A busca brasileira por uma maior inserção no campo de segurança internacional através de uma estratégia de smart power

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A busca brasileira por uma maior inserção no campo de segurança internacional através de uma estratégia de smart power

Pedro Henrique Motta Uzeda Pereira de Souza

Orientador: Prof. Dr. Kai Michael Kenkel

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Centro de Ciências Sociais Instituto de Relações Internacionais Rio de Janeiro 2014.2

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-RIO

A busca brasileira por uma maior inserção no campo de segurança internacional através de uma estratégia de smart power

Pedro Henrique Motta Uzeda Pereira de Souza

Orientador: Prof. Dr. Kai Michael Kenkel

Monografia apresentado ao Instituto de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Relações Internacionais.

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Centro de Ciências Sociais Instituto de Relações Internacionais Rio de Janeiro 2014.2

Agradecimentos Gostaria de agradecer primeiramente aos meus pais, por terem me proporcionado essa oportunidade de estudo e por todo o apoio durante os anos de graduação. Ao Instituto de Relações Internacionais e a todos os seus professores pela ajuda em minha formação acadêmica. À professora Layla Dawood por todas as conversas, críticas e conselhos metodológicos durante a elaboração do projeto inicial deste trabalho. Aos colegas de trabalho por compreenderem meus momentos de dificuldades e prazos a serem cumpridos, capítulos a serem entregues, e interesse em nossas conversas sobre o tema de pesquisa deste trabalho. Ao meu orientador, Kai Michael Kenkel, que mesmo nunca tendo sido meu professor aceitou desde o inicio me orientar de braços abertos. Desde o inicio, mesmo com horários tão apertados me foi sempre solicito e disponível, sendo extremamente crítico e rígido, mas com comentários e sugestões indispensáveis, as quais sem este trabalho não seria o mesmo. E por último, mas definitivamente não menos importantes, a todos meus amigos próximos que conheci e que me acompanharam durante todos esses anos de graduação nos bons e maus momentos.

Resumo Este trabalho procura analisar a busca brasileira por uma maior inserção no campo de segurança internacional - configurado em seus objetivos estratégicos, como a busca por um assento permanente no CSNU - a partir de uma releitura do conceito de smart power. Este, uma vez criado pelos EUA para legitimar suas ações, será abordado de outra forma quando aplicado às potências emergentes como o Brasil, de forma que seja usado como uma estratégia para suprir a falta de hard power do país. A partir de então, serão abordadas formas do país conseguir se inserir em temas de segurança. Isso é feito através da atuação em seus nichos diplomáticos que interferem no campo de segurança. Focado no caso brasileiro, o trabalho aborda os campos de nicho diplomático do país que tornam isso possível a partir da atuação do país em operações de paz e no âmbito da cooperação sul-sul. Palavras-Chave: Política Externa Brasileira – Smart Power – Operações de Paz – Cooperação Sul-Sul – Segurança Internacional – Nicho Diplomático

Abstract This work aims to analyze Brazil’s search for greater profile in the area of international security – with a defined strategic goals of permanent membership in the United Nations Security Council - through a reinterpretation of the concept of smart power. Created by US academics to explain their actions, the concept will be adapted to the needs of an emerging power like Brazil to be used as a strategy to address the country’s hard power deficit. The study addresses in which ways the country is able to enter the global security agenda. This is done through the its activities in diplomatic niches in the security field. Focused on the Brazilian case, the thesis covers Brazil's diplomatic niches that make this insertion possible from the performance of the country in peacekeeping operations and in the context of South-South cooperation. Key-words: Brazilian Foreign Policy – Smart Power – Peace Operations – South-South Cooperation – International Security – Niche Diplomacy

Sumário Agradecimentos ............................................................................................................. 0 Resumo ............................................................................................................................. 0 1.

Introdução ................................................................................................................ 7

2.

Aporte Teórico ...................................................................................................... 14

3.

4.

2.1.

Smart Power .................................................................................................. 14

2.2.

Funcionalismo Liberal ................................................................................ 24

2.3.

Potências Médias ......................................................................................... 28

2.4.

Metodologia ................................................................................................... 37

Cooperação Sul-Sul ............................................................................................. 45 3.1.

Cooperação Internacional para o Desenvolvimento........................... 45

3.2.

A Cooperação Sul-Sul ................................................................................. 50

Operações de Paz ................................................................................................ 61 4.1.

Definições do termo .................................................................................... 61

4.2.

Evolução Normativa das Operações de Paz ......................................... 66

4.2.1.

Uma Agenda para a Paz...................................................................... 68

4.2.2.

Relatório Brahimi.................................................................................. 70

4.2.3.

Debates sobre soberania e intervenção......................................... 71

4.2.4.

A Responsabilidade de Proteger ..................................................... 71

4.2.5.

A Responsabilidade ao Proteger ..................................................... 76

4.3. Atuação das potências emergente em Operações de Paz e na Cooperação Sul-Sul ................................................................................................. 80 5.

A Inserção Brasileira através do Smart Power............................................. 85 5.1.

O Brasil na Atual Ordem Mundial............................................................. 85

5.2.

A Agenda Brasileira de Cooperação ................................................................. 93

5.2.1.

A Cooperação Sul-Sul como Nicho Diplomático Brasileiro .................... 95

5.2.2.

O Brasil e os BRICS na ordem internacional .......................................... 100

5.3.

As Operações de Paz como Nicho Diplomático Brasileiro ............................ 102

5.3.1.

O Marco brasileiro: A atuação no Haiti......................................... 103

5.3.2. paz

A tentativa de inserção no nicho normativo de operações de ................................................................................................................. 105

5.3.3.

A Cooperação no campo de Operações de Paz ......................... 107

6.

Conclusão: Perspectivas para o futuro ........................................................ 109

7.

Bibliografia ........................................................................................................... 119

Lista de abreviações ABC – Agência Brasileira de Cooperação AGNU – Assembleia Geral das Nações Unidas AOD – Assistência Oficial ao Desenvolvimento BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul CAD – Comitê de Assistência ao Desenvolvimento CCOPAB – Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil CID – Cooperação Internacional para o Desenvolvimento CNS – Cooperação Norte-Sul CSNU – Conselho de Segurança das Nações Unidas CSS – Cooperação Sul-Sul CTPD – Cooperação Técnica para o Desenvolvimento END – Estratégia Nacional de Defesa IBAS – Índia, Brasil e África do Sul LBDN – Livro Branco de Defesa Nacional MINUSTAH – Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti NHBs – Necessidades Humanas Básicas OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico ONU – Organização das Nações Unidas PND – Política Nacional de Defesa PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento R2P – Responsabilidade de Proteger RwP – Responsabilidade ao Proteger UNCTAD – Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento UNOSSC – Escritório das Nações Unidas para a Cooperação Sul-Sul ZOPACAS – Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul

1. Introdução

O Brasil vem se tornando cada vez mais um ator reconhecido e de importância significativa na política internacional. A tradição brasileira para com o multilateralismo é algo constante em sua política externa, podendo ser vista desde outros tempos, como o da criação da Liga das Nações. Após o fim da Guerra Fria, vemos um momento onde questões de segurança tiveram um grande desenvolvimento no cenário internacional, propagados em foros multilaterais. Nesse ambiente surgem novos polos de poder, que passaram a ser vistos pela sociedade internacional como uma nova oportunidade de reestruturar a esfera internacional, buscando assim uma nova tentativa de atingir a paz e a harmonia. Vivemos nesse momento oportuno para o crescimento da cooperação entre estados e busca por uma maior inserção de diferentes atores na norma internacional. Em um cenário onde o multilateralismo é mais amplamente difundido, é possível encontrarmos uma maior participação daqueles que antes eram pouco ouvidos (HERZ, 2011). Para potências emergentes esse momento se tornou muito importante, onde o processo de integração poderia vir a significar desde uma fonte de ameaça à estabilidade daquele país no sistema; um escudo protetor para ameaças externas; ou até mesmo uma plataforma para a projeção de poder de determinado país no internacional. É importante ressaltar que o Brasil, na condição de potência emergente, ainda enfrenta uma série de desafios que muitas das “grandes potências” e “países desenvolvidos” já têm dado como estabilizados. A questão da fome e pobreza pode ser um exemplo disso. No entanto o Brasil vem demonstrando assumir um papel de liderança e preponderância regional na América do Sul, solidificando a região como uma entidade político-econômica, a ser levada em conta no cenário internacional, e assumindo o papel de seu líder como potência hegemônica consensual, e

