A Atividade Comunicacional e a Informação

June 15, 2017 | Autor: Adriano Rodrigues | Categoria: Comunicação, Ambiente, Informação, Pragmática, Encontro
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A natureza pragmática da comunicação e a informação
The pragmatic nature of communication and the information

Adriano Duarte Rodrigues

Resumo:
Partindo da crítica de algumas das metáforas de transmissão e de partilha de informação, que costumam ser utilizadas para definir a comunicação, este texto procura mostrar que a comunicação é a atividade social por excelência que os seres humanos desencadeiam sempre que se encontram, quer em ambientes físico quer em ambientes criados por dispositivos midiáticos. Tendo em conta esta perspectiva pragmática, procura mostrar em seguida como podemos entender a natureza da relação que a comunicação estabelece com a informação.
Palavras-chave: comunicação, informação pragmática; encontro; ambiente
Abstract:
Starting from the critic or some of the information transmission and partake metaphors, usually employed to define communication, this paper tries to show that the communication is the social activity which human beings break out every time they meet each other, either in a physical or in a mediatic environments. Taking into account this pragmatic point of view, it tries afterwards to show how we can understand the nature of the relationship between communication and information.
Key words: communication; information; pragmatics; meeting; environment.
Introdução
Uma das dificuldades com que se confrontam os estudos da comunicação é a ambiguidade das metáforas que costumam ser utilizadas para a definir. Dizer que a comunicação é transmissão ou partilha de informação e que os discursos comunicados têm conteúdos são algumas destas metáforas. Apesar de muito frequentes, são insustentáveis à luz de simples observações; o seu sucesso tem a ver com o fato de servirem para considerar a comunicação a partir de visões, ao mesmo tempo instrumentais e idealistas.
Dizer que a comunicação é transmissão de informação é pensar que as pessoas comunicam pegando na informação, o suposto conteúdo, para a passar às outras pessoas, ou então como se a comunicação fosse uma espécie de seringa que as pessoas utilizassem para inocularem nas outras pessoas os seus pensamentos e os seus sentimentos. Por seu lado, quando dizemos que é partilha, consideramos a comunicação como uma maneira de dividir os nossos pensamentos e os nossos sentimentos em pedaços para depois os partilharmos ou repartirmos pelas outras pessoas.
Todos sabemos, mesmo sem termos estudado comunicação, que estas metáforas traduzem uma visão errada da comunicação. Quando comunicamos não transmitimos nem partilhamos nada; as ideias e os sentimentos que as pessoas comunicam não saem delas nem são divididas em pedaços, assim como as pessoas com quem comunicamos não recebem as nossas ideias nem os nossos sentimentos. Como a propósito dizem Dan Sperber e Deirdre Wilson,
Estas metáforas fazem-nos pensar que a comunicação verbal é como se fosse o empacotar de um conteúdo (ainda outra metáfora) composto de palavras para o enviar ao receptor e ser desembrulhado por ele no outro extremo. O poder destas figuras de retórica é tal que a nossa tendência é esquecermo-nos de que não é possível ser verdade a resposta que sugerem. (Sperber; Wilson 2001: 25; itálico dos autores)

