A Arqueologia Industrial e a Preservação do Património Industrial na cidade de Lisboa

June 30, 2017 | Autor: Susana Pacheco | Categoria: Industrial Heritage, Industrial Archaeology, Arqueologia Industrial
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A Arqueologia Industrial e a Preservação do Património Industrial na Cidade de Lisboa

Introdução

O presente trabalho, realizado no âmbito do Seminário de Arqueologia Urbana, tem como principal objectivo a compreensão e análise da actividade desenvolvida ao nível da Arqueologia Industrial e da Preservação do Património Industrial na cidade de Lisboa. Para tal, antes de mais, é necessário tentar responder à questão: “Porquê preservar o património industrial?”. Outra das questões que se tentará entender é a seguinte: “Porque é que numa grande parte dos casos se destroem todos os edifícios fabris, à excepção da chaminé?” Para tentar compreender/responder a todas estas questões, será necessário recorrer a bibliografia especializada da história da indústria, do desenvolvimento do território, de arquitectura e de arqueologia industriais, bem como fotografias antigas e actuais da cidade, mais concretamente dos espaços onde se verificava a existência de estruturas fabris. Além dos aspectos já mencionados, será ainda necessário recorrer à análise de casos específicos para cada uma das situações abordadas, nomeadamente reconversões, reutilizações (para musealização, instituições culturais, ou outra utilizações completamente diferentes), demolições, edifícios abandonados, intervenções arqueológicas propriamente ditas (escavações), etc. No início do século XIX a indústria era, provavelmente, o sector mais frágil de toda a economia portuguesa, permanecia atrasado nos meios e nas técnicas. Foi no Porto que surgiu um primeiro surto de industrialização, por volta de 1830. Já em Lisboa, teve início a verdadeira revolução técnica (a da máquina a vapor aplicada à indústria) cerca de 1845. Com esta industrialização ocorreram profundas transformações nas cidades, o que se assume como uma mudança de elevada importância, na medida em que são estes vestígios que criam a nossa paisagem actual e que nos distinguem pela nossa realidade cultural, urbana e social da industrialização.

O património industrial e a sua preservação

A realidade apresentada anteriormente era vista, até meados do século XX, de uma forma vulgar (pois estas actividades não eram consideradas património), tendo levado a que se destruissem vários edifícios industriais. Isto levou à necessidade da criação de um 2

documento que protegesse estes edifícios, criando-se a Carta de Nizhny Tagil, em 2003, de forma a que esta realidade se alterasse, começando a entender-se por património industrial: “os vestígios da cultura industrial que possuem valor histórico, tecnológico, social, arquitectónico ou científico. Estes vestígios englobam edifícios e maquinaria, oficinas, fábricas, minas e locais de processamento e de refinação, entrepostos e armazéns, centros de produção, transmissão e utilização de energia, meios de transporte e todas as suas estruturas e infra-estruturas, assim como os locais onde se desenvolveram actividades sociais relacionadas com a indústria, tais como habitações, locais de culto ou de educação”.(TICCIH, 2003) Actualmente ainda é percetível o impacto da indústria, através de concentrações populacionais urbanas, padrões de redes de transportes e ruínas de edifícios fabris e armazéns (causadas pela quebra do sector industrial nos finais do século XX, que levou à obsolescência acelerada de várias paisagens industriais, uma vez que quando terminava a sua função original, as entidades responsáveis deixavam de se interessar pela sua preservação, passando a estar constantemente ameaçadas por projectos imobiliários, acabando por se vulgarizar a sua destruição). (MELO, 2012, pp. 33-35) Os testemunhos industriais surgem no território sob diversas formas, desde edifícios pontuais localizados na malha urbana consolidada; em pleno meio rural; conjuntos industriais que se localizavam outrora fora dos limites da cidade, mas que actualmente ocupam grandes áreas no centro; vastos complexos dedicados praticamente na íntegra a actividades industriais e aos seus serviços, como é o caso das zonas portuárias. Além destes casos, existem ainda outras situações, considerando-se essas mais específicas, como é o caso das minas, linhas de caminho de ferro, pontes, entre outras. A multitplicidade de realidades acaba por condicionar o tipo de intervenção a realizar, sendo que cada caso tem as suas condicionantes e características particulares, que acabam por determinar o tipo de estratégia que se deve adoptar. (SERRANO, 2010, p. 53) Assim, neste momento revela-se fundamental colocar a seguinte questão: Porquê preservar estes monumentos? Certamente, seria muito mais conveniente e barato se um registo adequado do passado pudesse ser mantido por meio de filmes, livros, imagens, planos, desenhos, fotografias, ou outros. Se assim fosse, se a documentação histórica pudesse apenas ser mantida em arquivos, poderíamos demolir qualquer monumento, por mais imponente e significativo que ele fosse, que não perderíamos qualquer tipo de informação, podendo ao mesmo tempo aproveitar esses locais para fins bem mais rentáveis. No entanto, sabemos que nada disto é verdade, que uma fotografia ou um modelo de um monumento não o substitui por completo, não é a mesma coisa que poder passear em redor dele e vislumbrar as suas 3

