A biopolítica em Michel Foucault: uma análise a partir de \"Segurança, território e população\"

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A BIOPOLÍTICA EM MICHEL FOUCAULT: ANÁLISE DE "SEGURANÇA, TERRITÓRIO E POPULAÇÃO" Gustavo Martinelli Tanganelli Gazotto

Em Segurança, território e população1 , o pensador Michel Foucault volta a trabalhar com a categoria de biopoder, para melhor conceituá-la e desenvolvê-la. Nesses termos, biopoder seria o ingresso na política daquilo que, na espécie humana, constitui as características biológicas fundamentais, integrando a estratégia geral de poder. Assim, não apenas a obediência, a disciplina, a lealdade e a sujeição estariam na análise do poder do soberano perante os súditos, mas o espaço do natural como um todo. Isto é, o nascimento, a morte, as doenças e tudo aquilo que se funde com o biológico do ser humano. Importante destacar, contudo, como o conceito de poder para Foucault é dotado de particularidades. O poder, aqui, não é necessariamente algo unitário e substancial. Pelo contrário é um conjunto de mecanismos e de procedimentos que servem para manter o poder em seus múltiplos níveis. Parece tautológico, mas não é. O poder serviria para manter (dar continuidade) os vínculos relacionais nas diversas esferas da sociedade, a saber, nas relações familiares, sexuais, pedagógicas, militares e nos demais espaços da vida cotidiana em que se estabelecem vínculos intersubjetivos (estes próprios também seriam espaços de poder). Se é verdade que o poder age entre os sujeitos, Michel Foucault irá defender que aquele também os constitui e os modifica, numa atuação dual e complementar. Uma primeira noção seria aquela que define o poder como algo que apenas reprime e limita, é um poder negativo. “Quando se definem os efeitos do poder pela repressão, tem-se uma concepção puramente jurídica desse mesmo poder; identifica-se o poder a um a lei que diz não”2. Por outro lado, quando o poder não opera somente como um peso que cerceia liberdade, mas sim, muito mais, algo que permeia as relações, produz comportamentos objetivos, induz ao prazer, produz 1

FOUCAULT, Michel. Segurança, território e população. 1ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008. 2

FOUCAULT, Michel. Verdade e poder. In: Microfísica do poder. 28ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014, p. 44.

discursos e forma saberes. Esta segunda definição é detalhadamente trabalhada por Foucault em inúmeras obras e conferências, trata-se de uma nova “economia do poder”, espalhada de forma contínua, ininterrupta e em todo corpo social, incluíndo os indivíduos. Feita a breve explanação acerca dos entendimentos do poder, cabe, neste momento, abandonar a profunda e abrangente problemática para retomarmos a questão da biopolítica, sobretudo pelas limitações de espaço deste texto. Biopolítica, portanto, é conjunto de mecanismos que dará conta do controle dos aspectos biológicos, não apenas do indivíduo, mas de toda população. Trata-se de uma forma de garantir certa estabilidade, ou melhor, segurança ao uso do poder pela via do natural. Fundamental, portanto, é compreender o que é a segurança na sociedade e quais são seus mecanismos de poder. Foucault menciona três maneiras de estudá-la, de acordo com o desenvolvimento histórico dos mecanismos de controle da população. A primeira forma de estudo consiste em averiguar o mecanismo legal ou jurídico que estabelece uma divisão binária entre o proibido e o permitido através de mecanismos legais escritos, em conjunto com uma série de punições para o caso de infrações normativas. É precisamente a segurança codificada. Em segundo lugar, temos o mecanismo de vigilância e correção, condizente com o poder disciplinar. Aqui não temos uma divisão entre os dentro da lei e os punidos pelo proibido, há um novo elemento: o culpado, isto é, aquele que se sente vigiado ininterruptamente por um conjunto de técnicas policiais, psicológicas, médicas e, portanto, contrói em si um sentimento de culpa, em fim, é uma segurança baseada em mecanismos direcionados ao indivíduo. O terceiro mecanismo, enfim, transforma toda a lógica de poder até então pensada e corresponde à lógica contemporânea do controle. É o mecanismo de segurança. A partir daí, o objetivo não é mais distinguir inocentes de infratores ou disciplinar sujeitos, trata-se de fixar médias do aceitável e do ótimo em uma sociedade. Assim, estabelecer limites de tolerância, além dos quais a coisa não deve ir, e trabalhar com uma das mais recentes ciências, a estatística, para calcular o custo das penalidades implementadas. Deixa-se de dar o foco no indivíduo isolado, como ocorria com o poder disciplinar, e passa-se à análise global das circunstâncias.