Estas metáforas sugerem uma visão errada, instrumental e idealista da comunicação. Se estas metáforas dessem realmente conta daquilo que se passa, então a comunicação consistiria em colocar ou em verter ideias e sentimentos em recipientes para depois serem transportados para a mente das outras pessoas. É por isso que as pessoas que pensam a comunicação a partir destas metáforas costumam também utilizar a metáfora do conteúdo. Segundo esta visão, os pensamentos e os sentimentos seriam os conteúdos, as supostas informações, que as pessoas verteriam em discursos, os recipientes, para os transportarem, para os transmitirem às outras pessoas ou para os partilharam com elas.
Por mais aliciantes que estas metáforas possam parecer, aquilo que elas sugerem não resiste à mais elementar observação. Se a comunicação fosse transmissão de ideias ou de sentimentos, as informações, uma vez comunicadas, passariam para as pessoas a quem os tivéssemos comunicado. Como sabemos, por mais que nos esforcemos por comunicá-las, as ideias que nós concebemos e os nossos sentimentos não saem de nós, não são colocados nos discursos e nunca poderão passar a existir nas pessoas a quem os comunicamos. As outras pessoas nunca poderão receber as nossas ideias nem ter os nossos sentimentos. Todos sabemos que a dor de dentes que o paciente sente nunca poderá ser sentida pelo dentista a quem ele a comunica nem o amor do apaixonado poderá ser sentida pela pessoa amada ou por alguém a quem a comunica. Do mesmo modo, as ideias que comunicamos não passam para as outras pessoas. A ideia que eu tenho de comunicação e que pretendo agora comunicar aos meus eventuais leitores não saem da minha mente nem passam a existir na mente dos leitores deste texto. Existe apenas na minha mente e nela ficará. A única coisa que eu posso fazer é levar cada um dos meus eventuais leitores a construírem as suas próprias ideias de comunicação, a partir da leitura que eles fazem das palavras de que é feito este texto. O que eu faço é colocar no papel ou na tela do meu computador representações gráficas que utilizam as convenções da língua portuguesa, sabendo que existem outros seres humanos que, pelo fato de possuírem o domínio dessas convenções, são capazes de despertar, nas suas mentes, ideias sugeridas pelas representações escritas que eu coloquei neste texto. As minhas ideias não podem passar de maneira nenhuma para os leitores deste texto, nem as ideias que os leitores terão no momento em que o lerem, mesmo que me escrevam ou procurem de algum modo comunicá-las a mim, jamais serão as minhas, mas as que eles tiverem nas suas próprias mentes.
A comunicação como atividade interacional
Pensar a comunicação como transmissão de ideias ou de sentimentos e pensar que a comunicação tem conteúdos são, de fato, maneiras idealistas de considerar a nossa experiência da comunicação. É tomar, de algum modo, o nosso desejo pela realidade. Por mais frustrante que possa parecer, o apaixonada morrerá sem nunca poder ter a certeza de que a sua amada realmente compreendeu o amor que tentou comunicar-lhe ao longo da vida, tal como eu nunca saberei se os meus leitores compreenderam realmente as ideias que eu procuro comunicar com este texto, pela simples razão de que a comunicação do amor que o apaixonado sente ou das ideias que eu tenho não passam para as outras pessoas.
Como vemos, a comunicação não é transmissão nem partilha de nada e os discursos não são recipientes em que vertemos conteúdos. De acordo com Randall Colins, a comunicação é a atividade social em que nos envolvemos sempre que encontramos pessoas que reconhecemos mútua e reciprocamente como parceiros de interação, pessoas que estão presentes no mesmo ambiente e que têm a sua atenção focada no mesmo foco de atenção (Collins 2004: 47- 140). Os elementos desta definição compreendem as condições necessárias e suficientes para o desencadeamento dos recursos comunicacionais de que a nossa espécie é dotada. Vou agora procurar explicar cada um desses elementos.
O encontro
A primeira condição para que se possa desencadear a atividade comunicacional é o encontro. Esta condição decorre do fato de a comunicação ser a atividade em que os seres humanos se envolvem, pelo fato de serem animais sociais, mobilizando para esse efeito os recursos de que são dotados para o desencadeamento dos comportamentos apropriados ao desempenho dessa atividade. A competência para o desencadeamento destes comportamentos é adquirida nos primeiros anos de vida, ao longo de um processo a que alguns autores costumam dar o nome de socialização primária e da sua aquisição depende a possibilidade de aprenderem a falar (Berger & Luckmann 1992: 177-188).
Tendo em conta o peso da visão idealista da comunicação, que equivale no fundo a uma visão pretensiosa e arrogante, nunca é demais insistir no fato de que é o encontro de outros seres humanos que desencadeia os comportamentos apropriados da atividade comunicacional. É claro que podemos falar sozinhos, mas estes comportamentos não fazem parte da atividade comunicacional e, por isso, sempre que ocorrem na presença de outras pessoas, estes casos são considerados estranhos e eventualmente indiciadores de alguma deficiência mental. A prova de que é assim é o fato de, sempre que somos apanhados a falar sozinhos, somos imediatamente levados a disfarçar, produzindo comportamentos que levem os outros a pensar que não estávamos propriamente a falar, mas por exemplo a cantar ou a recitar um texto. De qualquer modo, mesmo quando falamos sozinhos não podemos deixar de imaginar a presença de interlocutores imaginários ou de nos desdobramos num outro a quem endereçamos a nossa fala.
O encontro, sobretudo quando ocorre em ambientes físicos e provoca a comunicação face a face, desencadeia estados emocionais mais ou menos fortes responsáveis pelo envolvimento dos interactantes, mobilizando para o efeito o conjunto de todos os recursos verbais, prosódicos, miméticos e gestuais apropriados. No entanto, mesmo quando ocorre em ambientes midiáticos, a percepção da presença de outras pessoas nesses ambientes é necessária para provocar estados emocionais e de envolvimento da mesma natureza, ainda que possam apresentar níveis menos fortes dos que atingiriam se as pessoas se encontrassem face a face, no mesmo ambiente físico.
Quando a atividade comunicacional é bem sucedida desencadeia estados emocionais e envolvimento entre os participantes, manifestando-se através de processos rituais bem sincronizados e gratificantes para todos quantos nela tomam parte, ao passo que, quando é mal sucedida, a atividade comunicacional é desagradável e marcada por dificuldades na sincronização dos comportamentos adotados pelas pessoas que nela tomam parte.
O mesmo ambiente
O encontro pode ocorrer quando nos encontramos no mesmo ambiente físico ou quando nos encontramos em ambientes criados por dispositivos técnicos inventados para esse efeito, dispositivos a que no Brasil se costuma dar o nome de mídias, como é, por exemplo, o caso da escrita, do telefone, da rádio, da televisão ou dos mais recentes dispositivos electrónicos.
Nos encontros que ocorrem em ambientes físicos, a presença corporal das pessoas que tomam parte na atividade comunicacional desempenha um papel fundamental, uma vez que a percepção sensorial do corpo de outras pessoas desencadeia em cada um dos organismos influxos nervosos indissociáveis da comunicação face a face. Nesta modalidade de ambiente, as pessoas monitorizam mútua e reciprocamente os comportamentos verbais, prosódicos, miméticos e gestuais adotados e retiram desse monitoramento os recursos para inferirem, tanto aquilo que pretendem comunicar às outras pessoas, como aquilo que as outras pessoas lhes pretendem comunicar. George Herbert Mead descreveu com precisão estes processos (Mead 1967).
