A Arquitectura Cisterciense no Mosteiro de S. Dinis em Odivelas

Share Embed


Descrição do Produto

SEPARATA

Mosteiros Cistercienses História, Arte, Espiritualidade e Património

TOMO I

DIRECÇÃO José Albuquerque Carreiras

Actas do Congresso realizado em Alcobaça nos dias 14 a 17 de Junho de 2012

ALCOBAÇA 2013

A ARQUITECTURA CISTERCIENSE NO MOSTEIRO DE S. DINIS EM ODIVELAS MANUELA MARIA JUSTINO TOMÉ*

Introdução A construção do Mosteiro de S. Dinis Odivelas foi iniciada em 1295, sob a fundação de D. Dinis, para o que obteve as autorizações necessárias. Para a localização desta casa conventual o Rei escolheu a sua Quinta das Flores em Odivelas, em cujo Paço Real as monjas de S. Bernardo ficaram instaladas, enquanto as obras prosseguiam sob a direcção, provável de Antão Martins e Afonso Martins1. Foi, desde o seu início bastante privilegiado, quer pelas características de grande beleza e riqueza fértil das colinas que lhe ficavam adjacentes, quer pelos muitos benefícios, doações e rendas que contribuíram para o seu vasto património, quer pela ordem interna, reputação de que gozava e influências culturais, devido à grande dedicação do seu fundador que também o elegeu para sua última morada, tendo determinado, em testamento de 20 de Junho de 1322, que aí fosse sepultado. Ao longo da sua vida, a edificação iniciada segundo o espirito cisterciense, foi sofrendo transformações, justificadas por ampliações para aumentar a sua capacidade de lotação, reconstruções provocadas por catástrofes naturais, nomeadamente o terramoto de 1755, ou para melhoramentos das instalações ou outras razões. Da construção inicial, de traçado cisterciense, ainda podemos observar a cabeceira da igreja, o pórtico e duas alas do claustro. Com o Infante D. Pedro, Duque de Coimbra foi construída, em 1424, uma capela lateral à cabeceira da igreja, em memória de sua mãe. Podemos considerar que se trata

* 1

Mestre em Recuperação do Património Arquitectónico e Paisagístico. CARDOSO, George, Agiologio Lusitano, Oficina Craesbeekiana, Tomo I, 1652, p. 105. Mosteiros Cistercienses, Vários Autores, José Albuquerque Carreiras (dir.), Alcobaça, 2013, Tomo I, 409-422.

409

MANUELA MARIA JUSTINO TOMÉ

de uma primeira alteração que, com relevância, se anexou ao plano cisterciense inicialmente traçado. No século XVI foi reconstruido o alpendre exterior. Com D. João III, a vida do mosteiro atravessou uma época de grande esplendor cultural, e com D. João IV foram efectuadas grandes obras de reconstrução, sob a direcção do monge beneditino Fr. João Torreano. D. João V deu continuidade ao esplendor cultural, e a vida faustosa que caracterizou a sua corte influenciou o mosteiro, que viveu uma época de grandes festas e devaneios. O edifício foi ampliado e enriquecido nos aspectos decorativos. O terramoto do dia 1 de Novembro de 1755, provocou grande derrocada nestas instalações conventuais e as reconstruções que se seguiram vieram trazer grande alteração naquela que foi a edificação iniciada no séc. XIII, com todo o sentido ascético e características estilísticas da época. A comunidade monástica foi variável ao longo dos seus anos de vida. Tendo iniciado as suas funções com 80 religiosas, a sua população chegou a ser de 350 religiosas, no séc. XVIII. Com a extinção das ordens religiosas, em 1834, o número de residentes foi-se reduzindo, sucessivamente, até que em 1886 se deu o falecimento da última abadessa, D. Bernarda Encarnação Correia, extinguindo-se a vida monástica neste, que foi um grandioso cenóbio. Após a extinção do mosteiro, com a morte da última monja, o edifico foi integrado nos bens da Fazenda Nacional, entregue ao Exército, e nele foi instalado o colégio de educação feminina “Instituto D. Affonso”, actual “INSTITUTO DE ODIVELAS (Infante D. Afonso)”.