Se diferenciamos os três dispositivos em uma cronologia histórica, na qual o mecanismo jurídico seria o mais arcaico e o mecanismo de segurança o melhor adaptado, a verdade é que as três figuras sempre estiveram presentes desde a idade média à atualidade. Ridículo seria pensar que o poder disciplinar não se estabelece-se nos monastérios medievais, tal qual a ausência do sistema jurídico binário no contemporâneo. “Não há era do legal, era do disciplinar e era da segurança”3 Longe disso, o que o autor apresenta são preeminências de cada dispositivo de acordo com o período histórico e segundo os objetivos pretendidos pelas diversas lógicas de poder em cada marco histórico. Pois bem, é precisamente sobre mecanismo de segurança que devemos nos debruçar se queremos compreender a lógica da biopolítica. Cabe, portanto, executar uma genealogia de como opera tal dispositivo, principalmente no espaço, modulando e configurando a geografia urbana, ou seja, como o poder da administração se utilizou do dispositivo de segurança para criar o espaço geográfico adequado à as massas de corpos crescente das cidades. Para fazê-la (a genealogia), Foucault parte de três exemplos paradigmáticos de urbanização, correspondes ao modus operandi dos três mecanismos anteriormente destacados (legal, disciplinar e de segurança) na organização das cidades européias ao longo da modernidade. O primeiro desses projetos nunca saiu do papel. Trata-se de uma plana urbanística desenhada em meados do século XVII por Alexandre Le Maître, um engenheiro-geral francês que havia deixado o país por ser protestante. Sua obra, nomeada La Metropolitée, consistia em uma cidade-modelo, destinada diretamente ao rei da Suécia da época. Na verdade, mais ousado quem plano de cidade, consistia em um plano de soberania sobre todo o país a partir do espaço. Nesse sentido, o soberano deveria conseguir alcançar todo seu território de forma rápida e homogênea, sem perder o controle de províncias por incapacidade logística de administrá-la. O Estado ideal, portanto, teve ter o soberano no centro de um espaço circular, de forma que “os braços do rei” possuam eficácia política por todo o território. Entretanto, tal eficácia policia estaria ligada a uma intensidade de outras circulações: circulação das idéias, circulação das vontades e das ordens, circulação comercial também.

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FOUCAULT. Segurança, território e população. op. cit., p. 11

Este centro seria a capital por excelência, a Metropolitée sonhada por Le Maître, a qual não deveria trazer para si os vícios e dificuldades administrativas de outras cidades, possuindo apenas edifícios da burocracia e fiscalização estatais. A despeito da dimensão pouco pragmática do modelo (Foucault a considera utópica), não é preciso ir até o centro da Europa, sequer ter a dimensão histórica para reparar em como tal modelo setecentista acaba por ser incorporado em certas capitais (releve-se-me o sarcasmo). A principal limitação deste plano, entretanto, está em sua forte ênfase às circunferências, às fronteiras, de forma que, com a expansão do mercantilismo cosmopolita, dificultava-se as trocas comerciais e o ingresso das caravanas estrangeiras com os objetos de consumo. O segundo exemplo modifica a lógica da constituição urbana, se o primeiro trazia consigo uma dimensão global do território, aqui a ênfase se dará na microescala da cidade em si. Põe-se de novo em vigor a forma do acampamento romano bem como os exercícios, a subdivisão das tropas, os controles coletivos e individuais no grande projeto de disciplinarização do exército. 4

São muitas as cidades fundadas nesta organização: Kristiania, Gotemburgo ou Richelieu. Ainda observa-se um certo padrão geométrico na construção das cidades baseadas em acampamentos, mas seriam as cruzes e os quadrados. A ideia das quadras é bastante presente e a simetria de alguma maneira ganha uma tônica. O espaço militar segue a lógica do mecanismo da disciplina ao individualizar os espaços, separá-los com avenidas e ruas paralelas e perpendiculares a formar quadrados e retângulos. Em Richelieu, contudo, observa-se a formação de ruas em distâncias diferentes, umas próximas e outras afastadas, no objetivo de subdividir o espaço em função das práticas econômicas ali desenvolvidas. Nos retângulos maiores, situados à margem (poderia chamar-se periferia, mas pecaria na forma angular) do grande acampamento estariam os retângulos no quais as pessoas deveriam morar, ao passo que na trama estreita situaria-se o comércio e praças para que se realizem as feiras. As praças são essenciais para formar o vazio necessário para individualizar e disciplinar o espaço em uma trama mais fechada e movimentada do comércio.