fortificando e aumentando cada vez mais sua imagem como um ator global com uma maior presença no plano internacional. Vemos o regionalismo como uma das principais vertentes da política externa brasileira na década de 90. Uma série de fatores pode ser apontada como responsável disto, como também fatores domésticos, como a redemocratização do país, e a crise econômica que assolou o Cone Sul nessa década—fazendo com que estes temessem um isolamento de organizações do hemisfério norte—e por uma inflexão da rivalidade político-estratégica com a Argentina, com a assinatura de acordos de obras de infraestrutura1 (NEVES, 2012), tornando o Brasil uma potência civil, que busca a transposição, para o nível internacional, de seu processão de “civilização” interno (MAULL). Assim, a elite política brasileira passou a ver a região latino americana e do Cone Sul como um possível espaço de cooperação, no qual se buscariam soluções para problemas domésticos, e também como uma possível plataforma para que o Brasil se consolidasse como uma potência regional e aumentasse sua projeção de poder no globo. Assim, vemos teóricos como Sean Burges (2008, p.21) que defendem a tese de que o Brasil exerce uma “hegemonia consensual” na América do Sul, estabelecendo-se como uma potência regional. Uma vez que este, não tendo recursos econômicos suficientes para arcar com os custos de integração mais profunda, utiliza-se de recursos como interações regionais, obras de infraestrutura e outras formas de cooperação para fortalecer a sua presença na região e no mundo. Burges (ibid) coloca que, mesmo que o Brasil exerça uma liderança frágil no cone sul isso pode vir a gerar resultados positivos para o país, ressaltando que isso é uma estratégia brasileira que vem se afirmando desde a década de 1990 até os dias atuais. Podendo ser vista iniciada com o governo Fernando Henrique Cardoso e fortemente incentivada no governo Lula. 1

Vemos, por exemplo, a assinatura do acordo tripartite entre Brasil, Argentina e Paraguai para a construção da usina de Itaipu (Brasil-Paraguai) e usina de Corpus (Argentina-Paraguai).

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O Brasil então, nessa época, já via a necessidade de mudar a seu comportamento perante a região e a comunidade internacional para que o mesmo fosse adequado, de forma que o seu papel nos foros multilaterais e no campo da segurança internacional lhe propusesse uma maior influência e capital diplomático em negociações internacionais. A busca por uma maior inserção brasileira no sistema internacional no campo da segurança pode ter algumas diferentes abordagens analíticas com base na consolidação interna de um objetivo brasileiro, projetado em uma conduta externa, no plano internacional. Assim, pode ser identificada a iniciativa de se adotar uma nova lógica para a política externa brasileira que se desse por meio da autonomia pela integração (VIGEVANI et al, 2003), em que o país tivesse mais participação nos assuntos da agenda global. Assim o Brasil passou a se envolver em questões internacionais com mais frequência, buscando sempre se manifestar, mas continuando a defender seus princípios e valores consolidados internamente, como uma potência civil. Identificamos isso através de diversas ações como a tardia adesão ao Tratado de Não-Proliferação Nuclear em 1998, devido à defesa do conceito de soberania e não-intervenção, onde os formadores de política tem buscado continuar a construir a imagem do Brasil como um país pacífico que coopera e coordena suas ações com os outros (CARDOSO, 2001, p.7), e maximizando as vantagens da globalização para o seu desenvolvimento e se tornado mais presente em discussões internacionais. No que tange a questão de segurança, é importante ressaltar que é muito difícil para um país tornar-se influente na área de segurança sem possuir efetivamente recursos de hard power, no entanto, com o fim da Guerra Fria e da dicotomia bipolar de poder, e com uma guinada de força no multilateralismo e na promoção de instituições multilaterais, vemos o Brasil, assim como outros países com menos hard power, buscando envolver-se, em questões de segurança internacional. Uma das formas disso ser feito, foi através da participação de Operações de Paz. 9

Além disso, o Brasil busca reforçar o multilateralismo e inserir os interesses brasileiros e se aproveitar de oportunidades de cooperação que podem ser identificadas no curso da implementação dos processos de paz (UZIEL, 2010, p.86). Não obstante, a estratégia brasileira é pautada no renome do Brasil no plano internacional, buscando manter bons relacionamentos com todos e defender seus interesses, empenhado na construção de uma ordem global mais próspera e pacífica, como visto em seu Livro Branco (BRASIL, 2012). Assim, pode-se ver a importância do comportamento e participação brasileira perante organismos multilaterais. Historicamente o Brasil vem defendendo no campo diplomático os princípios de não intervenção e defesa da soberania nas mais diversas instituições multilaterais. Tais conceitos muito se aplicam quando o Brasil trata de questões do cooperação internacional e da promoção da paz e construção da paz em situações de conflito, de forma a ser reforçada ao longo dos anos e articulado junto de sua política externa e política de defesa. A forma como o Brasil se porta no plano internacional quanto a esses assuntos é regida pelo fato de ser uma potência emergente com pouco hard power, sendo assim, um ator que busca se utilizar de todos os seus meios possíveis meios possíveis, como recursos de soft power2 para perseguir sua estratégia de política externa e se inserir em questões de segurança na sociedade internacional, aumentando sua influência no globo. O Brasil faz uso desse aspecto para elaborar sua política externa (HERZ, 2011, p.3). Grande parte da política brasileira é de seu renome no plano internacional, buscando manter bons relacionamentos com todos e defender seus interesses, empenhado na construção de uma ordem global mais próspera e pacífica. Assim, pode-se ver a importância do comportamento e participação brasileira perante organismos multilaterais (BRASIL, 2012), e como se dá a elaboração de sua grande estratégia política. 2

Tendo Soft Power como a habilidade de cooptação, de definir a agenda, de persuadir e exercer atração positiva. S. Nye, ‘Soft Power’, Foreign Policy, No.80, 1990, pp.153–71.

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Por grande estratégia entendemos a partir do conceito cunhado pelo historiador, militar e teórico inglês da estratégia, Liddell Hart (1967). De acordo com o autor, vemos que o papel da grande estratégia é de coordenar e direcionar os recursos de uma nação para atingir seus objetivos políticos. Segundo o este, a grande estratégia trabalha também com a distribuição de recursos e poderes do aparato estatal, olhando além da guerra e da paz que a segue. A grande estratégia deve não só combinar os mais variados instrumentos disponíveis pelo estado da melhor forma possível, mas também regulá-los para buscar a manutenção da paz (HART, 1967). É uma discussão muito prospera, se o Brasil deve se focar e aumentar seus recursos de hard power, considerando a expansão das ambições internacionais do país e sua influência no globo, ou se tal iniciativa minaria a reputação pacífica de o Brasil mantém por tantos anos, e se isso iria, verdadeiramente, de encontro com os objetivos brasileiros. Assim, questiona-se se o Brasil deveria agir de acordo com a lógica realista da consequência de suas ações, ou então, sob uma ótica funcionalista liberal, se deve agir de acordo com o papel e imagem que este almeja no sistema internacional para formular sua grande estratégia. Frente à todos os novos desafios e reestruturações do sistema internacional contemporâneo, permeado por conflitos e disputas de poder e influência, vemos a propagação de uma série de objetivos globais como o fim de conflitos, promoção da estabilidade e desenvolvimento econômico, dentre outros. Com isso, vemos a busca do fim de conflitos cada vez mais por situações que não a do uso da força, e com essa condicionante, os Estados que possuem muito hard power, e aqueles que não o possuem o suficiente para se manifestar sobre o assunto, devem almejar uma nova estratégica de inserção e aceitamento de suas políticas nas agendas internacionais de segurança, sendo necessário buscarem uma estratégia em que melhor combinem seus recursos e sejam aceitos perante a sociedade. Com isso surge a busca por uma estratégia inteligente de projeção de poder: 11

o smart power. A participação brasileira será então vista a partir de tal abordagem. A sua participação se pautará na literatura de nichos diplomáticos, que respaldam em assuntos de segurança, pois uma das formas de se exercer smart power pode ser através do multilateralismo institucional. A pesquisa será pautada após o fim da Guerra Fria, onde houve uma redefinição geral do conceito de segurança no campo das Relações Internacionais, com enfoque desde a retomada do antigo pleito pelo assento permanente no Conselho de Segurança, assim como por uma instância reformista no discurso da política externa brasileira mais participativa no cenário internacional apontando para a necessidade de uma reforma das instituições de governança global que fosse mais condizente com o panorama geopolítico atual. São necessárias instituições que não reflitam um cenário de pósSegunda Guerra com uma distribuição de poder centrada nas grandes potências da época, não mais vigentes na política global. Assim, a busca do Brasil por mais influência é baseada no pleito de que se deve haver uma maior representatividade que reflita na configuração atual de poder do mundo, dando voz aos países não representados por estruturas arcaicas, como a do Conselho de Segurança, reformando as Organizações Internacionais. O trabalho será dividido em etapas, a fim de identificar sob uma lente teórica específica, descrever, analisar e interpretar os fenômenos da atualidade o intuito da busca brasileira por uma maior inserção no campo de segurança internacional, através de uma possível estratégia de smart power. Para tal, haverá uma revisão de literatura teórica, onde a partir disso, identificaremos possíveis áreas de atuação – nichos diplomáticos – e veremos como tais áreas tangem à discussão da área de segurança. Após estabelecer tal relação, o trabalho entrará no estudo de caso do governo 12

brasileiro, procurando identificar se a atuação nessas áreas é algo pertinente e condizente com a busca brasileira por uma maior inserção. O trabalho concluirá com um balanço da análise dessas áreas, identificando então a estratégia brasileira e buscando conclusões e recomendações futuras.

