A Biografia do Poder: Carreiras Políticas no Parlamento Português

October 10, 2017 | Autor: Bruno Bernardes | Categoria: Political Parties, Parliament, Professionalization, Political carreer
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BRUNO GONÇALVES BERNARDES

A BIOGRAFIA DO PODER

CARREIRAS POLÍTICAS NO PARLAMENTO PORTUGUÊS

Ficha Técnica Título Original: A Biografia do Poder: Carreiras Políticas no Parlamento Português © Autor: Bruno Gonçalves Bernardes 1ª Edição: Depósito Legal nº: ISBN: Capa: J. L. Vieira Imagem da capa: “Lutemos contra a fome”, Mário Rocha. Foto gentilmente cedida pelo artista. Composição e Paginação: J. L. Vieira Impressão e Acabamento: Citação: BERNARDES, Bruno (2013). A Biografia do Poder: Carreiras Políticas no Parlamento Português. Lisboa: Fonte da Palavra. © Fonte da Palavra, Lda Rua Martins Sarmento, 15-A 1170-226 Lisboa Telf.: 211 589 944 – Fax: 211 589 942 http: //www.fontedapalavra.com e-mail: [email protected] © Observatório Político – Colecção de Estudos Políticos Avenida Elias Garcia, nº 123 7º E 1050-098 Lisboa Telf: 218 208 875 http://www.observatoriopolitico.pt e-mail: [email protected] TODOS OS DIREITOS RESERVADOS Sem autorização expressa dos autores ou editor, não é permitida a reprodução parcial ou total desta obra, desde que tal reprodução não decorra das finalidades específicas da divulgação e da crítica.

Somos o que pensamos. Tudo o que somos surge com os nossos pensamentos. Com os nossos pensamentos, fazemos o nosso mundo. Buda

Para os meus pais, pelo amor incondicional. Para a Catarina, pelo muito que virá.

Para o Observatório Político, pela força, apoio e dedicação. Para os amigos, que me têm ensinado a paixão pelo político.

ÍNDICE AGRADECIMENTOS ..........................................................11 PREFÁCIO de José Adelino Maltez ....................................13 INTRODUÇÃO ......................................................................17 Contexto e aplicação .......................................................................19

CAPÍTULO 1 Carreiras Políticas no Contexto Português ...23

Carreira política ...............................................................................27 Constrangimentos institucionais na Assembleia da República ...30 Recrutamento parlamentar ............................................................34 Profissionalização política .............................................................38 Carreiras e formação de elites políticas .......................................43

CAPÍTULO 2 Ao Encontro da Percepção dos Deputados ...45

Perfil sociodemográfico ..................................................................45 Idade .............................................................................................45 Género ..........................................................................................47 Carreira e formação profissional ..............................................51 Interesse na política .........................................................................57 Os caminhos do recrutamento .......................................................66 Militância partidária ...................................................................67 Experiência autárquica ...............................................................74 Experiência governativa ............................................................76 No momento do recrutamento .................................................78 O caso da profissionalização ..........................................................86 Carreira profissional e carreira política ...................................87 9

Reeleição .......................................................................................92 Elites e carreirismo na Assembleia da República ........................96 O papel da elite política .............................................................97 Sintetizando percepções e padrões .............................................101

CAPÍTULO 3 A Fotografia Possível .................................105 Padrões entre PS e PSD .................................................................105 O cenário da profissionalização política em Portugal ..............106 Integração na elite política ...........................................................110

CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................113 BIBLIOGRAFIA ...........................................................................117 ANEXO ...........................................................................................125

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AGRADECIMENTOS Quero começar por agradecer a oportunidade dada pelo Observatório Político e, em especial, pela Professora Cristina Montalvão Sarmento em apoiar a publicação de uma tese desta natureza. Primeiro por ser rara a publicação de uma tese de mestrado, segundo por ser uma obra de carácter puramente qualitativo e terceiro porque é necessária coragem para se formar jovens investigadores no cenário actual. A titulo pessoal não gostava de deixar de agradecer aos amigos e investigadores do Observatório Político, Gilberto Pereira, João Mártires, Catarina Santos, Suzano Costa, Patrícia Oliveira, Vasco Batista, Ana Guardião, Ana Meireles, Paulo Barcelos, Alain Montalvão Lantoine, André Rato, Marta Ceia e Joana Ferreira, principalmente pelos tempos de aprendizagem e troca de ideias. Também um carinho especial às colegas Andreia Nunes, Salomé Gomes e Denise Bernuci da Silva. Não me posso esquecer dos amigos José de Faria e André Dahre, que partilharam comigo de uma forma profunda e carinhosa a minha estadia em Estocolmo. Entre aqueles que tornaram possível este trabalho não me poderia esquecer da comunidade portuguesa na Suécia bem representada pela Sílvia Sardeira e João, Leonel Silva, pelo incansável Hélder Ribeiro, pelos cozinhados do Vítor e da Lena Rodrigues, pelo Pedro Bjorn, pela Cátia Cerqueira, Nélson Lima, Catarina Ferreira e em muito especial à Catarina Stichini, leitora do Instituto Camões e incansável amiga. Ainda pelos amigos Darius Kaziukenas, Viktor Ahlinder, Anna Horgby, Evelyne de Boeck, Faradj Goulou-Koliev, Ghenadie e Mikael Sandström. Pelo departamento de ciência política da Universidade de Estocolmo gostava de agradecer à Michele Micheletti pela crítica sempre tenaz e contundente, ao Pasquale Criscenti pelo apoio institucional e finalmente à Jenny Madestam pela orientação do meu trabalho. Finalmente, deixar uma nota de agradecimento ao Professor José Adelino Maltez e à Professora Raquel Patrício por nunca se terem esquecido de encorajar e inspirar o meu trabalho científico. 11

PREFÁCIO O perigo da partidocracia e da democratura O meu antigo aluno Bruno Bernardes, procura enfrentar um dos problemas clássicos da degenerescência de qualquer regime político. Porque, em qualquer democracia impõe-se tanto uma liderança governativa, como a participação dos cidadãos nas decisões, mas essas duas exigências são sempre acompanhadas pelas doenças do elitismo, por um lado, e da indiferença ou apatia das massas, por outro. A necessidade de governabilidade e de liderança tende para o estabelecimento de uma elite no topo da pirâmide do poder, muitas vezes marcada pelo facciosismo da partidocracia, pelo burocratismo e pelo fenómeno da compra do poder ou da corrupção. Aliás, segundo os clássicos greco-romanos, a monarquia degenera em oligarquia, a que se sucede a democracia, o governo dos pobres contra os ricos, que, depressa, é dominada pelo cesarismo e, em seguida, pela tirania. Uma das causas tem a ver com os chamados profissionais da política que têm uma carreira, a que deriva do latim carrus, carro, caminho de um carro. Uma gradação hierárquica de cargos, implicando um cursus honorum, uma hierarquia de subida, com sucessivas honras, por etapas. É o que também acontece na burocracia do Estado moderno, racional-normativo, com funcionários que assumem um direito à carreira, mas esta deve ser marcada pela competência, em vez da fidelidade, como assinala Max Weber. É o que não acontece na degenerescência da partidocracia, onde a organização, pressionada pela hierarquia, é dominada pelo aparelhismo oligárquico, ameaçando transformar a classe política numa casta de políticos profissionais. Na verdade, desde Robert Michels, se diz que todos os partidos estão sujeitos à lei de bronze da oligarquia; que a democracia desemboca naturalmente numa oligarquia, marcada pela vontade 13

de poder, porque “quanto mais massificação mais organização”. Que quanto mais divisão de trabalho, mais necessidade de uma classe de políticos profissionais e de peritos. Até porque todo o partido político, para ganhar votos, tem de perder a sua virgindade política e entrar em relação de promiscuidade com os elementos políticos mais heterogéneos. Estava, então, a analisar o SPD, o principal partido de organização de massas na viragem do século XIX para o século XX, falando na lei de bronze da oligarquia, segundo a qual quem diz organização diz necessariamente oligarquia, na emergência dentro destes novos grupos, de uma “nova minoria organizada, que se eleva à categoria de classe dirigente”. Contudo, este pessimismo antropológico agrava-se quando enfrentamos os novos modelos de partidos do pós-guerra, os partidos catch all, attrape tout ou pigliatutto, especialmente em tempo de teledemocracia e de sondajocracia. Conforme Maurice Duverger, eles “tendem à criação de novas elites”. Porque “qualquer governo é, por natureza, uma oligarquia (…) é preciso substituir a fórmula “governo do povo pelo povo” por esta “governo do povo por uma elite saída do povo” (…) Historicamente, os partidos nasceram quando as massas populares começaram realmente a entrar na vida política: formaram o quadro necessário que lhes permitiu recrutar nelas mesmas as suas próprias elites”. Porque, depois de 1945, à democracia liberal, sucedeu uma tecnodemocracia, fundada em vastas organizações, complexas e hierarquizadas, com uma nova oligarquia que depende mais do Estado que na anterior ordem assente na concorrência de pequenas unidades autónomas. Isto é, tudo quanto é organização traduz necessariamente mais oligarquia, naquilo que Michels qualifica como Ehernes Gesetz der Oligarchie, expressão depressa traduzido para inglês como iron law e para francês como loi airian. Uma metáfora que invoca o sentido duro e eterno de alguns minérios. Retoma, deste modo, as teses de Gaetano Mosca, para quem uma minoria organizada domina sempre uma maioria desorganizada. Diremos apenas que o maquiavelismo, além de uma péssi14

ma moral, é também uma péssima política, conforme diz Wilhelm Röpke. Parecendo vencer no curto prazo, acaba por também ser uma péssima política, porque perde a aparente razão, logo que desaparece a breve interrupção do vazio de política, quando os povos, aparentemente anestesiados, recobrarem a normalidade e descobrirem todos meandros das pressões ocultas dos vários neocorporativismos que estão a transformar a democracia numa democratura, para utilizar-se uma expressão consagrada por Guy Hermet. Continua e continuará, entretanto, a eterna dúvida de sabermos se, em política, os estados de violência não poderão ser tão ou mais violentos que os próprios actos de violência. Como Jacques Maritain tenta responder, “uma política não maquiavélica é obrigada a não cometer o mal. Não é obrigada a fazer reinar a virtude por toda a parte (…) Não é falta moral aceitar serviços duma mão suja quando esse é o único meio de assegurar o êxito duma empresa tão arriscada como uma campanha militar, porque a política é arte de escolher entre grandes inconvenientes”. Importa, pois, repensar o grito de alerta de Alexandre Herculano, de 1853: “que a vida política seja levada a todas as extremidades do corpo da nação. Queremos que a vida local seja uma realidade, para que o Governo central possa representar o pensamento do País. Detestamos todas as tiranias, seja qual for o nome com que se disfarcem, seja a tirania dos reis contra os povos, dos privilegiados contra a plebe, da capital contra as províncias, de uma facção contra o País, ou de uma oligarquia de especuladores políticos contra a totalidade dos cidadãos”.

José Adelino Maltez

Investigador Doutorado do Observatório Político Professor Catedrático, Universidade de Lisboa Investigador Doutorado do Observatório Político 15

INTRODUÇÃO Ao longo destes últimos anos, tem reaparecido no debate político a discussão acerca da crise dos partidos e do sistema representativo, especialmente motivada pela falta de engajamento político dos cidadãos. Apesar de este debate ter-se tornado urgente e público, ele tem uma raiz cultural e académica. Por um lado, o relacionamento histórico dos portugueses com a política e em especial com a governação dos destinos do país tem sido marcada pelo distanciamento e pela desconfiança, que mutuamente se alimentam. Por outro lado, há muito que a academia portuguesa tem reflectido acerca da participação dos cidadãos nos processos de recrutamento ou na decisão política. Pese embora terem-se dado início a dinâmicas de aprofundamento da participação cidadã através dos orçamentos participativos municipais, a inclusão de independentes nas listas e a competição eleitoral de movimentos de independentes, o sistema eleitoral português continua a privilegiar os partidos que possuem o monopólio do recrutamento político e estes continuam a ser citados como organizações com pouco enraizamento social. Aliando-se este distanciamento à desconfiança pela gestão e pelo discurso político, parece que nos encontramos numa encruzilhada. O relacionamento dos portugueses com a política e a visão que têm sobre a política e o que ela representa são suportados por uma imagética de dominação, interesses escondidos ou lideranças autoritárias. A isto acrescem mais de quatro décadas de ditadura que acabaram por socializar várias gerações de portugueses e que têm impacto num discurso social que parece privi17

legiar o nada fazer pois nada é possível mudar. O poder é socialmente considerado como uma estrutura de interesses velados, inacessível, ou seja, tudo o que contraria a natureza do poder democrático tal como está consagrado na nossa constituição. Neste contexto, falta ainda uma aprendizagem democrática que facilite e permita o engajamento político e uma compreensão mais ampla dos processos políticos e dos agentes que dele fazem parte. Como falta também às instituições e aos agentes políticos uma outra forma de agir e de interagir. Neste sentido, e ao longo das últimas décadas, tem crescido o interesse entre a academia portuguesa pelo fenómeno partidário e tudo o que a ele diz respeito, como sejam o recrutamento parlamentar e de governo, as dinâmicas do sistema partidário, o sistema eleitoral ou a profissionalização política. Em Portugal, o estudo dos partidos e dos agentes políticos tem-nos remetido para o monopólio partidário do sistema representativo. Paralelamente, o institucionalismo tem permitido uma definição singular do comportamento, papéis e expectativas dos agentes políticos, ao mesmo tempo que constrói um encadeamento ontológico e epistemológico que interliga os estudos sobre quem nos governa e como o faz. A inclusão do agente político nas instituições e a socialização do sistema democrático tem também um papel importante na consolidação das democracias. Vários têm sido os estudos acerca da importância das elites para a consolidação e definição dos sistemas políticos, bem como da atuação e funcionamento das instituições. Por isso, tem crescido o número de estudos que reflectem sobre a percepção que os agentes políticos têm sobre si próprios e do seu papel. A percepção do papel das elites depende da forma como são recrutadas e como representam os cidadãos em cargos públicos. No entanto, os agentes políticos estão sujeitos aos constrangimentos institucionais criados por normas e processos de socialização. A par destes constrangimentos, a profissionalização tem sido referida como um processo que os agentes políticos utilizam 18

para se distanciar não só dos grupos socioeconómicos que representam mas também das instituições onde estão inseridos. Neste debate, os parlamentos têm sido vistos como instituições secundárias que os partidos e os agentes políticos usam para determinadas estratégias, dando maior ênfase ao executivo. No entanto, os parlamentos têm aumentado a sua capacidade fiscalizadora, através do reforço da sua componente técnica, exigindo valências diferenciadoras tanto dos partidos como dos deputados. Para os primeiros, este processo exige novo tipo de recrutamento e seleção de elites. Para os segundos, exigem-se novas formas de gestão da sua carreira política. Ao longo de várias décadas, a ciência política não tem abordado de forma sistemática a formação de carreiras políticas como elemento de percepção da evolução dos sistemas políticos e da evolução organizativa dos partidos. O conceito de carreira política tem sido fugazmente tratado através do estudo das estruturas de recrutamento dos partidos, da profissionalização e das elites políticas. No entanto, não ganhou até agora autonomia própria, por forma a que se conheçam os padrões de formação e trajectória dos agentes políticos no contexto de consolidação democrática. Além disso, a descrição de padrões de carreira política permite fazer um retrato da actual geração de políticos da democracia portuguesa. Desta forma, pretendemos pôr a nu este conceito através do estudo biográfico de alguns deputados portugueses da XIX legislatura. Queremos perceber como as carreiras políticas foram planeadas, qual a percepção que o deputado tem do sistema de profissionalização e de que forma se integra entre as elites políticas nacionais.

Contexto e aplicação

De forma a delimitar o âmbito deste estudo e por forma a recolher dados acerca das características e dos padrões de carreira política, entrevistaram-se dezanove deputados da XIX legislatura, sete do Partido Socialista (PS) e doze do Partido Social-Demo19

crata (PSD). Por um lado, a escolha por estes partidos prende-se com a necessidade de descrever e categorizar os dois maiores partidos com assento parlamentar. No sistema semipresidencialista português o partido com mais votos nas eleições legislativas é convidado pelo Presidente da República a formar governo. Ao segundo maior partido é lhe reservado um papel essencial na oposição no legislativo, especialmente quando o partido ou partidos de governo não têm maioria absoluta no parlamento. Desde 1976 que tanto o PS como o PSD têm sido os maiores partidos com assento parlamentar, ocupando o executivo isoladamente ou em coligação com o Centro Democrático Social/Partido Popular (CDS-PP). Por outro lado, permite-nos abarcar mais experiências de carreira política pois é entre estes dois partidos que são recrutados mais indivíduos para variados cargos executivos e de nomeação e representação política nacional ou local. Também a escolha pela XIX legislatura permite-nos ter um acesso a agentes políticos em processo efectivo de construção de carreira política, ao mesmo tempo que permitiu o acesso a agentes políticos em contexto institucional. A escolha destes dezanove deputados segue a categorização já feita por estudos portugueses acerca do tipo de recrutamento e dos recrutados para o parlamento português como Freire (2001, 2002), Freire e Pinto (2003), Teixeira (2009) e Freire, Moreira e Meirinho (2010). A partir destes estudos construímos um grupo de entrevistados tendo em vista a média de idades, da distribuição por sexo, do tipo de atividade profissional e da classe socioeconómica, bem como da representação de ambos os partidos na actual legislatura. No entanto, e sendo este um estudo puramente qualitativo, este grupo não é uma amostra e por isso não foi constituído como tal, pretendendo apenas ilustrar uma média de resultados em torno de um perfil médio de deputado à Assembleia da República. O presente estudo assume um carácter inteiramente qualitativo e indutivo (Sarmento, 2003). A indução permite-nos descrever, 20

a partir de uma generalização limitada, os padrões associativos encontrados num determinado fenómeno social (Blaikie, 2010: 83). Ao mesmo tempo, este centra-se numa técnica qualitativa de tipo biográfico focado na percepção e atribuição de papéis feita pelos agentes políticos entrevistados. O método biográfico tornou-se um corpus metodológico baseado em técnicas muito diversas (Faux, 2003; Pimlott, 1990; Roberts, 2001; Rosenthal, 2004). Desde a publicação em 1920 de The Polish Peasant in Europe and America por Thomas e Znaniecki, este método passou a centrar-se nas experiências e atitudes que constituem a realidade social em paralelo com a organização formal das instituições (Chamberlayne, Bornat & Wengraf, 2000; Riemann, 2002; Rosenthal, 2004). Tal como consideram Gütlekin, Inowlocki e Lutz (2003), a análise biográfica é uma abordagem que nos permite compreender de que forma os indivíduos fazem parte de um determinado contexto social e de que forma o percepcionam. Escolhemos uma perspectiva metodológica baseada nos indivíduos (Merrill & West, 2012; Faux, 2003; Rosenthal, 2004) por forma a capturar padrões e formar perfis de carreiras políticas. Tomando em consideração a perspectiva “pragmática” de Roberts (2001), os indivíduos são vistos como criadores de percepções em contextos institucionais. Esta visão “pragmática” olha para a ação dos indivíduos como produto da percepção, dando oportunidade aos investigadores de tomar os agentes políticos como intérpretes e criadores de realidades e relações de poder. Tomando estas considerações, pretendemos responder às seguintes questões: 1) Como se formam as carreiras políticas dos deputados portugueses? Com esta pergunta queremos descrever os padrões associativos encontrados entre os entrevistados. Será possível fazer um primeiro quadro da forma como as carreiras políticas são feitas em Portugal, tomando como objecto de análise a biografia política de dezanove deputados da actual legislatura. 21

2) Qual é a percepção dos deputados acerca da sua carreira política? Nesta segunda questão, queremos perceber a forma como os deputados olham para a formação das suas carreiras políticas por forma a aprofundar o entendimento acerca da formação e aprendizagem política dos indivíduos recrutados pelos dois maiores partidos, bem como entender à luz do seu percurso, a percepção que têm de si próprios e daí do sistema político português e sua evolução. 2a) Quais as razões que levam os deputados a profissionalizar-se? Com esta sub-questão queremos compreender as razões que levam determinados deputados a profissionalizarem-se, tendo em vista o seu passado profissional, a sua carreira política e partidária. 2b) De que forma estes deputados se integram na elite política? Com esta sub-questão queremos compreender de que forma a construção de uma carreira política tem impacto na forma como os deputados olham para si mesmos enquanto membros da elite política. Assim sendo, as perguntas da entrevista baseiam-se na construção de categorizações acerca da carreira política e da percepção do deputado acerca do seu papel enquanto membro de uma elite e de uma instituição política. O guião é de carácter semiestruturado, tendo inicialmente seis questões invariavelmente colocadas a todos os entrevistados, ao qual se juntam outras questões de carácter biográfico ajustadas a cada entrevistado durante a entrevista (vide anexo). Ao mesmo tempo, é dada primazia às palavras originais do entrevistado e por isso os mesmos são citados ao longo da obra por forma a dar corpo aos padrões associativos. As citações são acompanhadas de uma identificação com o número da entrevista, ordenados pela cronologia das mesmas. Decidiu-se preservar a identidade dos entrevistados. 22

