessidades do ambiente, finda por prejudicar a proteção que, hipoteticamente, se 339

O termo “despesas”, aqui, deve ser compreendido em sentido amplo, englobando “as despesas com a locomoção e diárias de servidores públicos que acompanham as perícias e/ou coletas de campo, como também os honorários dos consultores que o órgão necessitar para a análise dos elementos ou dados apresentados pela equipe multidisciplinar. Também devem ser incluídas como de responsabilidade do proponente as perícias de contraprova que o órgão público precisar para o licenciamento”. MACHADO, Paulo Affonso Leme. O proponente do projeto. In MACHADO, Paulo Affonso Leme; MOREIRA, Iara Verocai Dias; MOREIRA DE OLIVEIRA, Noeme; PEREIRA DE QUEIROZ, Sandra Mara. Os envolvidos no processo de avaliação de impacto ambiental e suas responsabilidades. [s. n. t.], p. 4. 340 MACHADO, Paulo Affonso Leme. O proponente do projeto. Op. cit., p. 4. Original sem destaque. 341 ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa. O princípio do poluidor... Op. cit., p. 42. 342 CÁNEPA, Eugenio Miguel; PEREIRA, Jaildo Santos. O princípio poluidor pagador: uma aplicação de tarifas incitativas múltiplas à Bacia do Rio dos Sinos, RS. Disponível em «h t t p : / / w w w . a l . r s . g o v . b r / D o w n l o a d / C o m E s p R i o S i n o s G r a v a t a i / T a r i f a s % 2 0 m % C 3 % B A l t i p l a s % 2 0 - % 2 0 o r i g i n a l . p d f ». Acesso em 17/08/2009.

103

desejava conceder. Trata-se daquilo que, adequadamente, Alexandra Aragão denominou de “poluição normativa”:

A “poluição normativa” verifica-se quando as normas vigentes são pretensamente conformes ao PPP, mas na realidade, pelo seu conteúdo ou forma de aplicação, não o observam rigorosamente ou então fazem dele uma aplicação incorrecta, redundando, substancialmente, em autênticas licenças gratuitas de poluição que fazem prevalecer o interesse particular dos poluidores, de redução dos custos, sobre o interesse público de protecção do ambiente343.

Podemos justificar as críticas à forma como o Princípio do PoluidorPagador foi aplicado nas normas relativas às equipes técnicas responsáveis pelos EIA’s em razão da relação de subordinação econômico-financeira evidentemente existente entre o empreendedor e a equipe técnica determinar a geração de estudos tecnicamente comprometidos, independentemente da expertise dos membros da equipe. Esse posicionamento pode ser confirmado pela afirmação feita por Paulo Affonso Leme Machado de que a revogação do artigo 7º da Resolução CONAMA nº. 001/86 foi o resultado de uma batalha travada, dentro do CONAMA, pelos que repeliam “alguma forma de independência na elaboração do EPIA”. Tal corrente, inclusive, era composta não apenas por grupos empresariais privados, mas possuia entre os seus membros entidades paraestatais que pretendiam atribuir a tarefa de elaboração dos EIA’s aos seus próprios funcionários344. Ocorre, porém, que, na prática, mesmo antes da revogação sub examinen, em razão da ausência de regulamentação, os estudos já eram realizados por empresas de consultoria contratadas pelo proponente, às expensas de quem, em razão do disposto nos artigos 8º da Resolução CONAMA nº. 001/86 e 17, parágrafo 2º do Decreto nº 99.274/90, corriam as outras despesas relativas à aprovação do EIA345. Em todo o caso, aquele mesmo autor ressalta que tal revogação representou um “retrocesso” na legislação ambiental brasileira346. Isso porque, a despeito da velada dependência das equipes em relação ao empreendedor, com o advento do artigo 11 da Resolução CONAMA nº. 343

ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa. O princípio do poluidor... Op. cit., p. 55-56. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental... Op. cit., p. 243. 345 MILARÉ, Édis; BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos. Estudo prévio... Op. cit., p. 38. 346 Reparemos que esse mesmo autor, em texto de data anterior, considerava “razoável” que o empreendedor arcasse com os custos do EIA, tendo, portanto, alterado seu entendimento para demonstrar clara repulsa a essa prática, mormente quando se refere ao pagamento das equipes responsáveis pela elaboração do EIA. 344

104

237/97 foi estabelecido um forte vínculo de subordinação econômica e jurídica entre as partes envolvidas no EIA, havendo notícias, por exemplo, de contratos que vinculam o pagamento dos serviços à aprovação do estudo e expedição da licença ambiental347.

8.2. A situação portuguesa

Em Portugal, todavia, a dificuldade se afigura mais séria, haja vista a total inexistência de regulamentação a respeito das equipes (ou mesmo do indivíduos) responsáveis pela confecção dos EIA’s. Nesse sentido, além de a equipe ser, como ocorre no Brasil, custeada pelo empreendedor, ela ainda poderá ser composta por técnicos da própria empresa que pretende ser licenciada. Numa situação hipotética, mas não ilegal, pode ocorrer que o EIA seja realizado por uma única pessoa que, in casu, responsabilizar-se-ia por todo o estudo. Como vimos, no capítulo 4, não há exigências relativas à qualificação técnica dos membros da equipe, assim como não se exige que eles sejam independentes do dono do projeto. No que tange à independência das equipes, Maria do Rosário Partidário e Júlio de Jesus acreditam não haver problemas relativos à perda da isenção dos profissionais pelo fato de eles serem contratados para realizar o EIA, pois que a necessária imparcialidade seria garantida pelos seguintes mecanismos: 1. existência

de

códigos

de

ética,

seguidos

pelos

profissionais

responsáveis pelo EIA; 2. classificação do EIA como um documento acessível ao público, mesmo após a decisão; 3. apreciação

técnica

do

EIA

por

uma

comissão

de

técnicos

especializados; 4. consulta pública do EIA e respectiva divulgação pública348. Temos,

todavia,

um

entendimento

contrário:

acreditamos,

definitivamente, que uma equipe contratada com a finalidade última de realizar um 347 348

ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. Op. cit., p. 302. PARTIDÁRIO, Maria do Rosário; JESUS, Júlio de. Fundamentos de avaliação... Op. cit., p. 126.

105

EIA é mais sujeita às seduções e benesses de quem a contrata que um grupo que se mantenha fora do acesso direto do empreendedor. Na verdade, para nós não parece haver muita diferença entre a realização do EIA pelo próprio empreendedor ou por uma equipe de consultores por ele contratada. O Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável, instado a se manifestar sobre a nova regulamentação das AIA’s em Portugal, demonstrou preocupação em relação à dependência das equipes executoras do EIA:

Os Estudos de Impacte Ambiental (EIA) são uma peça especial do processo de tomada de decisão em projectos com riscos ambientais. Os documentos preparados pelas equipas técnicas que executam os EIA são a principal base de informação disponível para as autoridades e para o público, É, portanto, essencial que sejam credíveis, o que será reforçado se as equipas que executam os estudos forem independentes dos interesses dos promotores dos projectos. A actual legislação não garante essa independência, pois é o promotor da obra que controla inteiramente o processo de selecção do gabinete de estudos que executa o EIA. Naturalmente que os gestores desses gabinetes estão conscientes que se apresentarem pareceres restritivos ou propostas de medidas de minimização e compensação onerosas, se arriscam a ser preteridos no futuro por potenciais clientes. Este tipo de situação deveria estar ausente durante a preparação de um EIA, o qual, naturalmente, se deve basear, no essencial, em princípios e critérios científicos e técnicos. Esta relação pode mesmo levar a um clima de desconfiança sobre todas as conclusões de um EIA, como se verificou recentemente, entre outros, no caso da coincineração. A avaliação da qualidade do EIA e a definição prévia do âmbito do estudo são elementos importantes para melhorar o processo de AIA, mas não são de 349 forma alguma substitutos para a aconselhável independência .