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2. Aporte Teórico 2.1.

Smart Power

Empenhado na construção de uma ordem global mais próspera e pacífica, mantendo bons relacionamentos com todos e defendendo seus interesses, o Brasil, assim como muitos outros países, busca expandir sua inserção no cenário global, envolvendo-se cada vez mais em fóruns internacionais. Não obstante, como parte de sua grande estratégia de defesa, o Brasil busca então projetar poder a partir de uma tentativa de conversão de soft power, a ser definido a seguir, em sua busca por influência (HERZ, 2011, p.4). Para tal análise, é necessário compreender mais profundamente as relações de poder e como estas fazem parte da estratégia brasileira. O argumento escolhido para tal análise é embasado a partir da concepção de poder de Joseph S. Nye (1990, 2004; 2007, p.1). Com isso, deve-se primeiramente abordar a definição de poder como um todo, que é um dos grandes pontos de debate nas teorias de Relações Internacionais. De acordo com Nye, poder é concebido ao se pensar em termos de comportamento, sendo este a “habilidade de afetar o comportamento de outros para conseguir os resultados que um deseja” (NYE, 2004, p.2). Logo, a concepção de poder é relacional, onde é impossível não levar em conta os outros atores do sistema, que interagem e compartilham o mesmo espaço anárquico em que os Estados se encontram. Tendo em mente tal característica, do poder como relacional é possível generalizar três comportamentos dos Estados a fim de se atingir poder: “[v]ocê pode coagilos com ameaças. Você pode levá-los com punições ou pagamentos. Ou você pode atrair e cooptá-los a querer os resultados que você deseja” (NYE, 2004, p.2).

Ao detalhar mais especificamente tais generalizações, vemos então dois conceitos de poder, muito utilizados no campo das Relações Internacionais, o hard power e o soft power. O primeiro, hard power, diz respeito à habilidade que um Estado tem de afetar o comportamento de outros para atingir resultados almejados seja por coerções ou ameaças, e como o Estado (ator em análise neste caso), se utiliza de seus recursos e influências a fim de fazê-lo (a influência, então, também pode ser abordada como um recurso de hard power, uma vez fundamentada a um comportamento de um determinado ator de forma a que este aja não somente por atração a outro). Isto é, o hard power diz respeito aos dois primeiros comportamentos de um Estado, identificado por Nye, onde este age a fim de coagir outro com ameaçar, ou fazer uso de punições ou pagamentos, a fim de atingir seu objetivo. Já, o segundo conceito diz respeito à capacidade de um ator influenciar outros pela atração/cooperação ao invés de coerção ou de pagamentos e punições, que é como Nye (2004, p.5) vai definir soft power. É importante ressaltar que segundo Nye (2004), apesar do poder ser julgado em forma de comportamento para produzir resultados desejados, este não é facilmente mensurado com antecedência, dificultando estudos de comportamentos prévios dos atores. Além disso, para julgarmos o poder, temos sempre de analisar o contexto no qual este está inserido, pois este não é algo imutável. Nye (2004, p.8) vai argumentar também, que determinado Estado3 pode obter seus resultados desejados na política devido a uma série de razões, dentre elas a admiração dos valores de um país por outro, levando este a segui-lo, tendo determinado país como exemplo e vendo seus objetivos como legítimos. Assim, é importante definir uma agenda que atraia outros países para seus objetivos. Com isso, podemos observar neste 3

É importante ressaltar que o Estado é o ator central da análise de Nye, no entanto tais relações também podem ser transpostas a outros níveis de análise.

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mundo anárquico onde os Estados são atores soberanos, que a preocupação com a Segurança Internacional é um importante tópico na agenda global. O soft power tende a ser mais importante quando a distribuição de poder no sistema internacional encontra-se mais disperso – tal qual como no mundo atual multipolar onde vemos os fóruns da ONU com debates com diferentes polos de poder, buscando coordenar políticas para participações conjuntas em operações de paz – e também tem maior impacto em objetivos mais gerais, como as discussões gerais da segurança internacional, ou no âmbito do Brasil, em sua estratégia nacional de defesa. Porém o hard power não pode ser deixado de lado, pois continua influenciando muito na relação entre os Estados. Nye aborda o conceito de poder primordialmente como algo relacional, mas devemos ter em mente também que a literatura de poder cresce constantemente, tornando necessário entender a relação entre os próprios conceitos de poder, como é o caso do hard power e do soft power. Essa é uma relação bem complexa, onde até mesmo o uso da força pode acabar gerando soft Power, dependendo da forma como é utilizada e percebida pelos demais atores, o que é muitas vezes o caso de discursos de defesa de princípios como a proteção de nações amigas de agressão, ou pela prática de manutenção da paz. Assim, a fim de titulo, podemos identificar como indicadores do poder as seguintes características, como definidas na tabela abaixo:

Tabela 2

Hard Power Espectro de comportamentos

Soft Power

- Coerção;

- Definição de Agendas;

- Indução;

- Atração; - Cooptação; 16

- Uso da força;

- Instituições;

Recursos mais

- Sanções;

- Valores;

prováveis

- Ameaças;

- Cultura;

- Recompensas;

- Políticas;

- Absoluta;

- Relativa: baseada no

- Majoritariamente força contexto; militar e econômica;

- Majoritariamente força

- Tangíveis, facilmente cultural; mensuradas; Fontes de poder

- Direta, de curto prazo - Intangíveis, dificilmente e

com

resultados mensuradas;

imediatos;

- Indireta, à longo prazo e com

resultados

demorados;

Tabela elaborada com base nos conceitos de Nye (2004, p.5-10).

A relação entre hard power e soft power, não deve ser entendida como uma relação de exclusão, onde só um dos tipos de poderes pode existir, ou em que um exclua o outro. Há muitas vezes em que o hard power e o soft power interferem um no outro, uma vez que a distinção entre estes ocorre em grau de comportamento. Na realidade, ambos podem ser complementares, e a habilidade e estratégia de combinar efetivamente esses dois termos, pode ser cunhada como ‘smart power’ (NYE, 2007, p.373).

Smart power não é nem hard nem soft (power) - é a combinação hábil de ambos. Smart power significa desenvolver uma estratégia integrada, base de recursos e ferramentas para alcançar objetivos (aqueles) que tem como base tanto o hard, como o soft power. É uma abordagem que (...) investe pesadamente em alianças, parcerias e instituições em todos os níveis de expansão (...) da

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influência e estabelecer a legitimidade de ações (...) (ARMITAGE & NYE 2007, p.11).