CAPÍTULO 1 Carreiras Políticas no Contexto Português A 25 de Abril de 1974, Portugal iniciava o que Samuel Huntington (1991) considerou a terceira vaga de democratização. O que parecia um regime interminável que durou mais de quatro décadas acabou por ser derrubado pelos militares, a elite motriz da ditadura, acompanhados por uma crescente oposição democrática. Essa oposição organizar-se-ia em partidos que passaram a ter um papel preponderante no emergente sistema representativo principalmente após a extinção do Conselho da Revolução. O sistema representativo almejado pelos movimentos de inclusão de Portugal entre as democracias ocidentais, acabou por privilegiar os partidos enquanto estruturas de formação e recrutamento de elites políticas (Lopes e Freire, 2002; Teixeira, 2009). A par disto, o surgimento dos partidos em Portugal teve uma origem “altamente centralizada” (Jalali, 2007: 26) em torno de líderes carismáticos e cúpulas formadas por lealdades durante a oposição ao Estado Novo. Desta forma, os partidos cedo se tornaram organizações com menor enraizamento social e maiores aproximações às instituições democráticas do novo regime como o parlamento e o executivo (van Biezen, 2003). Em suma, os partidos portugueses tornaram-se estruturas monopolizadoras do recrutamento político com uma tendência organizacional de pendor catch all. A evolução organizacional de tipo catch all privilegia as lideranças dos partidos, ao mesmo tempo que per23

mite satisfazer um maior número de eleitores com programa e discurso alargados (Mair, 1990; Lopes e Freire, 2002; Jalali, 2007; Teixeira, 2009). Paralelamente, o sistema partidário português demonstrou, desde cedo, uma estabilidade invulgar, quando comparado com outros casos na Europa ocidental (Jalali, 2007). Tal como se torna evidente nos resultados eleitorais de 1975, consolidam-se em meados da década de 1980 algumas das constantes que ainda hoje caracterizam o nosso sistema partidário: monopólio eleitoral ao centro entre o PS e o PSD, ascensão do CDS-PP como parceiro de coligação dos dois maiores partidos, exclusão do PCP como parceiro de coligação e enviesamento à esquerda (Jalali, 2007). Neste cenário, o PS e o PSD têm-se consolidado como os dois partidos da alternativa governamental, monopolizando a formação das elites políticas e cooptando outras para cargos políticos (Maltez, 1996). A consolidação destes partidos enquanto alternativas de governo radica na normalização pós-revolucionária da vitória dos movimentos moderados sobre a esquerda radical (Almeida e Pinto, 2006). Ambos têm origem no Estado Novo mas apenas se tornaram organizações formais muito perto da revolução democrática. O PS seria fundado em 1973 na Alemanha, após a dissolução da Acção Socialista Portuguesa fundada em 1964 por Mário Soares, Manuel Tito de Morais e Francisco Ramos da Costa e por onde também militaram outros membros fundadores do PS. Já o PSD é formalizado em 1974 com a criação do Partido Popular Democrático sob a mão de Francisco Sá Carneiro, Pinto Balsemão e Magalhães Mota, antigos deputados da “Ala Liberal” que surgiu no período final do Estado Novo. Para ambos os partidos pesou a orientação ideológica da revolução que acabou por pressioná-los a manter um duplo discurso interno e externo. Tal como considera Manuel Braga da Cruz (1995: 134), o “Partido Socialista revelou (…) uma dupla faceta político-ideológica, só aparentemente contraditória, de maior moderação ad extra e 24

de maior radicalidade ad intra”. Para o PSD pesaria o risco de punição e purga às elites políticas e administrativas do Estado Novo que acabaram por integrar-se no PPD (Pinto, 2001). Com a revisão constitucional de 1982 e a consequente abolição do Conselho da Revolução, o PS e o PSD, apoiados pelo CDS, acabaram por controlar as esferas governamental e parlamentar (Almeida e Pinto, 2006). Paralelamente, observa-se uma crescente centralização do seu carácter organizativo, especialmente no papel das suas lideranças para a formatação do seu discurso e para a formação e recrutamento de elites políticas (Jalali, 2007; Lisi, 2009). No caso do PS, Mário Soares manteria a sua esfera de influência até 1985-86, altura em que se candidata à Presidência da República. O seu papel de moderação do discurso, de confluência de diferentes facções internas e o seu carisma, tornou-o a grande referência do PS até à década de 1980, altura em que a sua liderança seria contestada por cisões e pela emergência do PRD (Jalali, 2007: 151). Com a ascensão dos governos de Cavaco Silva (1985-87, 1987-1991, 199195), o PS passa por um período de faccionalismo entre sampaístas e guterristas. É no entanto António Guterres que acaba por conquistar o aparelho do partido, e juntamente com os seus apoiantes mais próximos acaba por deslocar o PS para o centro, garantindo a vitória nas legislativas de 1995. De partido charneira da revolução e de governo, o PS passa a partido pós-soarista com uma viragem ao centro (Cruz, 1995), tentando acompanhar as ondas da terceira via social-democrata europeia. Com a saída de Guterres após as eleições autárquicas de 2001, o PS passa por um período de indefinição com a liderança de Ferro Rodrigues e com um governo de coligação de direita. É com a ascensão de José Sócrates e a vitória eleitoral nas legislativas de 2005 que o PS volta a um período de definição interna. José Sócrates, tal como Guterres, apresenta um perfil de carreira partidária tendo sido líder concelhio, deputado e ministro. Servindo-se de apoios de militantes que controlam as bases do partido e das sondagens que anunciavam o regresso do PS ao governo, José Sócrates tornou-se líder incontestável (Jalali, 2007: 154). 25

Tal como acontece com o PS, no PSD subsiste a importância das lideranças e dos resultados eleitorais para a estabilidade interna. Durante o período revolucionário e tal como aconteceu com o PS, seria o líder Francisco Sá Carneiro a equilibrar o partido entre o discurso interno e externo, tomando as rédeas da moderação e formatando uma posição ideológica por vezes periclitante entre o marxismo, a social-democracia e o discurso social da Igreja. Tal como Soares, Sá Carneiro não seria um líder incontestado tendo de enfrentar diversas facções até dezembro de 1980, data da sua morte (Jalali, 2007: 142). Incontestável na liderança de Sá Carneiro é o facto de ter formado um governo de coligação de direita, se tomarmos em consideração o enviesamento à esquerda da revolução e o seu impacto nos partidos. Com a morte de Sá Carneiro, o PSD passa por um período de inflexão. Este é motivado pela falta de carisma dos líderes seguintes (Francisco Pinto Balsemão e Mota Pinto) e pelas intervenções de Ramalho Eanes que levariam à dissolução do parlamento em 1983 e à formação do governo do “bloco central” entre PS e PSD para fazer face à segunda intervenção do Fundo Monetário Internacional. Seria aliás a meio das medidas impopulares do governo, que surgiria Cavaco Silva como líder incontestado e depois primeiro-ministro em 1985 num governo minoritário. O seu perfil enquanto primeiro-ministro teve impacto no contexto das carreiras políticas em Portugal. Desde sempre como um tecnocrata, estando ligado à fundação do PPD e tendo sido ministro das finanças do governo da Aliança Democrática, Cavaco Silva assumiu um papel acima da política, mesmo depois de ter abandonado a sua carreira académica e técnica em favor da política. Os dez anos que se seguiram enquanto líder de dois governos com maioria absoluta no parlamento, transformariam por completo o PSD e consolidaria as dinâmicas do sistema partidário. No entanto, a instabilidade interna voltaria com a sua saída da vida partidária e governativa e com a derrota de Fernando Nogueira nas legislativas de 1995. Até 2001, a “virulência do faccionalismo” afecta as lideranças de Marcelo Rebelo de Sousa e 26

Durão Barroso (Jalali, 2007: 144). Com as vitórias nas autárquicas de 2001 e depois nas legislativas de 2002, Barroso consolida-se como líder. Tal como Cavaco Silva, Barroso tornou-se um académico e um técnico com ligações partidárias, tendo-se tornado ministro dos negócios estrangeiros no segundo governo cavaquista. A saída inesperada de Durão Barroso do governo e a ascensão de Santana Lopes fazem crescer as críticas internas e a oposição, o que teve consequências na queda do governo. Com a ascensão do primeiro governo Sócrates, o PSD permanece com lutas internas até à vitória de Pedro Passos Coelho como líder do partido em 2010 e como primeiro-ministro no ano seguinte. Fazendo uma comparação do perfil dos líderes e da ascensão de determinados grupos, encontramos claramente padrões na constituição das elites políticas destes dois partidos. Por um lado, a sua estrutura organizacional de pendor centralista e híbrida entre o reforço das lideranças e a centralidade da hierarquia (Jalali, 2007: 176), anuncia um tipo de carreira política onde são privilegiados os militantes com longos anos de vida partidária e que atingem o topo da hierarquia do partido. Por outro lado, é através de vitórias eleitorais que os agentes ascendem nas suas carreiras políticas, tanto em cargos de nomeação como de representação.

Carreira política

O tema da carreira política tem tido um tratamento fugaz e pouco elaborado. Pese embora a Revista Brasileira de Ciência Política tenha em 2012 publicado um número dedicado a este tema, a verdade é que ele continua a ser maioritariamente tratado do ponto de vista do recrutamento, enquanto outros têm enfatizado a questão da ascensão de um determinado tipo de agente político. Neste sentido, Mattozzi e Merlo (2008) consideram que a carreira política prende-se com o tipo de permanência. Há quem seja “político de carreira” e permaneça na política até à idade da reforma e há “carreiras políticas” ou políticos que deixam a po27

lítica em determinado momento. Num outro sentido, Anthony King (1981) faz um retrato das consequências da ascensão dos “políticos de carreira” na casa dos comuns. Para King, estes são indivíduos que se encontram profundamente comprometidos com a política e não devem ser confundidos com os políticos profissionais. Apesar de se terem tornado politicamente mais experientes também acabaram por se desligar da sociedade, estando mais focados e dependentes da vida partidária. Se para Mattozzi e Melro (2008) a carreira política define-se através do tipo de permanência, de que forma poderemos entender os políticos que regressam à política depois de algum tempo? Por outro lado, e seguindo Ludvig Beckman (2007), de que forma poderemos entender o fenómeno da profissionalização sem integrar o passado político dos indivíduos? Neste sentido, é preciso integrar outros fenómenos que têm sido explorados pela literatura, de forma a termos uma ampla discussão acerca da formação de carreiras políticas. Assim sendo, consideramos que o estudo das carreiras políticas é relevante para o aprofundamento da realidade dos partidos, dos agentes políticos e da formação de elites políticas. Outros autores que se têm debruçado sobre carreiras políticas têm também explorado a sua componente biográfica. Isto é o que faz Kotlowski (2010) no seu estudo sobre um governador do estado do Indiana durante os governos Roosevelt. O autor centra-se nas estratégias utilizadas pelo governador para a construção de capital social através de apoios institucionais. É através desta estratégia que o governador garante capital político aproximando-se do Partido Republicano e apresentando-se a eleições. Neste estudo, a descrição da biografia política do governador é acompanhada de uma análise da estratégia, dos apoios e contactos que possibilitaram a sua ascensão política. Ainda neste registo, Botella, Teruel, Barberà e Barrio (2011) apresentam uma leitura comparativa da construção de carreiras políticas entre elites regionais europeias. Apesar das diferentes formas de evolução na carreira política dependentes do sistema político e das expectativas das instituições, os autores com28

pararam as escolhas políticas para ocupação de cargos e a formação estratégica de apoios níveis locais, regionais e nacionais. Ainda no campo das estratégias, o estudo seminal de Verba, Schlozman e Brady (1995) apresenta os diferentes recursos, motivações e redes de apoio que cidadãos oriundos de diferentes perfis socioeconómicos e étnicos usam para se tornarem civicamente activos. Os autores confirmam padrões diferenciadores entre quem se torna mais ou menos activo, conforme acesso a recursos, formação e dinheiro. Para além das estratégias e das trajectórias, outros autores têm enfatizado a importância de factores como a ambição política (Hall e Houweling, 1995; Fox e Lawless, 2005), a socialização política (Kornberg & Thomas, 1965; Prewitt, 1965, 1970; Thomas, 1971) ou a família (Van Liefferinge & Steyvers, 2009; Van Liefferinge, Devos e Steyvers, 2012). Por exemplo, no estudo de Van Liefferinge et al. (2012), os autores concluem que o capital político herdado da família é não só um apoio no recrutamento parlamentar como um factor de iniciação política. Crescer num ambiente político permite não só a aprendizagem de uma linguagem própria, como ter uma rede de contactos que permitem uma facilitada socialização e ascensão. Partindo destes estudos, olhamos para a carreira política como a forma como se constrói uma biografia política tendo em conta decisões individuais e constrangimentos institucionais. Desta forma, a análise da carreira política deve ter em conta os sistemas de selecção e formação dos membros da elite política, os constrangimentos institucionais e o sistema de profissionalização que têm alterado a forma como se constroem carreiras políticas. Procuramos também definir os tipos existentes, discutindo os elementos que constituem uma carreira política e que definem um determinado profiling. É pois expectável que os partidos e as instituições, através dos seus constrangimentos, prefiram um tipo de profiling específico e daí os agentes políticos tenderão a ser socializados e a construir as suas carreiras políticas de uma determinada maneira. De forma a constituir-se esse profiling, os agentes políticos vão 29

acumulando determinados tipos de capital que lhes permitem ascender na sua carreira política. As várias estratégias utilizadas estarão dependentes do tipo de capital utilizado em momentos diferenciados. Por um lado, o capital político ganho pela militância partidária ou pelas experiências parlamentares, governativas e/ou autárquicas são uma forma dos agentes políticos garantirem apoios e contactos políticos dentro e fora dos partidos. Por outro lado, o capital técnico acumulado pela formação académica e pela experiência ou carreira profissional, garante aos agentes políticos a acumulação de informação e know-how que é privilegiado pelas estruturas de recrutamento dos partidos. Ao mesmo tempo, este profiling está dependente dos constrangimentos das normas formais e informais das instituições.

Constrangimentos institucionais na Assembleia da República

O novo institucionalismo tem referido a importância das normas formais e informais para a socialização dos indivíduos em contextos organizacionais. Esta socialização tem consequências no comportamento e nas expectativas dos indivíduos. Neste sentido, as instituições constrangem e alteram as interações sociais, formando modelos de comportamento que são apropriados pelos indivíduos uma vez em contexto organizacional (March & Olsen, 1984; North, 1990; Peters, 2005). Ao mesmo tempo, as instituições têm a capacidade de moldar as preferências e têm uma notória influência sobre as percepções dos agentes políticos (Rohrschneider, 1994; Hoffman, 1999). Para o presente estudo, consideramos que a percepção dos agentes políticos acerca da sua carreira política, ou seja, o seu comportamento e estratégias, são condicionadas pelas normas formais e informais do parlamento e dos partidos. Nesta secção iremos focar-nos nos constrangimentos apresentados pelas normas formais e informais do parlamento português sobre a carreira dos agentes políticos.

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De forma a entender-se como são geridas as carreiras políticas em contexto institucional é importante descrever o processo de socialização produzido pelas normais formais e informais do parlamento português. Para o presente estudo, importa frisar o peso dessas normas institucionais na formação e percepção do papel de representação dos deputados. Estas normas apresentam constrangimentos aos deputados com diferentes projectos de carreira política e formas de integração no parlamento. São também estas normas que estabelecem as fronteiras de um determinado profiling desejável para o recrutamento. O estudo de Manuel Braga da Cruz (1988) sobre o parlamento português enfatiza a relação entre a profissionalização política e a autonomização do parlamento face ao executivo e aos partidos. Cruz conclui que além da partidarização do parlamento, ou seja, o processo pelo qual os partidos se autonomizam do parlamento através do controlo sobre o sistema de recrutamento, também se observa uma parlamentarização dos partidos. Este duplo processo de socialização institucional permite que o parlamento exija dos partidos requisitos mínimos de recrutamento. A par da profissionalização dos deputados, o parlamento também profissionalizou os seus métodos de trabalho contratando técnicos e especialistas. Isto exige dos partidos um determinado tipo de recrutamento que efective a sua actuação e os seus resultados no legislativo. Exige também dos agentes políticos um determinado profiling de carreira política. A profissionalização do parlamento é acompanhada pelas alterações no esquema de trabalho dos deputados com a melhoria das condições de infraestrutura da Assembleia da República (Bruneau e Macleod, 1986; Barreto, 1986; Leston-Bandeira, 1998). No entanto, os partidos continuam a dominar o sistema parlamentar, ao mesmo tempo que o parlamento tem apenas um papel de influência sobre o governo, com este último a dominar a iniciativa legislativa nos últimos anos (Leston-Bandeira, 1998). O papel dos partidos é reforçado pelo sistema eleitoral que con31

traria a individualização do mandato parlamentar, e pelo poder dos grupos parlamentares. No Regimento da Assembleia da República, os grupos parlamentares são considerados instituições autónomas onde os deputados de um determinado partido encontram-se para discutir iniciativas legislativas, receber directivas dos partidos e decidir o sentido do voto. Como consideram Sá (1994) e Leston-Bandeira e Freire (2003), os grupos parlamentares centralizam recursos políticos e físicos, possuem direitos de oposição e organizam a actividade parlamentar. Ao mesmo tempo organizam o sentido de voto dos deputados exigindo disciplina de voto. Pese embora a liberdade de discussão em sede de grupo parlamentar, a disciplina de voto imposta pelos partidos constitui uma determinada dinâmica de aprendizagem e socialização institucional, visto que os partidos tentam assegurar um grau elevado de certeza no sentido de voto da sua bancada parlamentar. Também não é por acaso que tem crescido o número de líderes partidários nos grupos parlamentares como se observa no recrutamento parlamentar em Portugal, o que atesta a subordinação destes em relação às direcções partidárias (Freire, 2002; Teixeira, 2009). Neste sentido, os grupos parlamentares apresentam normas formais e informais que constrangem as escolhas dos deputados quanto à sua carreira política. As normas do parlamento têm também consequências no recrutamento do parlamento. A chegada do PS ou do PSD ao executivo permite a entrada de mais recrutados, especialmente independentes, jovens, mulheres ou indivíduos sem carreira política pois são estes que costumam ficar em lugares expectavelmente não elegíveis das listas. Pelo contrário, a derrota eleitoral leva a que antigos deputados ou ministros passem a integrar postos cimeiros na lista de recrutados para o parlamento. Esta dinâmica é um sinal da profissionalização política do sistema parlamentar português mas também uma consequência do regime de incompatibilidades (lei 64/93 de 26 de Agosto e devidas alterações) que não permite, como em outros países europeus, a acumulação do 32

cargo de deputado com o de ministro (Leston-Bandeira, 2001). Desta é também consequência o número médio de mandatos por deputado, pois como Freire (2001: 46) considera: “Nos casos do PS e do PSD o número médio de mandatos dos seus deputados oscila geralmente de acordo com as vitórias e derrotas eleitorais: menor nos primeiros, dada a circulação de deputados mais experientes para o executivo, e maior nos segundos, quando os veteranos regressam do governo para a Assembleia da República.”

O regime de incompatibilidades (lei 64/93 de 26 de Agosto e devidas alterações) apresenta constrangimentos para a carreira política dos deputados. Este regime em paralelo com o estatuto dos deputados (lei 7/93 de 1 de Março) elenca os tipos de incompatibilidades políticas e profissionais dos eleitos para o parlamento. Interessante notar que este regime não tem sido alvo de tratamento exaustivo na literatura principalmente quando se discute a questão da profissionalização dos deputados. As incompatibilidades profissionais e políticas apresentam diferentes graus de autonomia individual, ao mesmo tempo que apresentam constrangimentos a quem se propõe reeleger ou ainda profissionalizar-se. O artigo 20º do estatuto dos deputados define que os membros do governo, juízes de tribunais superiores, membros de executivo municipal, membros da comissão nacional de eleições e membros de empresas públicas não podem acumular o cargo de deputado. A estes é exigida a total exclusividade ao parlamento. Para os professores universitários e investigadores o regime permite a acumulação de funções mas não de salários. Para os deputados com anteriores cargos públicos é lhes dado acesso ao posto de trabalho após fim do mandato. Já para as actividade privadas, o regime de incompatibilidades torna-se paradoxal e permite que os deputados acumulem actividades e salários. Por exemplo, advogados e empresários podem manter as suas activi33

dades salvo quando envolve o Estado ou negócios públicos. Para ambos, a escolha de um regime de exclusividade no parlamento torna-se complicado pois impõe dificuldades de readaptação ao mercado de trabalho findo o mandato ou afasta clientes e negócios por falta de tempo e dedicação profissional. Neste sentido, o regime de incompatibilidades é paradoxal e apresenta constrangimentos que devem ser descritas e explicadas a partir da percepção dos próprios deputados. Tem pois efeitos na forma como é planeada uma carreira política em contexto institucional, como tem também consequências no tipo de perfil sociodemográfico escolhido pelos partidos no recrutamento parlamentar.