Há, ainda, o grave problema de a equipe contratada não ser formada por profissionais sérios ou suficientemente qualificados para o desenvolvimento da tarefa. É dizer: além do problema da seriedade dos profissionais, há, ainda, o inconveniente de os técnicos não serem capacitados para o trabalho e realizarem um estudo inadequado ao (nobre) fim a que se destina. A questão da inabilidade profissional torna-se ainda mais severa quando se imagina, ainda, a possibilidade – deixada pela ausência de regulamentação, insista-se – de um único profissional – pertença ele ou não aos quadros do projeto – realizar, sozinho, o EIA. Dada a complexidade do estudo – o qual, inquestionavelmente, envolve, como regra, disciplinas várias como engenharia, biologia, geologia, botânica, zoologia, psicologia, sociologia, etc. – a sua realização

349

CONSELHO NACIONAL DO AMBIENTE E DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL (CNADS). Parecer do Conselho Nacional... Op. cit., p. 52-53. Destaques no original.

106

com um mínimo de fidelidade e precisão exige profissionais capacitados nas mais diversas áreas do conhecimento, parecendo pouco provável a consecução de um estudo preciso executado por um único profissional. Maria do Rosário Partidário e Júlio de Jesus, por seu turno, são categóricos ao afirmar que

a elaboração do EIA resulta de

atividades

interdisciplinares, as quais passam a exigir, portanto, uma equipe multidisciplinar, composta por três a cinco coordenadores e por dezenas de outros membros, sendo indubitável que em cada equipe deve haver, no mínimo, um consultor especializado350. Como é nítido, há algum tempo são realizadas críticas à falta de regulamentação das equipes responsáveis pelo EIA em Portugal. Percebemos, então, diante da recente modificação da normatização relativa aos EIA’s, que o legislador luso dispensou uma oportunidade interessante de fazer a indispensável regulamentação. Para tal, como é palmar, bastaria adicionar um regramento referente às equipes técnicas, por exemplo, na Portaria nº. 330/2001351. Considerando a existência de uma orientação legalmente formalizada acerca do conteúdo mínimo do EIA, a falta de regulamentação no que respeita aos responsáveis pela execução do estudo talvez seja, portanto, a razão pela qual 22% (vinte e dois por cento) dos EIA’s realizados em Portugal entre os anos de 1998 e 2003 foram reputados fracos ou com um nível muito baixo de informações, o que se considera um escore significativamente alto352. A atribuição da responsabilidade pelos resultados insatisfatórios à ausência de regulamentação quanto às equipes responsáveis pelo EIA se torna ainda mais robusta quando percebemos que entre os anos de 1990 a 1995, ou seja, ainda sob o pálio do Decreto-Lei nº 186/90, as inconsistências eram ainda maiores353. A reforma legislativa – que incidiu maciçamente sobre o conteúdo mínimo do EIA e a possibilidade de realização da PDA – foi responsável por um crescimento significativo da qualidade dos EIA’s portugueses. 350

PARTIDÁRIO, Maria do Rosário; JESUS, Júlio de. Fundamentos de avaliação... Op. cit., p. 138139. 351 Esta mesma crítica foi dirigida por Juan Rosa Moreno, em 1993, à legislação alemã sobre impactos ambientais (Gesetz über die Umweltverträglichkeitsprüfung, UVPG), a qual, segundo o autor espanhol, “desperdiçou a experiência comparada” ao deixar de especificar as qualificações necessárias à equipe responsável pelo EIA. ROSA MORENO, Juan. Régimen jurídico ... Op. cit., p. 129. 352 CANELAS, Leonel et. al. Quality of environmental… Op. cit., p. 220. 353 Ibidem, p. 222.