Uma vez utilizado determinado poder, isso pode afetar o outro de tal forma que seja necessário diminuí-lo, ou até mesmo aumentá-lo, de acordo com o contexto específico em que estão inseridos, não sendo necessariamente onde para obter determinado tipo de poder tem que se diminuir o outro. É uma relação bastante complexa e depende muito daquele que a analisa e de como percebe os fatos, que não se limita somente a tangibilidade, ou intangibilidade dos recursos. Uma ameaça, por exemplo, pode ser algo intangível, no entanto, ela força determinado ator a agir de uma forma, sendo assim, uma ação de hard Power (NYE, 2004, p.26). O que realmente importa na diferenciação dos poderes é o contexto em que estão inseridos em seu uso. O conceito é abordado por diversos outros acadêmicos e aqueles detentores de cargos políticos, torando-o um conceito frutífero, para ser usado neste trabalho. Para Suzanne Nossel (2004, p.2), autora à qual, além de Nye, é atribuída à criação do conceito, o smart power é abordado ao analisar o caso dos Estados Unidos, num contexto pós-Guerra Fria, onde o sistema internacional se tornou algo muito mais amplo do que antes era, e em diversos casos, como o do terrorismo, em que as estratégias exclusivamente de hard power não seriam sempre a melhor forma para o governo norte americano agir, devendo sempre levar em conta alianças, instituições internacionais, uma diplomacia mais cuidadosa e o poder das ideias (NOSSEL, 2004, p.4). Ainda segundo Nossel, o engajamento multilateral de um ator, de acordo com a visão de liberais, é vista como uma escolha ditada pela lógica do smart power,uma vez que vemos no liberalismo a tendência dos países de se envolverem em organismos multilaterais, promoção da democracia e outros valores que prezam pelo não uso do hard power, pensamento esse 18

compartilhado por outros autores, como Johanna Forman (2009), que traz as Nações Unidas como um possível instrumento de smart power dos Estados Unidos, por colocar em um plano menor o poderio militar, dando também grande importância às alianças, parcerias e instituições, alinhandoos ao interesse nacional de um Estado. O conceito de smart power, abordado como um corolário ao conceito de soft power, surge na necessidade de um melhor entendimento das concepções de poder no mundo cosmopolita moderno, refletindo ela própria numa mudança nas Relações Internacionais (GALLAROTTI, 2013, p.5). Assim, como uma combinação do soft power e do hard power, o smart power surge otimizado o poder nacional, por diversificar suas estratégias de busca. A partir disso, Gallarotti (2013, p.46-52) busca definir uma série de estratégias e fatores a serem considerados para a utilização do smart power, sendo uma delas o fato de que o poder não deve ser baseado somente em recursos, mas sim também em seus outcomes e percepções produzidas pelas ações de um Estado, tendo como objetivo otimizar a combinação dos benefícios do soft power com as características baseadas no hard power. Assim, podemos ver esse calculo de custo beneficio, visando otimizar seu poder, a ação de um Estado traduzida em seus nichos diplomáticos (conceito a ser mais desenvolvido à frente), onde aqueles que não possuem hard power suficiente para se manter no sistema, deve optar por atuar em áreas temáticas na qual ele tenha uma vantagem comparativa maior, lhe permitindo uma maior influência no sistema internacional, exercendo assim, smart power. Com o recente surgimento do conceito, principalmente em discursos estadunidenses sobre políticas públicas e políticas voltadas para o Oriente Médio, vemos uma crescente importância no conceito, no entanto, este foi pouco desenvolvido teoricamente. Faz-se necessário, então, diminuir a insuficiência teórica do conceito e estudar suas deficiências, como Gallarotti faz em seus trabalhos, ‘The Power curse’ (2010), ‘Soft Power: 19

what it is, why is it important, and the conditions under which it can be effectively used’ (2011), e especialmente em seu mais recente trabalho, ‘Smart Power: what it is, why it’s important, and the conditions for its effective use’ (2013), para articular o conceito de uma forma mais sistemática, a fim de que este seja mais proveitoso para os policymakers. A nova concepção de poder trazida junto com o conceito reflete a mudança de cenário no qual a política internacional e as relações internacionais estão inseridas, tendo sido um conceito muito abraçado por teóricos liberais e teóricos construtivistas. Uma percepção mais perspicaz do conceito pode aumentar fortemente a influência dos formadores de política, dando uma vantagem, em relação àqueles que Gallarotti (2013, p.5) alega que são “vítimas da ilusão do hard power”, uma crítica principalmente a teorias realistas das relações internacionais. Segundo o Gallarotti (2013, p. 24-28), a principal diferença entre os conceitos de soft power e hard power, que tem que ser correlacionados para compreendermos a existência do smart power, é o seu entendimento à medida que o hard power extrai o seu cumprimento através da confiança nos recursos de poder tangível, enquanto o soft Power vai cultivar todos seus recursos através de formas mais indiretas e não coercitivas, que é visto como um ‘meta-poder’ onde o poder é relacionado a ele mesmo e as relações sociais em que está inserido, tal qual como pode ser exemplificado pela elaboração de novas políticas e ações em que os Estados valorizem uns aos outros (GALLAROTTI, 2013, p. 27). Para melhor compreendermos o conceito de smart power, temos que analisar mais a fundo as fontes catalisadoras do seu corolário, o soft power. Este, segundo Nye (2004, p.11-14) é fundamentado em suas fontes domésticas e internacionais. Em suas fontes domésticas encontramos uma série de características e comportamentos, tanto culturais, como de suas instituições políticas. 20

Vemos, como fontes domésticas, a necessidade de um comportamento interno em que o Estado precisa aumentar a percepção de sua legitimidade perante seu povo, podendo então fortalecer as decisões e objetivos de sua política externa (NYE, 2004, p.56-57). No que diz respeito à cultura doméstica, vemos a busca pela criação de uma coesão social em que o Estado busca oferecer a sua população um estilo de vida atraente em que se tenha uma qualidade de vida elevada, liberdade de escolhas (também em questões como status cultural, religioso, racial e étnico), tolerância para com seus membros e oportunidades suficientes que os permita manter esse padrão de vida adquirido. No plano doméstico, é necessário também que o Governo esteja baseado em suas instituições políticas, fundamentado em um governo democrático constitucional, onde haja um liberalismo político pluralista (quanto à existência de partidos políticos e diferentes opiniões vigentes), e que seu aparato burocrático funcione, a fim de que o governo possa ser operacionalizado com eficiência. Vendo então as fontes domésticas que fundamentam o soft power é interessante abordar o conceito de potência civil de Hanns Maull (1990, p. 92). Segundo o autor, o conceito surge no final da Segunda Guerra, intensificado ao fim da Guerra Fria, com o “surgimento” de um novo tipo de poder no plano internacional, onde vemos uma diminuição na importância do hard power e das forças militares frente aos novos desafios que surgem na área internacional (como instabilidade políticas, luta contra o terrorismo, problemas ambientais e o tráfico internacional de drogas) (MAULL, 1990, p. 103). Uma potência civil busca:

A aceitação da necessidade de cooperação com os outros na busca de objetivos internacionais; b) a concentração de meios não militares, principalmente econômicos, para garantir as metas nacionais, com o poder militar deixado como instrumento residual servindo essencialmente para salvaguardar outro meio de interação 21

internacional; e c) uma vontade de desenvolver estruturas supranacionais para tratar de questões críticas da conduta internacional (MAULL, 1990, p.93).

De acordo com esse comportamento, vemos o quanto o soft power é baseado em premissas domésticas, dando ênfase a como a interdependência é aqui também vertical, entre o estado e sua sociedade, buscando o bem estar social. De acordo com o conceito de Potência Civil, é interessante identificar essa nova forma de se compreender a política internacional, onde os valores e a interpenetração entre o estado e a sociedade acabam gerando uma mudança no bem-estar social onde assuntos econômicos, e sociais acabam tendo um grande impacto na política internacional de um Estado para criar uma legitimidade política da ação deste (MAULL, 1990, p.1023). Torna-se crucial a compreensão da externalização da consolidação interna da política e valores da sociedade e sua interferência na política externa. Identifica-se então, um processo civilizatório, onde vemos a transposição de valores domésticos para a política externa de um país, como a solidariedade para com outros, e a noção e sentimento de justiça e responsabilidade para o futuro do mundo. Quanto às fontes internacionais, vemos que o empoderamento do soft Power se dá pelo comprometimento e respeito dos Estados para as leis, normas e instituições internacionais, principalmente fundamentado em práticas multilaterais, em detrimento do unilateralismo, e que os Estados tenham a complacência para sacrificar interesses nacionais em curto prazo para atingir o bem maior coletivo. Também é necessário, de acordo com Nye (2004, p.56-57), de que o governo adote políticas econômicas liberais. Tudo isso deve ser levado em conta um quadro em que a globalização se disseminou pelo mundo, aumentando assim os efeitos da interdependência entre os demais atores da política internacional. Isso teve uma série de consequências, dentre elas, a disseminação de informação e de