Recrutamento parlamentar

A literatura sobre recrutamento político tem-se centrado em duas perspectivas (Nay, 2001). Uma delas olha para o recrutamento como uma estratégia das elites dos partidos (Rosenstone e Hansen, 1993). As elites mobilizam quem os pode apoiar e quem está bem posicionado no social networking pois se destacam e mobilizam. Neste sentido, a participação política passada (partidária ou não) é o factor mais importante no recrutamento (Verba, Schlozman e Brady 1995). Pelo contrário, para outros autores, o recrutamento é uma forma de identificar a composição social das elites. Num estudo acerca do parlamento francês, Daniel Gaxie (1980) considera que o recrutamento dos partidos é baseado numa selecção social entre diversos tipos de elite, ou seja, o recrutamento partidário acontece no plano dos conflitos entre diversas elites. O estudo de Gaxie demonstra também que o recrutamento depende da estrutura político-social dominante em cada partido, ou seja, da(s) classe(s) que lideram e que impõem um sistema próprio de selecção (mesmo contrariando os princípios ideológicos do partido). Nesta última encontram-se, por um lado, as relações privilegiadas dos partidos com algum tipo de estrutura de classe ou elite e, por outro, a demonstração 34

da luta entre elites com diferentes mindsets e identificações. Assim sendo, e ainda na esteira de Gaxie, o recrutamento partidário tende a privilegiar certos indivíduos já pertencentes a algum tipo de elite. Daqui resulta o fraco recrutamento de diversos grupos socioeconómicos e a preservação de uma determinada classe política que é constantemente recrutada, ou seja, consolidando o recrutamento de um determinado profiling de carreira política. Ao mesmo tempo a literatura tem enfatizado a dificuldade de integração de jovens e de mulheres (Fox e Lawless, 2010). A definição de um determinado tipo de escolha resume-se ao que Norris e Lovenduski (1995) designam por party selectorate. Para os autores, o party selectorate constitui as estruturas de recrutamento intrapartidárias e tem implicações nas modalidades de recrutamento adoptadas pelos partidos. Além disso e tal como enfatiza Michael Gallagher (1988), o recrutamento partidário tem também consequências na forma como evolui o sistema político de um país. Neste sentido, o recrutamento permite o estabelecimento de um profiling que é privilegiado pelos partidos tendo consequências na evolução das carreiras políticas. Tal como tem sido considerado, os sistemas de recrutamento estão baseados em factores de oferta (motivação e recursos dos potenciais candidatos) e factores de procura (motivações e ações dos gatekeepers) (Leston-Bandeira e Freire, 2003; Teixeira, 2009). Para o potencial recrutado é necessário que o seu profiling encaixe nas necessidades da procura partidária, ao mesmo tempo que o party selectorate tende a privilegiar determinadas características. É no equilíbrio entre procura e oferta que encontramos o profiling de carreira política privilegiado pelos gatekeepers. Para o caso português, Leston-Bandeira e Freire (2003) consideram seis factores relevantes no sistema de recrutamento dos partidos portugueses. Primeiro, o sistema eleitoral que privilegia o papel dos gatekeepers na formação das listas à Assembleia da República. Segundo, a alta volatilidade dos deputados, ou melhor dos candidatos que uma vez eleitos são substituídos, re35

signam ou são nomeados para cargos governativos. Este facto permite que o party selectorate, principalmente o dos dois grandes partidos do arco da governação, possam fazer alguma matemática negocial entre os candidatos, aliviando tensões do lado da procura. Terceiro, e como já tivemos oportunidade de referir, os grupos parlamentares passam a ter um lugar preponderante na organização dos trabalhos parlamentares recrutando determinados perfis para tarefas específicas. Quarto, a falta de estruturas locais de contacto entre representantes e representados, o que leva o party selectorate a dar vazão a candidatos com perfis nacionais tal como acontece com as direcções nacionais dos partidos. Quinto, as escolhas no recrutamento estão muito dependentes das direcções nacionais dos partidos que exercem bastante influência sobre as estruturas de recrutamento. Ao mesmo tempo, é neste órgão que encontramos a grande parte dos gatekeepers. Finalmente, as estruturas de recrutamento dos partidos portugueses são demasiado centralizadas, blindando as escolhas e o tipo de perfil de candidato à Assembleia da República. A este cenário junta-se um afastamento da classe política, especialmente de uma classe recrutada para efeitos de representação, em relação aos diferentes perfis sociodemográficos nacionais (Meirinho, 1997). Esta classe fecha-se em si própria, causando dificuldades de recrutamento e integração de outros grupos. É neste sentido que Pequito Teixeira afirma que os lugares elegíveis para as listas dos partidos à Assembleia da República estão maioritariamente reservados a candidatos que, “do ponto de vista sociodemográfico, [são] maioritariamente homens, com idades compreendidas entre os 40 e os 50 anos, com qualificações superiores – preferencialmente na área do Direito – com uma ocupação profissional principal não só associada a um estatuto socioeconómico privilegiado, mas também facilmente compatível com o exercício de funções políticas.” (Teixeira, 2009, 757) 36

Paralelamente, estes candidatos tiveram também uma maturada carreira partidária com uma continuada trajetória intrapartidária atingindo lugares nas direcções nacionais e locais, o que lhes permite o recrutamento. Ao mesmo tempo, Teixeira (2009, 100-101) enfatiza que existe uma “relação estatisticamente significativa, e de sentido positivo entre o sexo dos candidatos à Assembleia da República e o seu posicionamento nas listas”, o mesmo acontecendo para os jovens. Tanto no caso das mulheres como dos jovens a sua representação é maior nos lugares não elegíveis (respetivamente 23% e 27%) do que nos elegíveis (15% em ambos). Para os partidos que fazem parte deste estudo, o seu sistema de recrutamento está em grande medida de acordo com a conclusão de Maria Pequito Teixeira. No caso do PS, Freire (2001) descreve que o seu sistema de recrutamento está dependente das lideranças nacionais. No caso do PSD e apesar de um maior peso dos líderes regionais e locais no recrutamento para o parlamento, o cenário é parecido, com o líder tendo capacidade de vetar nomes das listas (Jalali, 2007; Teixeira, 2009). Em ambos os partidos parece-nos que os gatekeepers assumem um papel duplo de responsáveis e eleitos, ou seja, decidindo em causa própria e bloqueando a entrada de novos elementos, quer jovens, mulheres ou indivíduos oriundos de outras sensibilidades sociológicas e profissionais. Daí que Teixeira conclui que em sistemas de representação com sufrágio de lista como o português, “o party selectorate se preocupa acima de tudo em “assegurar” a eleição de certas figuras proeminentes do partido, deslocando-as, caso seja necessário, para círculos relativamente aos quais são e se mantêm alheios” (2009, 101-102)

O fechamento do sistema de recrutamento tem consequências no gradual crescimento da profissionalização no nosso sistema político. A permanência de determinadas figuras partidárias e 37

de determinados profilings de carreira política no parlamento demonstra a profissionalização dos agentes políticos e daí a necessidade de reeleição. Mas demonstra também que apenas determinados profilings estarão aptos a profissionalizar-se. Paralelamente, falta ainda à literatura nacional uma análise do conteúdo das escolhas de cada agente político na sua carreira partidária, de forma a descrever-se os padrões de trajectos partidários que levam ao recrutamento parlamentar.

Profissionalização política

O debate acerca do fechamento do sistema político tem não só que ver com as estruturas de selecção dos partidos, mas também com a crescente profissionalização visível em instituições como os parlamentos. No ocidente, o debate acerca da profissionalização política ou da necessidade de especialização profissional em torno da política remonta ao ensaio “A Política como Vocação” de Max Weber. Desde esse ensaio que a profissionalização política se tem alterado, apresentando padrões que vão para além da dicotomia “políticos que vivem da política” e “políticos que vivem para a política”, principalmente se pensarmos na crescente importância da comunicação social, das agências de comunicação contratadas pelos partidos e pelas exigências técnicas colocadas pela governação. Mesmo assim, essa dicotomia continua actual se pensarmos que a profissionalização exige dos agentes políticos uma grande dose de lealdade muitas vezes produto da dependência financeira. Entre cientistas políticos existe ainda um aceso debate acerca dos defeitos e/ou qualidades da profissionalização política, quer dos partidos, quer dos agentes políticos. Para lá deste debate, o institucionalismo tem revelado que as instituições também alteram o tipo de recrutamento através de constrangimentos, pois que as normas democráticas inscritas nessas instituições constrangem os indivíduos e os partidos (Cruz, 1988; Freire, 2002;

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Nay, 2001). Disto são também exemplo as exigências dos parlamentos com a capacidade técnica e profissional dos deputados a recrutar, o que exige dos partidos outro tipo de escolhas na defesa dos seus interesses em sede legislativa. Também as perspectivas institucionalistas têm olhado para a profissionalização como um sistema de regras próprias que afasta eleitos de eleitores (Freire, 2002; Freire e Leston-Bandeira, 2003; Teixeira, 2009). Além do mais, também os parlamentos apresentam dificuldade de integração dos cidadãos, especialmente quando o recrutamento privilegia determinados grupos sociais, elites e indivíduos, o que também torna difícil a identificação com alguns problemas sociais (Freire, Moreira e Meirinho, 2010). Neste cenário há um risco que a carreira de político se afaste da sociedade, o que é um paradoxo do que se espera de um representante. No entanto, também é necessário discutir se a falta de preparação e aprendizagem política não é ela mesma um obstáculo a uma representação eficiente. No entanto, a representação ou a capacidade de representação dos deputados não é objecto deste estudo. No debate sobre a profissionalização temos de ter em conta tanto a dimensão legal (normas próprias de um sistema) como a dimensão social (educação, competência, ética, profissional e experiência pessoais) (Guérin e Kerrouche, 2008; Costa e Kerrouche, 2009). No caso da profissionalização, a carreira profissional do indivíduo assume uma importância relevante não só enquanto estrutura de aprendizagem passada como de facilitação da própria profissionalização política dependendo do tipo de oportunidades e constrangimentos. Um dos elementos de medida dos níveis de profissionalização do sistema parlamentar mais utilizados é a reeleição (Hall e Van Houweling, 1995; Freire, 2001). A par do passado político, a reeleição é a forma natural e mais relevante na construção de uma carreira política quando o deputado depende das condições financeiras dadas pelo cargo político. Para além da reeleição, outros factores emergiram para a gradual profissionalização dos agentes políticos. 39

Tal como afirmou Panebianco (1988) a evolução organizacional dos partidos concorreu para o reforço da profissionalização. O seu partido profissional eleitoral, muito próximo do catch all party de Otto Kirchheimer, seria motivado pelas mudanças na estrutura social e pelo desenvolvimento da comunicação em massa (Mair, 1990; Lopes e Freire, 2002; Jalali, 2007). Seguindo o argumento de Panebianco, Mancini (1999) considera que a profissionalização acaba por envolver os dois campos essenciais da vida político-partidária: a campanha e a decisão política. A par disto, o enfraquecimento das estruturas partidárias deu lugar à imagem dos líderes, aos técnicos de sondagens e às agências de marketing. Estes elementos acabaram por reforçar o sistema de profissionalização enquanto estrutura proveniente de um recrutamento determinado pela posição social dos indivíduos (Gaxie, 1980; Freire, 2001). No caso português, a profissionalização política tem sido estudada em contexto parlamentar. Freire (2002) procura sinais de profissionalização política na Assembleia da República, olhando para padrões evolutivos entre partidos com representação parlamentar. O autor atesta a forte presença de dirigentes partidários e de antigos ministros e autarcas no parlamento português. A isto acresce o número médio de mandatos por deputado que tem crescido nas últimas legislaturas. A partir destes indicadores Freire identifica um sistema de profissionalização próprio do parlamento português, o que está dependente, por um lado da organização do parlamento e, por outro, dos partidos. Para Freire, a forte presença de dirigentes partidários demonstra que durante o recrutamento da elite parlamentar, os partidos portugueses são bastante centralizados e tendem a enfatizar o passado político-partidário do recrutado. A perspectiva institucionalista de Freire leva-o a crer que a profissionalização cria um “fechamento da arena política”, o que é visível pela percentagem considerável de deputados com experiência política anterior (80%). Desta forma, a abertura do sistema parlamentar a novos deputados situa-se à volta dos 20% (Freire, 2002: 50). Este cenário parece demonstrar uma enorme 40

dificuldade do sistema apresentar soluções diferentes ao mesmo tempo que se fecha a novas realidades sociais quando recruta um determinado tipo de indivíduos. Também Leston-Bandeira e Freire (2003) concluem que a gradual profissionalização do sistema parlamentar é visível no declínio do número de deputados sem experiência partidária e no aumento dos deputados com carreira nas direcções nacionais dos partidos ou com experiência autárquica. De novo, se demonstra o fechamento das carreiras políticas a cidadãos sem experiência político-partidária, privilegiando-se um profiling que passa pela militância partidária. Ao mesmo tempo, o sistema de profissionalização não é indissociável do sistema de representação, principalmente quando os partidos têm o monopólio do recrutamento do sistema parlamentar garantido pela constituição (Freire, 2001; Teixeira, 2009; Freire, Moreira e Meirinho, 2010; Teixeira, Freire e Belchior, 2012). Num estudo inédito feito por Teixeira, Freire e Belchior (2012), os autores propuseram-se a estudar a atitude dos deputados portugueses face ao sistema de representação política e à relação que estabelecem com votantes e partidos. Neste estudo considerou-se que a carreira partidária é essencial no recrutamento parlamentar e na profissionalização política, seguindo regularmente dois passos: subida na hierarquia do partido e conquista de mandato local. Aqui considera-se que o carreirismo partidário tem clara influência não apenas no recrutamento parlamentar como vimos na secção anterior, como também na profissionalização dos agentes políticos e, mais especificamente dos representantes. Ao mesmo tempo, a gradual profissionalização política na Assembleia da República é consequência da monopolização partidária do recrutamento parlamentar, bastante visível na selecção de militantes para as listas. Tal como considera Teixeira (2009: 656), o número de independentes nas listas à Assembleia da República é residual”. Assim sendo, 41

“(…) os candidatos independentes [são] uma espécie de recurso estratégico dos partidos, através do qual procuram validar as suas tentativas de abertura a outras espaços sociais (…) procurando assegurar uma maior representatividade e credibilidade (…) atraindo candidatos que se destacam pela sua notoriedade pessoal e pelo seu curriculum socioprofissional.” (Teixeira, 2009: 657)

Paralelamente, e pese embora a importância da profissionalização na definição da carreira política, esta encontra-se dependente da incerteza eleitoral. Tal como considera Borchert (2010), “Once politicians have become professional politicians, they stand to lose at election time not only power, prominence of influence, but also their job”. No entanto, o mesmo autor adverte que mesmo em cenário incerto a grande parte dos políticos não regressa à sua antiga carreira profissional mesmo depois de perder eleições. Para perceber esta dinâmica é necessário entender-se o fenómeno da carreira política e as normas institucionais do parlamento. Só assim é possível aferir da decisão do deputado como dos constrangimentos institucionais que à partida obstaculizam/facilitam o ingresso/regresso à política. Assim, argumentamos que se deve ter uma visão holista do agente político de forma a integrar as escolhas do indivíduo e entender qual o contributo deste na instituição para que foi recrutado. Esta perspectiva ajuda-nos a ter uma visão mais completa das decisões que levam o agente político a construir uma carreira de político profissional. Ao mesmo tempo permite-nos aferir do grau de profissionalização das carreiras políticas em Portugal. Neste cenário, é bastante importante a noção de continuidade que nos é dada pelas estratégias utilizadas pelos deputados para garantir a sua reeleição.

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Carreiras e formação de elites políticas

O estudo das elites políticas em contexto democrático tem sido alavancado pelas teorias do elitismo democrático (Higley & Gunther, 1992; Best & Higley, 2010). Também a literatura sobre a evolução organizacional dos partidos tem-se focado na crescente importância das elites partidárias face à profissionalização política, à necessidade de alargar o eleitorado e à centralização das estruturas de recrutamento (Mair, 1990; Lopes e Freire, 2002; Lisi, 2009). Tal como tivemos oportunidade de discutir, tanto nas estruturas de recrutamento como na profissionalização, anuncia-se que os partidos se tornaram organizações centralizadas onde as elites políticas gozam de enorme autonomia e restringem a participação e a inclusão de cidadãos sem militância partidária. No entanto, e seguindo Pierre Bordieu (1989), o campo político fica a cargo de políticos profissionais que se patrulham entre si e que se recusam a ser controlados. Para o caso português, o estudo de Pedro Tavares de Almeida e António Costa Pinto (2006) sobre a elite ministerial portuguesa, apresenta uma evolução dos sistemas de recrutamento e das expectativas das instituições face a determinados profilings desejados. É visível a diferença entre regimes políticos no que concerne ao recrutamento e formação de elites. Durante a monarquia constitucional, a grande maioria dos ministros passava por um cursus honorum baseado em vários anos de dedicação parlamentar, ao mesmo tempo que se privilegiavam as ligações familiares e à maçonaria. Já na I República, os ministros eram maioritariamente militantes do Partido Democrático, sendo alguns deles maçons e antigos presidentes de câmara ou vereadores. Durante este período, a carreira parlamentar perde importância. Durante o Estado Novo são privilegiados os indivíduos com alguma carreira partidária, especialmente dirigentes da União Nacional, com carreiras técnicas de excelência na administração pública (especialmente secretários e subsecretários de Estado) e com bons resultados académicos, ficando para segundo plano antigos deputados ou mi43

litantes da União Nacional. Finalmente, no actual regime a experiência parlamentar conta residualmente para a nomeação ministerial, sendo a média de mandatos parlamentares comparativamente inferior à média da Europa ocidental. Desta forma, têm-se privilegiado os tecnocratas e os independentes, muitas vezes sem cargos políticos anteriores, facto que tem sido apenas acompanhado comparativamente em Espanha e na Grécia (Bermeo, 2006: 240). Sendo privilegiadas as competência técnicas e profissionais, Almeida e Pinto (2006: 55) concluem que isto se deve à, “(…) fraca penetração dos partidos na sociedade civil, à autonomia dos primeiros-ministros na formação dos governos e à procura de legitimidade tecnocrática e de competência para satisfazer uma opinião pública que apresenta elevados índices de desconfiança em relação à classe política.”

Neste sentido, o estudo das elites permite-nos aferir da evolução das carreiras políticas num determinado sistema político. Aliás, o estudo das elites tem permitido perceber o tipo de perfil político, sociodemográfico, profissional e académico dos indíviduos recrutados, bem como a sua trajectória política. As carreiras das elites políticas permitem-nos também aferir das estruturas de recrutamento, das características privilegiadas pelas instituições do poder político, bem como o tipo de profiling médio em diferentes contextos e períodos históricos, permitindo uma descrição dos agentes políticos que ocupam posições chave em instituições políticas (Edinger e Searing, 1967; Best e Higley, 2010). Desta forma, olhamos para os membros da elite política como indivíduos com posições estratégicas em organizações políticas e que têm a capacidade de influenciar o funcionamento e os resultados dessas mesmas organizações (Field e Higley, 1980; Best e Higley, 2010). Assim sendo, teremos em consideração a evolução do profiling de carreira política privilegiado pelos partidos na formação e recrutamento de elites políticas. 44

CAPÍTULO 2 Ao Encontro da Percepção dos Deputados Neste capítulo apresentamos os resultados obtidos pelas entrevistas biográficas aos dezanove deputados. Temos num primeiro ponto o perfil sociodemográfico dos mesmos com a caracterização dos entrevistados. Em seguida, apresentamos os diferentes tipos de interesse suscitados por cada um pela política. Depois falamos do tipo de recrutamento e finalmente abordamos a percepção dos deputados acerca da profissionalização e do papel da elite política.

Perfil sociodemográfico

Considerámos para a caracterização do perfil sociodemográfico dos entrevistados, a idade na altura da entrevista, o género e a carreira profissional. São também reportadas as percepções relatadas pelos deputados quanto ao seu perfil e ao dos outros deputados.

Idade

Por categorias de idades entrevistaram-se dois deputados com 35 anos ou menos, cinco entre os 36 e os 49 anos e doze com 50 ou mais anos. Para cada grupo de idades recolheram-se diferentes percepções sobre o papel das gerações presentes. Nem todos os deputados mencionaram a sua idade como um factor relevante na sua carreira política ou no cargo actual. Os dois com 35 anos 45

ou menos referiram-se ao seu estatuto de “jovem” deputado. Um deles referiu o seu passado como secretário-geral da Juventude Socialista (JS) e de como isso lhe permitiu chegar à bancada do PS no parlamento: “(…) a passagem à Assembleia da República acaba por ser um momento para reforçar o papel enquanto dirigente da estrutura porque é um local para apresentação de iniciativas e propostas para levar moções e estratégias da estrutura.” (entrevista 10)

Ao mesmo tempo problemas de integração para este jovem deputado são facilmente ultrapassáveis pelo próprio estatuto autonómico da JS face ao PS e pela inclusão de uma norma informal no recrutamento do partido que tem incluído o secretário-geral da JS num lugar elegível: “A pessoa integra as listas por ser secretário-geral da JS, mas há uma autonomia dentro do grupo parlamentar que tem origem na relação institucional entre o PS e a JS, tendo as suas próprias zonas de diferenciação e isso reflecte-se na autonomia na Assembleia da República e o secretário-geral da JS tem integrado a liderança da bancada parlamentar e isso reforça o seu papel.” (entrevista 10)

No caso do outro deputado jovem, desta vez do PSD, a questão de inclusão de jovens é vista de uma forma diferente pois a sua carreira política começou não numa juventude partidária mas nas associações de estudantes universitários: “Nunca me senti seduzido pelas juventudes partidárias e o associativismo deu-me a oportunidade de intervir. Mas o associativismo dá o gozo ou a satisfação ou mostra-me as possibilidades que temos de participação política, e percebi que não queria perder aquela oportunidade.” (entrevista 7) 46

Ao mesmo tempo o deputado reflecte sobre o seu passado ao referir que o associativismo lhe deu “exposição mediática”. Aliás a sua inclusão no PSD e na bancada parlamentar acontece por intermédio de cooptação. No entanto, a integração destes dois jovens é uma excepção no sistema parlamentar português. Se é certo que ambos são jovens e que portanto têm menos anos de militância partidária que a maioria dos deputados portugueses, a verdade é que não deixam de fazer carreira partidária. Ao mesmo tempo, o facto de serem jovens é apenas uma coincidência pois (1) dependem do sistema de recrutamento e das suas regras informais, ou seja, ora dependem da nomeação de instituições ora são cooptados, e (2) apresentam um currículo atípico ou específico, o que reforça a sua eleição. Interessante também notar que são estes jovens deputados que mencionam questões de inclusão de diferentes sectores sociodemográficos. No caso do antigo secretário-geral da JS, este menciona sectores do próprio partido que devem estar representados na bancada parlamentar: “No plano nacional há a considerar que o secretário-geral da JS tem peso para estar no parlamento, a dirigente das mulheres socialistas, os coordenadores sindicais, representam organizações autónomas que interessam estar no parlamento até para o partido alargar o seu espectro de participação.” (entrevista 10)

Tanto na classe de idades intermédia (36-49) como na última, onde aliás encontramos grande parte dos deputados, a questão da idade não é uma única vez mencionada.