107

A continuidade da ausência de regulamentação dos responsáveis pelo estudo na legislação atual pode, portanto, ser a fraqueza responsável por grande parte das falhas ainda encontradas nos EIA’s em Portugal; haja vista, insistamos, a possibilidade de, numa situação hipotética, mas legalmente aceitável, uma única pessoa sem qualquer habilitação técnica específica ser a responsável exclusiva por um EIA. É evidente que todos os estudos serão submetidos à análise de uma equipe

técnica

especializada,

fato

que

reduz

a

possibilidade

de

EIA’s

excessivamente precários serem aprovados. Todavia, e como os dados estatísticos permitem comprovar, ainda há, em Portugal, EIA’s aprovados cujos conteúdos se revelaram aquém do satisfatório.

8.3. Algumas sugestões

Para a solução do problema da necessária independência das equipes tanto em Portugal – que está a demandar, ainda, a normatização relativa à qualificação técnica dessas mesmas equipes – quanto no Brasil, duas soluções se afiguram possíveis. A primeira, adaptada de uma sugestão de Michel Prieur, diz com a

possibilidade

independentes,

de a

os

EIA’s

exemplo

das

serem

executados

universidades

por

institutos

públicas354,

científicos

custeados

pelo

empreendedor através do órgão da administração pública ambiental. Em outras palavras, quando da apresentação do requerimento da licença ambiental, o órgão ambiental estipularia, com base na descrição do projeto fornecida pelo empreendedor, o custo da realização do EIA, que, assim, comporia o valor total do licenciamento. O quantum relativo ao EIA seria destinado, então, a um instituto científico independente355, além de tecnicamente qualificado, o qual seria o responsável pela execução do estudo.

354

Michel Prieur ressalta que a variedade de ciências representadas nos centros de pesquisa viabiliza a estruturação das equipes. PRIEUR, Michel. Droit de l’environnement. Paris: Dalloz, 1984, p. 106107. 355 Pesquisa realizada em 2005 pelo instituto de pesquisa IBOPE para a Revista Seleções aponta os professores como a terceira profissão mais confiável para os brasileiros, com 76% (setenta e seis por cento) de aprovação, figurando atrás apenas dos pilotos de aviação, com 85% (oitenta e cinco por

108

A outra possibilidade foi idealizada pelo Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável, que apresenta como solução “a criação de um painel de selecção de candidatos à execução do EIA, constituído por representantes do promotor da obra, do Ministério do Ambiente e da sociedade civil, através de associações sócio-profissionais ou ONGs”. Ainda segundo o Conselho, se por um lado esse sistema exige um esforço para sua implementação, por outro amplia a proteção ao ambiente, haja vista a minimização das possibilidades de corrupção da equipe356.

9. CONCLUSÃO

O presente trabalho, segundo já mencionamos anteriormente, teve o propósito inicial de conhecer as principais nuances dos EIA's levados a efeito no Brasil e em Portugal. Para tal, começamos a nossa pesquisa realizando uma retrospectiva histórica desses estudos com o objetivo não apenas de contextualizálos, mas também de percebermos as influências que os EIA's brasileiros e portugueses sofreram da legislação estrangeira. Notamos, então, que as AIA’s brasileira e portuguesa foram (no mínimo) inspiradas no modelo norte-americano, o qual, como tivemos a oportunidade de constatar, é eminentemente legislativo. Após caracterizarmos, com algum detalhamento, os contornos dos EIA’s exigidos no Brasil e em Portugal, concluímos que, apesar das diferenças existentes – as quais se apresentam com maior intensidade no que tange à “triagem” dos empreendimentos sujeitos ou não ao estudo – o instituto apresenta mais semelhanças que divergências nos dois Estados. Tais coincidências estão situadas, sobretudo, no custeio das equipes responsáveis pela elaboração dos EIA’s, pois em ambos os arcabouços normativos, tais profissionais são pagos pelo dono do projeto, fato que, consoante afirmamos no

cento) e dos bombeiros, com 93% (noventa e três por cento) de confiabilidade. Disponível em «http://www.ibope.com.br/solution/downloads/solution_selecoes_set05.pdf». Acesso em 24/08/2009. 356 CONSELHO NACIONAL DO AMBIENTE E DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL (CNADS). Parecer do Conselho Nacional... Op. cit., p. 53.