22

valores - como a defesa à democracia - onde foi criada uma série de impedimentos para o uso indiscriminado do hard Power dando um maior acesso à informação aos tomadores de decisão, fazendo com que estes passem a levar em conta mais fatores e opções na hora de decidirem sobre que ações políticas vão tomar, buscando assim, balancear seus recursos de forma mais calculada. Com a globalização, também se vê o crescente papel das organizações e regimes internacionais, sobretudo ao final da Guerra Fria, na política, incentivando a cooperação entre os Estados, e pondo cada vez mais novos constrangimentos a certos comportamentos, como o uso da força, e coerção de outros. Como mencionado acima, para julgarmos o poder, temos sempre de analisar o contexto no qual este está inserido, uma vez que este não é algo imutável, questionando sempre as fontes e as próprias teorias de poder. Tendo em mente que os tomadores de decisão devem sempre considerar as múltiplas consequências possíveis ao relacionar poder, uma vez que está tudo interligado no Sistema Internacional, deve se pensar sempre nos resultados que uma decisão pode ter em vez de simplesmente em recursos de poder. O objetivo maior é atingir o smart Power, e isso é feito quando se busca uma otimização de poder, combinando o hard e soft Power. Para outros acadêmicos como Chester Crocker4 (2007, p.13), smart power vai envolver o uso estratégico de táticas de diplomacia, formas de persuasão, capacitação de pessoal, projeção de poder e de usar a influência, de modo que esta se torne rentável para o ator em questão, envolvendo, basicamente, a força militar do aparato estatal assim como todas as suas formas de diplomacia.

4

Chester Crocker, Secretário de Estado-Assistete Norte Americano, para assuntos africanos, de 1981 a 1989, doutor e mestre pela John Hopkins University em estudos internacionais, e professor associado e diretor do programa de mestrado da School of Foreign Service da Georgetown University.

23

2.2.

Funcionalismo Liberal

Assim, como dito anteriormente o Brasil não possui recursos excepcionais de poder latente e outras formas de hard power, logo, para buscar melhoras os termos de sua inserção no cenário internacional, além da concepção de poder abordada por Nye (2004, p.1-4), Nossel (2007) e outros, vista acima, deve-se também explorar um pouco mais o arcabouço teórico do funcionalismo liberal para compreendermos as relações de poder e como o Brasil é visto no cenário internacional. O funcionalismo é uma vertente do pensamento liberal que busca trazer aspectos empíricos à teoria, observando a realidade para identificar tendências. Os funcionalistas enfatizam a cooperação e partem de um cálculo racional de custo x benefício, ou seja, parte-se da lógica de um ator racional, que maximiza suas utilidades, privilegiando os elementos de cooperação do sistema internacional. Como pai do funcionalismo, vemos David Mitrany, em seu trabalho “A working peace system” (1946), escrito no pós Segunda Guerra Mundial, onde ele busca compreender como, a partir de agências especializadas de trabalho (tratando de temas específicos), a cooperação pode aos poucos se alastrar e se aprofundar entre os Estados. O foco de Mitrany em seu trabalho original era de trabalhar com organizações temáticas, limitadas, destinadas a cumprir deveres específicos e como isso pode aprofundar a cooperação entre os Estados. Os funcionalistas buscam em sua análise, focar seu estudo na criação das Nações Unidas e seu impacto no mundo. Eles vão observar então a criação desta e de suas agências especializadas, como é o caso da Organização Mundial de Saúde (OMS), do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), e diversas outras agências. Os 24

funcionalistas buscam entender como a partir dessas agências específicas, a cooperação pode aos poucos se alastrar e se aprofundar no relacionamento entre os Estados. De acordo com o funcionalismo, o aprofundamento da cooperação se daria de uma forma gradual e lenta, porém firme. Ou seja, se começaria cooperando em áreas temáticas restritas e aos poucos essa cooperação se aprofundaria e se expandiria, promovendo assim a “paz por partes” (SCHUMAN, 1952, p.76). Tal cooperação não se daria através somente de um ato de fé escrito, ela tomaria forma de um corpo vivo através de um processo orgânico, na medida em que os diferentes atores passassem a desempenhar funções específicas de uma forma conjunta.

O objetivo principal dos funcionalistas era estudar o funcionamento das organizações internacionais e analisar como a criação de agências especializadas no tratamento de questões específicas das relações entre Estados poderia conduzir, gradualmente, ao aprofundamento da cooperação (NOGUEIRA & MESSARI, 2005, P.76).

Tal cooperação, como pode ser observada, é exercida através da criação de organizações funcionais internacionais, na qual os Estados escolhem, racionalmente, delegar parte de sua soberania a estas, a fim de que as organizações pudessem coordenar tarefas que são uma necessidade comum entre os Estados. Tal tarefa dificilmente seria exercida de forma efetiva por apenas um Estado, para garantir aquele interesse e necessidade comum dos demais, por isso a cooperação se dá nesse nível. É importante atentar aqui, que de acordo com os funcionalistas, a cooperação pela busca de necessidades comuns entre os Estados nos assuntos de baixa política, ou em temas não controversos, que também é comumente denominado pelos funcionalistas de temas apolíticos.

25

A cooperação então é dada de uma forma bem lenta, de modo que os Estados passem a migrar a sua lealdade não só de seu aparato estatal doméstico, mas também para as novas organizações internacionais criadas por eles. Na medida em que as organizações internacionais se revelarem mais eficientes do que os Estados, na provisão de suas necessidades materiais, a lealdade vai migrar do Estado para essas agências especializadas, e transferindo a lógica territorial, que perde peso, em detrimento da lógica funcional. Algumas críticas feitas aos teóricos funcionalistas seriam de que está é uma lógica de jogo soma-zero, no qual Estados não teriam muito a ganhar com tal cooperação, uma vez que normalmente é necessário abdicar-se de ganhos pessoais e imediatos em detrimento de um possível ganho comum no futuro. Outra crítica que pode ser feita é de questionar a lealdade do Estado frente aos seus cidadãos apenas sobre fatores de baixa política como necessidades materiais, ou há aqueles que dizem que a lealdade está fundada em fatores subjetivos e simbólicos como o patriotismo. No entanto, os funcionalistas dizem que o spill-over é um efeito de transbordamento de confiança; uma vez iniciada a cooperação em determinadas áreas temáticas, restritas, e de baixa política, a lealdade e confiança irão aos poucos se ampliando, transbordando, para outras áreas, podendo chegar até mesmo aos temas de alta política, confirmando assim a migração da lealdade para as organizações internacionais especializadas. É importante ressaltar, que de acordo com autores funcionalistas como Karl Deutsch e David Mitrany (1946, p.112), o spillover da cooperação internacional se dá pela promoção do desenvolvimento técnico se também pela busca por escolhas racionais dos estados para que estes consigam obter uma vantagem gradual de inserção no sistema, buscando sempre a escolha racional da busca pela paz.

26

Mitrany escreve logo no contexto de pós-Segunda Guerra e criação da ONU, principalmente nas décadas de 1940 e 1950. Já na década de 1960, Ernst

Haas

começa

a

formular

o

que

fica

conhecido

como

neofuncionalismo. Ao revisitar o funcionalismo liberal, busca-se entender seus pontos mais criticados e as falhas do modelo. A maior mudança então nessa revisão é o uso de uma abordagem política, antes ausente no funcionalismo. De acordo com Haas (1964), os teóricos do funcionalismo acreditaram em um processo automático da cooperação e integração regional, marcado fortemente por um otimismo exagerando quanto ao processo natural e determinista da cooperação e integração. Com isso, Haas enfatiza a necessidade de uma lógica voluntarista, onde ele questiona a ideia dos funcionalistas de que a cooperação tem inicio em assuntos técnicos e sem grande interesse político, para depois avançar para esferas de alta política. Para ele, e os demais teóricos neofuncionalistas, é questionada essa separação entre técnica e política que se tem no funcionalismo. Haas afirma que não há tal separação, e que justamente por isso não é possível confiar em um processo natural, automático, que culmina na cooperação de natureza política. Segundo ele, desde o começo da cooperação o Estado está presente e determinando as etapas do processo de cooperação. Haas rompe com essa noção de que pode existir uma separação clara e nítida entre técnica e política. Os neofuncionalistas vão adentrar nos níveis de análise do Estado, assim como Nye analisa também fatores domésticos para entender a noção de poder, e leva em consideração a ação de grupos (empresários, sindicatos, diferentes ministérios) internos do Estado. No entanto, uma série de fatores permanece semelhante entre os autores. Tanto os funcionalistas e os neofuncionalistas conservam o ator racional, que prezam pela lógica do custo x benefício. Sendo que os neofuncionalistas vão dizer que o processo é mais truncado (impedido), não 27

é tão natural. O efeito de transbordamento da cooperação também é algo pensado e almejado pelos Estados.