Género

A problemática de género esteve no centro das percepções de seis deputados acerca do seu perfil sociodemográfico. Qua47

tro das cinco deputadas entrevistadas mencionaram o papel da diferenciação de género na construção da sua carreira política e na eleição para a bancada parlamentar. Uma delas refere que é a partir de um debate geracional que o género pode ser abordado. A sua passagem pela Juventude Social-Democrata (JSD) foi, na sua percepção, útil para discutir e inteirar-se das questões de género: “Mas vou-lhe dar o exemplo da discussão de género que apareceu tardiamente em partidos de centro-direita, tem a JSD a rasgar esse debate e a trazer de forma sistemática esse tema e isso ainda hoje tem efeitos (...)” (entrevista 1)

Esta deputada está também bastante envolvida em questões de género no parlamento, tornando-a útil quando a bancada do PSD precisa de discutir este assunto em sede de comissão ou no plenário. Outra deputada, também do PSD, refere-se constantemente à sua carreira política como ponderada e gradual, dependente do seu papel como mulher. Entre outras considerações, a deputada refere que o convite que recebeu em 2011 para integrar as listas à Assembleia da República, “Foi um desafio, tive de ponderar, até por causa da família e só tomei esta opção porque o meu marido trabalha aqui [...] e os filhos já estão encaminhados. Mas é um dos problemas de ser mulher, problema não, fantástico, o problema são os filhos [...] mas também porque não iria prejudicar a família, porque sempre disse que a família está primeiro.” (entrevista 2)

Interessante notar que nesta entrevista e noutras, as mulheres são as únicas a mencionar o papel da família na definição das suas carreiras políticas. Já os homens referem o papel da família apenas quando mencionam o papel dos seus familiares na sua formação e aprendizagem políticas. 48

Outro tema referido por estas deputadas foi a lei das quotas imposta pelo parlamento português sobre as listas dos partidos (Lei Orgânica nº 3/2006, de 21 de Agosto). Nos comentários de duas deputadas, esta lei parece diminuir o seu papel no parlamento mas tem, como é óbvio, um papel bastante preponderante na sua carreira política: “Uma das razões que me foram dadas para ter sido escolhida foi por causa da lei da paridade, foram as primeiras eleições onde o candidato número três tinha de ser uma mulher.”(entrevista 2) “Sou convidada para integrar em 2005, por uma razão muito simples, nas listas do PS um terço tinham de ser mulheres e eu sou uma quota, provavelmente não se teriam lembrado de integrar uma independente não fossem as quotas porque as estruturas são confrontadas com a necessidade de incluir um terço de mulheres e portanto entenderam que eu poderia cumprir.” (entrevista 15)

Nestes comentários é sublinhado o tema das quotas como uma ferramenta importante de recrutamento de mulheres para lugares elegíveis. A este problema junta-se o facto de poucas mulheres serem filiadas em partidos e de ainda menos fazerem parte das suas direcções (Teixeira, 2009: 589). Como estes dois requisitos têm sido referidos como essenciais no recrutamento e formação de elites parlamentares, fica difícil a integração de mulheres (Freire, 2001; Teixeira, 2009). Daí que o discurso destas deputadas aponte para o sistema de quotas como uma ferramenta para integrar mulheres em listas, obrigando os partidos. Ao mesmo tempo demonstra que as deputadas têm uma percepção desigual do seu papel, referenciando o seu cargo de deputada como resultante do contexto familiar e da coacção legal sobre as listas dos partidos para a Assembleia da República. Este profiling tem consequências no tipo e forma de recrutamento de mulheres. 49

É também sobre a lei de quotas do parlamento que um deputado menciona o papel do género na formação de carreiras políticas. Um deles refere que: “Quando abandonamos o critério do mérito e da competência para nos cingirmos a uma percentagem então estamos a aviltar a política (...) Isto tem de ser feito de uma forma séria e essa é contar com as pessoas. A participação das mulheres é necessária mas tem de ser baseada no mérito e os deputados fazem uma discriminação positiva das mulheres.” (entrevista 13)

No caso deste entrevistado, a lei das quotas é vista como um entrave à qualificação do parlamento. Para este, o sistema parlamentar tem vindo a perder qualidade e isso prende-se tanto com as novas gerações formadas nas juventudes partidárias como pela falta de mérito. Esta percepção pode ser explicada pelo facto de que este deputado ocupa o seu cargo há onze legislaturas, tem mais de 70 anos e portanto olha de forma diferente para a evolução do sistema parlamentar português. Esta visão contra o sistema de quotas é diferente da que têm a maioria dos deputados que se situam na última classe de idades considerada. Aqui encontramos o perfil médio considerado por Freire (2001, 2003) e Teixeira (2009), ou seja, deputados com carreira partidária, dirigentes partidários nacionais com cerca de 50 anos. Nestes, o discurso sobre o género na construção da carreira política é inexistente se não considerarmos as duas deputadas entrevistadas com mais de 50 anos. Sem querer avançar com nenhuma hipótese explicativa para este fenómeno pois esse não é o objectivo do presente estudo, podemos considerar que este silêncio ora demonstra a inconsciência dos deputados face aos problemas de género o que é característico do seu perfil sociodemográfico, ora de um processo gradual de socialização institucional tanto em relação à integração de mulheres no parlamento como em específico sobre a lei de quotas (Almeida, 2010; Santos, 2010; Santos, 2013). 50

Interessante também notar que a única mulher que não referiu sequer o seu papel de género é simultaneamente vice-presidente do PSD e por isso possui um estatuto diverso do das restantes entrevistadas. Enquanto as outras têm apenas um papel no seu grupo parlamentar, a primeira faz parte da direcção do partido e por isso tem relação directa e antecipada com a informação e as directrizes enviadas ao grupo parlamentar. A multiplicidade de papéis, tanto no partido como no parlamento, tem uma enorme importância na formação da carreira política. Teremos oportunidade de explorar esta problemática ainda neste capítulo.

Carreira e formação profissional

Dos dezanove entrevistados, seis declararam-se professores universitários, sendo que um deles foi no passado professor do ensino secundário, cinco são advogados ou juristas, dois são economistas, um é gestor de empresas, um é jornalista, um é professor do ensino secundário, um é editor, outro é ex-funcionário do partido e outro é ao mesmo tempo professor universitário e advogado. Comparando os diferentes perfis profissionais ressaltam logo diferenças quanto à percepção que cada deputado tem da sua carreira política. Veremos, então, essas diferenças. Entre quem se declara advogado, a grande preocupação em relação à sua carreira política é com o retorno e a manutenção do seu estatuto profissional. Isso é visível nas seguintes afirmações: “(...) fui convidado em 1983 para ingressar no governo seguinte mas recusei porque queria acabar o estágio [de advocacia] e queria fazer vida profissional e fui fazendo carreira política um pouco amadora (...) Depois em 1986 desencaminharam-me outra vez para o governo e estive dois anos como assessor de um ministro mas aí já era verdadeiramente político, pois nada tinha que ver com o direito (...) Depois em 1988 saí por vontade própria, voltei à profissão e a dar aulas (...) Em 1989 fui eleito a 51

primeira vez para a Assembleia [...] em 1999 saí e voltei à profissão.” (entrevista 3) “Em 1997 passei a ser o número dois da lista e em 1999 com a saída do presidente da Câmara passei a presidente um ano, onde mantive-me até 2004 quando saí e regressei à vida privada de advogado (...) regressei a advogado e administrador de empresas ligadas ao turismo.” (entrevista 9) “Pelo facto de ter já uma posição que era do ponto de vista profissional e académica e já tinha em preparação o meu doutoramento e a minha carreira florescente em advocacia, entretanto aparece esta oportunidade [para me tornar deputado] e claro que para mim é um apelo muito forte (...) O meu escritório ficou a cargo de colegas meus e a minha clientela foi pulverizada por outros escritórios.” (entrevista 13)

Esta necessidade de retorno e de dupla permanência na carreira profissional e política com várias intermitências, é produto da carreira de advogado e do permanente conflito entre o público e o privado, aliás observado em outras carreiras profissionais. A isto junta-se a preocupação com a reintegração no mercado de trabalho: “(...) inscrevi-me na ordem dos advogados, ou seja, ter um lugar para voltar porque tenho a noção que a política é uma intemporalidade (...) por isso é que nunca deixei a faculdade e é aliás nesse período que faço o mestrado para quando saísse continuar a ter a mesma actividade.” (entrevista 3) “Foi bastante difícil entrar de novo na minha carreira de advogado. Foi penosa porque tive muitos anos sem advogar e tive necessidade de estudar e havia zonas onde tive de começar de novo e a um estudo intenso. O regresso foi penoso.” (entrevista 9) 52

Para além da dificuldade em manter clientes e redes de contacto, os deputados que se declaram advogados apresentam dificuldades de reintegração quanto a nova legislação, novas ferramentas de trabalho ou competidores. No entanto, não é apenas entre advogados que esta preocupação se faz sentir para quem quer ter uma carreira política. Também gestores e profissionais liberais mostraram-se preocupados com a sua reintegração profissional uma vez findo o mandato na Assembleia da República. Um deles referiu mesmo que a difícil reintegração no mercado foi motivo de aprendizagem: “Em 1999 fiz a minha primeira asneira (...) Nessas legislativas não fui eleito porque fiquei à porta, então foi quando percebi o meu erro (...) Se é verdade que não tive dificuldade em voltar para uma consultora a verdade é que estava desactualizado, oito anos fora da vida profissional (...) em 2002 regresso ao parlamento em plenitude de funções e a partir daí nunca mais deixei a vida profissional.” (entrevista 6)

Para outro, as eleições apresentam um componente de efemeridade, o que também permite uma aprendizagem: “(...) até porque há uma coisa que é o saber que é bom ter vitórias mas também é muito pedagógico ter derrotas. Aí percebe-se que a coisa é efémera.” (entrevista 14)

Também à dificuldade de reintegração no mercado acresce o novo regime de reinserção na carreira profissional pós-mandato: “Mesmo que fosse mais novo eu julgo que não seria fácil um retorno à vida profissional e portanto acho que tem de haver um equilíbrio em termos da representação e sou dos que defende que se exagerou no que respeita ao abandono após actividades 53

políticas, no passado havia as reformas, mas passámos do oito para o oitenta pois hoje não há qualquer mais valia financeira e de reintegração nos locais de trabalho (...)” (entrevista 11)

As preocupações com a reintegração profissional poderão explicar a necessidade de reeleição como factor relevante no recrutamento para a Assembleia da República. Advogados, profissionais liberais ou profissionais com fortes ligações ao privado ou com uma carteira de clientes própria procuram não aderir ao regime de exclusividade de forma a não perder a sua carreira profissional findo o mandato ou ainda quando não são reeleitos. Principalmente para os advogados, classe profissional que tem crescido exponencialmente no parlamento português (Freire, 2001; Teixeira, 2009), a questão da reinserção no mercado de trabalho parece assumir um papel relevante no desejo de reeleição, o que também explicará a sua implantação entre diferentes grupos parlamentares. A isto junta-se a formação legal e o treino de arguição, elementos essenciais em todas as actividades parlamentares. Outra questão pertinente levantada por profissionais liberais foi a questão da experiência profissional como algo relevante na actividade política ou de deputado: “Sempre dei mais importância à minha vida profissional do que à política, devo-lhe dizer que hoje em dia dedico-me exclusivamente ao parlamento mas se me quiserem mandar embora, vou.” (entrevista 4) “Só acho que quem faz política não deve fazer só política, no meu caso decidi fazer só política, porque na minha área era impossível mas podia dar aulas ou fazer uma formação mas optei por suspender a minha carteira. Fazer só política a vida inteira acho mal, porque se deve ter experiência profissional (...)” (entrevista 8) 54

“Fui editor e trabalhei pouco como advogado, fiz o estágio e depois suspendi quando entrei para a Câmara em finais de 1989. E a minha experiência profissional ajudou-me nas responsabilidades públicas na parte executiva da Câmara (...) O entrosamento entre alguma actividade profissional e a actividade política é importante, porque a vida política é efémera e há uma geração que fez a actividade política toda nas juventudes partidárias e não teve experiência profissional quase nenhuma.” (entrevista 14) “A pessoa até pode ser de uma área mas dizer que se é político (...) o político tem de ter uma base técnica e política. Em caso de insucesso por perder eleições ou zangar-se com as lideranças, o indivíduo tem de ter uma base profissional (...) acho que é redutor fazer uma actividade política que não dê espaço para o desenvolvimento pessoal e profissional.” (entrevista 16) “É o facto de ter sido juiz e é o conhecimento do sistema judicial, do sistema de investigação criminal, dos contactos com a polícia é que me traz essa mais-valia. Foi o exercício de funções” (entrevista 19)

Em todas estas afirmações está implícito ou explicitamente reafirmada a necessidade de encontrar um equilíbrio entre a carreira profissional e a carreira política. Além disso, estes deputados enfatizam a experiência profissional como factor importante na formação da carreira política, fazendo uma crítica velada ao sistema de profissionalização e/ou à falta de experiência profissional de uma nova geração de políticos. Estas questões têm consequências na percepção que diferentes deputados têm da profissionalização política em Portugal, tema que abordaremos ainda neste capítulo. Nos antípodas das preocupações dos deputados que trabalham com o privado, estão os professores. Por serem também eles funcionários públicos, é lhes garantido pelo regime de in55

compatibilidades o retorno ao seu posto uma vez findo o mandato parlamentar. Este facto tem, como é óbvio, consequências no planeamento das suas carreiras políticas. Uma dessas consequências é a percepção acerca do regime de exclusividade da Assembleia da República. Como consideram estes deputados, a exclusividade acontece pois existe uma fronteira entre o político e o profissional. Isto parece ir ao encontro do facto de que estes apostaram primeiro na sua carreira profissional como professores. Esta relação pode ser explicada pelos direitos garantidos a funcionários públicos pelo regime de incompatibilidades. “É cada um perceber a fronteira entre o papel de deputado e o papel como profissional e ter sempre presente que a primeira lealdade é com o parlamento.” (entrevista 1) “Coordenação de departamentos, avaliação de professores, formação de colegas novos (...) Foi um percurso em que me formei, estudei, investiguei, especializei-me e depois quando foi feito o convite [para integrar as listas às Assembleia da República] penso que já tinha o meu know-how ao serviço daquilo que até ali tinha defendido.” (entrevista 2) “Sou assistente de faculdade desde 2004 e ter funções públicas sempre as vi como coisas diferentes. Não vejo a intervenção cívica como substituta da profissão, é complementar (...)” (entrevista 10) “Para mim sempre foi claro que a carreira profissional era mais importante, o doutoramento fez-me ingressar no ensino. Mas essa sempre foi a minha prioridade (...) não sei se teria tido oportunidade de fazer carreira política pois nunca teve nos meus planos.” (entrevista 12) “Na década de 1990 sou professora do ensino secundário mas tenho percurso diversificado porque passei pelo ensino univer56

sitário sempre ligado à formação de professores (...) Ou seja, sou filiada no PS depois de ter procurado uma actividade intensa.” (entrevista 15) “A política não é uma profissão, é uma vocação e as pessoas devem ter sempre sobre a política a ideia do serviço e estar ao serviço das pessoas e da política e se for compaginável com a vida pessoal.” (entrevista 18)

Em todas estas afirmações percebe-se que os deputados que se declaram professores têm uma percepção completamente oposta da visão de quem se declara advogado. Para os primeiros, a carreira política é uma construção gradual com menos obstáculos. No entanto, e tal como acontece com os segundos, a actividade política é mantida em paralelo com a profissional. O cenário apenas muda uma vez em cumprimento de mandato parlamentar. Os primeiros preferem tendencialmente o regime de exclusividade, o que lhes permite acumular com algumas horas de aulas, enquanto os segundos acabam por se opôr à exclusividade por lhes colocar obstáculos à actividade profissional. Isto tem consequências na percepção dos deputados acerca da profissionalização e da sua carreira política como veremos ainda neste capítulo.

Interesse na política

Outro tema de relevância para o estudo de uma carreira política, para além do perfil sociodemográfico, é o do interesse suscitado pela política. Durante as entrevistas foi perguntado aos deputados como é que lhes tinha surgido o interesse pela política. Nesta secção comparamos os tipos de interesse suscitados pelos deputados do PS e do PSD. O interesse pela política marca o início de uma carreira política, sendo que o tipo de interesse demonstra também a percepção que os deputados têm do seu papel e da forma como evoluiu 57

a sua carreira política. Além disso demonstra um determinado perfil, estando ligado a características sociodemográficas. O interesse na política pode ser suscitado em momentos e contextos diferentes da vida. Através da análise das entrevistas conseguiram-se formar sete categorias, sendo elas: “família”, “revolução democrática”, “vida estudantil”, “temas políticos”, “identificação partidária”, “carreira profissional”, “intervenção local” e “interesse tardio”. As relações familiares são um importante factor na formação de uma carreira política, como muitos dos deputados referiram. Estas relações suscitam não só o interesse pela política como a percepção que alguns destes deputados têm acerca do seu perfil sociodemográfico como do tipo de envolvimento da família nas suas escolhas políticas. Grande parte dos entrevistados que referiram a família como ponto inicial do seu interesse, referiram o pai ou antepassados e as experiências de infância ligadas a essas figuras. “Fui militante da JSD desde cedo, no meu caso pessoal surgiu logo no meio familiar porque o meu pai foi primeiro-ministro e presidente do PSD e isso teve um papel no meu interesse pela política (...)” (entrevista 4) “Desde muito novo que surgiu o interesse pela política. Sou bisneto de republicanos que chegaram a ministros (...) Depois tive familiares que foram opositores ao regime, principalmente o irmão da minha mãe, esteve preso pela PIDE. Portanto o interesse na política foi uma coisa que surgiu natural.” (entrevista 5) “(...) o meu pai ter sido dirigente partidário e essa vivência da revolução marcou-me e trouxe-me para a política (...) o meu pai no antigo regime até era da oposição, lembro-me dele me contar que participei em jantares e iniciativas (...)” (entrevista 6) 58

“Tive na família pessoas ligadas a vários partidos. O meu pai teve muito ligado ao PSD, tendo sido deputado europeu. Isto acabou por me enriquecer politicamente (...)” (entrevista 7) “Eu diria que o contexto familiar me ajudou no interesse pela política. O meu pai tinha atividade sindical e era militante do PS e isso terá contribuído” (entrevista 10) “(...) ainda antes do 25 de Abril em criança gostava de acompanhar as conversas dos mais velhos e dos amigos dos meus pais sobre problemas nacionais, mas ainda sem actividade partidária.” (entrevista 11) “Os meus avôs materno e paterno mas sobretudo o paterno foi conspirador pela República e foi quadro republicano, ministro, exilado e combatente contra o Estado Novo e como é óbvio também o meu pai (...) o papel do meu pai e a sua projecção mediática também tiveram consequências (...)” (entrevista 14) “A minha família tinha uma formação política profunda, as matérias eram discutidas em casa e desde cedo que fui formando a minha opinião política acerca do regime (...) tive uma iniciação política muito precoce por força desse ambiente (...)” (entrevista 15) “(...) vivi e nasci no Barreiro, um pólo de resistência política e era um pouco o ambiente na vivência desde muito novo (...) o meu pai a seguir ao 25 de Abril foi presidente de um sindicato (...)” (entrevista 16)

Entre estes, contamos familiares de antigos primeiros-ministros, presidentes da república, ministros e de figuras com proeminência partidária, sindical e associativa. Ou seja, alguns destes deputados pertencem a famílias com historial na política ou fa59

mílias pertencentes à elite política formada com o 25 de Abril de 1974. Também de grande importância para a formação da carreira política dos entrevistados foi o impacto simbólico da revolução democrática. Para estes, o 25 de Abril surge como um incentivo geracional para a participação e formação políticas. Para outros, foi uma experiência de iniciação a par das relações familiares. Mesmo deputados que pouco depois da revolução deixaram de ter uma participação política e partidária ativas, referiram que esta marcou a sua carreira política. Isto contrasta com os jovens deputados que nem sequer referem o 25 de Abril como uma referência simbólica na sua carreira política. “No 25 de Abril não era politizado (...) Eu não tinha nem antecedentes políticos na família, participava apenas porque participava mas levou-me a interessar pela política (...) continuo sem ligação partidária mas acompanho o movimento revolucionário e social (...)” (entrevista 3) “(...) foi o 25 de Abril que veio abrir a participação consciente, maior abertura dos alunos, reuniões com professores, portanto a consciência política e a ligação à política vem dessa altura.” (entrevista 12) “Tinha dezasseis anos quando foi o 25 de abril e deu-me uma visão do estado da situação diferente de outros jovens da minha idade e foi um período intenso até à minha entrada na faculdade.” (entrevista 15) “Aos dezassete anos deu-se o 25 de abril e estive envolvido num grupo de extrema-esquerda e portanto o meu gosto pelas coisas públicas e pelo país vêm desde aí.” (entrevista 19)

Seguindo o perfil médio dos recrutados para a Assembleia da República (Freire, 2001; Teixeira, 2009), grande parte dos en60

trevistados estavam em idade escolar (entre os 11 e os 18 anos) durante o período revolucionário. Os deputados entrevistados neste escalão etário referiram a importância da vida estudantil na década de 1970 como referência na formação e participação políticas. Dentre estes deputados, referiu-se a participação em associações ou organizações de estudantes e a abertura do debate político e social nas escolas. “Quando cheguei à Universidade, vinha do Porto e cheguei a Lisboa, vim viver sozinha e fiquei muito mais livre e disponível para frequentar outros ambientes (...) por uma coincidência conheci as pessoas que estavam à frente do Núcleo de Estudantes Sociais-Democratas (...)” (entrevista 1) “A intervenção começou basicamente na escola, com as questões escolares e estudantis durante o período revolucionário (...) em 1977 quando entro na faculdade já vou como militante da JSD, ou seja, foi fácil a integração até porque a associação de estudantes era dominada pelos sociais-democratas (...) logo no primeiro ano fui eleito para a assembleia de representantes da escola e durante os cinco anos de curso fiz sempre parte da associação de estudantes (...)” (entrevista 3) “A participação política activa acontece por força de uma experiência associativa estudantil muito interessante e absorvente (...) vencemos a eleição para a associação de estudantes da faculdade (...) depois passo pela Associação de Estudantes do Porto com uma organização profissional de eventos.” (entrevista 7) “No [ensino] superior é que as coisas são diferentes e porque há participação e eleição, nunca tive experiência direta da associação mas fiz parte dos órgãos de representação (...)” (entrevista 10) 61