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FOUCAULT. Segurança, território e população. p. 21

Para além das cidades planejadas e constituídas com base na vontade dos soberanos ou militares, no século XVIII temos o terceiro exemplo, as urbanizações reais. Para uma análise mais detida, o autor elege o planejamento da cidade de Nantes, na França. Trata-se aqui de uma preocupação com o exercício do poder sobre e lateralmente às populações estabelecidas maneira orgânica no espaço da cidade. É preciso desfazer as aglomerações desordenadas, abrir fluxos comerciais, estabelecer distritos administrativos, regulamentar as relações com o entorno rural, enfim, abrir eixos que organizem a cidade para o melhor desempenho de quatro funções: higiene, comércio, alfândega e vigilância. Sobre a higiene, as grandes aglomerações permitem com que doenças e miasmas mórbidos em geral transmitam-se com maior facilidade; é preciso, portanto, dar conta do arejamento e eliminar os bolsões de acumulo de pessoas doentes, esterilizar a cidade, situar os cemitérios de maneira estratégica. Aqui, o controle da higiene corresponde ao controle da natalidade e mortalidade. A segunda função, garantir o comércio da cidade, é dar conta da fluidez das trocas da maneira mais harmônica possível, fazendo com que as remexas de produtos escoem por toda a cidade. A problemática das trocas se torna maior quando lidamos com a importação e a exportação, ou seja, com a função alfandegária, como recepcionar os novos produtos e fazer com que cheguem aos seus compradores. Por fim, a vigilância ganha uma nova faceta com as grandes cidades, quando as grandes muralhas perdem sua razão de ser e se apresentam apenas como patrimônio histórico. Assim, não era possível com que a cidade fechasse de noite, tampouco fiscalizar todas as idas e vindas durante o dia. Nesta nova estrutra de massas demográficas deve-se tolerar certo grau de insegurança para que o desenvolvimento econômico pessoa de estabelecer; tem-se, portanto, fluxos de populações flutuantes, que acompanham as feiras e grandes caravanas por alguns meses e, em seguida, abandonam o espaço; a entrada de "mendigos, vagabundos, delinquentes, criminosos, ladrões, assassinos, etc., que poderiam vir, como se sabe, do campo”5. Em suma, trata-se de organizar a circulação de forma a otimizar, maximizar, a boa circulação, ou melhor, seus elementos favoráveis à estabilidade e fluxos da cidade, e minimizar o que fosse perigoso de tais fluxos, sobretudo no que concerne

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FOUCAULT, op. cit., p. 24

ao consumo da cidade e a seu comércio como mundo exterior. Na cidade de Richelieu, temos o mecanismo de disciplina atuando em um espaço artificialmente construído, que consegue dar conta de acompanhar mesmo as menores modificações no espaço. Na arquitetura da segurança, no entanto, o que se tem são dados materiais: o exercício do poder se dá em um trabalho no espaço, com os recursos materiais, no escoamento das águas e no fluxo de ar, com o uso da estatística. A respeito desta última, é precisamente entre os séculos XVIII e XIX que surge a ciência dos dados do Estado, a estatística, de forma a garantir a segura administração das cidades com grandes populações e que precisam estabelecer limites. Ressalta-se, como dito, o objetivo aqui é maximizar os elementos positivos e diminuir os riscos e inconvenientes, estabelecendo médias adequadas. No dispositivo de segurança não se almeja a perfeição, sequer é desejada. Pelo contrário, o adequado é que as estatísticas estejam dentro dos limites do regular. Voltemos um pouco, conforme dissemos supra, a biopolítica é o conjunto de mecanismos para garantir o poder pela via do natural. Ao tratarmos do dispositivo da segurança, o elemento natural expresso na biopolítica aqui é o espaço, o meio, no qual se insere o ser humano. Nesta lógica, as intervenções políticas e econômicas do soberano também agem sobre a natureza geográfica para controlar os diversos corpos em torno da cidade, construindo uma estabilidade desejada sobre verdadeiras populações. Novamente temos o problema do soberano, não mais em um espaço superior privilegiado de eficácia política — como no projeto onírico de Le Maître — mas em como algo que se relaciona com a natureza, ou melhor, com os efeitos internos de um meio geográfico com a espécie humana. É aí que o soberano vai intervir e, se ele quiser mudar a espécie humana, só poderá fazê-lo, diz Moheau, agindo sobre o meio. Creio que ternos aí um dos eixos, um dos elementos fundamentais nessa implantação dos mecanismos de segurança isto é, o aparecimento, não ainda de uma noção de meio, mas de um projeto, de uma técnica política que se dirigiria ao meio. 6