Nesse sentido, Haas enxerga a dinâmica do spill-over (ou transbordamento) de uma forma menos fragmentada e mais dependente do impulso vindo de centros decisórios, incluindo os próprios governos nacionais. (...) Haas acrescenta um componente importante ao modelo funcionalista: valores. (NOGUEIRA & MESSARI, 2005, P.79).

Assim, podemos ver como isso é trazido para o caso em análise, de que o Brasil, se aprofundando em agências especializadas temas como a cooperação internacional, a promoção da construção da paz e da cooperação sul-sul, aumenta a relação do Brasil com outros países através de organismos temáticos. Isso é visto em órgãos específicos das Nações Unidas, ou órgãos internos do Brasil, como a Agência Brasileira de Cooperação (ABC), maximizando o poder do Brasil no sistema internacional, causando um spill over da cooperação começada em assuntos de cooperação para temas de alta política como a Segurança Internacional.

2.3.

Potências Médias

Além disso, se faz necessária uma análise dos conceitos de potências médias e potências emergentes a fim de compreender melhor a posição do Brasil no sistema internacional e seus objetivos e motivações. O conceito de potências médias pode ser problemático quanto a sua forma de definição, porém deve ser compreendido, especialmente levando em conta mudanças na estrutura da ordem global como o aumento de assuntos econômicos, de meio ambiente e de direitos humanos na agenda global, onde após o fim da Guerra Fria com a deserção da hegemonia norte americana, faz-se 28

necessário prestar atenção às novas fontes de liderança5 no Sistema Internacional, vindo de novos polos de poder. Em meados da década de 1980 surge um debate acadêmico e político sobre liderança no cenário internacional, sobre o que seria a liderança e quais seriam as suas fontes. É defendido então, baseado no argumento de Ruggie (1992) de que houve uma deserção de um ator hegemônico no plano internacional, fazendo-se necessário voltar à atenção às novas fontes de liderança que surgem no mundo. Tal liderança na política global pode ser expressa tanto de forma sistêmica, como doméstica, ou regional. Neste

período

os

debates

acerca

da

globalização

e

da

interdependência são intensificados e trazem também consigo a necessidade de uma maior preocupação com questões específicas, como a da cooperação internacional e discussões de meio ambiente, economia e direitos humanos, num momento onde se vê uma grande incerteza e redefinição do papel de atores “secundário”, vulgo, as não tradicionais grandes potências do sistema internacional, no processo de cooperação e da redefinição da ordem global. Tais atores vão passar a ter uma influência não tão irrestrita como se tinha durante o período da Guerra Fria e agindo de acordo com os poderes hegemônicos vigentes. O que há então é uma nova análise na categoria de liderança no sistema, não uma mudança em sua estrutura. O plano internacional tem passado por um processo de reformas e mudanças, especialmente no que cerne a cooperação nas mais diversas agendas internacionais. Logo, nesse período é sugerido que inúmeros fatores modificam e constrangem a estrutura anárquica do sistema internacional, sendo necessário levar em conta as nuances e complexidades das relações entre agente-estrutura e na sua relação de liderança e capacidade de formulação de políticas de 5

É importante ressaltar aqui que liderança é diferente de hegemonia, sendo está uma forma de representação de maior conhecimento em áreas específicas, e os líderes de determinadas áreas podem ser ao mesmo tempo seguidores em outras, logo, não sendo atores hegemônicos no sistema.

29

diversos estados. Com essa nova redefinição de fontes de liderança, surge então o conceito de potências médias na literatura das Relações Internacionais buscando uma melhor compreensão da posição destes no plano internacional e como isso afeta sua tomada de decisão. É possível definirmos um país como uma potência média a partir das seguintes variáveis: Pelo seu lugar na hierarquia do sistema internacional (normalmente medido por atributos quantitativos, como população, área, recursos, capacidades militares); pela geografia, sendo a potência média aquela que se localiza entre grandes potências (estados poderosos em suas regiões são potências médias no sistema); aqueles com uma posição média entre ideologias – como mais bem visto na lógica da guerra fria; ou por uma visão normativa, são aqueles vistos como que tem capacidade de inferir certa influência diplomática, sem o uso da força (COOPER, 1994, p.17). Para autores como Glazebrook (1947, p.303), o conceito de potências médias é definido pelo comportamento dos Estados, tendo o aparato estatal e suas políticas formadas por três fatores: A sua oposição ao indevido controle de uma grande potência, a tendência crescente para agir em conjunto com outros atores, e a influência que eles exercem individualmente (GLAZEBROOK, 1947, p. 308). Para autores como Behringer, o papel das potências médias é enfatizado pelo seu exercício de liderança em agendas como a de segurança humana e na agenda de operações de paz. Em conformidade com isso, ele acentua a ideia de middlepowermanship formulada por Cox (1989, p. 826-7) para analisar suas políticas externas e identificar tendências de comportamento das potências médias e seus recursos de soft power para se engajar em soluções multilaterais

a

problemas

internacionais

ocupando

uma

posição

comprometedora no sistema internacional (BEHRINGER, 2005). Alguns aspectos em comum nas diferentes definições de potências médias, que também poderão ser observados em Cooper, é a busca destes para “soluções multilaterais a problemas internacionais”, tomando sempre 30

posições comprometedoras e adotando princípios que defender a noção de uma boa cidadania no plano internacional, agindo em disputas internacionais, muitas das vezes como mediadores, como diretriz de suas políticas externas e relações diplomáticas. Ao analisarmos tais definições, podemos dizer que o aspecto que melhor define uma potência média é sua função e comportamento no contexto em que estão inseridos na ordem global. Essas e outras concepções também são defendidas por diversos autores e teóricos das ciências sociais, no entanto, permaneceremos aqui com a visão principal baseada em Cooper (1994, p;19-22), como mencionada acima. Com isso, muitas vezes as potências médias são vistas como países médios responsáveis pela manutenção do equilíbrio e ordem global, e acabam atribuindo a si próprios tal papel no cenário buscando envolver-se nos demais temas e agendas. Desta forma, podemos melhor identificar a essência da atividade diplomática das potências médias de acordo com seu comportamento.

Tal

comportamento,

também

conhecido

como

“middlepowermanship” por Cooper, (1994, p.19), é visto como a tendência das potências médias de buscar soluções multilaterais a problemas internacionais; tendência de assumir posições comprometedoras em disputas; e sua tendência em adotar noções de uma ‘boa cidadania global’ para guiar sua diplomacia, tudo isso sendo feito tendo em mente o cálculo estratégico e racional do interesse próprio desses Estados. Desde o pós-Segunda Guerra se criou a ideia de potências médias como ponte entre o ocidente e o oriente, principalmente devido à atenção diferenciada que esses países dão à mediação e a resolução de conflitos internacionais através de, como o funcionalismo já falava, de soluções multilaterais para problemas internacionais, sobretudo quando se deparam com conflitos regionais com grande chance de se espalharem pelo sistema. No entanto não se pode ignorar que durante boa parte do período da Guerra Fria o comportamento de tais Estados encontrou-se fortemente limitado à 31

situações de segurança e geopolítica, fazendo-os trabalhar somente com assuntos relacionados à operações de manutenção da paz e controle de armamentos em casos onde não havia um interesse tão forte dos Estados Unidos e da União Soviética. Muito do movimento das potências médias era então limitado, tanto no âmbito das Nações Unidas, e principalmente do seu Conselho de Segurança, como no demais relacionamento entre os países devido à bipolaridade vigente do sistema. Com o fim da Guerra Fria as potências médias vêm se tornando cada vez mais rápidas e flexíveis para respostas políticas. Com o aumento da interdependência, cada vez mais novas possibilidades foram se abrindo para as potências médias agirem no sistema. Muitos procuram tentar ocupar o vazio de liderança que se surgiu no fim da guerra fria, com novas formas de ação criativa para ocupar posições de liderança, adotando uma posição mais ativa. Isso se torna possível com o crescimento da importância de assuntos de “baixa política” na agenda internacional, o que foi muito importante para tal mudança de comportamento das potências médias. O alargamento da agenda de segurança foi um fator muito importante, para potências médias a busca por bem estar econômico era algo tão importante com suas concepções de integridade territorial, soberania e segurança (COOPER, 1994, p.21). O que aconteceu no final dos anos 1980 e 1990 foi uma mudança segmentada

do

comportamento

das

potências

médias

para

um

comportamento multifacetado, e não uma busca das potências médias por uma mudança estrutural de controle de poder.