“Sempre me interessei pela política pois desde jovem que tenho uma participação política de algum significado embora marcada pelo Estado Novo (...) tinha já uma actividade intensa como director da página de estudantes publicada na Madeira e pela meia hora de rádio no meu liceu.” (entrevista 13) “O meu interesse pela política surgiu aos dezasseis anos na escola com o meu envolvimento num movimento associativo juvenil (...) depois de conversas com amigos, comecei a amadurecer, a ler livros, estudei e tornei-me marxista e depois deixei de o ser. O início teve que ver com alguma influência de professores de esquerda e do movimento associativo local.” (entrevista 18)

Ao mesmo tempo, outros deputados referiram a importância da discussão política através dos mídia ou do debate social sobre política nacional e internacional. Estes, referiram-se ao processo de aprendizagem e de contextualização histórica de acontecimentos políticos e a sua relevância para as suas escolhas políticas: “(...) houve sempre duas questões que suscitaram o meu interesse: a questão do gênero e a questão dos direitos humanos.” (entrevista 1) “Adorava a política e vivia-a. Acompanhava os momentos políticos e tive a sorte de nos anos setenta e oitenta ter existido toda a convulsão política. Nos anos oitenta já na adolescência houve uma série de líderes nacionais e internacionais que eram mobilizadores (...) Optei pela leitura, pelo acompanhamento dos mídia, participar em colóquios (...)” (entrevista 6)

Escolhas partidárias também aconteceram por identificação ideológica ou de lideranças. Vários deputados afirmaram as suas escolhas a partir de princípios, contextos históricos e identificação com líderes partidários. Em alguns casos esta identificação 62

acontece por oposição ao cenário político do momento, outros por completa identificação entre o contexto internacional e nacional, especialmente logo após o 25 de Abril: “(...) o despertar para a política foi depois do 25 de Abril e com a imagem de Sá Carneiro como muitos da nossa juventude penso que fomos muito influenciados por esse vulto. Ainda por cima eu tinha quinze anos portanto essa imagem de liderança (...)” (entrevista 2) “Tive esse enquadramento familiar mas de certa forma foi uma escolha natural porque sempre me identifiquei com as ideias do PSD, pois defendiam as ideias de mercado capitalista (...) o PS estava comprometido com alguns complexos de esquerda (...)” (entrevista 4) “A Thatcher e o Reagan por quem tinha grande paixão ou do outro lado Kohl, Mitterrand, Delors, Gorbatchev, portanto os anos oitenta foram uma máquina de lideranças políticas na Europa que me influenciaram.” (entrevista 6) “No quadro partidário dessa altura havia duas ou três questões importantes, vindo de um meio rural e de uma família ligada à pequena agricultura, o discurso do PSD é mais rural e preocupado com a pequena propriedade sem ser conservador e preocupado pelas questões sociais, portanto a social-democracia sempre foi um discurso que acompanhei ainda mais por ser católico.” (entrevista 12) “(...) comecei desde logo a escrever para jornais e fui tendo alguma posição e simpatia pelo PSD, com o professor Cavaco Silva como primeiro-ministro. Em casa com uma forte presença de Sá Carneiro mas como adolescente nunca vivi essa fase (...) tinha necessidade de participar em mais qualquer coisa (...)” (entrevista 17) 63

Outros revelaram a importância da sua carreira profissional para uma maior consciência política ou envolvimento cívico. A carreira profissional permitiu-lhes um envolvimento cívico e a aprendizagem política que lhes trouxe um apurado interesse pela política mas sem envolvimento partidário. Aliás dois destes deputados só tardiamente passaram a militar activamente em partidos (entrevistados 8 e 15): “Como acabei por ter uma carreira na Universidade, passei a trabalhar nos temas do género e dos direitos humanos, temas políticos que sempre me interessaram.” (entrevista 1) “(...) até 2009 só tive participação cidadã, intervenção pública, assinar artigos de cariz político mas nunca no sentido partidário (...) Também sentia que como jornalista estava a fazer o meu papel de cidadã, que estava a exercer política ativa sem precisar de estar num partido.” (entrevista 8) “(...) comecei o meu trabalho como professora e os meios que frequentava e as pessoas com quem partilhava as minhas opiniões (...) Fui-me afastando mas não deixei de estar informada e de ser interveniente, ou seja, aquilo que é a minha postura enquanto cidadã mas não por força dos partidos (...)” (entrevista 15)

A par disto, deputados com passado em autarquias ou envolvimento cívico local assumiram que a intervenção local tornou-se um dos motes para o aprofundamento do seu interesse na política: “Sempre me interessei pela política local logo que acabei a minha licenciatura (...) e estive ligado ao fenómeno do jazz local.” (entrevista 9) 64

“Tive sempre um grande interesse por Lisboa, a minha grande paixão inicial e assumi logo esse interesse (...) a partir de 1986 fixei o meu interesse por razões de paixão ao trabalho autárquico.” (entrevista 14)

Finalmente, outros deputados referiram que o seu interesse na política foi tardio, uns pelas condições socioeconómicas da família o que dificultou o seu envolvimento político-partidário, enquanto outros mostraram sempre uma repulsa pelo envolvimento partidário o que os afastou da política durante vários anos: “(...) o meu interesse adormeceu porque fui estudar e trabalhar, ter filhos e criá-los (...) estive sempre dedicada ao estudo pois os meus pais também não tinham margem financeira e quis aproveitar ao máximo a oportunidade que me estava a ser dada por eles (...)” (entrevista 2) “Bem a política do ponto de vista do exercício só começou em 2009, portanto caiu de pára-quedas (...) nunca imaginei que ia exercer a política nem nunca quis (...)” (entrevista 8)

Comparando os dois partidos, os deputados do PS indicaram maioritariamente que o seu interesse pela política nasceu da confluência do contexto familiar, da revolução democrática e da vida estudantil. Já os deputados do PSD apresentam o mesmo perfil, se bem que a identificação partidária é também um factor relevante de introdução à política, com a identificação ao ex-líder Francisco Sá Carneiro indicado por quatro entrevistados. Entre as categorias observam-se ligações. As categorias “família”, “revolução democrática” e “vida estudantil” aparecem na maioria das entrevistas como factores de interesse inicial na política. Este facto atesta a constituição das elites políticas portuguesas, ligadas a uma formação revolucionária, estudantil mas também com relações familiares que propiciaram o entrosamen65

to com a vida partidária. Também a categoria “família” aparece muitas vezes associada à categoria “identificação partidária”, demonstrando a importância do entrosamento familiar em ambos os partidos e reforçando a posição de determinadas famílias políticas no seio das elites partidárias. Em contradição, encontram-se as categorias “família” e “interesse tardio”. Os dois deputados que referiram a importância do estatuto socioeconómico baixo da sua família também referiram um tardio interesse na política e uma aposta na sua ascenção social através da carreira profissional.

Os caminhos do recrutamento

Como já tivemos oportunidade de explicar no primeiro capítulo, os caminhos do recrutamento parlamentar em Portugal apresentam algumas diferenças de partido para partido. Concluiu-se a partir dos mais recentes estudos que o PSD é o partido menos centralizado no que concerne à feitura das listas para a Assembleia da República, enquanto o PS, tal como os restantes partidos de esquerda com assento parlamentar é bastante centralizado (Freire, 2001; Teixeira, 2009). Este fenómeno organizacional explica em grande parte o tipo de perfil de deputado em Portugal nas últimas décadas, o que tem permitido uma maior profissionalização com a ascensão das direcções nacionais dos partidos nos grupos parlamentares, o envelhecimento médio e os obstáculos a mulheres e grupos socioeconomicamente desfavorecidos. No entanto, parece-nos que a descrição da carreira política dos deputados permite-nos aprofundar a descrição de padrões nos caminhos do recrutamento para a Assembleia da República entre os dois maiores partidos portugueses. Em cima disso, a percepção dos próprios deputados acerca da sua condição de agentes políticos e de recrutados também nos permite aferir da

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forma como os agentes políticos em Portugal gerem a sua carreira e ascendem a determinados cargos, ou seja, qual o profiling que os partidos ambicionam quando recrutam. Nos caminhos do recrutamento, a literatura tem enfatizado a carreira partidária, ou seja, a militância partidária como um dos factores mais relevantes no recrutamento para a Assembleia da República (Teixeira, 2009). Os partidos privilegiam a lealdade e a dedicação à militância. Veremos como isso se processou para estes dezanove entrevistados. Militância partidária Podemos considerar a militância como a carreira partidária de cada agente político. Actualmente tanto no PS como no PSD, a militância processa-se em dois níveis de integração: a militância jovem, que passa pelas juventudes partidárias e a militância adulta ou acima dos 30 anos que passa pela integração nas estruturas locais, regionais e nacionais do partido. Pese embora muitos deputados não passaram pelas juventudes partidárias, a verdade é que estas têm ganho peso na formação da elite política nacional. Tanto no PS como no PSD é visível a importância da militância partidária para os objectivos individuais na formação de uma carreira política em Portugal. Tal como têm enfatizado alguns autores (Freire, 2001; Teixeira, 2009), a militância partidária é um dos requisitos essenciais para o recrutamento parlamentar. Quem apresenta mais anos de militância partidária terá maiores hipóteses de ser recrutado para os lugares expectavelmente elegíveis da lista à Assembleia da República. Raramente os partidos incluem independentes ou jovens nesses lugares, cabendo à direcção nacional dos partidos um lugar privilegiado. Quanto às mulheres, o cenário muda devido à lei das quotas que tivemos oportunidade de discutir anteriormente. Assim sendo, e como o presente estudo reflecte acerca de dezanove deputados da actual legislatura, e tendo o PSD obtido melhores resultados eleitorais 67

que o PS, é de esperar que o recrutamento partidário seja mais forte neste último, visto que o primeiro acabou por conseguir incluir mais independentes, além de que muitos eleitos acabaram por integrar postos nos ministérios dando lugar a substitutos. Começando pelos deputados do PSD, sete em doze tiveram pelo menos uma actividade partidária intensa. Destes, seis tiveram uma passagem pela JSD com diferentes graus de integração e cargos. Para alguns, a passagem pela JSD teve uma ligação universitária, quer através de relações pessoais com jovens militantes, quer através de actividade em associações académicas. Podemos considerar que o baptismo de voo para uma carreira partidária e até mesmo política passa por uma integração no debate acerca dos problemas dos jovens universitários. “(...) comecei a ir a algumas reuniões da JSD e a ser envolvida em algumas iniciativas e acabei por me tornar militante logo no segundo ano de faculdade e com mais intensidade acabei por fazer parte de estruturas dedicadas ao acompanhamento do ensino superior (...) para que a minha opinião tivesse um impacto e fosse veiculada tinha de pertencer a alguma das estruturas que estavam programadas para isso. Para mim a JSD aparece como uma resposta a essa realidade.” (entrevista 1) “Quando opto na maioridade já opto pela JSD. Passei pela associação de estudantes, protestos pelo ensino, contra a autoridade da escola (...) Logo no meu primeiro ano fui eleito para a assembleia de representantes da escola e durante os cinco anos de curso fiz sempre parte da associação de estudantes e da assembleia de representantes. Ao mesmo tempo participava na vida interna da JSD (...) Já na fase final do curso era líder da JSD na faculdade e fui escolhido para diretor do jornal nacional da JSD e depois cheguei à comissão nacional.” (entrevista 3)

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“Depois participei na JSD como universitário e até aí não me motivava pela atividade política, era pelo estudo (...) mas participava mais em reuniões da JSD do meu concelho.” (entrevista 6)

Excetuando este último entrevistado, os restantes mantiveram uma maior ligação ao núcleo partidário da sua faculdade. Noutros casos, a JSD serviu apenas como instituição formal de entrada numa carreira partidária. “(...) tenho uma carreira política atípica. Fui membro da JSD entre os dezasseis e os dezoito anos mas não me filiei no PSD nessa altura. A JSD funcionava nessa altura como antecâmara do PSD e eu não fiz isso, deixei a minha militância e até fui presidente da associação académica de Coimbra mas depois tive doze anos sem actividade partidária e só me filiei em 1995 (...)” (entrevista 4) “(…) não era uma jovem igual aos jovens que encontrei na JSD. Não encontrei ao nível da JSD o que fez com que nessa idade me afastasse da JSD e fui-me aproximando do PSD. Logo aos dezanove desliguei-me da JSD, deixei de ir às reuniões e passei a assistir à reuniões do PSD na área de residência.” (entrevista 17)

Apesar de um dos entrevistados ter tido uma atividade universitária ligada a associações estudantis, esta não teve que ver com a sua militância na JSD. Ambos desligam-se totalmente das actividades intrapartidárias da JSD e apostam, mais cedo ou mais tarde, nas estruturas do PSD. Para os restantes seis deputados do PSD não existiu qualquer ligação à JSD. As razões são variadas mas nelas encontramos também alguns padrões. Para três destes entrevistados, a relação com a militância fez-se inicialmente do ponto de vista local. Esta integração nas estruturas locais do PSD acontece ora por questões de cooptação local, ora por militância de base. Em ambos 69

os casos, os deputados iniciam carreiras partidárias locais com envolvimento municipal ou regional: “(...) fui mantendo uma ligação ao PSD-Açores (...) Depois de já estar filiada, recentemente surgiu-me o convite para integrar uma equipa do PSD na preparação do programa eleitoral de Berta Cabral (...)” (entrevista 8) “(...) em 1976 porque sentia que havia um caminho perigoso em relação a processos de estatização e privatização, resolvi militar no PPD. Do ponto de vista da política activa ela começou em 1975, embora tenha sido um mero militante de base durante vários anos com um ou outro cargo local” (entrevista 11) “(...) a consciência política veio com o 25 de Abril e daí também a ligação ao PSD (...) Tive uma actividade política com muitas intermitências e não tenho nenhum tipo de responsabilidade partidária à excepção de ser coordenador do grupo de estudos do PSD em Vila Real.” (entrevista 12)

Para os restantes três, a militância no PSD foi um processo lento e gradual, com afastamento face à actividade partidária. “O PSD acaba por ser um processo mais lento, mais maturado através do círculo de amigos da faculdade com quem discutimos modelos de sociedade (...) nunca me senti seduzido pelas juventudes partidárias e o associativismo deu-me a oportunidade de intervir.” (entrevista 7) “Segui com toda a atenção a actividade política e tive uma adesão afectiva ao PSD sem militância activa (...) a minha consciência política foi-se consolidando em torno de determinados princípios.” (entrevista 13) 70

“Ainda estive durante sete anos como independente e não participei em nada da vida interna do PSD e sendo militante há cinco anos quase não tenho e isto tem que ver com o perfil da política, entro já com provecta idade na política e não tenho formação partidária nenhuma. Esta rectaguarda política e o funcionamento dos partidos são realidades com as quais não tenho afinidade nenhuma (...)” (entrevista 19)

Para além da integração em estruturas diferenciadas, a militância partidária apresenta ainda outros aspectos que estão ligados às diferentes estruturas internas e a diversos tipos de integração intrapartidária. Para um dos entrevistados, a carreira partidária permitiu a sua formação política ao mesmo tempo que integrava alguns órgãos do partido: “(...) participar em estruturas onde se pode ir a reuniões da distrital ou regionais, ouvir os debates e as intervenções, isso ajuda-nos a perceber os temas da ordem do dia (...) significa estar sempre a par dos grandes temas e ser capaz de reflectir sobre eles.” (entrevista 1)

Para outros, a carreira partidária permitiu-lhes consolidar a sua carreira política através da ocupação de cargos nacionais e locais: “Dentro do PSD neste período fui membro de órgãos distritais e nacionais (...) Passei por todos os cargos jurisdicionais no PSD (...) Desde 1985 que continuei a fazer vida no PSD, umas vezes no poder outras fora (...)” (entrevista 3) “(...) quando ganha Marques Mendes no PSD de quem sou amigo e admirador político e ele me convida para secretário-geral adjunto então passo a maior parte do tempo na sede nacional (...)” (entrevista 6) 71

“De militante de base e depois a líder concelhio e distrital (...) mas tive períodos de militância apagada.” (entrevista 11) “Diria que o facto de ter sido convidada em 2011 por Pedro Passos Coelho para ser vice-presidente do PSD foi uma surpresa muito grande, pois já estava desligada do PSD local e estava a fazer a minha carreira académica (...) também era razoavelmente conhecida na distrital.” (entrevista 17)

Para estes quatro deputados, e apesar das intermitências impostas pela vida profissional, a militância partidária representou uma forma de recrutamento em consequência da sua dedicação ao partido. No caso dos deputados do PS, dois em sete tiveram actividade na JS. Para um deles, essa militância teve ligações com a actividade estudantil universitária, enquanto o outro manteve ligações com a estrutura local e nacional: “Inicialmente o percurso fi-lo na JS e entrei em 1985. Anos depois talvez em 1988 passei a integrar o secretariado nacional da JS com o António José Seguro, ao mesmo tempo que entrava na câmara.” (entrevista 9) “A minha militância acontece aos quinze numa secção local e por volta dos dezassete integrei a estrutura concelhia (...) Na faculdade como estava nos órgãos tive a militância um pouco reduzida. Em 2006 conheci o secretário-geral da JS e a relação fortaleceu-se. A partir daí assumi tarefas mais relevantes (...) mais tarde fui eleito secretário-geral da JS.” (entrevista 10)

Para os restantes deputados, a militância partidária não passou pela JS, mas sim pelos órgãos do partido ou da integração local: 72

“(...) passei a coordenar a ligação entre a organização central e a organização do partido regional e estive doze anos a fazer isto. Isto acontece de 1978 até 1986 e fui durante este percurso um funcionário do partido.” (entrevista 5) “Até 1986 tive uma militância de base muito pequena e nunca tive posições públicas (...) Entre 1991 e 1995 é que eu passei a estar na linha da maioria do PS (...)” (entrevista 14) “A aproximação ao PS dá-se na década de 1990 (...) Fui presidente da concelhia de Leiria (...) fui acumulando capacidade de liderança, gestão de informação e comunicação com estruturas e militantes.” (entrevista 15) “A entrada no PS acontece muito tarde, só em 1999 (...) a minha aproximação decorre de uma aproximação feita pelo Carlos Zorrinho na Universidade de Évora (...) mas antes tinha estado nos Estados Gerais em 1992 (...)” (entrevista 18)

Ainda para outro deputado, a militância foi diminuta e com muitas intermitências: “Era militante do PS mas sem responsabilidades e tinha estado na assembleia municipal (...) Não era das estruturas do PS mas estive ligado ao escritório de Jorge Sampaio (...) Fiz um percurso profissional com proximidade ao PS.” (entrevista 16)

Tal como no PSD, uma boa parte dos entrevistados do PS olharam para a sua carreira partidária como uma forma de desenvolver a sua carreira política. Veremos ainda nesta secção de que forma a militância foi um factor importantíssimo no recrutamento parlamentar.