Destarte, destacada e aprofundada a genealogia dos mecanismos da biopolítica na constituição de diversos espaços de poder, é preciso compreender a devido controle fático, por assim dizer, da população em face ao soberano. À operação que transforma o poder régio em materialidade sobre os súditos Foucault 6

FOUCAULT, op. cit., p. 30.

dá o nome de governamentalidade, ou seja, o efetivo controle da população por meio do dispositivo administrativo por excelência: a polícia. De fato, é com a complexificação dos centros urbanos que emerge a necessidade de um poder de política. Em tempos de prevalência do mecanismo legal ou jurídico, o sistema baseado em permissões e proibições em formato jurídica contemplava as questões essenciais de populações esparsas em um território global do Estado-nação. Entretanto, com o processo de urbanização, aumento populacional e sua aglomeração, a partir do séculos XVII e XVIII o poder judiciário por si só não bastava. Aqui vemos surgir o poder de polícia, igualmente decorrente do poder soberano, no entanto, sendo o agir diretamente sobre os súditos de forma física e presente por meio de seus fiscais. Diz-se fiscais na falta de outra palavra. Na verdade, a polícia administrativa que surge com o poder disciplinar é composta por um corpo de técnicos ou operadores da administração para organizar as relações entre a população e a produção de mercadoria dentro de um Estado forte. Eram responsáveis por ocupar a plenitude dos domínios concernentes a vida dos súditos: religião, costumes, saúde e meios de subsistência, tranquilidade pública, cuidado com as edificações, as ciências e as artes liberais, o teatro e os jogos, enfim, tudo o que diz respeito ao viver e ao melhor viver, objetivo maior da governamentalidade. Percebe-se pois que, ao tratar do poder de polícia, estamos sumariamente em um Estado disciplinar, cujo foco está em permanecer presente nas individualidades de forma contínua, ininterrupta e em todo corpo social. Não se trata, portanto, de se exercer uma soberania no sentido estrito, no sentido de um soberano que se coloca como centro da sociedade ao qual todos devem a serventia absoluta, reconhecida através de lei. Trata-se de governar, entendido aqui como a condução da população para um fim conveniente ao Estado, sobretudo em termos de produção de mercadoria. De fato, uma ampla literatura da gestão dos Estado será produzida neste contexto com o objetivo de refutar os escritos de Maquiavel e como este coloca o soberano como alguém em relação de singularidade, de exterioridade, de transcendência em relação com seu principado; destaca-se aqui, entre tantas obras, o Anti-Maquiavel, de Frederico II7 .

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FOUCAULT. Michel. A governamentalidade. In: Microfísica do poder. 28ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014, p. 410 - 416.

Contudo, com o advento das novas escolas de economias tipicamente liberais iniciadas com os fisiocracias franceses, o discurso científico começa a produzir abalos à concepção do Estado de polícia (ou Estado administrador) dos séculos XVII e XVIII. Para Foucault, são três as criticas apresentadas contra a simbólica onipresença disciplinar: (i) os autores começam a se preocupar novamente com a questão da produção agrícola para evitar a escassez, sendo necessário uma enfática governamentalidade sobre a produção de alimentos e o essencial para as necessidades públicas; contudo (ii) haveriam muitos outros âmbitos sois em que a regulamentação seria inútil, ou melhor, custosa e nociva, sendo preferível com que os próprios sujeitos se regulassem; por fim, há uma (iii) mudança de concepção sobre a população, não há somente um aumento democrático crescente, há uma mudança qualitativa de impressão da anterior massa de súditos. Começa-se a enxergar cada indivíduo como um agente econômico importante na manutenção dos preços e da produção, fundamental, portanto, seria um controle mínimo sobre as estatísticas dessa população e como ela se comporta no território, segundo o dispositivo de segurança. O que vemos aqui é o poder de ciência (principalmente as ciências econômicas e estatísticas) superando o poder disciplinar e passando a guiar a atuação ou a omissão do Estado na vida pública. Mesmo o paradigma do bom governo, que deve prestar um bem-estar social começa a ser questionado frente à ciência. Foucault coloca a partir daí e em pé de adversidade a arte de governar versus o saber científico. O mecanismo de segurança, como visto, é fundamentalmente baseado em uma leitura cientifica da sociedade. Aos poucos, a população deixa de ser um coletivo de súditos ou indivíduos reunidos e passa a se apresentar como um conjunto de fenômenos naturais ou biológicos com os quais o governo deve lidar e trabalhar para otimização de seus fins econômicos. Estabelece-se, portanto, um certo grau de naturalidade das população que servirá de standart ou médias para a realização das atividades, visando sempre um controle da população sobre a economia. A biopolítica será o controle dessa naturalidade da população. Este controle se exerce por meio de mecanismos de incentivo-regulação dos fenômenos sociais, econômicos, demográficos, de saúde que fomentariam uma dimensão positiva e de otimização da sociedade.