Eles não almejavam a

liderança por coerção ou baseado em suas capacidades econômicas superiores, mas sim através de iniciativas baseadas em influência e poder de suas capacidades diplomáticas. Isso é fortemente corroborado pela noção de poder de Nye (2004, p.1-5), e de soft power, onde vemos a capacidade de um ator influenciar outros pela atração/cooperação ao invés de coerção ou de pagamentos e punições. Que também é condizente com o 32

comportamento das potências médias, devido a sua posição hierárquica no sistema. Assim, na década de 1990, com o alargamento do conceito de segurança e a nova dinâmica do mundo no pós Guerra Fria, tem-se a impulsão do comportamento das potências médias com o aumento da ramificação e transbordamento (spill over) de assuntos domésticos na política internacional. Assim vemos tais países adotando um padrão de comportamento6 em três instâncias: como catalisador de esforços diplomáticos, tomando liderança e agregando seguidores com base em sua energia política e intelecto; e um comportamento como Facilitador na definição de agendas, formando associais coalizões - como uma das técnicas centrais das potências médias para atingir alguma liderança internacional (COOPER, 1994, p.24-5). Como pode ser entendido o caso do Brasil e sua maior participação em foros multilaterais e no CSNU; e também um comportamento como gerenciador da ordem com ênfase na construção de instituições e normas – como pode ser entendida, por exemplo, a iniciativa brasileira de propor o conceito de Responsabilidade ao Proteger. Como pode ser percebido acima o termo potências médias é bastante ambíguo. A fim de melhor elucidar o leitor sobre o conceito e evitar cair numa tautologia sobre o mesmo, Adam Chapnick (1999) publicou um trabalho no qual busca esquematizar o conceito para melhor defini-lo. Com isso, foram criadas três abordagens para o conceito de potências médias, todas elas partes das seguintes premissas básicas: potência média é um estado, numa visão estadocêntrica, do cenário internacional que é basicamente caracterizado por não ser uma potência grande ou pequena. As três abordagens trazidas então por Chapnick (1999, p.73) são o modelo funcional, o modelo comportamental e o modelo hierárquico. Para melhor 6

Padrão de comportamento estabelecido com base nas dimensões de Oran Young, em Cooper, 1994, p.12.

33

compreender a definição de potência média através de cada um desses modelos é preciso ter em mente também clara a definição de potências grandes e pequenas. O primeiro dos modelos, o funcional, traz a potência média como “estados que são capazes de exercer influências em assuntos internacionais em instâncias específicas e os diferencia dos demais” (CHAPNICK, 1999, p.74), assim a grande potência é aquele Estado que exerce influência independente das circunstâncias e a potência pequena é aquele que não consegue exercer qualquer tipo de influência. No entanto, de acordo com esse modelo, encontramos o problema de que por ser definido pela sua influência em determinada instância e circunstâncias, a definição de uma potência média é limitada pelo tempo e as circunstancias específicas na qual o Estado consegue exercer sua influência, sendo então um conceito flutuante. No entanto, tal conceito é muito utilizado, pois dá aos Estados a oportunidades de exercerem influência e aumentarem seu poder e percepção no cenário internacional no futuro, uma vez fortemente ligado ao funcionalismo e a participação dos Estados no multilateralismo e em organizações internacionais. O modelo comportamental, tal qual como muito abordado anteriormente, traz a definição de que potências médias são aqueles que “buscam soluções multilaterais a problemas internacionais, tomando posições comprometedoras em disputas internacionais e defendem noção de uma boa cidadania no plano internacional” (COOPER, 1994, p.19) e também são aqueles que expressam seus desejo por um maior status internacional. Bernard Wood caracteriza, dentro desse mesmo modelo, potências médias como “lideres regionais, mediadores de conflitos, poderes morais multilaterais e que buscam status” (WOOD, 1988, p.19-20), e assim, agindo multilateralmente como uma estratégia de perseguir seus objetivos pessoais no plano internacional. Assim, a partir deste modelo, qualquer estado pode ser considerado uma potência média, uma vez que este esteja 34

agindo de acordo com o seu comportamento padrão de buscar soluções multilaterais, tomar posições comprometedoras e defender a noção de boa cidadania no plano internacional. O terceiro modelo apresentado é o modelo hierárquico. Segundo esse conceito, a definição de potência média é uma definição relacional compreendida entre potências. A maior proposição defendida por aqueles que defendem o modelo hierárquico é que, como para Holmes (1967), a classificação de potência média seria uma ferramenta de política externa, que questionam muitas vezes que esses Estados na verdade seriam melhor classificados como potências funcionais, isto é: “estados capazes de exercer influência na comunidade internacional baseado em suas capacidades relativas, interesses e envolvimento em assuntos específicos em determinados tempos” (CHAPNICK, 1999, p. 78). O modelo hierárquico define claramente a relação de potências como sendo sempre estados, e define as pequenas e grande potências, trazendo as potências médias em relação à estes, assim, pode-se argumentar que países que são/foram potências funcionais por muito tempo acabaram merecendo, a partir de então, o título de potências médias (no entanto, deve-se elucidar que esta é uma relação muito subjetiva e relativa à analise de cada um). Vendo que há inúmeros debates sobre a definição do termo, concluise, mesmo que não haja uma única definição aceita, o termo faz-se necessário para que vejamos a busca por interesse e significado político ao termo, onde adquirir o status de potência média é tem se tornado um símbolo de poder na comunidade internacional (CHAPNICK, 1999, p.79). O simples fato de um estado passar a se denominar como uma potência média já traz consigo uma ideia de como este pretende se portar e se promover para manter ao menos a ilusão de um exercício de influência na esfera internacional. Dentro da categoria de potências médias, vemos também a categoria de potências emergentes que são mais comumente definidas como aqueles 35

países que atingiram o status de potência média somente depois do fim da Guerra Fria e que frequentemente é internamente menos consolidado e situado na tradicional periferia global, o que é o caso do Brasil. As potências emergentes, diferentemente das potências médias tradicionais como a Austrália ou o Canadá, costumam ter uma atitude muito mais ambivalente seguindo mais instrumentalmente seus interesses próprios nas organizações internacionais. Ao analisarmos pela perspectiva geográfica dentro do aporte das potências médias, que podem ser países pequenos até dentro de sua própria região, o contraste com a potência emergente, que frequentemente se baseia num papel de liderança ou preponderância regional em casos onde se há uma relação complicada com a região onde está inserido. O que mais uma vez, vemos o Brasil como um ótimo exemplo de potência emergente. E como dito anteriormente, o caso da potência emergente é aquele em que o país pode ser muitas vezes ao mesmo tempo seguidor no sistema global, enquanto é líder em sua região. Assim, a fim de relacionarmos ainda mais as teorias e conceitos apresentados até agora, vemos no funcionalismo a literatura de nichos diplomáticos. Nesta, é possível observar onde um país pode ser grande demais para não agir em nenhuma área ou agenda do sistema internacional, mas ao mesmo tempo é pequeno demais para agir em todas estas (como seria diferentemente o caso de uma grande potência que teria capacidade para tal). Assim, precisa-se de um critério em que se permita que os princípios daquele país sejam traduzidos em ação concreta (COOPER, 1994, p.25). Isto é, o país irá optar por atuar em áreas temáticas onde a sua vantagem comparativa é maior e lhe permite uma maior influência no sistema internacional, essa literatura, de áreas temáticas privilegiadas é conhecida como nichos diplomáticos. A literatura de nichos diplomáticos pode ser vista como uma forma de exercer smart power, pois há uma combinação estratégica de atuação 36

onde o país é capaz de exercer mais influência. Um exemplo típico de nicho diplomático de potências médias e o que será abordado ao longo do trabalho é a resolução de conflitos, em particular a forte participação em operações construção da paz e Cooperação Internacional para o Desenvolvimento, do Brasil no campo da Cooperação Sul-Sul.

2.4.