Por seu lado, nos encontros que ocorrem em ambientes produzidos por dispositivos midiáticos, onde decorre a atividade comunicacional midiática, as pessoas que nela tomam parte monitorizam apenas os comportamentos que o dispositivo midiático permite tornar acessível, para poderem inferir aquilo que pretendem comunicar umas às outras. Assim, por exemplo, o dispositivo midiático da escrita põe à disposição das pessoas a representação gráfica alfabética do seu comportamento e só permite por isso monitorizar os comportamentos representados pela escrita, ao passo que os dispositivos electrónicos atuais, que colocam à disposição das pessoas representações gráficas e imagéticas do seu comportamento, permitem monitorizar estas representações dos comportamentos.
Costumamos dizer que estamos no telefone ou na internet. Esta maneira de falar traduz o fato de as mídias nos colocarem nos ambientes que eles criam, ambientes que nos tornam presentes interactantes distintos dos que que partilham connosco o mesmo ambiente físico, mas que nos tornam presentes as pessoas que se encontram no mesmo ambiente criado pelo dispositivo telefónico ou pelo dispositivo electrónico.
É importante sublinhar que mesmo nos ambientes midiáticos o encontro, enquanto percepção da presença corporal das pessoas que neles tomam parte na atividade comunicacional, continua a ser indispensável. A evolução dos dispositivos midiáticos vai no sentido de um aumento da representação corporal das pessoas nos ambientes que eles criam, tornando-a cada vez mais próxima da percepção da presença corporal nos ambientes físicos. O envolvimento na atividade comunicacional em ambientes televisivos depende da força emocional provocada pela representação da presença corporal das pessoas que nela tomam parte. Todos estamos ainda recordados da forte emoção provocada pela imagem, produzida na televisão, do corpinho uma criança síria de 3 anos, estendido debruço, morta em Bodrum, numa praia na Turquia, nos primeiros dias de Setembro de 2015. O envolvimento em programas radiofónicos depende antes de mais da percepção presença corporal representada pelas vozes dos que neles participam. O envolvimento produzido pelas transmissões radiofónicas ou televisivas de atividades desportivas é um outro bom exemplo da força emocional provocada pela percepção sensorial da presença corporal em ambientes produzidos pelos dispositivos midiáticos.
O reconhecimento mútuo e recíproco
O encontro no mesmo ambiente é uma condição necessária, mas não é suficiente para o desencadeamento da atividade comunicacional. É ainda preciso que as pessoas que se encontram, quer no ambiente físico quer no ambiente midiático, se reconheçam mútua e reciprocamente como parceiros de atividade comunicacional. Nesta definição utilizei três noções que precisam de ser clarificadas, as de mutualidade, de reciprocidade e de parceiro de atividade comunicacional.
Alfred Schutz distinguia diferentes modalidades de parceiros de atividade comunicacional. A modalidade mais restrita compreende todas as pessoas que habitam connosco o mesmo território e o nível mais lato é o que compreende o conjunto dos seres humanos que, embora não habitem connosco no mesmo território, reconhecemos como seres humanos nossos contemporâneos (Schutz 1967: 102-107). Podemos evidentemente aceitar ainda o alargamento que Schutz propõe, considerando também como parceiros de atividade comunicacional os nossos antepassados e os vindouros, mas nestes casos o nosso envolvimento com eles não é nem mútuo nem recíproco, uma vez que se realiza apenas através da percepção respetivamente dos documentos que nos legaram e dos documentos que lhes legarmos.
Em todo o caso, os dispositivos técnicos midiáticos permitem alargar incomensuravelmente o nosso envolvimento em atividades comunicacionais, tornando possível o encontro, tanto de contemporâneos que não partilham connosco o mesmo ambiente físico, como em relação aos nossos antepassados e aos vindouros.
Por reconhecimento mútuo designo o fato de cada um dos parceiros de atividade comunicacional reconhecer os outros e por reconhecimento recíproco entendo o reconhecimento que cada uma das pessoas tem de que as outras pessoas também a reconhecem.
É fácil entender por que razão não é suficiente que o reconhecimento seja mútuo para que as pessoas desencadeiam comportamentos comunicacionais. Eu posso reconhecer o meu vizinho no mesmo transporte público em que estou viajando e o meu vizinho pode também reconhecer a minha presença nesse transporte, mas para entrarmos em interação, é ainda necessário que esse reconhecimento seja recíproco, isto é, que eu saiba que ele me reconheceu e que ele saiba que eu o reconheci.
É claro que, em ambientes criados por dispositivos midiáticos, a atividade comunicacional continua a depender do reconhecimento mútuo e recíproco, só que nestes casos este reconhecimento é alargado a todos os seres humanos que estejam presentes no mesmo ambiente criado pelo dispositivo midiático utilizado ou, se preferirmos, que utilizem o mesmo dispositivo. Quando utilizo uma das aplicações da internet como, por exemplo, o Skype ou o Viber, posso desencadear atividades comunicacionais com correspondentes que, embora não estejam presentes no mesmo ambiente físico em que me encontro, estejam presentes no mesmo ambiente criado pela mesma aplicação que eu utilizo. Mas, tal como em ambientes físicos, também nos ambientes midiáticos é necessário que as pessoas se conheçam mútua e reciprocamente como parceiros de interação para que se desencadeie a atividade comunicacional. As pessoas podem, por exemplo, ativar ou desativar as marcas da sua presença nesses ambientes, deste modo permitindo ou impedindo o reconhecimento recíproco da sua presença online.
A atenção focada no mesmo foco de atenção
O encontro e o fato de haver reconhecimento mútuo e recíproco dos outros como parceiros de atividade comunicacional são condições necessárias, mas também não são ainda suficientes para o desencadeamento da atividade comunicacional. É ainda necessário que todos quantos tomam parte nesta atividade tenham a sua atenção focada no mesmo foco de atenção.
Por foco de atenção entendo qualquer objeto de percepção manifesto a todos os que se encontram, quer no mesmo ambiente físico, quer no mesmo ambiente criado pelo dispositivo midiático utilizado por todos quantos tomam parte na mesma atividade comunicacional. Nesta definição existem dois conceitos, o de objeto de percepção e o de manifestação.
Objeto de percepção é qualquer elemento sensorial percepcionado no ambiente em que ocorre o encontro. A simples percepção mútua e recíproca da presença do outro constitui já por si um foco suficiente para desencadear a atividade comunicacional, mas ser manifesto que alguém olha na mesma direção pode constituir um mesmo foco de atenção, distinto do foco de atenção constituído pela percepção mútua e recíproca da presença dos interactantes no mesmo ambiente. Tomemos um exemplo simples. O encontro pela primeira vez no dia de uma pessoa conhecida desencadeia uma atividade comunicacional específica que se manifesta no ato comunicacional da saudação mútua. Não transmitimos nenhuma ideia nem nenhum sentimento, mas adotamos um comportamento orientado para a tarefa de realizar mútua e reciprocamente o ato de saudação. O ato de saudar realizado pela pessoa que toma a iniciativa manifesta com a sua atividade um conjunto de comportamentos, tanto verbais como prosódicos, miméticos e gestuais, que torna manifesto ao(s) outro(s), tanto o objetivo de manifestação do seu reconhecimento como o objetivo de o(s) saudar. É a partir da percepção desses comportamentos que a pessoa saudada infere a intenção de realizar essa atividade. Pelo retorno da saudação, a pessoa saudada manifesta que ela o reconheceu e inferiu a intenção de o saudar, pelo fato de lhe retornar a saudação que lhe foi endereçada.