Por outro lado, há também mecanismos de repressão, que exercerão as funções negativas de biopolítica, é aqui insere-se a polícia moderna, responsável apenas por limitar um certo número de desordens, trabalhando com limites de máximo e mínimo e conferindo para si metas que nunca atingem o máximo absoluto, apenas uma ação na medida do possível e do aceitável. Vale lembrar que a noção de liberdade neste contexto não se apresenta apenas como uma oposição ao poder soberano, mas, sim, torna-se a liberdade um elemento indispensável para o bom andamento da sociedade e para o controle populacional. Não é sequer desejável uma polícia com excelência de eficácia, que reprima cada desvirtuação. Conforme a economia (enquanto saber) tentará demostrar, tal desempenho fabuloso possui altos custos de implementação e dispêndios não raramente superiores aos benefícios alcançados com a tolerância de certas regularidades, em termos estritamente econômicos. A pretensão de normalizar, manipular ou incentivar fenômenos naturais como taxas de natalidade e mortalidade, as condições sanitárias das grandes cidades, o fluxo das infecções e contaminações, etc., coloca a vida com elemento político com o excelência, a qual deve ser absolutamente administrada, sem contudo, necessitar da estrita disciplina. Como explica André Duarte8, aos poucos o mercado passou a dominar a governamentalidade e a igualmente preencher o espaço de administração da vida da população. Com a noção de “homo oeconomicus” ou “capital humano”, o mercado entra na vida cotidiana estabelecido novas normas de padronização e gestão da população e seus comportamentos. Este agente econômico (homo oeconomicus) passa a ser lido também como algo que responde aos estímulos do mercado de trocas, sutilmente utilizados para regrar e submeter sua conduta pelos princípios do autoempreendedorismo, tornando-se, assim, presas voluntárias de processos de individualização e subjetivação controlados flexivelmente pelo mercado. (…) prevalece aí a exigência de se autoconstruir de maneira a satisfazer as demandas simbólicas da sociedade empresarial de concorrência.9

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DUARTE, André de Macedo. Foucault e as novas figuras da biopolítica: o fascismo contemporâneo. Disponível em https://works.bepress.com/andre_duarte/19/ 9

Ibid., p.13


 


Para concluir, talvez de maneira mais pragmática e otimista do que o usual, Foucault apresenta, e somente enuncia, três formas de suspender o véu do controle biopolítico nas práticas cotidianas. Como vimos, o poder ser exerce sobre condutas e as produz, assim, às praticas subversivas dá o nome de contracondutas, questionadas a partir de três perguntas sumárias, são elas: 
 1) Quem irá parar a governamentalidade do Estado? A própria sociedade nascida à luz da análise da razão governamental, assim, é necessário afirmar um discurso profético, uma escatologia (para usar o termo correto) em que a sociedade civil prevalecerá sobre o Estado. 2) Como romper com a forma de obediência total e exaustiva imposta pela governamentalidade? Novamente, é preciso uma escatologia do direito absoluto à revolta, à sedição, à ruptura de todos os vínculos de obediência, à própria revolução. 3) Como acabar com a ideia do Estado como detentor da verdade? Aqui é uma é preciso formar uma nação titular de sua própria verdade, transparente a si mesma, mesmo que seja um elemento ou organização — um partido — dessa população que formule essa verdade. Não cabe mais ao Estado deter as verdades. Cabe à nação inteira ser titular delas. 


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

DUARTE, André de Macedo. Foucault e as novas figuras da biopolítica: o fascismo contemporâneo. Disponível em https://works.bepress.com/andre_duarte/ 19/ FOUCAULT. Michel. A governamentalidade. In: Microfísica do poder. 28ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014, p. 410 - 416 FOUCAULT, Michel. Segurança, território e população. 1ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008. FOUCAULT, Michel. Verdade e poder. In: Microfísica do poder. 28ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014, p. 44.

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