Fig. 1. Odivelas. Largo de D. Dinis. Mosteiro 410

A ARQUITECTURA CISTERCIENSE NO MOSTEIRO DE S. DINIS EM ODIVELAS

O edifício que hoje se nos apresenta (Fig. 1) relata na sua imagem as sucessivas intervenções a que foi submetido, desde a sua origem, reflectindo o espírito, o gosto e as tendências das várias épocas que marcaram a sua vida, iniciada sob a traça cisterciense, no entanto a organização hierárquica, espacial e funcional dos vários espaços fundamentais à vida monástica resistiu e ainda hoje é perceptível no edifício, embora submetido a outro uso e outras funções. Ao pensarmos a arquitectura cisterciense temos que pensar em todos os factores que, de uma forma convergente, concorrem para a sua concepção, indissociável das características do local, do programa de funções a que deveria dar resposta, da forma de uso e de apropriação dos espaços pela comunidade que o ocupava, das tecnologias construtivas da época e do espírito estilístico e espiritual que o envolvia

O Local À data da construção deste mosteiro, a paisagem envolvente ao vale onde se localizava a Quinta das Flores do Rei D. Dinis, em Odivelas, onde este foi implantado, era bem diferente da que hoje encontramos. George Cardoso ainda a descreve como uma paisagem “(…) de cujas serras descem agoas, (que juntas fazem rio, aquém ennobrece o convento, fica elle mui fresco, & agradável) (…)”2. Seria um local de grande beleza natural e tranquilidade, suficientemente isolado para permitir o recolhimento exigido pela ordem, mas não muito distante das povoações mais próximas, Loures e Lisboa, de grande riqueza aquífera, clima ameno e boa fertilidade nas suas terras. A existência de pedra no subsolo, permitiu a sua utilização na construção, as condições ambientais naturais permitiram a auto-sustentabilidade agrícola, o seu abastecimento de água potável a partir de fontes naturais, e o abastecimento de água não potável necessária, quer à construção, quer às exigências da vida diária e actividades desenvolvidas no mosteiro, a partir da Ribeira de Caneças. Estas aptidões naturais permitiram a auto-suficiência do mosteiro, onde se conjugava a vida rural com o recolhimento e a subsistência com a ambiência espiritual, correspondendo aos objectivos determinados pela Ordem de Cister para a construção dos seus mosteiros.

A Implantação Na implantação do conjunto monástico estão evidenciadas as condições fisiográficas, seguindo uma topografia que lhe permitiu a edificação das construções regulares num declive pouco acentuado e também com uma separação física do Paço Real, onde

2

CARDOSO, Agiologio Lusitano, cit., p. 105. 411

MANUELA MARIA JUSTINO TOMÉ

as religiosas ficaram instaladas até que a construção oferecesse as condições necessárias às suas tarefas diárias com a sequente entrega do mosteiro. A igreja distancia-se assim do paço real, e surge a sul das construções regulares, com o claustro a norte, evidenciando-se do conjunto, quer pela sua volumetria, quer pelo alinhamento, com a cabeceira saliente, e a sobressair do conjunto construído. Este relativo afastamento, do mosteiro às instalações reais, foi anulado, mais tarde, com a construção de ampliações, nomeadamente o Claustro da Moura, que se encostou à casa real (Fig. 3). Foi implantado, numa encosta com orientação nascente-poente, que lhe permitiu uma insolação optimizada e a uma cota média de 43,00 metros, que lhe permitiu a instalação de um sistema hidráulico, respeitando as cotas altimétricas existentes, que influenciou, também, a organização funcional do mosteiro. A água potável era proveniente das fontes da Ramada, situada à cota 100,00 metros e do Casal Ventoso, situada à cota 117,00 metros, sendo canalizada e seguindo por gravidade até ao mosteiro, a uma cota média de 43,00 metros. Esta água potável era conduzida até ao lavabo do claustro, e repartida pelas dependências do mosteiro, nomeadamente a cozinha (Fig. 2).

Fig. 2. Executado a partir da “Carta do Concelho de Lisboa” S.C.E., 1981, fl.1 412

A ARQUITECTURA CISTERCIENSE NO MOSTEIRO DE S. DINIS EM ODIVELAS

A água não potável, para as instalações que exigiam grandes quantidades de água (latrinas, regas, lagares e outras instalações fabris), era captada na Ribeira de Caneças através de um dique situado em Arroja, à cota 81,00 metros. Era conduzida por gravidade até ao mosteiro, e daqui descarregava na Ribeira de Caneças, à cota 40,00 metros 3.