A natureza arriscada da comunicação
Como vemos, a comunicação não é transmissão nem de partilha de nada; é antes o nome que damos à atividade social realizada em conjunto, provocada pelo encontro com outros seres humanos que reconhecemos como parceiros de interação e que têm a sua atenção focada no mesmo foco de atenção. Esta atividade desencadeia processos inferenciais que fazem com que os intervenientes que tomam parte nesse processo sejam levados a compreender as ideias ou os sentimentos que as pessoas que o adotam provavelmente concebem ou sentem.
Gostaria de sublinhar a importância desta noção de probabilidade para compreendermos uma das características da comunicação, a sua natureza eminentemente arriscada. É arriscada porque os que nela tomam parte nunca podem ter a certeza de terem sido correta e inteiramente compreendidos nem de compreenderem exatamente aquilo que os outros pretendem comunicar. É por isso que, além de nos comportarmos como os outros seres sociais, somos também capazes de comunicar aquilo que não pensamos nem sentimos, assim como podemos querer comunicar, não só mais ou menos, mas inclusivamente o contrário daquilo que dizemos. Assim, por exemplo, o ator, que se esforça por representar os pensamentos e os sentimentos da personagem que incarna, não tem que pensar os pensamentos e que ter os sentimentos que pretende comunicar. Por seu lado, raramente queremos dizer aquilo que as nossas palavras significam, podendo inclusivamente querer dizer o contrário daquilo que elas significam, como é o caso das ironias que, por definição, pretendem dizer o contrário daquilo que as palavras significam.
Por seu lado, independentemente de os outros entenderem ou não aquilo que queremos comunicar, os pensamentos e os sentimentos que os outros elaboram a partir daquilo que comunicamos não são os nossos e por isso escapam completamente ao controlo da pessoa que os comunicou. Assim, por exemplo, os leitores eventuais deste texto poderão conceber pensamentos e ter sentimentos completamente diferentes dos pensamentos e dos sentimentos que eu pretendi comunicar, fazendo intervir suposições completamente diferentes das que eu tive no momento em que o escrevi e suposições que, não só não são as minhas, mas que eu não poderei ter nem controlar.
Acerca da relação da comunicação com a informação
Se levarmos a sério o fato de a comunicação ser a atividade social que os seres humanos desencadeiam sempre que se encontram e se reconhecem como parceiros dessa atividade, temos que rever cuidadosamente a sua relação com a informação. É a esta revisão que vou dedicar esta segunda parte do meu texto.
Há uma ideia muito generalizada de que a comunicação é a expressão de proposições, isto é de enunciados que têm a propriedade de serem verdadeiros ou errados, e de que essas proposições seriam dotadas de conteúdos informativos. A informação corresponderia, por conseguinte, às ideias e aos sentimentos, ao conteúdo das proposições expressas. As chamadas análises do discurso, que pretendem dar conta dos conteúdos proposicionais dos discursos, procurando os critérios que permitem averiguar da sua veracidade, partem desta visão e pensam, por conseguinte, erradamente que a comunicação corresponde à informação transmitida. Esta ideia é insustentável por várias razões.
A natureza autorreferencial da comunicação
A primeira e principal razão tem a ver com o fato de a atividade comunicacional dos seres humanos, ao contrário da atividade comunicacional dos outros seres vivos, ser autorreferencial, isto é, de se referir às suas condições de realização e de realizar efeitos independentes das condições de verdade dos elementos proposicionais daquilo que é comunicado. As condições de compreensão da atividade comunicacional depende do fato de ter sido realizada, de quem a realiza, da(s) pessoa(s) com quem a realiza, assim como do momento e do ambiente em que a realiza e não da veracidade da informação dos seus elementos proposicionais.
É evidente que as condições de verdade das proposições não dependem das condições de compreensão daquilo que está em jogo na atividade comunicacional, pela razão de que as proposições não são autorreferenciais. Mas, quando comunicamos, não produzimos proposições, mas enunciados, isto é, produtos de enunciações. Se repararmos, mesmo os enunciados de proposições matemáticas tornam-se autorreferenciais, uma vez que a compreensão do seu enunciado decorre, não da veracidade dos seus elementos proposicionais, mas do fato de terem sido comunicados.
Como vemos não são proposições, mas enunciados que nós realizamos quando nos envolvemos em atividades comunicacionais. Em matemática, a veracidade de "dois e dois são quatro" não depende evidentemente da sua comunicação, mas quando um professor de matemática diz aos seus alunos na aula dois e dois são quatro, produz um enunciado e este enunciado só pode ser compreendido se tivermos em conta que este professor de matemática o produziu e o endereçou aos seus alunos no ambiente de uma aula de matemática, com uma determinada intenção, a de lhes fazer aceitar a verdade do elemento proposicional deste enunciado. Este exemplo simples mostra a distinção entre, por um lado, os atentados que ocorreram em Paris no dia 13 de Novembro de 2015, acontecimento vivido tragicamente pelas pessoas que se encontravam nos locais e no momento do atentado e, por outro lado, a sua comunicação nos diferentes ambiente midiáticos em que foram relatados.
A autorreferencialidade da comunicação humana é provavelmente a principal razão da diferença entre informação e comunicação. A veracidade de uma informação não depende evidentemente da sua comunicação, mas a comunicação de uma informação faz com que a veracidade dessa comunicação passe a depender das condições de eficácia da sua enunciação, independentemente das condições de verdade das proposições enunciados ou, se preferirmos, da informação. Por outras palavras: a comunicação de uma informação passa a existir no mundo a partir do mundo em que foi realizada, e na medida em que foi realizada, ao passo que os elementos proposicionais a que se refere essa atividade existem no mundo independentemente da atividade comunicacional que a refere. Podemos talvez dizer que o resultado da comunicação de uma informação não é essa informação, mas uma representação dessa informação, o resultado da escolha que alguém fez, não só, de a comunicar, mas de a comunicar a partir do seu lugar de fala, tendo em conta a sua estimativa do suposto interesse da(s) pessoa(a) a quem a comunica, no momento em que a comunica, assim como do modo como a comunica e da seleção dessa informação feita de entre a infinidade de outras informações e da adoção de inúmeras outras perspectivas possíveis para a comunicar.
A comunicação é uma atividade de interação social que produz efeitos
A segunda razão que faz com que a informação seja distinta da informação tem a ver com o fato de a comunicação ser uma atividade que produz, não informações, mas determinados efeitos. Observemos o que se passa quando alguém diz:
Convido-te para jantar.
Peço que me emprestes esse livro.
Felicito-te pelo teu sucesso.
A pessoa que disser o enunciado (1) não está a informar que convida o seu interlocutor para jantar, tal como a pessoa que disser (2) não está a informar que pede esse livro e a pessoa que disser (3) não está informar que felicita o seu interlocutor. Alguns autores, como John Austin (1962) e John Searle (1969), pensam que uma pessoa, ao dizer (1), está fazer um convite, ao dizer (2), está a fazer um pedido e, ao dizer (3), está a felicitar o seu interlocutor. Mas nem sequer esta maneira de ver é correta, como vou agora procurar mostrar.
É verdade que o convite, o pedido e a felicitação supostamente realizadas por (1), (2) e (3), não são acontecimentos que existem no mundo independentemente do fato de alguém dizer estes enunciados, mas que passam a existir precisamente depois de alguém os dizer. Mas se observarmos com atenção o que se passa, podemos reparar que não são essas expressões que fazem só por si existir aquilo que elas dizem fazer. Se assim fosse, quando eu as utilizei neste texto teria feito respetivamente um convite, um pedido e teria felicitado alguém, o que não foi obviamente o caso. Austin e Searle partem, por isso, do princípio errado de que a comunicação consiste naquilo que os enunciados dizem e não da atividade comunicacional ou da interação em que eles ocorrem, isto é, da atividade que os desencadeia assim como dos comportamentos que eles provocam nas pessoa a quem foram endereçados, presentes no mesmo ambiente da pessoa que os disse, e tomaram parte na atividade em que eles estão envolvidos.
Para sabermos em que consiste a comunicação temos, por conseguinte, que ter em conta, ao mesmo tempo, o que levou alguém a dizer aquilo que diz, assim como os comportamentos que o comportamento de dizer desencadeia da parte daqueles a quem são endereçados. Para vermos o que a atividade comunicacional realiza é, por isso, indispensável olhar para as relações que ela se estabelece no ambiente em que é produzida com as pessoas que nele se envolvem na mesma atividade comunicacional. Para podermos averiguar o que atividade comunicacional faz é, por conseguinte, indispensável verificar, ao mesmo tempo, aquilo que a desencadeou e a resposta ou a reação que provoca. Deste modo, (1), (2) e (3) não fazem respetivamente um convite, um pedido e uma felicitação; podem, na verdade, fazer um leque de coisas diferentes. Reparemos que, neste texto, não convidei, nem pedi nada nem felicitei ninguém, mas dei exemplos de enunciados que habitualmente utilizamos para convidar, pedir e felicitar. Para saber o que eu quis fazer quando os escrevi neste texto, o leitor teve que ter em conta o fato de eu os ter inserido, a seguir a enunciados em que os meus eventuais leitores entenderam que eu iria apresentar exemplos e pelo fato de os meus leitores os entenderem como exemplos, uma vez que não vão responder com a aceitação de nenhum convite, com a satisfação de nenhum pedido nem com o reconhecimento de nenhuma felicitação.
Estamos, por conseguinte, a ver o erro em que caem tanto os autores que confundem comunicação com informação assim como os que se propõem fazer análises do discurso, pretendendo dar conta do seu sentido a partir da análise de supostos conteúdos proposicionais dos seus enunciados ou do levantamento dos supostos atos de linguagem. O erro destas análises é a sua natureza solipsista, pelo fato de ignorarem que os discursos são atividades, visando determinados objetivos, realizadas em conjunto pelas pessoas que nelas se envolvem num determinado ambiente, ambiente em que se encontram e se reconhecem mútua e reciprocamente como participantes nessas atividades.
O fato de a comunicação ser uma atividade social, que as pessoas realizam em conjunto, exige evidentemente uma clara revisão da sua relação com a informação. Aquilo que a atividade comunicacional realiza não existe antes de ela o ter realizado ou, se preferirmos, a comunicação não reproduz o que já existe, mas coisas que passam a existir no mundo a partir do momento em que a atividade comunicacional as faz existir. É por isso que pensar a comunicação como transmissão de informação é uma ideia errada. A atividade comunicacional pode ter como objetivo fazer crer, impor, convencer alguém da veracidade dos elementos proposições dos enunciados e podemos dar o nome de informações a esses elementos proposicionais, mas nem a comunicação consiste nesses elementos nem, como vimos, a comunicação consiste na transmissão desses elementos, mas em comportamentos que as pessoas consideram apropriadas para tentar levar o(s) interlocutor(es) a crer, para lhe(s) impor ou para o(s) convencer da sua veracidade. Levar a crer, impor, convencer de alguma coisa são atos que não existem no mundo antes de atividade comunicacional de alguém os realizar e por isso quando comunicamos não estamos propriamente a informar, mas a realizar, pela primeira vez, estes atos.
É evidente que desde sempre as atividades comunicacionais realizaram atos de fazer crer, de convencer, ou de impor elementos proposicionais, mas de cada vez que alguém desencadeia uma atividade comunicacional não informa que os seres humanos desde sempre fizeram crer, persuadiram ou convenceram outros seres humanos, mas a realizar um novo comportamento que realiza novos atos de fazer crer, de impor ou de convencer.
A comunicação é uma atividade social argumentativa
Mas há ainda uma outra razão para distinguirmos comunicação e informação. Para entendermos esta terceira razão vejamos os seguintes exemplos:
O William está com Parkinson, mas é segredo.
Já que sabes tudo diz lá qual é o número da lotaria que vai ganhar.
Estás livre no fim de semana? é que vai estar um tempo maravilhoso.
O emprego de mas em (4), de já que em (5), de é que em (6) relacionam aquilo que é dito, não com qualquer informação, mas com o fato de dizer aquilo que o falante diz. Assim, em (4) não é a informação de que o William tem Parkinson que é secreta, mas sim o fato de a referir, de a comunicar. Em (5) o falante não informa o seu interlocutor de que sabe tudo; ao empregar já que refere ironicamente que a suposição de que o seu interlocutor diz que sabe tudo não resiste ao contra fato da impossibilidade de prever qual é o número da lotaria que vai sair. Em (6) é que introduz a razão de o locutor perguntar ao seu interlocutor se está livre no fim de semana, o que o leva a inferir que o pretende convidar para alguma atividade no fim de semana. Como vemos, a atividade comunicacional refere não conteúdos informativos, mas realiza efeitos argumentativos jogando com aquilo a que Ducrot e colaboradores dão o nome instruções de uso dadas pelos conectores, unidades que tinham como função conectar, ora enunciados entre si, ora enunciados com o fato de serem ditos ou de serem enunciados (Ducrot et al. 1980; 1980 a).
Como vemos, a comunicação não é instrumento para transmitir informações, mas para produzir determinados efeitos ou para atingir determinados objetivos, tais como, entre outros, convencer, prometer, fazer pedidos, convidar, sugerir, emocionar, aconselhar.
A comunicação é, portanto, para os seres humanos, uma atividade distinta da informação dos elementos informativos das proposições eventualmente enunciadas.