dimensões, técnicas construtivas e até a experiência de imaginar o que se passaria ali noutros tempos. (HUDSON, 1986, p. 40) A arquitectura dos espaços industriais teve um papel importante no desenvolvimento da arquitectura moderna. Assim, o património industrial representa uma singularidade de testemunhos de actividades que tiveram profundas consequências históricas. Este património apresenta também valores científicos, tecnológicos e estéticos ao nível da arquitectura industrial, que nos levam a classificá-los como edifícios de excepção, uma vez que marcaram uma época, em termos de produção, tipologias e paisagens. (TICCIH, 2003) Perante todo este processo de construção do conceito de património industrial, é importante salientar que, ainda que um edifício não tenha sido construído com o intuito de conservar determinada simbologia ou memória, acaba sempre por ser encarado como um elemento indispensável e vivificador de uma identidade cultural, uma vez que se torna portador de significados pela sua interacção com a sociedade da época com o passar dos tempos. Esta memória, classificada como social e colectiva, encontra-se regularmente ligada à arquitectura, onde se preserva a memória do trabalho humano. (FOLGADO e CUSTÓDIO, 1999, pp. 10 - 13) Não se considera, no entanto, que tudo deva ser preservado. Contudo, há que ter noção que cada pessoa/acontecimento faz parte da história. É óbvio que o mundo está constantemente a mudar e esta mudança pode criar ou destruir, devendo aqueles que se interessam por património industrial ter noção que ou se muda, ou tudo acaba por ser destruído, pois não se pode pura e simplesmente preservar o edifício tal e qual como ele é, sem lhe dar uma nova utilização, o que o torna obsoleto, ficando “entregue à ruína”. Isto não é contrário à doutrina da conservação, mas é contrário ao conservadorismo. (LINSLEY, 1980, p. 43)

A situação em Portugal A preservação da memória colectiva, em termos locais, regionais, nacionais e até universais, é uma exigência da cultura contemporânea. Uma parte significativa do património industrial construído deveria, por isto, ser preservada. A atribuição de novos usos para esse património revela-se, nesse sentido, uma condição necessária para a sua preservação. No território português, verifica-se uma grande carência de espaços para museus, centros culturais e outros, o que justifica ainda mais a utilização de edifícios

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recuperados para estas finalidade e, por outro lado, os próprios edifícios, como expressões de significado artístico, impelem a isso. (PEREIRA e MESTRE, 1986, pp. 309-310) Em Portugal, o desenvolvimento da Arqueologia industrial data dos finais da década de 70, com a realização da primeira exposição de arqueologia industrial em Tomar, em 1978. Dois anos mais tarde fundava-se a Associação de Arqueologia Industrial da Região de Lisboa (AAIRL) e, em 1985, realizava-se em Lisboa, na Central Tejo (edifício emblemático do património industrial em Porugal), uma importantíssima exposição, Arqueologia Industrial: um mundo a descobrir, um mundo a defender que abriu vastas perspectivas de intervenção entre várias instituições para o desenvolvimento de projectos de investigação, estudo e valorização do património industrial. Na sequência desta realizou-se, no ano seguinte, o 1º Encontro Nacional Sobre o Património Industrial, com sessões em Coimbra, Guimarães e Lisboa, que levou a que a Associação de Arqueologia Industrial da Região de Lisboa (AAIRL) procedesse à revisão dos seus estatutos e se transformasse, no ano seguinte, na Associação Portuguesa de Arqueologia Industrial (APAI). (MATOS, RIBEIRO e SANTOS, 2003, p. 25) O Património industrial em território nacional começou a ser esudado, salvaguardade e divulgado de um modo mais científico e sistemático essencialmente a partir de meados dos anos 80 do século XX, como visto anteriormente. No entanto, este universo do património industrial continua a causar alguns problemas junto não só da população, mas também da comunidade científica, o que se deve às suas especificidades, nomeadamente a sua escala, o seu carácter funcional, as suas formas, os seus materiais e a sua cronologia. A própria essência deste património contribui para as dificuldades na sua preservação. (FOLGADO, 2008, p. 8)

