A aproximação dos Estados Unidos com Cuba: o que está em jogo?

September 14, 2017 | Autor: Walter Desiderá | Categoria: Latin American Studies, International Relations, Cuban Studies, American Foreign Policy
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13/01/2015

A aproximação dos Estados Unidos com Cuba: o que está em jogo?, por Walter Antonio Desiderá Neto | Boletim Mundorama

A aproximação dos Estados Unidos com Cuba: o que está em jogo?, por Walter Antonio Desiderá Neto

           

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Em  meados  de  dezembro  de  2014,  o  mundo  foi  surpreendido  com  a  notícia  de  que  Cuba  e  Estados Unidos finalmente chegaram a alguns entendimentos mínimos. Essas negociações devem abrir caminho para  que  as  relações  bilaterais  se  normalizem,  com  destaque  para  um  potencial  fim  do  embargo econômico  aplicado  há  mais  de  cinquenta  anos  pelos  americanos  ao  país  caribenho.  Outras  decisões (estas já tomadas) incluem a libertação de presos políticos por ambas as partes, além da eliminação de algumas restrições de ordem consular. Do ponto de vista da política internacional, qual é o significado deste importante acontecimento? Para responder a esta pergunta, devem ser levados em consideração, com perspectiva histórica, três níveis de análise distintos e complementares: global, regional e nacional. Do  ponto  de  vista  global,  é  essencial  relembrar  algumas  importantes  transformações  que  o  sistema internacional  vem  experimentando  desde  o  final  da  Segunda  Guerra  Mundial.  Como  é  amplamente sabido,  entre  1945  e  1989,  período  da  Guerra  Fria,  sua  configuração  definiu­se  como  bipolar, antagonizando  os  blocos  capitalista  e  socialista  liderados  pelos  Estados  Unidos  e  pela  União  das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), respectivamente. Nesse contexto, após Cuba transitar para o data:text/html;charset=utf­8,%3Cheader%20class%3D%22entry­header%22%20style%3D%22box­sizing%3A%20border­box%3B%20display%3A%20bl…

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grupo  socialista  por  meio  de  revolução  em  1959,  os  americanos  iniciaram  o  bloqueio  comercial  e financeiro à ilha em 1962, de maneira a conter o desenvolvimento do regime. Com a queda do muro de Berlim e a dissolução da União Soviética, a balança de poder global se tornou unimultipolar:  uma  superpotência  militar,  econômica  e  cultural,  acompanhada  de  algumas  grandes potências econômicas, as quais apoiavam a ordem internacional liberal por ela patrocinada. Na década de 1990, a política externa americana pautou­se essencialmente pela exportação – inclusive com o uso da força, em alguns casos – de seu modelo de sociedade: democracia participativa de mercado aberto. Dessa  maneira,  ainda  que  já  não  houvesse  a  ameaça  do  bloco  antagônico,  as  restrições  ao  regime  de Fidel  Castro  foram  mantidas,  a  partir  de  então  sob  a  perspectiva  do  desrespeito  cubano  aos  direitos humanos de primeira geração: direitos civis e liberdades políticas. A partir dos ataques de 11 de setembro de 2001, os Estados Unidos iniciaram de maneira unilateral sua Guerra Contra o Terror. Nessa empreitada, a superpotência não foi capaz de mobilizar em determinadas ocasiões  (Iraque  e  Afeganistão,  principalmente)  o  apoio  de  importantes  parceiros  da  Organização  do Tratado  do  Atlântico  Norte  (Otan),  como  Alemanha  e  França.  Paralelamente,  ao  longo  da  década  de 2000  se  observou  o  crescimento  de  alguns  grandes  mercados  emergentes  no  mundo.  Após  a  crise financeira americana e mundial de 2008, os BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), que foram  capazes  de  manter  taxas  de  crescimento  expressivas,  passaram  a  realizar  cúpulas  e  agir  em coalizão,  demandando  maior  participação  na  governança  global  e  respeito  ao  multilateralismo.  Dessa forma,  a  superpotência  foi  e  tem  sido  pressionada  de  diferentes  formas  a  rever  sua  atuação internacional,  de  maneira  a  resgatar  sua  capacidade  de  liderança  em  um  mundo  que  ruma  à multipolaridade.  Portanto,  na  administração  do  presidente  Barack  Obama  algumas  medidas  foram tomadas  nesse  sentido,  com  destaque  para  o  fim  da  Guerra  do  Iraque  e,  agora,  para  o  gesto  perante Cuba. No  que  concerne  às  relações  hemisféricas,  após  um  interregno  nos  anos  1990  em  que  se  observou  a adoção  homogênea  dos  preceitos  do  Consenso  de  Washington  pelos  países  latino­americanos  e caribenhos,  nos  anos  2000  suas  experiências  foram  caracterizadas  pela  diversidade.  Enquanto  alguns poucos  países  mantiveram  a  relação  especial  com  os  Estados  Unidos,  outros  empreenderam  giros domésticos mais ou menos intensos à esquerda, com consequências para suas ações de política externa. Nesse sentido, com a priorização das atenções americanas voltadas para o Oriente Médio e para a Ásia, somado à emergência da liderança regional brasileira e aoboom dos preços das commodities provocado principalmente  pela  expansão  da  demanda  chinesa,  a  América  do  Sul  pôde  promover  uma  inserção internacional mais autônoma. Dessa forma, as perspectivas dos novos governos e as novas iniciativas de integração regional tiveram papel  central  na  transformação  recente  das  relações  da  América  Latina  e  do  Caribe  com  os  Estados Unidos,  uma  vez  que  passaram  a  organizar  as  relações  internacionais  da  região  à  revelia  dos dispositivos  hemisféricos  tradicionais,  como  a  Organização  dos  Estados  Americanos  (OEA).  Em primeiro lugar, na Cúpula das Américas de Mar del Plata em 2005, enterrou­se a proposta americana de data:text/html;charset=utf­8,%3Cheader%20class%3D%22entry­header%22%20style%3D%22box­sizing%3A%20border­box%3B%20display%3A%20bl…