Como vemos, não se pode confundir informação com a atividade comunicativa. Em primeiro lugar, a atividade comunicativa decorre, como vimos, no quadro de um ambiente interacional e é dotada de performatividade, fazendo existir os atos que realiza. Em segundo lugar, na grande maioria das vezes, a comunicação é uma atividade que é formada por comportamentos específicos que mobilizam dispositivos que visam suscitar da parte das outras pessoas processos inferenciais que os fazem compreender coisas muitas vezes diferentes daquelas que os comportamentos significam.
A informação é uma noção plurívoca e relativa
Vejamos então agora em que consiste a informação e qual a natureza da sua relação com a atividade comunicativa.
Não existe uma noção unívoca de informação, uma vez que este termo, tanto pode referir uma teoria matemática e uma teoria física, como pode ser utilizada para referir qualquer conjunto de acontecimentos.
Para a teoria matemática, informação é a medida estatística da probabilidade de um determinado evento ocorrer, sendo a sua informação tanto maior quanto menor for probabilidade da sua ocorrência e será tanto menor quanto maior for a probabilidade da sua ocorrência. Deste ponto de vista, é pouco informativo a informação de que há uma alternância dos dias e das noites, ao passo que a ocorrência de um terramoto é dotado de valor informativo relativamente maior.
Mas o termo informação é também um conceito central na teoria dos sistemas, onde designa a ocorrência de qualquer elemento que tenha a propriedade de contrariar a tendência desse sistema para a entropia ou para a sua desorganização e que, deste modo, contribui para a manutenção da sua organização.
No uso comum, o termo informação é utilizado para designar coisas diversas. Por vezes, falamos de informação para designar qualquer conjunto de acontecimentos armazenados e disponíveis em bases de dados. Neste sentido, a informação é o produto de um trabalho de recolha, tratamento, registo e armazenamento. Mas também se entende muitas vezes por informação o conjunto dos acontecimentos selecionados pelas agências de notícias e pelos profissionais das mídias. Neste último sentido, informação não é um conceito que tenha uma referência substancial, nada é em si mesmo informação; a informação é, então, qualquer acontecimento, a partir do momento em que é selecionado pelos agentes dos organizações que gerem as mídias como dotado de valor informativo, tendo em conta determinados critérios, em particular o critério do suposto interesse dos seus públicos, o critério de mudar o curso habitual dos acontecimentos ou o critério de ser relevante para o funcionamento de diferentes instituições sociais. Deste ponto de vista, um ataque terrorista, um terramoto ou uma catástrofe natural são evidentemente acontecimentos dotados de indiscutível valor informativo, uma vez que são inesperados, alteram as expectativas habituais, os projetos ou os investimentos das pessoas ou das instituições.
É o critério da sua natureza inesperada que leva alguns autores a relacionarem o sentido de informação noticiosa com o sentido que lhe é dado na teoria matemática da informação, segundo a qual é a improbabilidade da ocorrência que define o valor informativo de um acontecimento.
Conclusão
A utilização das metáforas da transmissão ou da partilha de um conteúdo na definição de comunicação não seria preocupante se não tivesse consequências desastrosas. A consequência mais desastrosa destas metáforas é a de esconderem ou de fazerem esquecer o fato de a comunicação ser uma atividade que as pessoas realizam em conjunto, inclusivamente a atividade de informar.
Estas metáforas visam fazer esquecer que a comunicação é o conjunto dos comportamentos que os seres humanos adotam sempre que se encontram, mobilizando para esse efeito o conjunto dos recursos apropriados a esse efeito de que são dotados enquanto uma das espécies de antropóides. A comunicação não é, por isso, nem transmissão nem partilha, mas comportamentos das pessoas encadeados com os comportamentos das outras pessoas, tendo em conta aquilo que está em jogo em cada momento, utilizando, para isso, não só os recursos da linguagem, mas também a mímica, a gestualidade, os movimentos do corpo.
Parece fácil distinguir a informação da comunicação, considerando a comunicação como a dimensão abrangente das interações e a informação como uma das suas dimensões. Deste ponto de vista, para que um processo interacional seja dotado de uma dimensão informativa, as interações devem apresentar as seguintes características: 1) ser constituídas por enunciados organizados em frases dotadas de componentes proposicionais; 2) as componentes proposicionais dos enunciados devem assertar, quer de modo positivo quer de modo negativo, determinados estados de coisas; 3) os falantes devem supor que os estados de coisas referidos pelos enunciados por eles assertados são desconhecidos dos seus interlocutores.
Em muitas das interações que observamos na vida cotidiana, quer as que são realizadas em situações face a face, quer as que são realizadas em ambientes midiáticos, observamos importantes e longos processos interacionais que não apresentam qualquer dimensão informativa. É o caso, por exemplo, das saudações, das despedidas ou das trocas verbais em que as pessoas falam pelo simples prazer de manterem o contato entre si.
Deste modo, quando pretendemos analisar a comunicação, nos limitando a dar conta da dimensão informativa das proposições enunciadas, estamos a reduzir os processos interacionais aos seus valores de verdade e, deste modo, a apreciar apenas a sua componente proposicional, esquecendo que a comunicação compreende uma grande variedade de outros atos, tais como, por exemplo, saudações, elogios, acusações, despedidas, promessas, perguntas, pedidos, conselhos, convites.
Alguns autores tentaram considerar a dimensão informativa destes atos ilocutórios, mas confrontaram-se evidentemente com uma tarefa impossível, uma vez que, por exemplo, uma saudação ou uma promessa não consiste em informar alguém de que se está a dirigir-lhe uma saudação ou de que se está a prometer alguma coisa, mas antes em realizar uma saudação ou a fazer uma promessa.
Apesar de parecer fácil, esta distinção é demasiado simplista e não dá conta daquilo que observamos quando procuramos dar conta daquilo que as pessoas fazem quando interagem entre si. Como vamos ver agora, há enunciados que, apesar de não serem frases nem possuírem conteúdo proposicional são dotados de valores informativos e, por outro lado, há frases que as pessoas produzem e que, apesar de possuírem componentes proposicionais, não são dotadas de qualquer valor informativo. Por seu lado, poderemos também observar, em muitos casos, que há enunciados que apresentam frases dotadas de componentes proposicionais que os falantes supõem não ser do conhecimento de alguns dos seus interlocutores e ser já conhecimento de outros interlocutores, possuindo por isso valor informativo para os primeiros, ao passo que não possuem qualquer valor informativo para os segundos.
Para ilustrarmos estas distinções, vejamos o seguinte exemplo retirado da introdução de uma entrevista de Vitor Gonçalves (VG) a Ney Matogrosso (NM), na RTP Informação, no dia 5 de Dezembro de 2014:
1 VG: Trinta minutos para conversar com o artista brasileiro Ney
2 Matogrosso. Ney, muito obrigado por ter vindo à RTP Informação.
3 NM: ((baixa a cabeça)) Obrigado você.
4 VG: O Ney está em Portugal para três espetáculos esta semana,
5 em Lisboa e no Porto. Quem for assistir ao seu show o que é que vai ver?
7 NM: Vai ver um show onde eu tou lançando assim vários
8 compositores novos, essencialmente ehhhh grupos musicais, assim
9 bandas, né? Ehhhh é um show com um::::a primeira vez eu uso
10 assim um equipamento de luz. (...)