O Programa O programa inicial da construção deste mosteiro cisterciense obedeceu ao plano Bernardino, de grande especificidade e clareza programática. Era constituído pelas dependências essenciais da vida monástica, que formavam os “lugares regulares” instituídos pela Ordem, obedecendo às funções principais da vida em clausura das religiosas e respondendo às necessidades habitacionais, materiais e espirituais, estas, desenvolvidas em torno do claustro. A igreja ocupava, no entanto, um lugar fundamental e principal no conjunto destes espaços. O programa desenvolveu-se numa planta constituída a partir da igreja, com o claustro a norte desta, contrariamente ao que era habitual nos mosteiros femininos, e central a todo o conjunto. A cada uma das quatro alas do claustro correspondiam diferentes actividades do quotidiano físico e espiritual. Os vários espaços adjacentes ao claustro estavam relacionados e correspondiam simultaneamente às actividades das respectivas alas, nomeadamente, a ala da leitura paralela à igreja e em ligação com esta, a ala do capítulo junto à casa do capítulo, em posição lateral e perpendicular à igreja, a ala do refeitório, junto ao refeitório e à cozinha, em posição paralela à igreja e a ala poente em posição lateral, perpendicularmente à igreja, junto aos dormitórios, com ligação ao coro.

O Plano da Construção O plano foi concretizado através duma construção faseada, que respeitou uma hierarquia de funções primordialmente necessárias ao quotidiano das religiosas, as quais ficaram instaladas no paço real até à construção das instalações fundamentais. Ao longo dos dez anos que durou a construção, terá sido construída, primeiramente, a cabeceira da igreja, seguida do espaço correspondente à posição do transepto, que viria a permitir às religiosas assistir aos Santos Ofícios. Há notícia de que no dia 1 de

3

TOMÉ, Manuela Justino, MONTEIRO, Maria Filomena, CORNACHO, Maria da Graça e JORGE, Virgolino Ferreira, «Aspectos da hidráulica do Mosteiro Cisterciense de São Dinis de Odivelas», em MASCARENHAS, José Manuel P. B. de, ABECASSIS, Maria Helena e JORGE, Virgolino Ferreira (eds.), Hidráulica Monástica Medieval e Moderna, Fundação Oriente, Lisboa, 1996, pp. 243-245. 413

MANUELA MARIA JUSTINO TOMÉ

Março de 1296, se iniciaram os trabalhos religiosos4. A seguir terá sido construído o claustro da leitura que formava a parede lateral do corpo da igreja, cuja construção se seguiria. A casa do capítulo que desempenhava a função mais importante a seguir à igreja era construída a seguir, conjuntamente com a respectiva ala do claustro, seguindose os espaços do refeitório e dos dormitórios. Estava assim concluído o plano correspondente ao programa que permitia as actividades fundamentais, o qual foi evoluindo em resposta, quer à necessidade de criação de uma unidade funcional autónoma e autosuficiente, quer devido ao acréscimo do número de religiosas, ou outras habitantes, que teria que albergava.

Organização Funcional Para além das religiosas de Cister, que se obrigavam a guardar perpétua e voluntária clausura, este mosteiro sempre abriu as suas portas a outras individualidades femininas que aqui procuravam uma vida calma e recatada. No entanto, as relações com o exterior estavam devidamente acauteladas e condicionadas quer por indicações da Ordem quer por determinação do seu fundador, D. Dinis. A abadessa ou outra religiosa, não podiam sair para fora do mosteiro devendo considerar-se como reclusas. Proibiu, ainda, a entrada no claustro e suas dependências a outras pessoas que não fossem: “(...) os monges de Cister para a administração de sacramentos, e os visitadores da Ordem; o rei, que podia entrar alli com três pessoas idóneas e honestas; o Infante, o bispo, e o abbade de Alcobaça, que podiam entrar sendo preciso, e cada um levar em sua companhia duas pessoas honestas; o médico e o sangrador, em caso de necessidade; os carpinteiros e operários (pedreiros) para a reparação do edifício, os quais seriam sempre-sempre acompanhados de dois monges ou irmãos conversos.”5. Desta forma, foi aberta uma excepção à frequência destes espaços por pessoas exteriores ao mosteiro. Apesar do rigor exigido às religiosas de S. Bernardo, também, desde muito cedo, com a abadessa D. Orraca Paes, em 1313, foi autorizada “(…) à abbadessa a faculdade de conceder entrada no mosteiro a algumas damas de qualidade”6, verificandose que durante a existência desta casa conventual “Recolherãose em diversos tempos a este religioso asyllo de virtudes alguas Senhoras da casa real, (…)”7, que escolheram esta casa conventual para aqui residirem. Quando D. Dinis procedeu à entrega do mosteiro, a comunidade monástica era de 80 monjas, mas a comunidade foi sempre aumentando, chegando a ser de 350 religio-