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formação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Em seguida, desenvolveu­se uma dimensão política no Mercado Comum do Sul (Mercosul) para a concertação de posições na política internacional e, portanto, a atuação dos países em coalizão. Sob o mesmo espírito, formou­se a União de Nações Sul­ Americanas  (Unasul)  em  2008,  a  qual  também  conta  com  uma  dimensão  interna,  voltada  para  a governança regional autônoma, inclusive em temas de defesa. Por fim, a constituição da Comunidade dos  Estados  Latino­Americanos  e  Caribenhos  (Celac)  em  2010  passou  a  reunir  em  cúpulas  todos  os países das Américas, excluindo os dois grandes do norte. No âmbito dessas três organizações, ecoando nas  Cúpulas  das  Américas  de  2009  e  2012,  foram  emanadas  declarações  de  repúdio  ao  bloqueio econômico  a  Cuba  e  à  exclusão  do  país  da  OEA  –  ameaçando  inclusive  não  realizar  mais  cúpulas hemisféricas caso o país não seja reincorporado. Dessa forma, organizou­se mais um importante canal de  pressão  sobre  a  capacidade  da  superpotência  de  levar  à  frente  suas  iniciativas  e  de  influenciar  o continente. Por  fim,  sob  a  perspectiva  doméstica,  ainda  que  do  lado  americano  haja  um  poderoso  lobby  de imigrantes cubanos contrário ao regime castrista e que advoga pela manutenção das restrições à ilha, as transformações  políticas,  sociais  e  econômicas  em  Cuba  contribuíram  para  que  os  Estados  Unidos tenham  reagido  com  mudanças  na  sua  abordagem  bilateral.  A  partir  essencialmente  da  passagem  da liderança  de  Fidel  Castro  para  seu  irmão,  Raúl  Castro,  em  2008,  o  país  tem  vivenciado  uma  gradual abertura, mais econômica do que política, tendo a parceria da China como elemento central, seja como fonte de investimentos e de trocas comerciais, seja também como modelo de organização societária. Na região, a Venezuela, com a cooperação para o desenvolvimento que é empreendida por meio da Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América – Tratado de Comércio dos Povos (Alba­TCP), e o Brasil, com  o  financiamento  e  a  execução  de  obras  de  infraestrutura,  como  o  Porto  de  Mariel,  também  têm contribuído com as transformações. Dessa forma, o gesto americano revela a intenção de reconquistar a simpatia  e  o  apoio  perdidos  em  sua  área  de  influência  imediata,  numa  tentativa  também  de  conter  o avanço chinês, perceptível também nas relações com os outros países da região. Em um contexto econômico internacional marcado pela crise dos emergentes (desaceleração na China e estagnação  no  Brasil,  na  Índia  e  na  Rússia),  acompanhado  por  uma  surpreendente  retomada  do crescimento nos Estados Unidos, a aproximação do país com Cuba se mostrou bastante oportuna para a melhoria  de  sua imagem no  cenário  global  e  regional.  Em  outras  palavras,  apesar  de apresentada por meio  de  discursos  que  exaltam  a  solidariedade,  não  se  pode  deixar  perder  de  vista  que  esta  histórica mudança experimentada pela política externa americana é carregada de realpolitik.  Não  foi  por  acaso que os chineses reagiram prontamente, demandando o fim do bloqueio econômico americano à ilha e afirmando que seguirão apoiando o desenvolvimento do país.

Walter  Antonio  Desiderá  Neto  é  Técnico  de  Planejamento  e  Pesquisa  da  Diretoria  de Estudos  e  Relações  Econômicas  e  Políticas  Internacionais  –  Dinte  do  Instituto  de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea ([email protected]). data:text/html;charset=utf­8,%3Cheader%20class%3D%22entry­header%22%20style%3D%22box­sizing%3A%20border­box%3B%20display%3A%20bl…

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