Nas linhas 5 e 6, o entrevistador diz que o entrevistado vai dar três espetáculos na semana em que a entrevista é apresentada. Este enunciado utiliza uma frase dotada de uma componente proposicional, mas não possui obviamente valor informativo para o entrevistado, Ney Matogrosso, que obviamente já sabia a programação dos seus espetáculos, e o entrevistado sabe isso. Este enunciado só possui valor informativo para uma parte da audiência, aquela que o entrevistador supõe que não está ao corrente da programação dos espetáculos de Ney Matogrosso. Como vemos por este primeiro exemplo, nem sempre os enunciados possuem valor informativo para os interlocutores que partilham o mesmo ambiente físico, mas para interlocutores presentes no ambiente midiático, ausentes do mesmo ambiente físico do locutor. Neste caso, apesar de o entrevistador se dirigir diretamente a Ney Matogrosso, a informação daquilo que lhe diz destina-se não a ele, mas aos telespetadores, à audiência da entrevista. Como vemos, a informação é uma noção relativa: uma mesma componente proposicional comunicada pode ser informativa para umas pessoas e não o ser para outras.
Mas este exemplo mostra também que a comunicação de uma informação é independente da informação comunicada. A comunicação da informação, nas linhas 4 e 5, de que Ney Matogrosso ia dar três espetáculos esta semana, em Lisboa e no Porto produz o efeito de promover junto da audiência o interesse pelos espetáculos e levá-los assim eventualmente a assistir aos concertos. Isto mesmo é confirmado pela resposta do próprio Ney Matogrosso, na linha 7: vai ver um show...
Foi a partir da observação atenta de muitos exemplos como este que formulei as propostas apresentadas neste texto. Ao apresentar este exemplo tive a intenção, não só as ilustrar, mas sobretudo de convidar o leitor a comprovar por si próprio a análise aqui proposta, a partir da observação atenta de outros exemplos da sua escolha. Poderá então verificar por si próprio:
1. a autonomia da informação em relação à atividade comunicacional;
2. a natureza interacional da comunicação, visto ser a atividade em que os seres humanos se envolvem sempre que se encontram no mesmo ambiente, atividade de que decorrem determinados efeitos;