A adaptação do património industrial em Lisboa À semelhança do que aconteceu no século XIX, em que fábricas foram instaladas em conventos desactivados, também durante o século XX, com a desindustrialização, numerosos edifícios ficaram vazios, podendo ser reutilizáveis para outros fins. Acontece que certas estruturas industriais, pelas suas grandes dimensões, se revelam apropriadas para a exibição de obras de grandes dimensões. Em Portugal é possível encontrar vários exemplos da reutilização de antigas instalações industriais para diversas finalidades, destacando-se a

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museologia. Em muitos casos, estes museus relacionam-se com a primitiva utilização do espaço, no entanto, isso nem sempre se verifica. (MENDES, 2013, p. 3) Em Lisboa, é possível encontrar vários casos bem sucedidos, nomeadamente o Museu da Água de Manuel da Maia, instalado na Estação Elevatória a Vapor dos Barbadinhos; o Museu da Electricidade, instalado na Central Tejo; o Museu do Fado, na Estação Elevatória da Praia; o Museu do Oriente, instalado nos Armazéns Frigoríficos do Bacalhau de Alcântara; o Museu da Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva, na Real Fábrica de Sedas do Rato. Além destes, há ainda que salientar o Museu da Carris, o Museu das Comunicações e o Museu Militar, nas instalações do antigo Arsenal. (MENDES, 2013, p.4) Além dos edifícios adaptados para museus, é possível encontrar ainda uma série de outros edifícios, com diversas adpatações, entre eles a actual “Lx Factory” (“uma ilha criativa ocupada por empresas e profissionais da indústria também tem sido cenário de um diverso leque de acontecimentos nas áreas da moda, publicidade, comunicação, multimédia, arte, arquitectura, música, etc.”), nas instalações da Companhia de Fiação e Tecidos Lisbonense. (ver Webgrafia). Destaca-se ainda a reconversão da Fábrica de Braço de Prata (fábrica de armamento, em Marvila), que hoje funciona como um espaço de acolhimento à criação artística, à sua disseminação e ao debate cultural. Trata-se de um espaço emblemático desta zona da cidade, bem como do seu passado industrial. Aqui, um grupo de cidadãos decidiu aproveitar esta fábrica de forma a incentivar a produção cultural e artística. (NUNES e SEQUEIRA, 2011, p. 38) Temos ainda estruturas fabris convertidas em restaurantes/bares e outros espaços de lazer, como é o caso da antiga Estação Geradora de Santos, da Carris, localizada junto ao Cais da Viscondessa, inaugurada em 1901, encerrando em 1955, sendo um espaço que servia para gerar a electricidade necessária à frota de eléctricos da Carris. (SANDE E CASTRO, 1955, pp. 367-275) Actualmente este espaço funciona como um restaurante “Kais Restaurante – Bar”, verificando-se que da primitiva estrutura apenas é possível observar as fachadas exteriores (fachadismo, muito diferente de preservação do património), não se verificando sequer a preservação da antiga chaminé. Considera-se, assim, que esta não é a situação desejável para a preservação de Património Industrial, uma vez que a preservação apenas das fachadas não transmite qualquer informação acerca do edifício nas suas funções originais e das actividades que nele se realizavam revelando-se, neste sentido, impossível a sua compreensão. Assim, não se considera que a opção aqui tomada seja, de todo, a mais adequada para a “preservação” deste tipo, ou qualquer outro tipo, de património. 6

Além destes, seria ainda possível enumerar aqui uma série de outros exemplos de estruturas industriais adaptados para outras funções, contudo, não se revela oportuno enunciá-los aqui a todos.