109

capítulo 7, pode determinar a má-condução dos trabalhos e a manipulação de seus resultados. O nosso objetivo, portanto, nesse aspecto, foi propor, com base na lição de Michel Prieur e em parecer formulado pelo Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável, alternativas a essa estrutura, sugerindo modificações capazes de minimizar a influência do empreendedor sobre os EIA’s e, assim, conferir a tais estudos a qualidade e a fieldade que a proteção ao ambiente exige. As diferenças mais ostensivas entre os EIA’s realizados no Brasil e em Portugal situam-se em dois campos: ainda dentro das equipes multidisciplinares e no campo da triagem dos empreendimentos sujeitos ao EIA. Quanto às equipes responsáveis pelo EIA, constatamos a total ausência de sua regulamentação pela legislação lusitana, de modo a permitir situações absolutamente indesejáveis, a exemplo da possibilidade de um único indivíduo, independentemente da sua habilitação profissional, realizar todo um EIA. Aqui, portanto, indicamos a normatização dos indivíduos ou empresas habilitados à realização do estudo. Já naquilo que respeita à triagem dos empreendimentos, muito embora seja louvável a iniciativa portuguesa de exigir EIA para todos os projetos sujeitos à AIA, temos que esse sistema não se adéqua às condições brasileiras, motivo pelo qual apresentamos como solução deste problema uma combinação entre uma listagem dos empreendimentos não sujeitos ao EIA com a análise da situação geográfica do empreendimento. As propostas apresentadas têm como objetivo fazer aplicar correta e amplamente os princípios reitores do Direito Ambiental, em especial os Princípios do Poluidor-Pagador e da Precaução. Dada, então, a exigibilidade de análise da legislação à luz dos indigitados princípios, necessário foi, ainda, o estabelecimento de seus contornos conforme nosso entendimento. De todo o exposto, portanto, podemos elencar as mais relevantes abordagens: 1. apesar de guardar algumas diferenças, os EIA’s executados no Brasil e em Portugal possuem uma base legislativa – inspirada no NEPA norteamericano – bastante símile;

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2. algumas dessas semelhanças, ou mesmo das diferenças, merecem uma investigação por resultarem, para nós, da indevida aplicação de alguns princípios do Direito Ambiental, nomeadamente o Princípio do Poluidor-Pagador e o Princípio da Precaução; 3. as diferenças mais marcantes dizem com a seleção dos projetos sujeitos ao EIA – vez que, em Portugal, a totalidade dos empreendimentos sujeitos ao licenciamento devem apresentar o EIA, enquanto no Brasil apenas as empresas capazes de causar “significativa degradação ambiental” estão obrigadas a oferecer o estudo – e com a inexistência de regulamentação das equipes responsáveis pelo EIA, em Portugal. Nas duas situações, os problemas estão relacionados à tergiversação da lei ao Princípio da Precaução; 4. a maior semelhança diz com a obrigatoriedade de o próprio empreendedor arcar com todos os custos do EIA, o que inclui o financiamento das equipes responsáveis pela elaboração do estudo, situação

que

resulta

de

uma

errônea

interpretação

e,

conseqüentemente, aplicação do Princípio do Poluidor-Pagador; 5. as alterações sugeridas referem-se à adaptação da legislação à nossa concepção de tais princípios, motivo pelo qual apresentamos os contornos durante o desenvolvimento da pesquisa.

111

BIBLIOGRAFIA

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