3. a natureza relativa do valor da informação, uma vez que cada uma das componentes proposicionais dos enunciados comunicados não possui um valor informativo absoluto para todas as pessoas, mas pode ter um valor informativo maior para umas pessoas do que para outras pessoas, e inclusivamente ter valor informativo nulo para outras pessoas.


Referências:
AUSTIN, John Langshaw. How to do Things with Words. Oxford. Oxford University Press. 1962.

BERGER, Peter; LUCKMANN, Thomas. La Construction Sociale de la Réalité. Paris. Méridiens Klincksieck. 1992.

COLLINS, Randall. Interaction Ritual Chains, Princeton and Oxford. Princeton University Press. 2004.

DELEUZE Gilles; GUATTARI, Felix. Mille Plateaux. Capitalisme et Schizophrénie., Paris, ed. de Minuit. 1980.

DUCROT, Oswald. et al. Les Mots du Discours, Paris, ed. de Minuit. 1980.

DUCROT, Oswald. Les Echelles Argumentatives, Paris. ed. de Minuit. 1980 a.

LOGAN, Robert King. Que é Informação? A propagação da organização na biosfera, na simbolosfera, na tecnosfera e na econosfera. Rio de Janeiro. Editora PUC Rio. 2012.

Mead, George Herbert. Mind, Self and Society from the Standpoint of a Social Behaviorist, Chicago, Chicago University Press, 1967.

RODRIGUES, Adriano Duarte. A Partitura Invisível. Para uma Abordagem Interactiva da Linguagem. Lisboa. Colibri. 2. ed. 2005.

RODRIGUES, Adriano Duarte. O Paradigma Comunicacional, Lisboa. Fundação Calouste Gulbenkian. 2011.

SCHUTZ, Alfred. The Phenomenology of the Social World. Northwestern University Press. 1967.

SEARLE, John R. Speech Acts: An Essay in the Philosophy of Language. Cambridge. Cambridge University Press. 1969

SPERBER, Deidre.; WILSON, Dan. Relevância: Comunicação e Cognição. Lisboa. Fundação C. Gulbenkian. 2001 (original: 1995).

Acerca do autor:

Adriano Duarte Rodrigues é Professor Emérito da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Principais obras publicadas: Estratégias da Comunicação (Lisboa, ed. Presença, 2001, 3. Ed.), Comunicação e Cultura (Lisboa, ed. Presença, 2010, 3. Ed.) A Partitura Invisível (Lisboa, ed. Colibri, 2005, 2. Ed.), O Paradigma Comunicacional, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2011). Email: [email protected].


Há evidentemente mídias que se destinam a outros efeitos, utilizados em medicina, como é o caso, por exemplo, dos órgãos artificiais, dos marcapassos, das próteses. A natureza incorporada e imperceptível da sua técnica e do seu funcionamento é idêntica à dos dispositivos midiáticos da comunicação.
A sociogênese destes dispositivos é caraterizada por ser um processo que visa a invenção de dispositivos técnicos que tenham cada vez maior capacidade para representar e tornar manifestas às pessoas que estão presentes nos meios por eles criados cada vez mais componentes materiais da atividade comunicacional face a face.
Por isso Deleuze e Guattari "diziam que a professora não se informa quando interroga um aluno, tal como não informa quando ensina uma regra de gramática ou de cálculo" Deleuze; Guatari 1980, p. 95).
A estas unidades conectoras, que servem para conectar entre si dois ou mais enunciados, deram Oswald Ducrot e os seus colaboradores o nome de palavras do discurso, mots du discours, assinalando a importância do seu papel na atividade argumentativa da comunicação (Ducrot et al. 1980; 1980 a).
O leitor pode encontrar uma excelente síntese destas diferentes noções de informação em Logan 2012.
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