As intervenções de arqueologia industrial em Lisboa O melhor exemplo de uma intervenção arqueológica deste período, na cidade de Lisboa é a Fábrica Schalk. Tratava-se de uma unidade fabril da segunda metade do século XIX, movida a vapor, localizada na Calçada do Cascão (perto de Santa Apolónia). A fábrica ganhou esta designação devido ao seu proprietário Henrique Schalk. De acordo com o Inquérito Industrial de 1865, produziam pregos de ferro, cobre e zinco, colchetes, ganchos, botões de metal, botões de seda e algodão e colheres de ferro. Em 1917 esta fábrica, também conhecida por Fábrica dos Botões, foi vendida à Companhia Previdente. Mais tarde, a Câmara Municipal de Lisboa acabou por adquirir parte dos edifícios que a constituíam, datando de 1954 o projecto de adaptação e refuncionalização dos mesmos a serviços públicos, permitindo perpetuar a antiga construção do conjunto fabril. Assim, mantém-se a organização espacial do edificado, claramente configurado para o interior. Trata-se, ainda, de uma fábrica que teve uma grande ascensão no negócio, o que levou a que fossem necessárias várias ampliações ao longo dos tempos. (FOLGADO, CUSTÓDIO, LEITÃO e MURALHA, 2003, pp. 56-57) No início das obras para a construção de uma piscina municipal, coordenadas pelo Departamento de Desporto da Câmara Municipal de Lisboa, verificou-se necessário contactar o Serviço de Arqueologia do Museu da Cidade, com o intuito de avaliar a importância de algumas estruturas entretanto postas a descoberto. Foi neste contexto que começaram as intervenções arqueológicas neste local. Nestas optou-se pelo método de escavação em área recorrendo-se, pontualmente, a sondagens no subolo e sondagens verticais murárias sempre que a realidade arqueológica assim o exigia, procurando-se estabelecer a dinâmica ocupacional do sítio. (FOLGADO, CUSTÓDIO, LEITÃO e MURALHA, 2003, pp. 56-58) A intervenção arqueológica focou-se numa área específica da antiga fábrica Schalk, composta fundamentalmente por três áreas funcionais distintas, ocultadas depois de 1954, aquando das obras de adaptação dos vários edifícios para instalação de serviços públicos da Câmara Municipal de Lisboa. A fábrica ocupava um extenso corpo central com dois andares,

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com oito janelas de frente, ladeado por outros dois edifícios mais altos e de maior extensão, mas apenas com três janelas de frente. Este complexo fabril era, contudo, muito maior, uma vez que possuia anexos, um pequeno prédio de dois pisos e um logradouro onde se instalaram diversas oficinas que devem corresponder a diferentes momentos de ocupação e ampliação. Os trabalhos arqueológicos evidenciaram um conjunto de duas oficinas, uma casa das máquinas e ainda uma outra área, possivelmente também ela oficinal. Isto insere-se na lógica de industrialização lisboeta, da segunda metade do século XIX, marcada pela presença da máquina como elemento fundamental na organização do espaço. (FOLGADO, CUSTÓDIO, LEITÃO e MURALHA, 2003, p. 65) Não pode também faltar uma breve análise dos artefactos, pois estes são os principais documentos dos arqueólogos, sejam eles de que época forem. Neste caso específico, para além das estruturas a cotas negativas e positivas, sobressai uma série de objectos directamente relacionados com as funções das oficinas, uns na qualidade de produtos e outros relacionados com a sua produção. A actividade manufactureira e industrial tinham formas específicas para divulgar os seus produtos e preços, nomeadamente catálogos, listagens e publicidade. A variedade de fontes permite-nos ter conhecimento da diversidade de produtos aqui fabricados ao longo do seu tempo de funcionamento. No entanto, a intervenção arqueológica permitiu observar uma maior diversidade de produtos do que os referenciados na documentação escrita possibilitando, assim, uma catalogação mais rigorosa da produção da fábrica. Os produtos apresentam-se em diferentes etapas do fabrico antes da sua ultimação dando, assim, uma possibilidade de reconstituição das variadas fases de trabalho. (FOLGADO, CUSTÓDIO, LEITÃO e MURALHA, 2003, pp. 74-76) Além desta intervenção, é possível salientar o aparecimento de estruturas industriais, possivelmente associadas a uma antiga fundição, assentes sobre pavimentos de tijoleira, na Avenida 24 de Julho, contudo este aspecto não será aqui muito desenvolvido, devido à falta de documentação. (ver Webgrafia)

O que ficou por preservar Falta, agora, mencionar aquilo que ficou por preservar na cidade de Lisboa, as estruturas fabris que foram “destruídas” ao longo dos tempos, para dar lugar a novos edifícios com outras finalidades.