4

5 6 7

TOMÉ, Manuela Maria Justino, Odivelas - Um Mosteiro Cisterciense, Comissão Instaladora do Municipio de Odivelas, Odivelas, Janeiro, 2001, p. 17. FIGUEIREDO, António C. Borges de, O Mosteiro de Odivelas, Livraria Ferreira, Lisboa, 1889, p. 17. Ibidem, p. 19. CARDOSO, Agiologio Lusitano, cit., p. 105. 414

A ARQUITECTURA CISTERCIENSE NO MOSTEIRO DE S. DINIS EM ODIVELAS

Fig. 3. “Bosquejo Ichonographico do Mosteiro de Odivellas, em Agosto de 1887”8

sas em 1755, com o reagrupamento de Portalegre, de Cástris, de Tavira e de Odivelas9, até à extinção das ordens religiosas em 1834. O mosteiro ao longo dos tempos foi crescendo e adaptando-se à capacidade necessária, às funções a que tinha que corresponder, segundo uma distribuição, organização e hierarquia de espaços, a que tinha que responder, constituindo uma unidade de conjunto com autonomia, bem visível na planta de Borges de Figueiredo (Fig. 3), se atendermos à existência de instalações fabris, paço real, adegas e celeiros, enfermaria e botica, para além das instalações da casa conventual, propriamente dita. É de referir, ainda, a existência de instalações destinadas a habitações mais individualizadas, criadas para residência de abadessas e de figuras femininas da família real que se recolhiam no mosteiro.

8 9

FIGUEIREDO, O Mosteiro de Odivelas, cit., 1889. COCHERIl, Dom Maur, Routier des abbayes cisterciennes du Portugal, Fondation Calouste Gulbenkian, Centre Culturel Portugais, Paris, 1986, p. 372. 415

MANUELA MARIA JUSTINO TOMÉ

Organização Espacial Os espaços, ainda existentes no edifício, correspondentes ao plano inicial, formam a unidade e determinam a concepção morfológica de todo o conjunto edificado, segundo regras de funcionamento e hierarquia de espaços, sendo a igreja o centro espiritual do mosteiro, e o claustro o espaço onde se centralizam as actividades diárias fundamentais. Reflectem uma realidade material e espiritual do quotidiano, em obediência a uma necessidade de ordem espiritual e material, transportada para regras conceptuais, através da relação das dimensões e da proporção, em busca do rigor no equilíbrio e harmonia, perceptível na distribuição proporcional das formas arquitectónicas. A igreja apresenta uma cabeceira e corpo com disposição longitudinal, com orientação de nascente para poente, com acesso lateral, pelo lado norte com pórtico precedido de nartece. O espaço correspondente ao transepto, onde se localiza o pórtico, tem a mesma largura da cabeceira assim como o corpo da igreja. A cabeceira é formada por três capelas escalonadas comunicantes por passagens estreitas. O corpo da igreja teria três naves, até à destruição provocada pelo terramoto de 1755, conforme a referência que nos descreve: “No corpo da egreja abateu uma grande parede de laçaria de pedra das suas três naves”10. O coro da igreja ainda representado na planta de Borges de Figueiredo (Fig. 3) despareceu, surgindo-nos actualmente uma igreja de comprimento mais reduzido, apenas constituída pela cabeceira e pela nave, correspondente ao corpo desta.