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Experiência autárquica A par da militância partidária, e muitas vezes consequência dela, a experiência autárquica é um factor importante no perfil médio dos deputados portugueses. Por experiência autárquica entendemos a ocupação de um cargo municipal ou de freguesia, no legislativo (assembleia municipal ou de freguesia), no executivo (presidente, vereador ou vogal) ou em empresas municipais. De referir que estes cargos são de representação, de confiança política ou nomeação. No caso do PSD, seis deputados mencionaram pelo menos uma experiência autárquica, um deles numa assembleia municipal, outro numa assembleia municipal e vereação, dois em cargos de vereação, um administrador de empresa municipal e outro numa assembleia de freguesia e vogal. Para cinco destes, a atividade autárquica tornou-se o centro da sua vida política: “(...) fui militar no PSD e passei à vida política, nas assembleias municipais em 2005. Em 2009 fui candidata à equipa para a Câmara de Amarante e fiquei como vereadora da oposição e a partir daí o meu treino foi sempre em oposição.” (entrevista 2) “Aos vinte e três anos sou candidato [à presidência da Câmara] porque mais ninguém queria (...) por um lado deu-me notoriedade na região e na JSD e por outro catapultou-me para a vereação.” (entrevista 6) “Fui o responsável político pelo PSD Aveiro e preparei uma candidatura municipal que saiu vitoriosa o que era pouco expectável e no seguimento dessa vitória fui para administrador de uma empresa municipal.” (entrevista 11) “(...) em 2005 fui desafiado a ser candidato à Câmara de Amarante e perdi as eleições mas mantive-me como vereador da oposição (...) a minha carreira política baseou-se nisso.” (entrevista 12) 74

“(...) entrei nas listas da freguesia de Santo Condestável, perdemos as eleições mas depois tornei-me vogal e mais tarde presidente da assembleia por dois mandatos.” (entrevista 17)

O terceiro entrevistado, também do PSD, apresenta ao mesmo tempo uma intensa militância partidária. Para este, a experiência autárquica foi outro passo na sua carreira política dando-lhe formação e notoriedade no partido: “(...) fui então fazer assessoria numa Secretaria de Estado (...) de alguma forma isso criou uma imagem e fez com que eu entrasse nas autarquias. O primeiro grande passo é ser eleito em 1985 para a Assembleia Municipal de Sintra e ter sido logo eleito líder de bancada. Portanto, uma coisa leva à outra.” (entrevista 3)

Dos sete deputados do PS, três mencionaram pelo menos uma experiência autárquica. Dois como vereador e presidente de Câmara e outro como deputado à assembleia municipal. Para os três, a experiência autárquica foi um passo bastante importante na sua carreira política, tendo sido consequência directa do seu envolvimento partidário. “(...) ingressei no PS (...) Rapidamente me interessei pelo fenómeno político e ascendi a vereador em Matosinhos (...) em 1997 passei a número dois da lista e em 1999 com a saída do presidente da Câmara passei a presidente (...)” (entrevista 9) “(...) fui eleito por Lisboa e achava que era importante sob o ponto de vista político (...) Ganhámos e fiquei doze anos a trabalhar em Lisboa, primeiro como número dois e depois como presidente da Câmara (...)” (entrevista 14) 75

“Sou filiada no PS depois de ter procurado uma atividade intensa. Fui presidente da concelhia de Leiria e organizei as autárquicas que conduziram à vitória do PS e fico como membro da assembleia municipal.” (entrevista 15)

Tal como os primeiros cinco deputados do PSD acima mencionados, os entrevistados do PS referiram-se à sua experiência municipal como o centro da sua actividade política. Experiência governativa Além de uma experiência autárquica, os entrevistados referiram algumas experiências ligadas directa ou indirectamente com o governo. Por experiência governativa entendemos cargos executivos (ministro) e de assistência técnica e confiança política (director-geral ou assessor). No caso do PSD, quatro entrevistados mencionaram pelo menos uma experiência governativa, sendo que dois deles também tiveram uma experiência autárquica. A passagem por estes cargos fez-se de forma intermitente, sendo fruto do seu capital político. Em ambos os casos são maioritariamente cargos de confiança política. “(...) como era dirigente nacional da JSD, tinha já uma experiência governativa, tinha habilitação profissional e desempenhava-a, fui convidado em 1983 para ingressar no governo mas recusei (...) Depois em 1986 desencaminharam-me outra vez para o governo e estive dois aos como assessor de um ministro num cargo verdadeiramente político (...)” (entrevista 3) “depois tive um convite para o programa de juventude (...) nomeação do secretário de Estado (...) Depois tive um convite inesperado para chefe de gabinete do Ministro Adjunto Henrique Chaves e estive depois no Conselho de Ministros. Foi um 76

momento muito rico porque me deu uma ligação transversal do sistema político e deu-me uma rede de contactos que se reforçou através do partido.” (entrevista 11)

No caso dos outros dois entrevistados, o cargo no governo passou por lugares directos no executivo, um como Secretário de Estado e outro como Ministro. Estes entrevistados tiveram apenas uma experiência governativa. Para os dois o convite chegou do líder do partido recém-eleito Primeiro-Ministro e resultaria num cargo sem continuidade na legislatura seguinte, ou seja, sem intermitências. Ao mesmo tempo os cargos corresponderam ao perfil profissional e técnico de ambos: “O que acontece é que só me liberto da advocacia e da docência quando fui convidado para membro do governo em 1985 (...)” (entrevista 13) “Esse convite para o ministério surge de uma conversa que tive com Durão Barroso.” (entrevista 19)

Dos sete entrevistados do PS, três mencionaram ter tido pelo menos uma experiência governativa. Um deles como assessor, outro como Secretário de Estado e outro ainda como director-geral. Contrariamente aos entrevistados do PSD, estes deputados do PS não mencionaram nenhuma experiência autárquica. Aliás é o seu perfil técnico o mais citado como factor de nomeação política. Apenas o décimo sexto entrevistado demonstra maiores ligações partidárias na sua nomeação. No entanto, teve sempre uma parca actividade partidária: “Em 2005 estive no gabinete do Secretário de Estado e mais tarde prestei apoio jurídico ao Ministro dos Assuntos Parlamentares (...) a questão da assessoria não vem por via do meu percurso de militância na JS, porque aquelas funções são de análise 77

jurídica e o contacto surge de um professor da faculdade que me sugeriu ao Secretário de Estado.” (entrevista 10) “Quando o PS chegou ao governo regressei o início de 1996 para trabalhar junto do governo equiparado a subsecretário de Estado (...) Com o segundo governo Guterres fui Secretário de Estado Adjunto da Justiça (...) Em 2005 o PS volta a ganhar as eleições e voltei para o governo como adjunto do Ministro de Estado na área de administração local, lei de finanças locais, limitação de mandatos, arrendamento.” (entrevista 16) “(...) fui convidado para diretor-geral de agricultura de 1995 e 1998 e de 1998 a 2001 e vice-presidente da comissão de coordenação da região do Algarve entre 2001 e 2002, ou seja, cargos da minha formação técnica (...)” (entrevista 18)

Voltaremos à análise destas experiências governativas ainda nesta secção quando tentarmos compreender a sua relação com o recrutamento parlamentar. No momento do recrutamento Até aqui temos feito um perfil dos recrutados começando pela sua militância partidária, passando pela experiência autárquica e acabando na governativa. O objectivo foi o de traçar os padrões do profiling destas dezanove carreiras políticas. Agora pretendemos descrever quais os factores percepcionados pelos deputados como relevantes no seu recrutamento parlamentar. Os motivos citados pelos entrevistados foram organizados nas seguintes categorias: “surpresa pelo convite”, “militância partidária”, “experiência autárquica”, “experiência governativa” e “capital técnico”. As categorias mais citadas foram a “militância partidária”, o “capital técnico”, a “experiência autárquica” seguidas pela “experiência governativa” e “surpresa pelo convite”. Por militância 78

partidária consideramos toda a actividade partidária que apoiou o candidato na sua escolha como recrutado. Por capital técnico consideramos o conhecimento técnico especializado adquirido profissional ou academicamente e que habilita o agente político a manusear um know how técnico capaz de o apoiar no trabalho parlamentar. A experiência autárquica abarca toda a actividade em campanhas eleitorais ou cargos autárquicos que levam a ganhar influência entre as direções do partido. Enquanto a experiência governativa refere-se a cargos ligados ao executivo nacional que garantiram capital político e/ou técnico junto de quem recruta. Finalmente, a surpresa pelo convite acontece quando o deputado considera o seu recrutamento e eleição como algo surpreendente, decorrente do seu parco envolvimento com a política ou com os partidos. Dez foram os deputados (cinco do PSD e sete do PS) que citaram a militância partidária como factor preponderante no seu recrutamento parlamentar. Este cenário confirma o facto de o PS estar na oposição na presente legislatura, o que leva à eleição de menos deputados sem ligações partidárias. Deputados que referiram a militância partidária como fulcral no seu recrutamento mencionaram a sua influência intrapartidária ligadas a lideranças concelhias, regionais e nacionais ou ainda a vitórias e cargos autárquicos. “O que me deu qualificação para ser escolhido foi estar no momento certo à hora certa, ou seja, ter a influência interna para estar um lugar elegível nas listas (...) Quando estou na situação de influenciar as listas, porque apoiei a solução interna vencedora foi o que criou as condições para ter lugar nas listas.” (entrevista 3) “(...) comecei por baixo, tentei ser dirigente de uma secção local (...) foi nesta condição que fui escolhido para deputado pois tinha grande influência na federação de Lisboa (...)” (entrevista 5) 79

“Para além da JSD, tive responsabilidades locais na autarquia e a distrital do Porto, mantendo durante alguns anos a presidência da concelhia de Matosinhos cerca de dez anos (...)” (entrevista 9) “A pessoa integra as listas por ser secretário-geral da JS (...) o secretário-geral da JS tem integrado a liderança da bancada parlamentar e isso reforça o seu papel.” (entrevista 10) “O entrosamento entre alguma actividade profissional e a actividade política é importante porque a vida política é efémera (...)” (entrevista 14)

Para outros, a relação partidária reforçou a sua posição enquanto profissionais e técnicos, numa clara aliança entre a militância e o capital técnico adquirido: “(...) depois com alguma influência retornei com a Manuela Ferreira Leite, fui vice-presidente do PSD (...) sempre quis fazer a minha carreira académica (...) a política sempre foi um retorno.” (entrevista 4) “Sou militante do PS desde os tempos da faculdade sempre com actividade profissional e técnica, mas se a pessoa é convidada para um cargo político é porque tem conhecimento técnico e proximidade com pessoas com responsabilidade política (...)” (entrevista 16) “(...) estava a fazer carreira académica o que também tem o seu peso e cobre algumas das áreas onde tenho interesses políticos (...) sendo razoavelmente conhecida no distrito de Lisboa permitiu-me integrar as listas em 2009, depois de ser vice-presidente do PSD e portanto é uma decorrência da função e não representou qualquer surpresa (...)” (entrevista 17) 80

“A minha forma de chegar à política é através da minha profissão. Tenho uma formação específica, sou agrónomo e professor universitário numa determinada região e fiz um mestrado que em 1995 deu-me contactos com o ministério da altura (...) Cheguei à política quando quis ser candidato pelo PS. Sou desde 2002 um elemento da máquina do partido.” (entrevista 18)

Ainda para outro entrevistado, a sua condição de mulher e de técnica acabou por ser reforçada pela liderança de uma estrutura concelhia aliada a uma vitória eleitoral nas autárquicas: “Só depois é que me filiei no PS e exerci o cargo de presidente da concelhia entre 2008 e 2010. Deu-me um conhecimento mais profundo das estruturas. Quando me candidatei tinha três objetivos: ganhar a câmara, aumentar o número de militantes e criar uma estrutura de relação mais próxima com a política local e portanto os três objetivos foram reforçados (...) Na minha área de educação talvez seja a única na comissão que trabalhou com todos os níveis do ensino e que já esteve no ministério (...)” (entrevista 15)

Seis deputados referiram o seu capital técnico como um dos factores na escolha para as listas à Assembleia da República. Neste sentido, os partidos valorizam também o currículo académico, técnico e/ou profissional dos recrutados, o que por exemplo atesta o recrutamento crescente de advogados e juristas em princípio treinados para o processo de feitura de leis (Freire, 2001; Teixeira, 2009). Para três destes, o convite chegou por intermédio dos seus méritos académicos. “(...) aceitei o convite e as pessoas que começaram política activa na minha altura estão também agora a fazer política. No entanto, sempre fomos fazendo carreira profissional em paralelo 81

(...) Mas o facto de ser a coordenadora do PSD para os negócios estrangeiros (...) sinto que os meus anos de estudo podem ser postos ao serviço do PSD neste momento (...)” (entrevista 1) “Foi um percurso em que me formei, estudei, investiguei, especializei-me e depois quando veio o convite penso que já tinha o know how ao serviço das causas que tinha defendido até ali.” (entrevista 2) “(...) fui fazer um doutoramento para fora mas sempre estive ligado à administração pública e às questões de ordenamento do território (...)” (entrevista 12)

No caso dos restantes, estes possuem conhecimentos técnicos especializados bastante importantes para o debate parlamentar e para a apresentação de propostas. Estes conhecimentos foram adquiridos profissionalmente e são percepcionados pelos deputados como aptidões técnicas que apoiam os partidos no parlamento, especialmente no processo de feitura de leis e no debate em sede de comissão: “Mesmo na minha área específica da comissão sou eu a única jornalista. Tudo o que é relacionado com isso contam com a minha participação. Quando mal cheguei entregaram-me em mãos um diploma.” (entrevista 8) “Em 1980 aparece um comissário de Alberto João Jardim para eu encabeçar as listas do PSD Madeira à Assembleia com o argumento de que ia haver uma revisão constitucional e que o meu contributo iria ser indispensável sendo eu advogado.” (entrevista 13) “(...) a minha vida segue um rumo diferente da política, através dos tribunais e vou para juiz muitos anos, torno-me director da 82

PJ e depois repondero intervir na área da justiça e da segurança em Portugal e tive um convite do PSD (...)” (entrevista 19)

A par da militância e também do capital técnico, surgem as experiências autárquica e governativa como factores percepcionados pelos deputados no seu recrutamento. Enquanto uma vasta maioria de deputados considerou a militância partidária e o capital técnico como factores relevantes no recrutamento parlamentar, no caso da experiência autárquica apenas dois deputados consideraram esta como importante: “Aos vinte e três anos sou candidato [à presidência da câmara] pelo Sobral [de Monte Agraço] porque mais ninguém queria (...) Quando chegámos ao fim tornei-me vereador (...) Eu sozinho com uma esmagadora maioria do PCP (...) em 1991 há as eleições para a Assembleia da República e a região oeste tinha de indicar um jovem e foi o meu nome.” (entrevista 6) “Acho que sou essencialmente escolhido porque reforcei o meu papel no partido em cargos locais e em segundo lugar o sucesso nas eleições autárquicas (...)” (entrevista 11)

A par destes dois, outros seis deputados consideraram a sua experiência autárquica como complementar à sua escolha no processo de recrutamento. Este complemento ora acontece em relação com a militância partidária (entrevistas 3, 9 e 14), com o capital técnico (entrevistas 2 e 15) ou ainda com ambos (entrevistas 12 e 17). No caso da experiência governativa, os seis deputados que a citaram nunca a relacionaram com o seu recrutamento parlamentar. Mesmo aqueles que ocuparam cargos como o de ministro ou secretário de Estado (entrevistas 13, 16 e 19) não relacionaram essa experiência com o facto de terem sido recrutados para a Assembleia da República. Aliás no caso de dois (entrevistas 13 e 16), antes 83

da experiência governativa já tinham sido deputados e o seu recrutamento aconteceu através do capital técnico. Os três restantes incluíram a sua experiência governativa como mais um passo na sua carreira política ou profissional. Não é pois de estranhar que esta experiência apareça associada ao capital técnico adquirido. A par dos factores percecionados pelos deputados, quatro destes (entrevistas 1, 7, 8 e 13) afirmaram-se surpreendidos com a sua escolha para as listas à Assembleia da República. O primeiro e oitavo entrevistados foram recrutados e eleitos pela primeira vez nesta legislatura, enquanto o sétimo e o décimo terceiro já foram reeleitos e portanto a surpresa reporta-se à primeira vez que foram recrutados. Três entrevistados relacionaram a sua surpresa com o facto de não terem militância partidária. Para estes deputados acentua-se o carácter de cooptação através do seu capital social ou de intervenção pública e do capital técnico. De frisar que os três acabaram por se filiar no PSD. “Ninguém me conhecia no PSD mas ganhei capital social e político para que o convite surja naquela altura (...) Entre 2005 e 2009 a minha actividade política resume-se à escrita de artigos de opinião.” (entrevista 7) “Sentia que como jornalista estava a fazer o meu papel de cidadã, que estava a exercer política activa sem precisar de estar num partido (...) Foi uma surpresa tanto para mim como para as pessoas à minha volta (...) achei que estavam a brincar comigo quando me fizeram o convite.” (entrevista 8) “Fiquei surpreendido porque até ali não tinha envolvimento com o PSD Madeira porque vim viver e estudar para Lisboa. Nessa altura sou confrontado com a hipótese concreta de participar numa atividade política e ainda não partidária, ou seja, ia exercer uma função política.” (entrevista 13) 84

Já o primeiro entrevistado relaciona o seu recrutamento em parte com a sua militância partidária, apesar de parca, e a sua actividade profissional: “A minha escolha como deputada foi uma surpresa para muita gente. Sempre fui da distrital de Lisboa porque é aqui que moro, porque dou aulas em Lisboa, e toda a minha actividade profissional é desenvolvida aqui, mas há muitos anos que não pertenço a estruturas partidárias de Lisboa (...) nunca tive muita actividade na minha secção (...) sou uma daquelas escolhas que provavelmente não rendeu votos ao PSD.” (entrevista 1)

Neste cenário, para quem o recrutamento foi uma surpresa é de notar o fraco ou inexistente envolvimento partidário. Como já foi anteriormente afirmado, o perfil médio dos deputados portugueses tem sido reforçado pelo carácter partidário dos grupos parlamentares (Sá, 1994; Teixeira, 2009) e pela profissionalização das lideranças partidárias (Freire, 2001), o que obriga estas a ocupar os lugares cimeiros das listas à Assembleia da República. Resumindo, os factores percepcionados pelos deputados no seu recrutamento são divididos por estes em essenciais ou importantes e complementares ou menos importantes. Os primeiros são claramente a militância partidária e o capital técnico, o que nos leva a concluir que o PS e o PSD tendem a dar importância a estes requisitos quando recrutam para o parlamento. Desta forma, ambos privilegiam a lealdade partidária, a influência individual em diferentes órgãos do partido e o seu papel em vitórias eleitorais. Ao mesmo tempo dão vazão ao capital técnico necessário para o debate parlamentar e conteúdo especializado na feitura de leis. Já os segundos factores – experiências autárquica e governativa – aparecem em relação com a militância partidária e o capital técnico, elementos essenciais para o recrutamento e/ ou nomeação para cargos de assessoria, confiança política ou de chefia em esferas do Estado ou autarquias. 85

O caso da profissionalização

Na secção anterior discutimos os elementos que os deputados percepcionam como essenciais para o seu recrutamento. Estes elementos estão ligados à sua carreira política e às escolhas quanto ao recrutamento. Pretendemos agora descrever os padrões de percepção dos deputados quanto à profissionalização política e a sua evolução no contexto do sistema político português. No primeiro capítulo tivemos a oportunidade de discutir a variada literatura que tem vindo a analisar o sistema de profissionalização política em Portugal. Recordando André Freire (2001) tomamos como pontos de partida alguns dos sinais utilizados pelo autor para identificar a profissionalização no parlamento português ao longo de várias legislaturas. Estes elementos estão identificados nas entrevistas e compõem diversas categorias de análise: “carreira profissional” e “reeleição”. Tal como Freire (2001), consideramos que a profissionalização política conduz à institucionalização de uma esfera própria de actuação. Sendo a representação o foco do sistema parlamentar, a profissionalização tende a afastar representantes de representados, tornando-se a política uma esfera de especialistas com um determinado percurso e/ou pertencentes a um determinado perfil socioeconómico, académico e político. Neste sentido, e tal como concluem Verba, Schlozman e Brady (1995), acabarão por existir desigualdades na participação cívica e política, resultantes do acesso diferenciado a estruturas e recursos preponderantes. O perfil médio dos recrutados, identificado por Pequito Teixeira (2009), bem como os padrões descritos na secção anterior, parecem apontar para um padrão identificativo de um profiling específico, exigindo a profissionalização de alguns e afastando os restantes. Vejamos de que forma as categorias acima identificadas foram relacionadas pelos deputados com a profissionalização política.

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Carreira profissional e carreira política Como considera Teixeira (2009: 618), há claramente um predomínio dos profissionais liberais entre os eleitos para a Assembleia da República. Entre estes destacam-se advogados e juristas, seguidos por engenheiros, arquitectos e economistas. Seguindo tendências presentes em outros parlamentos europeus, o parlamento português apresenta um perfil de profissionais com predisposição e disponibilidade para o trabalho parlamentar (Best e Cotta, 2000; Teixeira, 2009). Além disso, a presença deste tipo de profissionais nos grupos parlamentares reforça o argumento de que o recrutamento partidário privilegia perfis profissionais que têm treino em áreas específicas, bem como em arguição e apresentação de legislação. Por sua vez, este perfil reforça o tipo de profissionais que passam a dedicar-se exclusivamente à política e daí profissionalizam-se. Já o contrário acontece com os empresários que aparecem nas listas dos partidos à Assembleia mas na sua grande maioria em lugares não elegíveis, visto que a sua disponibilidade é muito menor que a dos restantes profissionais liberais (Teixeira, 2009: 622). Paralelemente, também os funcionários públicos e entre estes os professores universitários, têm crescido exponencialmente entre os eleitos para a Assembleia da República. Para estes o sistema parlamentar salvaguarda o seu posto findo o mandato parlamentar, o que facilita a sua reintegração na carreira profissional. Quanto ao tema da profissionalização, a relação entre carreira profissional e carreira política é de longe considerada a que mais dificulta ou obstaculiza a carreira política. Como tivemos oportunidade de descrever ainda neste capítulo, a carreira de deputado está intimamente relacionada com a carreira profissional, ainda por mais no caso dos deputados. Ao mesmo tempo, na percepção dos entrevistados são também necessários vários anos até se conseguir o recrutamento, eleição ou nomeação para um cargo político que permita autonomia financeira para que a 87

política se torne uma opção viável de carreira. Isto é o que acontece com os recrutados que pertencem às direcções nacionais dos partidos em claro crescendo entre os eleitos para a Assembleia da República. Para estes, o caminho é idêntico ao do perfil médio identificado por Teixeira (2009), passando por uma carreira partidária, ou seja, de socialização em diferentes órgãos do partido e de construção de relações de confiança dentro da organização. Sendo assim, os deputados fazem uma dupla aposta entre o profissional e a política: “Face ao volume de trabalho que temos é difícil conciliar com outra profissão. Tenho tempo para dar aulas e pouco mais (...) Esse é o primeiro problema, o tempo (...) Desse ponto de vista a profissionalização pode ter pontos positivos, o estarmos mais disponíveis ou totalmente disponíveis para o trabalho parlamentar. A desvantagem é que não há uma interacção constante com a sociedade lá fora.” (entrevista 1) “Acho que é essencial em todas as áreas ter-se hipótese de acumular outras actividades (...) É essencial que se tenham outras perspectivas (...) fiz sempre tudo em paralelo, só no ano passado é que deixei de dar aulas (...)” (entrevista 2) “No início queria fazer vida profissional e fui fazendo carreira política um pouco amadora (...) ingressei no parlamento em 1989 pela primeira vez e fiz o mandato até 1999, saí e voltei à profissão sempre dando aulas (...) regressei em 2011.” (entrevista 3) “Quis fazer a minha carreira académica e quis ter independência económica (...) Sempre dei mais importância à minha vida profissional do que à política, devo-lhe dizer que hoje em dia dedico-me exclusivamente ao parlamento mas se me quiserem mandar embora, vou. Rejeito a profissionalização.” (entrevista 4) 88