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Um bom exemplo é o da antiga Fábrica de Cerâmica Lusitânia, localizada no Campo Pequeno, junto ao Palácio das Galveias onde funcionou, desde 1905 até finais dos anos 70 do século XX. Após esta data, o edifício ficou abandonado, até que a Caixa Geral de Depósitos viria a adquirir estes terrenos, para aí construír o seu novo edifício-sede, lançandose um concurso, que acabaria por ser ganho pelo arquitecto Arsénio Cordeiro. Das primitivas instalações fabris é apenas possível, actualmente, observar uma das antigas chaminés, aspecto esse que tentaremos explicar mais à frente. Destaca-se, também, a antiga Fábrica de Gás de Belém, construída em 1888 tendo, desde o início do século XX, suscitado a indignação pública, devido à sua localização (perto da Torre de Belém), o que levou à deslocação dos gasómetros para um local mais afastado (Vila Correia). No entanto, em 1934, decide-se que a fábrica vai ser novamente deslocada, desta vez para junto da Quinta da Matinha (Cabo Ruivo), acabando-se as obras em 1949, ano em que encerra a Fábrica de Belém, uma vez que deixa de ser necessária. (Actualmente, é possível constatar que ambas as fábricas foram demolidas. Relativamente à Fábrica de Belém, não é possível encontrar qualquer vestígio da sua existência no local, tendo sido completamente demolida. Quanto à Fábrica de Gás da Matinha, esta foi demolida em 2007, conservando-se, in situ, apenas os quatro gasómetros, apesar de ter havido uma proposta de intervenção e integração num “Museu do Gás”, que também se pretendia criar. (JORGE, 1999, pp. 200-211) Há, ainda, que salientar o Matadouro Municipal de Lisboa, construído em 1863, implantado no Largo do Matadouro, tendo encerrado portas em 1955, sendo substituído pelo Matadouro de Cabo Ruivo, inaugurado em 1954. Associado a este matadouro existia, também, um mercado que viria a subsistir até aos inícios da década de 70 do século XX, quando viria a ser totalmente demolido. À semelhança das estruturas apresentadas anteriormente, também não existe, actualmente, qualquer vestígio destas instalações. Estes são apenas alguns exemplos de estruturas fabris que ficaram por preservar na cidade de Lisboa. Infelizmente, além dos casos apresentados anteriormente, há ainda uma série de outras estruturas com estas características que foram demolidas na íntegra, com o passar dos tempos, ou das quais se preservou apenas uma pequena parte, como é o caso das chaminés. Isto é revelador de que ainda há muito para fazer no que toca à divulgação e preservação do património industrial/arqueologia industrial em Portugal, neste caso particular em Lisboa. Claro está que a maioria destas demolições ocorreu quando ainda não havia praticamente conhecimento/interesse por esta área científica, mas a Fábrica de Gás da Matinha é um bom exemplo de uma estrutura demolida numa época em que já deveria existir 9

uma maior consciencialização da população para este património, o que não se verificou. Assim, constata-se que este é mais um dos aspectos em que Portugal está “atrasado” em relação a muitos outros países do resto da Europa, em que o Património Industrial tem cada vez mais relevância. Há, ainda, que referir que existem muitos outros antigos espaços fabris que, apesar de não terem sido demolidos, se encontram completamente abandonados, como é o caso da antiga fábrica de Baptista Russo (Avenida Marechal Gomes da Costa), entre muitas outras que não interessa agora estar aqui a enumerar.