Fig. 4. Interior da Igreja. Cabeceira vista da nave 10

Fig. 5. Interior da Igreja. Nave actual

PEREIRA, Esteves e RODRIGUES Guilherme, Diccionário Histórico, Chorografico, Bibliográfico Heraldico, Numismático e Artistico, Lisboa, 1885, p.179. 416

A ARQUITECTURA CISTERCIENSE NO MOSTEIRO DE S. DINIS EM ODIVELAS

O relativo rigor, da construção actualmente existente, bem como a execução de obras a que a edificação foi sujeita, não nos permitiram a formulação de uma unidade de medida modular, no entanto é possível verificar que existiu uma preocupação na proporção harmónica e equilibrada de todo o conjunto, inserido num desenho reticulado ortogonal. Assim, os dois absidíolos surgem, aparentemente, iguais, com a largura da abside na relação de 2:1 relativamente à largura dos absidíolos, o claustro aparentemente quadrado (37,00 m x 36,50 m)11 (Fig. 6), o arco triunfal na relação 2:3, entre a largura e a altura (Figs. 4 e 7), e os tramos das alas do claustro novo, correspondentes à construção inicial, com uma relação 1:1, entre a largura e a altura (Fig. 11). As naves laterais, actualmente inexistentes, teriam a mesma largura que os absidíolos e a nave central teria a mesma largura que a abside. Os vários espaços, ainda existentes, denunciam a existência de uma unidade hierárquica reforçada por uma relação harmónica assente na proporção, em planta e volumetria, com relações conjugadas entre a unidade formal e o todo.

Características Construtivas Se atendermos ao que resta da construção cisterciense inicial, podemos concluir que a edificação seguiu uma regra geométrica, toda a estrutura e elementos construtivos são em pedra, com paredes em alvenaria de aparelho regular e a cobertura em abóbadas nervuradas.

Fig. 6. Desenho da planta da Igreja (cabeceira e actual corpo) e do claustro do Mosteiro

11

Fig. 7. Desenho do corte da Igreja actual, pelo arco triunfal

TOMÉ, Manuela Maria Justino, Mosteiro de S. Dinis de Odivelas, Estudo Histórico-Arquitectónico, Acções para a salvaguarda do património edificado, Dissertação de Mestrado em Recuperação do Património Arquitectónico e Paisagístico, Universidade de Évora, 1995, p. 53. 417

MANUELA MARIA JUSTINO TOMÉ

O actual corpo da igreja, resultante da reconstrução, apresenta uma só nave com cobertura de abóbada de arco abatido. Verifica-se a presença de elementos de grande robustez construtiva, como os botaréus, conjugada com elementos de dissimulação, que lhe dão maior leveza e beleza estética, como são as arestas nervuradas, as mísulas e os colunelos12. Actualmente, constacta-se que nas alas do capítulo e do refeitório do Claustro Novo, reconstruidas posteriormente, os botaréus apresentam uma menor secção transversal que os anteriores, tendo uma aparência de robustez menos acentuada (Figs. 8 e 9). A cobertura da cabeceira é resolvida em abóbada de cruzaria com nervuras chanfradas, e arcos ogivais. Na actual nave encontramos uma cobertura em abóbada de arco abatido (Fig. 5).

Características Arquitectónicas Podemos observar uma imagem arquitectónica que lhe é conferida por uma morfologia e tipologia, em resultado da época inicial com origem no período gótico primário, do plano traçado pelo esprito cisterciense e nas funções que desempenhava para a capacidade da comunidade a que tinha que corresponder13.

Fig. 8. Claustro Novo. Botaréus na ala do refeitório

12

13

Fig. 9. Claustro Novo. Botaréus na ala da leitura

TOMÉ, Mosteiro de S. Dinis de Odivelas, Estudo Histórico-Arquitectónico, Acções para a salvaguarda do património edificado, cit., pp. 64-65. TOMÉ, Odivelas – Um Mosteiro Cisterciense, , cit., p. 38. 418

A ARQUITECTURA CISTERCIENSE NO MOSTEIRO DE S. DINIS EM ODIVELAS

Fig. 10. Claustro do Mosteiro. Ala da leitura e fonte

Surge-nos, assim, a igreja, com a cabeceira em destaque do restante conjunto edificado, com um forte desenho estrutural, de grande sobriedade e racionalidade construtiva marcada por uma estrutura regrada, ritmada e simétrica, assim como no Claustro Novo (Fig. 10). O espírito de austeridade surge-nos na sobriedade estética do conjunto, materializada na simplicidade arquitectónica, marcada pela ausência de decoração figurativa,

Fig. 11. Claustro Novo. Ala da Leitura

Fig. 12. Claustro Novo. Actual Ala do Refeitório, após a reconstrução 419

MANUELA MARIA JUSTINO TOMÉ

apenas os capitéis das coluna e dos colunelos, ou das mísulas troncónicas, são decorados com representações de inspiração fitomórfica, pela ausência de cor e pela dureza construtiva da pedra aparente (Figs. 13, 14, 15 e 16).