“(...) sempre tive na minha cabeça que tinha que estudar, pois isto tudo é muito passageiro e até estou cá há mais tempo do que pensava, porque temos de ter um conhecimento profissional (...)” (entrevista 6) “(...) estou a fazer uma comissão de serviço (...) quero, no dia em que sair, ter a oportunidade de fazer o que profissionalmente me dá gosto (...) sem desprimor por quem está nela profissionalmente e faz carreira política, mas nunca foi essa a minha perspectiva.” (entrevista 7) “Acho que quem faz política não deve fazer só política, no meu caso decidi fazer só política porque na minha área profissional é impossível (...) Fazer só política a vida inteira acho mal porque se deve ter experiência profissional mas não acho que o político não se profissionalize enquanto exerce actividade política.” (entrevista 8) “Não estou na política enquanto profissional da política. Esse exemplo de ter saído em 2004 para voltar depois é ilustrativo, não é propriamente um despojamento mas é uma necessidade de não ter exclusividade. Na política não se é, está-se e não é uma carreira (...)” (entrevista 9) “(...) juridicamente devem separar-se as águas. Sou assistente de faculdade desde 2004 e por vezes ter funções públicas sempre as vi como coisas diferentes (...) No quadro dos partidos evidentemente que as pessoas exercem as suas funções profissionais nesses cargos, perigoso quando se tornam demasiado dependentes dessas posições.” (entrevista 10) “Não sou um defensor da profissionalização política porque é muito importante que nos lugares existam um conjunto de experiências partilhadas de vida, conhecimento concreto do mun89

do (...) o parlamento só tem a ganhar com essas experiências. Penso que a profissionalização por um lado não é simpática aos olhos de quem elege e por outro vem transformando órgãos de representação em órgãos pouco abertos à vivência em vários setores da sociedade.” (entrevista 11) “Para mim sempre foi claro que a carreira profissional era mais importante, o doutoramento embora não estivesse ligado ao ensino fez-me ingressar no ensino. Mas a profissional sempre foi a minha prioridade, depois a académica e a política foram sempre intermitentes (...) não sei se teria tido oportunidade de fazer carreira política (...)” (entrevista 12) “O entrosamento entre alguma actividade profissional e a actividade política é importante porque a vida política é efémera e agora há uma geração que fez toda a sua actividade política nas juventudes partidárias e não teve experiência profissional quase nenhuma.” (entrevista 14) “Independentemente do seu percurso político devem ter uma experiência profissional e serem independentes (...) Deixam de representar quem os elegeu e deixam de ser livres.” (entrevista 15) “A actividade e a formação académica são mais próximas em algumas actividades, mas o político tem de ter uma base técnica e política. Em caso de insucesso por perder eleições ou zangar-se com as lideranças, o indivíduo tem de ter uma base profissional.” (entrevista 16) “Não tenho nenhuma ideia de carreira política mas passei a dedicar-me exclusivamente à política em 2005 quando fui eleito deputado e até nunca tive carreira política exclusiva.” (entrevista 18) 90

“Não vejo mal o facto de os advogados manterem a sua atividade profissional, porque da experiência que tive até agora sou contra a funcionalização dos políticos (...) temos de ter a noção do que acontece fora do parlamento.” (entrevista 19)

Daqui surgem conflitos entre deputados acerca do regime de incompatibilidades. Ao mesmo tempo é por existir este conflito que o próprio regime foi estabelecido com diversas contradições. Transversal aos deputados de ambos os partidos e de diversas proveniências profissionais é o facto do regime ser percepcionado como complexo e apresentar graus diferenciados de exigências. A meio disto, os defensores do regime de exclusividade argumentam que a acumulação de carreiras cria um sistema de clientelas e influências. No entanto, ao forçar a exclusividade podemos também estar a criar um sistema corporativo não apenas pelo fechamento do sistema político às diferentes sensibilidades sociais, como pelo reforço de determinados perfis socioeconómicos contra outros que se vão afastando da actividade política. Ao mesmo tempo, a maioria dos entrevistados não deixou de frisar que deixaram a sua carreira profissional em prol de uma carreira política. Isto demonstra o interesse genuíno de muitos dos deputados pela actividade política, muitas vezes em detrimento de melhores condições financeiras. A profissionalização não está apenas ligada a uma certa elitização do perfil de deputado, pois permite a especialização de um grupo de pessoas com competências de representação. Com o crescendo de necessidades técnicas exigidas no trabalho parlamentar e executivo e com a profissionalização das organizações partidárias e das campanhas, é também exigida aos agentes políticos um determinado comportamento, modos de actuação e padrões de carreira política e partidária. Tal como frisou um dos entrevistados, aliás o único que se considera político profissional: 91

“(...) não se pode ser político sem o ser a tempo inteiro. Um dirigente partidário se não o for a tempo inteiro dado o nível de exigências que se colocam à actividade política, o número de respostas multidisciplinares que é preciso ter, e o desgaste pessoal e físico, não é um bom dirigente político. Para ser bom tem de ser profissional da política.” (entrevista 5)

Finalmente, vários entrevistados referiram o seu retorno à carreira profissional findo o mandato parlamentar. Para os professores universitários e funcionários públicos, o retorno à carreira profissional está facilitado pelo regime de incompatibilidades. Por seu turno, advogados e profissionais liberais tendem a manter a sua carreira ou cargo profissional em paralelo: “Em 1999 nas legislativas não fui eleito porque fiquei à porta, então foi quando percebi o meu erro. Eu nunca devia ter abandonado a minha vida profissional. Se é verdade que não tive dificuldade em voltar para uma consultora, a verdade é que estava desactualizado.” (entrevista 6) “Foi difícil reentrar na minha atividade profissional porque tive muitos anos sem advogar e tive necessidade de estudar. O regresso foi penoso.” (entrevista 9) “Mantive a minha actividade docente e até prejudiquei a advocacia porque não abrandei a vida de docente. A docência é compatível com a actividade parlamentar (...) o meu escritório ficou a cargo de colegas e a minha clientela foi pulverizada por outros escritórios.” (entrevista 13)

Reeleição Olhando para o sistema político português e para a monopolização partidária do recrutamento parlamentar, a reeleição avalia 92

a prestação e a lealdade do deputado perante o grupo parlamentar e o partido. Para além de preferirem um determinado perfil político, profissional e técnico, os partidos privilegiam a reeleição no seu recrutamento, visto que não existe limite de mandatos e os deputados com lealdades partidárias, boa prestação durante o mandato ou capacidades técnicas específicas são privilegiados na corrida para a reeleição. Neste cenário, a percentagem de deputados reeleitos tem aumentado bastante desde meados da década de 1980 (Freire, 2001), o que indica uma gradual profissionalização política, ou seja, primeiro o aumento de deputados que se dedicam exclusiva ou quase exclusivamente à política, e segundo o envelhecimento médio dos deputados portugueses. Dos dezanove entrevistados, onze foram reeleitos pelo menos uma vez, sendo cinco do PSD e seis do PS (entrevistas 3, 5, 6, 9, 11, 13, 14, 15, 16, 18 e 19). Contrariamente ao que seria de esperar, é entre estes que surgem as maiores críticas ao sistema de profissionalização. “(…) assumi sempre que não era político profissional e daí privilegiei a minha profissão, depois tomei opções que iam ao encontro do que queria fazer profissionalmente e por isso inscrevi-me na ordem dos advogados, ou seja, ter um lugar para voltar porque tenho a noção que a política é um intemporalidade.” (entrevista 3) “(…) sempre tive na minha cabeça que tinha que estudar pois tudo isto é passageiro. Até estou cá há mais tempo do que pensava, porque temos de ter um conhecimento profissional e portanto só me dediquei mais quando terminei os estudos (…) a qualquer momento podemos não ser eleitos. A vida política dificulta a construção de uma carreira profissional.” (entrevista 6) “Não estou na política enquanto profissão para ser profissional da política. Tenho necessidade de não estar em exclusivo. Na 93

política não se é, está-se e a política não é uma carreira (…) estar aqui em exclusivo, em termos da intervenção, é muito redutor.” (entrevista 9) “Não sou um defensor da profissionalização política porque é muito importante que nos lugares existam um conjunto de experiências partilhadas de vida (…) o parlamento só tem a ganhar com essas experiências (…) Como estão as coisas, a profissionalização é um processo inevitável. Agora se queremos ter os melhores, pessoas que em vários sectores sejam reconhecidamente líderes, temos de dar outras condições aos políticos.” (entrevista 11) “Faço uma distinção muito clara na política entre políticos de projeto e políticos de interesse. Quem destrói a política são os políticos de interesses que se servem da política. Potenciados pela comunicação social acabam por meter os políticos todos no mesmo saco. Entendo que só se pode estar na política sendo político de projecto e que na política só se pode empobrecer, pois aqui ninguém enriquece se for sério.” (entrevista 13) “Não tenho nada contra as juventudes partidárias, mas essa escola partidária onde certas pessoas ficaram especializadas nessas coisas não concordo (…) é preciso um maior envolvimento na vida política (…) Quando se fala em profissionalização é curioso que quem está há mais tempo no parlamento são políticos mais novos do que eu como o Paulo Portas ou o Francisco Louçã. Agora não se pode falar de profissionalização (…)” (entrevista 14) “Vejo muito mal a profissionalização, pois as pessoas devem chegar a cargos políticos já com experiência de vida longa e rica porque caso contrário as pessoas transformam um cargo numa profissão e passam a não preocupar-se com a sua opinião pesso94

al mas de forma táctica não se deixarem para trás. Deixam de representar quem os elegeu e deixam de ser livres.” (entrevista 15) “Em caso de insucesso por perder as eleições ou zangar-se com as lideranças, o indivíduo tem de ter uma base profissional. Discutem-se muito os vínculos políticos das juventudes partidárias, agora o que acho que é redutor é fazer uma actividade política que não dê espaço para o desenvolvimento pessoal e profissional.” (entrevista 16) “(…) a política não é uma profissão é uma vocação e as pessoas devem ter sempre sobre a política a ideia de serviço e estar ao serviço das pessoas e da política, e se isso tudo for compaginável com a sua vida pessoal (…)” (entrevista 18) “(…) da experiência que tive sou contra a funcionalização dos políticos. Porque se já há a tendência dos políticos discursarem uns com os outros, no dia em que todos os deputados deixarem de ter ligação com a sociedade, o parlamento acaba isolado.” (entrevista 19)

Nas afirmações dos entrevistados, ressalta claramente uma crítica velada à profissionalização política e à evolução do sistema político português. A carreira profissional continua a ter uma relevância enorme mesmo para quem já se reelegeu várias vezes. A carreira profissional aparece ligada a uma crítica ao regime de exclusividade e ao empobrecimento do parlamento. É enfatizada a necessidade de experiência profissional e de formação para além da política, para que as instituições e o debate político possam sair enriquecidos. Além disso em três entrevistas (13, 15 e 16) a profissionalização aparece relacionada com a falta de liberdade do agente político face aos partidos. Está também patente a crítica ao sistema actual de formação de políticos ou de formação da nova geração de políticos em Por95

tugal. A crítica às juventudes partidárias aparece aqui ligada à nova geração de políticos que, contrariamente às anteriores, puderam desenvolver as suas actividades políticas e partidárias em democracia e num contexto socioeconómico bem diferente. Este novo sistema profissionalizante contrasta com um certo “amadorismo” no planeamento de uma carreira partidária. Além disso, o novo sistema profissionalizante dificulta a construção paralela de uma carreira profissional, visto que a carreira política vai impondo uma crescente profissionalização e exclusividade.

Elites e carreirismo na Assembleia da República

Em paralelo com o recrutamento e a profissionalização política encontramos a formação de elites. Como tivemos oportunidade de discutir no primeiro capítulo, a formação de elites políticas tem sido em Portugal monopolizada pelos partidos. Este facto acompanha outras democracias ocidentais onde os partidos têm um papel preponderante na continuidade do sistema representativo. São também eles quem recruta para os vários órgãos locais e nacionais, preparam listas e agregam diversos interesses, projectos e ideologias. Neste sentido, os partidos são as estruturas mais relevantes de formação e selecção de elites políticas nas democracias ocidentais. É também nos partidos que encontramos grande parte da elite política, pois mesmo em cargos legislativos ou executivos, os membros dessa elite mantêm ligações quer de lealdade, quer de apoio político, aos seus partidos. Por exemplo, em Portugal os primeiros ministros têm sido, em regra geral, presidentes ou secretários gerais dos seus partidos, mantendo uma forte ligação às direcções nacionais. Além disso, as direcções mantêm uma relação com o executivo ou o legislativo, muitas das vezes ocupando cargos nesses órgãos ou tendo influência sobre a feitura de leis e na tomada de decisões. Finalmente, é nos partidos que se formam a grande parte dos deputados e membros do governo, se excluirmos ministros (Almeida e Pinto,

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2006). Com diferentes graus de militância, os membros da elite política nacional mantêm o seu envolvimento partidário, cultivando lealdades, apoios e criando redes sociais que lhes permitem a ascensão na carreira política. A par da carreira política, quisemos saber o que estes dezanove deputados percecionam acerca do papel da elite política e de que forma se integram nesse grupo. O papel da elite política Às elites políticas estão imputados diversos termos e percepções genéricas como “liderança”, “comando” ou “poder”. Para os entrevistados, o papel de uma elite política resume-se às seguintes categorias: “bem coletivo”, “grupo escolhido”, “liderança”, “identificação com votantes”, “futuro”, “acesso a informação”, “influência”, “círculo eleitoral”, “mérito” e “formação técnica”. Os termos mais citados pelos entrevistados foram “identificação com votantes” e “futuro”, seguidos de perto por “grupo escolhido” e “formação técnica”. Para os deputados, a “identificação com votantes” demonstra a integração das diferentes sensibilidades sociais no seu discurso. Além deste, o “futuro” aparece como um termo identificativo de elite, futuro enquanto gestão de estratégias e projectos a longo prazo. Para estes entrevistados, a elite política é mais eficaz quanto mais for capaz de definir estratégias a longo prazo para os destinos do país. Ambos os atributos caracterizam o actual ambiente político português e o clima de crise económica, quando estratégias a longo prazo e a identificação com as diferentes sensibilidades sociais dos eleitores é bastante importante para as elites políticas. Além disso, a ênfase na identificação com os eleitores atesta também o caráter catch-all do PS e do PSD. “(...) o papel das elites políticas é estar na vanguarda da reflexão sobre os temas que vão surgindo (...) temos também de dar 97

resposta a todos os problemas que estão agora em cima da mesa mas tem de haver alguma capacidade de antecipar o futuro e introduzir novos temas.” (entrevista 1) “A elite tem a responsabilidade de pensar para além do quotidiano (...) de não se corromper pelo quotidiano (...) de conduzir em função dos objectivos estratégicos que fixámos.” (entrevista 3) “Entendo que as elites políticas, com papel de representação, devem ter a capacidade de perceber a cada momento os anseios de quem nos elege e conjugar essas preocupações com as ideias que temos (...)” (entrevista 7) “As elites políticas não podem cavar um fosso entre representantes e representados, com o risco de opor os “outros” aos “demais”.” (entrevista 10) “Temos cedido muito ao imediatismo e ao curto prazo e à procura de votos para as próximas eleições. Temos de mudar muito a nossa postura nesse aspecto.” (entrevista 11) “(...) deve ser um conjunto de indivíduos que têm uma leitura do país e do futuro desse país, muito à frente do cidadão comum, ou seja, o político para além de resolver problemas quotidianos, permite reformas de estruturas e caminhos que determinam o futuro do país.” (entrevista 15) “O papel de uma elite política é o de conseguir pensar à distância neste contexto global e europeu qual deve ser o espaço de Portugal. Hoje há alguma dificuldade em perceber qual é o espaço de Portugal.” (entrevista 16) “As elites políticas têm um papel de esboçar um caminho e de criarem alternativas (...) as elites de hoje tem provas dadas e 98

papéis reconhecidos e valores estabelecidos e que na sociedade servem de faróis de um caminho comum.” (entrevista 17) “(...) temos de ser capazes de ouvir o que se passa na sociedade e somos sempre obrigados a fazê-lo (...) A primeira responsabilidade é de ter mensagens claras e simples para as pessoas e acho que não temos conseguido fazer isso (...) precisamos também de estabelecer compromissos (...) é preciso pensar com clareza os caminhos.” (entrevista 18)

Os seguintes atributos – “grupo escolhido” e formação técnica” – relacionam-se com os constrangimentos institucionais impostos pelo parlamento aos partidos e aos deputados. Por um lado, relaciona-se com o sistema de recrutamento e, por outro, com a formação técnica exigida aos deputados. Para os deputados, o recrutamento é uma etapa importante na sua carreira política e é tida por estes como uma forma eficiente de formar ou escolher uma elite política. Esta percepção não é contraditória com o facto do termo “mérito” ter sido apenas referido por um deputado, visto que a aceitação do sistema de recrutamento como forma de formar grupos ou elites é muito alta entre os entrevistados. Desta forma, o sistema de recrutamento não é percepcionado como uma forma de escolher pessoas com mérito, mas sim indivíduos com determinados atributos. Também em relação ao “mérito”, este aparece de alguma forma relacionado com a “formação técnica”, especialmente quando esta é vista como consequência de anos de dedicação e trabalho em alguma atividade profissional não política: “Acho que passa pela experiência porque é muito diferente ter experiência no terreno ou não tê-la e acho que é importante ter vivido uma experiência como subordinado (…) isto ajuda-me a defender as diferentes sensibilidades (…) Acho que todos os políticos e membros de uma elite deviam passar pelo terreno e trabalhar muito.” (entrevista 2) 99

“Os Estados precisam de processos de formação da vontade política e precisam de pessoas especializadas que façam isso, era preciso que fossem os melhores, mas muitas vezes não o são, pois os partidos são estruturas que canalizam a formação (…) Acho que deveriam ir buscar os melhores na sociedade civil, os melhores profissionais, os melhores universitários, as pessoas mais dinâmicas (…)” (entrevista 4) “(…) devia apostar-se na formação em administração pública e em carreiras políticas (…) e prefiro não falar em elites mas em competências pois premeio o mérito.” (entrevista 13)

Ao contrário do que seria de esperar, os atributos clássicos de elite como “influência”, “acesso a informação” ou “liderança” não foram muito referidos: “Todos aqui somos parte integrante da elite política. Temos capacidade de influenciar decisões tanto na oposição como em maioria.” (entrevista 6) “Temos um papel de mobilização e estímulo, de alavancar, atenuar dificuldades e suprir faltas e omissões.” (entrevista 9) “É um papel de liderança, de transformação da sociedade no sentido de conseguir liderar as elites técnicas, os grandes investigadores, juristas, médicos, e todas as profissões que constituem um país, ou seja, ter a capacidade de fazer a síntese das elites sociais e ter um projecto de sociedade (…)” (entrevista 19)

Tendo em conta estas considerações, é de esperar que a posição subalterna do parlamento face ao executivo no sistema político português imponha um determinado tipo de discurso das elites 100

parlamentares que não se vêem a si próprias como detentoras de influência ou que o acesso a infomação privilegiada esteja preferencialmente do lado do executivo e de alguns membros das direções partidárias. Além disso, a capacidade de liderança dos deputados fica muitas vezes reservada à relação entre os grupos parlamentares e as direcções dos partidos, e entre os próprios deputados e os partidos. Desta forma, o seu papel de liderança está institucionalmente limitado quer pela função do parlamento face ao executivo, quer pela subalternidade dos grupos parlamentares face aos partidos, impondo relações hierárquicas e diferentes graus de acesso à informação.