A preservação das chaminés As chaminés em tijolo datam de um período anterior a 1960 e são estruturas cuja construção não obedecia a projectos específicos, visando um tipo de actividade industrial, constituindo-se edificações generalistas que encontraram uma grande aceitação junto dos diversos tipos de indústria, com o intuito de expelirem os gases das unidades fabris, apresentando-se, maioritariamente, com uma altura elevada, de forma a manter o ar circundante livre de poluição atmosférica, pelo menos ao nível do solo. (COOLEY, 2006 [s.p.]) As chaminés das fábricas, que são o símbolo característico da industrialização, consideradas por muitos como o “emblema da indústria”, ilustram vários aspectos, nomeadamente a transição das oficinas para fábricas; a utilização do vapor como nova fonte de energia (bastante inovadora para a época, inseparável da Primeira Revolução Industrial); a prosperidade das empresas/companhias. Contudo, estas também representam alguns aspectos negativos da industrialização, nomeadamente aqueles associados à poluição atmosférica. (MENDES, 2000, pp. 205-206) Outro dos motivos que pode estar na base da preservação destes elementos das estruturas fabris é o facto de a sua destruição/demolição acarretar custos algo elevados (não só ao nível da sua destruição propriamente dita, mas também ao facto de apresentarem grandes dimensões, o que obriga a mais cuidados) e, uma vez que se tratam de elementos que ocupam um espaço horizontal relativamente escasso, por vezes, revela-se mais fácil deixá-las ficar, caso estas não interfiram com a obra que se pretenda desenvolver,

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demolindo-se apenas quando não há outra solução viável, ou o arquitecto imponha essa demolição como aspecto essencial do projecto. Além

disso,

as

chaminés

podem,

também,

ser

consideradas

elementos

bonitos/imponentes, sendo facilmente inseridos em obras de arquitectura a realizar nos espaços onde antigamente funcionariam unidades fabris. Na cidade de Lisboa, um pouco à semelhança daquilo que se verifica em todo o país, é possível encontrar vários casos destes, em que se preserva apenas a antiga chaminé em tijolo, como é o caso da já referida Fábrica de Cerâmica Lusitânia, uma das chaminés da antiga Fábrica União, em Alcântara, entre muitas outras que não interessa agora estar aqui a enumerar.

Considerações finais Ao longo do presente trabalho procurou abordar-se a questão da preservação do património industrial em geral e, na cidade de Lisboa em particular apresentando-se, para tal, diversos exemplos das distintas situações que é possível encontrar. Observam-se, assim, várias realidades bastante distintas umas das outras, desde preservação total do espaço e a sua reconversão num museu relacionado com as primitivas actividades que ali se realizavam, preservação/reabilitação para uma utilização bastante distinta da primitiva, como espaço cultural ou de lazer. Restam ainda as situações menos conseguidas, nomeadamente a preservação apenas das fachadas, ou a sua total destruição, com preservação, por vezes, da sua antiga chaminé (que só por si, não transmite qualquer informação sobre a estrutura fabril, podendo considerar-se “inútil” do ponto de vista informativo, mas extremamente apelativa do ponto de vista estético). Analisou-se, também, um exemplo (talvez o melhor, ou pelo menos mais documentado) de uma estrutura onde se realizou uma intervenção de arqueologia industrial nesta cidade. Assim, importa agora concluir que apesar de já se terem dado alguns passos no que diz respeito à preservação do património industrial em Portugal, em particular na cidade de Lisboa, falta ainda desenvolver muito trabalho, para que se possa chegar à situação desejável o que, no caso deste tipo de património, ainda se revela mais complicado, devido às suas características e cronologias, continuando a não ser considerado património por muitos elementos, quer da população comum, quer da comunidade científica.

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Bibliografia

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Anexos

Figura 1 - Museu da Água de Manuel da Maia na Estação elevatória a vapor dos Barbadinhos Figura 2 - "Lx Factory" na Companhia de Fiação e Tecidos Lisbonense

Figura 3 - Fábrica de Braço de Prata

Figura 4 - Kais Restaurante Bar na Central Geradora de Santos

Figura 5 - Corte transversal do edifício da Fábrica Schalk (área em que se concentraram maioritariamente as escavações arqueológicas)

Figura 6 - O que resta da Fábrica de Cerâmica Lusitânia

14 FIgura 7 - Demolição da Fábrica de Gás de Belém

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