Fig. 13. Abóbada do absidíolo. Pedra de fecho

Fig. 15. Mísula troncónicas na Abside

Fig. 14. Capitel no Absidíolo

Fig. 16. Gárgula na cabeceira da igreja

Uma hierarquia volumétrica, acentuada pela subtileza da arcaria, e uma iluminação natural bem controlada e bem conduzida, através do dimensionamento e posicionamento dos vãos, transportam-nos para uma elevação espiritual, em plenitude, centrada na abside da cabeceira (Figs. 4 e 7). 420

A ARQUITECTURA CISTERCIENSE NO MOSTEIRO DE S. DINIS EM ODIVELAS

Trata-se duma arquitectura indissociável do modo de vida, em função do espiritual, materializado numa estrutura física, numa unidade construída em auto-suficiência, mas cujas tipologias e morfologias, se foram moldando e adaptando em função das vicissitudes da sua história e da evolução das vivências. Os ideais de S. Bernardo baseados na fé e no trabalho, que ditaram uma arquitectura em reflexo do espírito de austeridade e simplicidade, foram-se adulterando ao longo dos anos, com reflexos também nas reconstruções e ampliações do conjunto edificado surgidas em épocas posteriores à construção inicial.

Nota Final As referências consultadas e a leitura do monumento no seu estado actual foram os possíveis documentos que nos permitiram conhecer este mosteiro, de fundação régia, que se iniciou segundo os ideais de S. Bernardo. A abertura do mosteiro a pessoas não pertencentes à comunidade de Cister, os excessivos privilégios, rendas, doações e benefícios concedidos, conduziram a uma riqueza que excederia a simplicidade, o despojamento e a austeridade, que superaria o espirito ascético. George Cardoso refere que “O sumptuoso & real convento de Odivellas, he o mais celebre, que tem a religião de S. Bernardo n’este Reino, pela majestade de seus edifícios, opulência de rendas, numero de religiosas, abundancia de privilégios com que el Rei D. Dinys seu fundador, o enriqueceuo (…)”14 e ainda que “Para ornato do divino culto está enriquecido este convento, com grande variedade de peças de prata. (…) & ultimamente rica Custodia d’ouro a melhor & mais custosa peça de Portugal”15, para além de outras referências que nos dão a conhecer as actividades culturais, mas também a opulência e os excessos na liberdade de atitudes, cometidos neste mosteiro, que viriam a influenciar a vida monástica. A arquitectura, como resultante de vários factores que a condicionam, criam, influenciam e lhe dão vida, também se foi distanciando das regras que ordenaram a concepção inicial marcada pela expressão material de uma espiritualidade cisterciense. O edifício foi sendo alterado e ampliado chegando aos nossos dias com uma escala volumétrica desajustada da concepção original, resultante duma ocupação do espaço em função da capacidade necessária e da dinâmica de adaptação às suas sucessivas vivências. As instalações fundamentais e centralizadoras da vida monástica ainda persistem, foram classificadas como Monumento Nacional em 1910, por Decreto publicado no

14 15

CARDOSO, Agiologio Lusitano, cit., p. 105. Ibidem, p. 106. 421

MANUELA MARIA JUSTINO TOMÉ

Diário do Governo n.º 136 de 26 de Junho, e na igreja celebra-se a missa dominical, dando continuidade à anterior elevação espiritual que mereceu a seguinte referência: “(…) & naõ sey se haja na Europa Mosteyro de Monjas, aonde se celebrem os Officios Divinos com tanta perfeyçaõ”16.

16

COSTA, António Carvalho da, – Corografia portugueza e descripçam topografica do famoso Reyno de Portugal, com as noticias das fundações das cidades, villas, & lugares, que contem; varões illustres, gealogias das familias nobres, fundações de conventos, catalogos dos Bispos, antiguidades, maravilhas da natureza, edificios, & outras curiosas observaçoens, Tomo Terceyro, Lisboa: na officina de Valentim da Costa Deslandes impressor de Sua Magestade, & á sua custa impresso, 1706-1712, p. 640. 422

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.