Sintetizando percepções e padrões

Neste capítulo expusemos a percepção dos deputados acerca da sua carreira política tendo em conta o seu perfil sociodemográfico (idade, género e carreira profissional), interesse na política, forma de recrutamento, profissionalização política e papel das elites políticas. Quanto ao estatuto socioeconómico apercebemo-nos que tanto a idade como o género são questões percepcionadas como problemáticas apenas, por um lado, pelos jovens e, por outro, pelas mulheres. No caso da idade esta é apenas abordada pelos dois deputados jovens entrevistados (menos de 35 anos). O acesso dos jovens ao recrutamento parlamentar é baixo e está fortemente relacionado com uma carreira em juventudes partidárias tal como têm enfatizado Freire (2001) e Teixeira (2009). Quanto ao género, as mulheres foram as únicas a mencionar a família como obstáculo à sua carreira política, ao mesmo tempo que percepcionam a lei de quotas como o factor principal na sua eleição. Estas percepções demonstram que as deputadas têm uma imagem diminuída do seu papel na política. Aliás este padrão confirma a literatura já citada acerca da subrepresentação de mulheres em cargos políticos (Almeida, 2010; Santos, 2010; Teixeira, 2009). 101

Ainda no perfil sociodemográfico, é notória a diferença de percepções entre deputados com diferentes experiências profissionais, especialmente entre profissionais liberais e funcionários públicos e professores. Estas diferenças ressaltam em diferentes socializações e formas de dedicação à vida política e ao cargo, o que tem consequências para a forma como os deputados olham para a sua profissionalização política. Enquanto os profissionais liberais, especialmente advogados e juristas, procuram um equilíbrio entre a carreira profissional e a carreira política, os funcionários públicos e professores olham para o regime de exclusividade como uma forma de exercer política a tempo inteiro depois de anos dedicados à carreira profissional. Daqui resultam dois perfis diferentes de carreira política que nada têm que ver com a militância no PS ou no PSD. Por seu turno, o interesse na política demonstra que a actual geração de políticos portugueses foi motivada pelas suas relações familiares, pelo 25 de Abril de 1974 e pelo envolvimento na vida estudantil. Quanto à família, os deputados referiram a sua ligação com familiares que tiveram um historial na política, muitas vezes pertencendo às elites políticas de oposição ao Estado Novo ou às elites da democracia. O 25 de Abril surge como uma data simbólica que despoletou o interesse na política e suscitou o debate na vida estudantil. Além disso os deputados jovens referiram um grande envolvimento nas questões dos jovens e na defesa dos direitos dos estudantes, reforçando a vida estudantil como processo iniciático na vida política. No entanto, este perfil médio demonstra um afastamento da política de certos indivíduos de estratos socioeconómicos com identificação anti-partidária e/ou com dificuldades económicas e problemas de mobilidade social, aliás demonstrado por vários deputados que só tardiamente aderiram à vida política e partidária. A forma de recrutamento demonstrou que também existe um perfil médio privilegiado pelos partidos e que portanto os indivíduos procuram trilhar uma determinada carreira política. No102

toriamente, as carreiras políticas em Portugal privilegiam a militância partidária e o capital técnico adquirido profissionalmente. Ambos estão presentes na ascensão em carreiras partidárias, em experiências autárquicas e governativas. Descrevemos a percepção dos entrevistados acerca do sistema de profissionalização, analisando a forma como relacionam a sua carreira profissional com a profissionalização e a carreira política. Também expusemos a percepção dos deputados acerca da reeleição. Nessa secção interessou-nos perceber qual a visão destes entrevistados acerca da evolução do sistema político português sob o ponto de vista da profissionalização política. Os entrevistados ressaltaram questões como a autonomia financeira e a carreira profissional como grandes entraves à sua carreira política. No entanto, e contrário ao que seria expectável, a grande maioria dos entrevistados criticou duramente a profissionalização política, preferindo falar em autonomia individual ou equilíbrio entre carreira profissional e política. Interessante notar que os dois factores mais citados como essenciais no recrutamento (militância partidária e capital técnico) são também aqueles que os entrevistados relacionam com a profissionalização política, especialmente quando referem a necessidade de equilíbrio entre ambos. Ao mesmo tempo, os entrevistados com mais mandatos, ou seja, aqueles que estariam mais sujeitos à profissionalização política, são aqueles que a mais criticaram. Voltaremos a este tema no próximo e último capítulo onde argumentamos que a profissionalização política em Portugal é ainda de teor semiprofissional. Finalmente, a percepção dos entrevistados acerca do papel de uma elite política apresenta algumas considerações interessantes para um estudo aprofundado da percepção das capacidades dos membros da elite política portuguesa como agentes de transformação social, de liderança ou de planeamento. A percepção de si mesmos no sistema parlamentar demonstra que a sua influência encontra-se diminuída, tendo apenas expressão entre deputados com cargos em direcções nacionais ou com a liderança do grupo 103

parlamentar. Desta forma, o termo “elite” é remetido para uma necessidade crescente de identificação com o eleitorado, num apelo ao reforço do sistema representativo, no qual a Assembleia da República deve ser a instituição central. Voltaremos também a este tema no próximo e último capítulo.

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CAPÍTULO 3 A Fotografia Possível Neste capítulo procuramos analisar os dados recolhidos no capítulo anterior e retomar alguns dos argumentos não totalmente explorados acerca dos padrões encontrados entre deputados do PS e do PSD quanto à sua carreira política, bem como ao futuro da profissionalização política em Portugal e da integração destes deputados no seio da elite política nacional.

Padrões entre PS e PSD

No capítulo anterior concluímos que o perfil médio das carreiras políticas dos deputados portugueses não depende das diferenças entre PS e PSD. Grande parte das diferenças que encontrámos foram suscitadas quer pelo seu perfil sociodemográfico (idade, género e carreira profissional), quer pelo tipo de interesse na política ou ainda pela forma como olham para a profissionalização política. Na identificação de um profiling médio, a militância num ou noutro partido tem o seu peso em algumas categorias assumidas, o que nos garante alguns padrões diferenciadores entre ambos os partidos. No caso do interesse na política, os deputados do PS referiram que o seu interesse foi suscitado pela família, pela revolução democrática e pela vida estudantil. Este perfil aponta para o facto do PS ser um partido de centro esquerda com membros da elite com ligações às velhas elites oposicionistas e ao ímpeto revolucionário e estudantil da década de 1970. Já os deputados do PSD 105

referiram com igual importância a identificação ao seu partido como motivo de interesse inicial na política, principalmente na identificação com o ex-líder Francisco Sá Carneiro. No entanto, referiram também a importância da família, da revolução democrática e da vida estudantil, demonstrando a importância do legado deixado pelo período revolucionário em ambas as elites dos partidos. Também no recrutamento encontramos algumas diferenças que radicam nas estruturas de recrutamento próprio de cada partido. Pese embora essas diferenças, em ambos são privilegiados os indivíduos com militância partidária, capital técnico adquirido profissionalmente e experiência autárquica, esta última muitas vezes em relação com a militância partidária principalmente quando estão em causa vitórias eleitorais em autarquias. Em ambos os partidos, as direcções concelhias têm também acesso ao recrutamento parlamentar. Para os militantes com conhecimento técnico especializado adquirido durante a sua formação ou profissionalmente, conhecimento esse que é útil para o recrutamento partidário, são lhes reservados cargos de confiança política no governo. Em suma, para ambos os partidos, as duas competências mais importantes no recrutamento são a militância partidária e o conhecimento técnico. São estas duas competências que permitem a ascensão numa carreira política.

O cenário da profissionalização política em Portugal

No capítulo anterior argumentámos que a profissionalização política em Portugal é de teor semiprofissional. Partindo das considerações dos deputados acerca da sua carreira política iremos argumentar nesse sentido, explorando e analisando os argumentos apresentados pelos entrevistados. Como objetivo inicial desta obra, queremos perceber porque razão há quem escolha profissionalizar-se. O primeiro obstáculo citado pelos deputados foi a carreira profissional. Tal como tive-

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mos oportunidade de discutir nos capítulos anteriores, uma vez no parlamento os deputados estão dependentes do estatuto dos deputados e do regime de incompatibilidades. Para diferentes carreiras profissionais, diferentes responsabilidades são assumidas. A própria escolha pelo regime de exclusividade, ou seja, aquele que nos parecerá mais próximo da profissionalização por permitir uma relação profissional exclusiva ao parlamento, torna-se um obstáculo para profissionais liberais que têm dificuldades de reintegração na carreira profissional findo o mandato parlamentar ou cargo político. Por um lado, os defensores do regime de exclusividade argumentam que este protege o parlamento de interesses múltiplos, corrupção e formas de clientelismo, afastando por isso diversos profissionais que poderão beneficiar ou ser beneficiados no processo de feitura de leis. Por outro lado, o regime de exclusividade não garante uma multiplicidade de experiências profissionais e um contacto permanente com variadas sensibilidades sociais. Aliás foi este o argumento utilizado por vários deputados, inclusive aqueles que estão em regime de exclusividade. Visto que a profissionalização do parlamento, dos partidos e dos agentes políticos exige uma crescente exclusividade, é de esperar que mais deputados optem pela profissionalização. Assim sendo, e por forma a combater o fechamento do parlamento através de um determinado tipo de recrutamento e de uma espécie de corporativismo entre os agentes políticos, será necessário um parlamento com uma aprofundada relação com os cidadãos, reforçando-se o sistema representativo e a relação entre deputados e círculos eleitorais. A par da carreira profissional, os entrevistados também referiram a autonomia financeira como um entrave na sua carreira política e na escolha pela profissionalização. Como e quando atingir a autonomia financeira para que a política se torne uma atividade em exclusivo é a pergunta que grande parte dos entrevistados colocou a si mesmo. A resposta a esta pergunta reside no equilíbrio entre carreira profissional e carreira política. 107

Em primeiro lugar, a carreira profissional e a autonomia financeira apontam para que a política e, especialmente a profissionalização política, continue como uma escolha de determinados estratos socioeconómicos. A escolha pela profissionalização entra em conflito com a carreira profissional ou com a autonomia financeira que permita mobilidade social. Desta forma, a escolha pela profissionalização passa notoriamente pela autonomia financeira, visto que a nomeação ou recrutamento para cargos políticos acontece após anos de militância partidária ou de conhecimento/formação técnica exigida para determinados cargos em autarquias, no governo ou no parlamento. Além do mais, o profissional da política está completamente dependente dos ciclos eleitorais, o que o torna sujeito a perder autonomia financeira logo que finda o mandato. Em segundo lugar, para que os agentes políticos em Portugal mantenham contactos com as estruturas partidárias e estejam aptos a corresponder às exigências dos partidos e à nomeação para cargos que estão dependentes de ciclos eleitorais, precisam de manter-se na política de forma semiprofissional, ou seja, mantendo um equilíbrio entre carreira profissional e carreira política. Como é óbvio, a carreira política é uma escolha determinada pelos interesses individuais de quem a trilha. É por isso que vários entrevistados referiram que a sua autonomia financeira e a sua carreira profissional sofreram revezes. No entanto, continuaram a optar pela política mesmo em cenário de reeleição difícil. Por um lado, isto demonstra que os agentes políticos estão aptos a dedicar-se à política e à causa pública. Por outro, continuará a existir uma relação entre determinados interesses profissionais e a feitura de leis, o que por vezes pode traduzir-se em fenómenos antidemocráticos. No entanto, a exclusividade à política e a profissionalização podem também indicar o fechamento de uma elite e a constituição de um corporativismo entre a classe política. Neste campo é interessante notar que dezassete dos dezanove entrevistados apresentaram-se contra a profissionalização política em torno de 108

quatro argumentos. O primeiro e mais citado foi de que os políticos precisam de ser enriquecidos com outras experiências. Desta forma, o parlamento e as instituições políticas poderão beneficiar na feitura, discussão e implementação de leis. Segundo, os deputados argumentaram que a autonomia financeira ditada pela política aprofunda as diferenças entre eleitores e eleitos, para além de perpetuar um sistema clientelar de nomeações dependente da lealdade às estruturas partidárias. Em terceiro lugar, os entrevistados referiram que a política deve ser vista como um serviço. Finalmente, argumentaram que a política é um fenómeno efémero demasiado dependente de resultados eleitorais e de circunstâncias profissionais. Apesar de sinais de profissionalização no parlamento português tal como foi demonstrado pela literatura nacional, os deputados preferem criticar o sistema de profissionalização e o futuro do sistema político português. À primeira vista estas críticas demonstram um certo conservadorismo da maioria dos agentes políticos, grande parte deles já várias vezes reeleitos e pertencentes a uma mesma geração política, ou seja, com uma determinada socialização no seio da política, partilha de experiências e vida partidária. Não é por acaso que nas críticas à profissionalização reside uma crítica às novas gerações de políticos e à forma como estes planeiam a sua carreira política. Ao mesmo tempo, boa parte destes entrevistados começou a sua carreira política de forma amadora ou clandestina e por isso não se revêm nas juventudes partidárias e na forma como é hoje feita a formação dos novos quadros políticos. No entanto, a grande maioria destes tem-se dedicado à sua carreira política, num perfil aproximado ao da profissionalização, com vários mandatos no parlamento e tendo ocupado outros cargos políticos, tudo isto acompanhado de uma intensa atividade intrapartidária num qualquer momento da sua vida. Paralelamente, estas críticas são também contextuais. O actual clima de crise económica e social, à qual se junta uma desconfiança social em relação aos políticos propicia um determinado 109

discurso. É notório em algumas destas críticas a cooptação pelos deputados de um discurso social acerca da profissionalização. Esta percepção acerca do sistema de profissionalização política, com o qual a maioria dos entrevistados não se identifica, demonstra que os deputados procuram situar-se mais perto do discurso social dominante em Portugal face à política. Isto parece indicar que estes entrevistados procuram uma melhoria do sistema representativo através de uma aproximação à visão do eleitor médio. Aliás esta foi a característica mais citada pelos deputados como identificativos de uma elite política. Em suma, nestas críticas à profissionalização política encontramos uma crítica velada a um “novo” sistema de profissionalização baseado nas novas gerações de políticos e na formação político-partidária existente entre juventudes partidárias. Ou seja, o que os entrevistados parecem criticar é o aparecimento de uma necessidade de profissionalização inerente à carreira política nos nossos dias, apesar de muitos demonstrarem um perfil de profissionalização política sem contarmos com as interrupções nas suas carreiras políticas em prol da carreira profissional e da autonomia financeira. Neste sentido, o sistema político português é ainda de carácter semiprofissional demonstrando os seus agentes alguma resistência face à gradual profissionalização, consequência da consolidação democrática das instituições, dos processos políticos, das necessidades de recrutamento dos partidos, o que exige um ajustamento dos profilings de carreira política.

Integração na elite política

No capítulo anterior tivemos oportunidade de descrever as perceções dos entrevistados acerca do papel de uma elite política. Concluiu-se que a sua percepção de elite política está relacionada com a ligação ao eleitorado e à capacidade representativa, aliás o papel mais importante para quem é deputado. Quando perguntados se se consideravam membros da elite política nacio-

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nal, doze dos dezanove deputados consideraram que sim. Destes doze, os que mais se identificaram com o termo apresentam maiores ligações partidárias, pertencendo à elite dos seus partidos. Os restantes sete não se consideram parte da elite política do país, referindo-se ao seu estatuto socioeconómico de origem, à falta de militância político-partidária ou ao facto de se terem interessado tardiamente pela política. Estes dados revelam também que durante o recrutamento, os partidos tendem a recrutar indivíduos oriundos de elites partidárias, económicas, científicas/académicas e locais, como aliás já estava patente na descrição do perfil sociodemográfico dos entrevistados. Desta forma, boa parte dos deputados pertencem a algum tipo de elite partidária ou social antes mesmo de se integrarem na elite política. Os deputados ora participam activamente em actividades partidárias, ora são cooptados pelos seus atributos técnicos e de implantação social. Isto reforça o facto de que as carreiras políticas e o recrutamento político em Portugal estão ainda muito ligados ao acesso a diferenciadas elites, o que tendencialmente obstaculiza a integração de outros grupos socioeconómicos.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente estudo tentou fazer uma descrição da evolução das carreiras políticas em Portugal. Conseguimos concluir que os elementos mais importantes na formação e ascensão em carreiras políticas são o capital político e o capital técnico. A importância do capital político na construção de carreiras políticas demonstra a importância dos partidos no recrutamento. Desta forma, os agentes políticos tendem a satisfazer este requisito do lado da procura ao estabelecerem contactos e lealdades políticas através da militância partidária. Já o capital técnico dos recrutados permite preencher a necessidade que os partidos têm de legitimidade tecnocrática como sublinham Almeida e Pinto (2006) para a constituição da elite ministerial em Portugal. Ao mesmo tempo, a preferência pelo capital político dos deputados é consequência da preferência dos partidos pelo recrutamento dos seus militantes (Teixeira, 2009), enquanto o capital técnico dos agentes políticos é privilegiado no parlamento como consequência da parlamentarização dos partidos como sublinha Manuel Braga da Cruz (1988). Ambos têm efeitos no party selectorate e no profiling de carreiras políticas tanto do PS como do PSD. A preferência pelo recrutamento de militantes partidários permite a ascensão política de classes socioeconomicamente desfavorecidas através de um cursus honorum partidário. Paralelamente, o capital técnico promove ou inicia carreiras políticas, pois os partidos preferem encontrar nos seus militantes ou cooptar determinados conhecimentos especializados para o debate em sede de comissão. Certos deputados, por serem muitas vezes os 113

únicos a possuir um determinado capital técnico necessário ao debate parlamentar, acabam por ser reeleitos por forma a ajudar o seu grupo parlamentar em determinados contextos políticos, para discutir leis de base, revisões constitucionais ou diplomas de reforma em diversas áreas. Desta forma, e complementarmente ao que tem sido argumentado (Teixeira, 2009) os partidos têm também privilegiado o capital técnico dos seus militantes. Além dos partidos privilegiarem o capital político e técnico como elementos de construção de uma carreira política, as suas estruturas de recrutamento têm também influência na construção de carreiras políticas. Dos dados recolhidos reconhece-se claramente uma necessidade dos agentes políticos encontrarem um equilíbrio entre a procura e a oferta, construindo uma carreira política que satisfaça as necessidades dos partidos. Tomando a profissionalização política como uma escolha individual, conseguimos perceber quais os elementos do qual depende uma carreira política profissional entre deputados portugueses. Por um lado, a carreira profissional permite a integração de indivíduos no sistema político. Por outro, exige dos agentes políticos uma atenção redobrada devido às incertezas eleitorais e à necessidade de retorno. A profissionalização política, da qual depende uma militância partidária ativa, também exige dos agentes políticos uma autonomia financeira que não pode ser satisfeita quando não se ocupam cargos de confiança ou de representação política. Ou seja, a profissionalização depende de uma permanência na vida política e partidária que não pode ser satisfeita quando não existe autonomia financeira, ou quando a carreira profissional não é flexível o suficiente. Se para o recrutamento parlamentar, Teixeira (2009) considera que o perfil médio dos recrutados em lugares elegíveis são maioritariamente homens entre os 40 e os 50 anos com longa militância partidária, isto demonstra que a profissionalização política a acontecer através de uma carreira parlamentar, vai depender de uma carreira política assente numa continuidade de cargos de nomeação polí114

tica, acompanhada por experiências profissionais desejáveis pelas estruturas de recrutamento e que permitam autonomia financeira entre períodos eleitorais. Estes factores demonstram que, e seguindo Verba, Schlozman e Brady (1995), a profissionalização, tal como a participação cívica e política, é resultado da conjugação de motivações, acesso a recursos e apoios institucionais apropriados que permitem uma intensa actividade política, coisa que não se observa na maioria dos passados político e político-partidário da maioria dos entrevistados. Assim sendo, considerámos que apesar de sinais de profissionalização no parlamento português (Freire, 2001; Leston-Bandeira e Freire, 2003), as carreiras políticas dos deputados são ainda de teor semiprofissional. Para este cenário concorrem também as estruturas orgânicas dos partidos que, se por um lado promovem a permanência de determinados indivíduos no recrutamento, fechando-o a jovens, mulheres e independentes que dificilmente se profissionalizam, por outro lado promovem a profissionalização de indivíduos que satisfazem um determinado profiling de carreira política. Por forma a profissionalizarem-se, e visto que as direcções dos partidos centralizam os canais de comunicação com o partido no parlamento e o partido no governo, é também necessário que os deputados sejam leais à direcção nacional e ao grupo parlamentar, tal como frisaram alguns dos entrevistados. É também por esta razão que se observa um aumento gradual de membros das direcções nacionais nos grupos parlamentares. Estes, a par de classes socioeconomicamente favorecidas, ou seja que possuem autonomia financeira, estarão mais aptos a profissionalizar-se. Desta forma, mais profissionalização representa maior fechamento das estruturas de recrutamento a indivíduos sem experiências políticas anteriores ou sem militância partidária. O perfil das elites políticas parlamentares indica que as carreiras políticas em Portugal dependem também de factores como as relações familiares e o mérito em outras áreas que não a política partidária. Tal como nos estudos de Van Liefferinge e Steyvers, 115

(2009) e Van Liefferinge, Devos e Steyvers (2012), o factor família facilita a entrada no mundo da política, ao mesmo tempo que indica a permanência de determinadas famílias entre as elites dos partidos. A par do recrutamento de militantes com longos anos de vida partidária, experiências em direcções nacionais, regionais ou locais, os partidos procuram indivíduos com características de liderança em diversas áreas, se bem que em representação residual nas suas listas à Assembleia da República. Desta forma, os partidos também privilegiam outros tipos de elite no seu recrutamento parlamentar. Disto são exemplo elites envolvidas em projetos locais ou elites académicas como professores universitários e investigadores. Entre os entrevistados identificou-se ainda que os partidos ora procuram recrutar militantes com ligações a outras elites como também procuram cooptar indivíduos pertencentes a elites sociais. Finalmente, e tendo em atenção estas conclusões e a actual literatura nacional, é de assinalar a falta de estudos em torno da construção de carreiras políticas. Será pois necessário alargar este estudo às restantes bancadas parlamentares, bem como ao executivo e aos partidos por forma a aprofundar a compreensão sobre padrões actuais ou encontrar outros. Desta forma, poder-se-á testar e generalizar as conclusões desta obra. Ao mesmo tempo, ressaltou neste estudo uma análise mais aprofundada dos grupos parlamentares em relação aos processos de socialização e à autonomia dos deputados em contexto institucional. O uso do capital político e técnico para a construção de carreiras políticas parece ser de importância vital para os deputados na sua relação com o grupo parlamentar. Ao mesmo tempo, será preciso aprofundar o estudo da autonomia dos deputados face ao grupo parlamentar, às direcções dos partidos e aos constrangimentos institucionais do parlamento.

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ANEXO

Questões estruturadas Como é que surgiu o interesse pela política na sua vida?

Exemplos de questões ajustadas  Enquanto professora teve alguma ligação à política?  Como é que descreve a passagem pelo associativismo?  Pode descrever-me a sua carreira partidária?  Que tipo de envolvimento partidário desenvolveu enquanto militante?

Quando e de que forma se iniciou a sua atividade política?

 Que cargos políticos ocupou?  Ao que é que atribui a não interrupção na sua vida política desde 1986?  A sua actividade profissional escavou ainda mais o foso na sua relação com a atividade partidária?  Quando e como acontece a aproximação ao PS?

Em que condições foi recrutado para o parlamento?

Que análise faz da profissionalização política em Portugal?

 A presidência da concelhia garantiu-lhe capital político?  O que traz da carreira de jurista para o cargo de deputado?  Quais os atributos privilegiados pelo partido durante o recrutamento?  Como é que que deveria ser repensado o regime de incompatibilidades?  Vê o seu percurso político como de profissionalização?

Qual é o papel de uma elite política? Vê-se parte integrante dessa elite política?

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Crê com todo o teu ser. Só assim terás atingido o máximo da dúvida. Agostinho da Silva

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