Metodologia

O Brasil vem, ao longo do tempo, buscando uma maior participação no cenário internacional, almejando tornar-se um global player. Sendo assim, a partir de uma abordagem racionalista, procurar-se-á identificar como o Brasil vem buscando se inserir mais ativamente em temas que possuem algum efeito na área de segurança para se tornar um global player no sistema internacional. A partir então da lógica de consequência e da lógica da adequação7 das ações brasileiras, será colocada a análise da hipótese de que o Brasil Busca maximizar o efeito de sua inserção na área de segurança, com o objetivo de aumentar a sua influência em órgãos de decisão ligados a esse conceito. No entanto, deve-se deixar claro, que mesmo de acordo com March e Olsen (1998), essa lógica pode se sobrepor. Na política essas lógicas: Não são mutualmente excludentes. Como resultado, a ação política geralmente não pode ser explicada exclusivamente em termos de uma lógica e sua consequência, ou adequação. Qualquer ação específica provavelmente envolve elementos de ambas. Atores políticos são constituídos por ambos seus interesses, os quais eles avaliam

suas

consequências

7

esperadas,

como

pelas

regras

Segundo March & Olsen (1998, p.949-52), a lógica da consequência é aquela onde a ações dos atores é movida pela expectativa de sua consequência frente outros atores e coletivos, enquanto a lógica da adequação, não lida diretamente com a consequência das ações de um ator, e sim que este é motivado pelo que o mesmo acha apropriado como comportamento, agindo diferentemente em situações particulares, levando em conta seus valores, princípios étnicos, aspirações, seu papel em determinado local, e aquilo que lhe é esperado de se fazer, baseado nas normas.

37

incorporadas em suas identidades e instituições políticas. Eles calculam as consequências e seguem regras, e a relação entre os dois é muitas vezes sutil. (MARCH & OLSEN, 1998, p.952).

Essa busca por se tornar um ator proeminente no campo de segurança é interessante não pelo fato do Brasil almejar se tornar propriamente um país mais ativo em assuntos de segurança, mas sim por ser a forma de buscar influência no sistema internacional. O campo de alta política, segurança, é a maneira como o Brasil pode obter mais influência e barganha de poder que vem junto da ideia de segurança no sistema internacional anárquico, no entanto, é importante ressaltar que o Brasil não tem meios fortes de segurança e assim está querendo produzir uma inserção na área com meios não tradicionais de segurança. Assim, a estratégia para tal inserção se dá através do smart power, onde o Brasil investe em áreas onde tem muita experiência e vantagem comparativa para se obter um maior retorno no investimento de capital diplomático. Deve-se levar em conta a relevância político-teórico que vem sido atribuída ao conceito de smart power. Tal conceito começou a ser mais discutido e operacionalizado nas Relações Internacionais a partir da política externa norte americana, tendo Joseph S. Nye (2007), como um de seus fundadores. Logo, a análise a ser feita se mostra inovadora no quesito de abordar tal conceito no que cerne a análise feita a partir de uma potência emergente, e não como uma estratégia de grande potência, como foi visto pela criação do conceito como uma política dos Estados Unidos. A fim de ocupar uma nova posição no sistema, o Brasil persegue objetivos como: a busca por um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas e uma maior participação em órgãos dessa natureza. Para isso ele deve se mostrar como um ator mais ativo em assuntos de segurança. Devido ao seu baixo hard power, será então analisada em vista do conceito de smart power como corolário do soft power, identificando como o Brasil vem abordando temas no qual ele 38

possui vantagem comparativa perante aos demais para obter um maior capital diplomático influenciando o campo da Segurança, sendo esses temas a cooperação internacional para o Desenvolvimento, no âmbito de ações da Agência Brasileira de Cooperação (ABC), cooperação Sul-Sul, participação em operações de paz promovendo a construção da paz e a sua atuação em debates de intervenção e questões de operações de paz colocando o Brasil como um empreendedor de normas no sistema. Assim, o Brasil segue uma cultura estratégica na qual ele busca fazer segurança sem fazer segurança no sentido em que busca demonstrar ser ativo em assuntos de segurança sem ter os meios para tal (hard power), fazendo então segurança através do smart power. Devido a grande amplitude e abordagens possíveis para esse argumento, optou-se nesse trabalho, por focar a busca brasileira por smart power no campo de segurança. Assim, será visto que o Brasil busca atingir, como estratégia política, focar em atividades no qual ele possui vantagem comparativa em relação a outros países, mas que possuem efeito no âmbito da segurança como a sua participação nos debates acerca das operações de paz junto às Nações Unidas, a elaboração de novas normas humanitárias, como visto pela proposta de criação do conceito de “responsabilidade ao proteger”.8 Além disso, será vista também, a participação brasileira em Operações de Paz e seu engajamento e comprometimento no envio de um maior contingente de tropas e pessoal qualificado para tais missões, tendo como respaldo um crescimento de suas capacidades de hard power9 (como, por exemplo, com a criação do CCOPAB10, e o aumento da participação da política brasileira em operações de paz) em operações de construção da paz trabalhando para a Cooperação Internacional para o Desenvolvimento e como isso possibilita o Brasil a melhorar os termos de sua inserção no plano internacional como um global player. 8

Responsibility While Protecting (RwP em ingles). Respaldo esse em instâncias como o aumento do aprendizado, profissionalização, capacidades e novas formas de exercício de táticas militares. 10 Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil. 9

39

Para tal análise, será trabalhado então, com uma pesquisa qualitativa – a fim de descrever, analisar e interpretar os fenômenos da atualidade -, e um método de abordagem dedutiva, no qual a partir do raciocínio lógico chegar-se-á em uma conclusão a respeito de determinadas premissas, baseadas na teoria de Nye (2004; 2007) e do seu conceito de smart power, que será posta em análise (GIL, 2002). Assim, faz-se necessária a criação de alguns indicadores, a fim de identificarmos quando e como o smart power se manifesta. Todavia, como o conceito foi criado por formuladores de política à serviço do governo dos Estados Unidos, muito do que existe sobre a base de como o smart power se manifesta é de acordo com os objetivos estratégicos do próprio país. Deste modo, ao aplicarmos o conceito para potências médias e emergentes é necessário ter em mente que estes não o estão utilizando como uma estratégia política complementar ao uso de hard power, como é o caso dos Estados Unidos, mas sim como um complemento à sua força política justamente por não possuírem hard power (ver Tabela 2) o suficiente para se pautarem somente neste no plano internacional. O que pode ser dito, sobre as potências médias e emergentes, é que a lógica de poder é aplicada nesse caso é diferente. Estes, ao buscarem smart power estão fazendo de uma necessidade (da falta de hard power), uma virtude, para poderem se tornarem atores mais influentes e suprirem a sua falta de hard power no cenário internacional. Assim as ações e comportamento do Estado poderão ser diferentes, assim como os indicadores utilizados para identificar as condições de manifestação do smart power. É importante identificar que tipo de comportamento e contexto o Estado está inserido para decidir fazer uso do smart power. Assim, as condições que possibilitam tal escolha se dão pelos seguintes fatores. Primeiramente, o Estado encontra-se num lugar onde o custo de uso do hard power tornou-se muito alto, logo não é prudente que se faça uso deste – o que passou a ser um paradigma bem claro desde meados da década de 40

1990.

Além disso, nesse mesmo contexto, vê-se o crescimento da

democracia na ordem global desincentivando o uso do poder latente – o que ocorre principalmente no caso de países que já possuíam muito hard power, como os Estados Unidos. Uma terceira condição que incentiva o uso do smart power é o aumenta da interdependência e da propagação de valores sociais e econômicos modernos que incentivam cada vez mais o desuso do hard power. Nisso a institucionalização e o papel das Organizações Internacionais passam a ganhar um papel cada vez mais forte, incentivando cada vez mais a cooperação entre os Estados, dificultando e deslegitimando ações coercitivas através do uso da força. A definição deste cenário já faz com que possamos entender um pouco mais a opção do uso do smart power, e um pouco dos valores e cultura que o regem. É necessário destacar que depende muito do contexto e da combinação de uso entre hard e soft power para se ter o smart power, podendo mudar de acordo com tempo, ator que o utiliza e seu espaço no cenário internacional. Para ficar mais claro, temos que ter em mente a concepção de que o smart power é um processo, uma abordagem de como o poder será exercido e diferenciado, tendo sempre objetivos e agendas a serem atingidos. De acordo com Pallaver (2011, p.107) devem ser seguidos os seguintes passos para identificar smart power e o comportamento de seus atores. Primeiramente, deve-se buscar um entendimento do contexto em que o poder está inserido, para compreender a balança de poder e as diferentes intensidades do uso do hard e do soft power, verificando então a possibilidade de se aplicar o smart power num cenário institucional específico, no qual busca-se alianças e parcerias para definir novas políticas, que se faz necessário para se ter um melhor entendimento dos objetivos que tal Estado pretende atingir. Lembrando que o smart power busca atingir metas para o bem público global que vai fazer com que a influência e legitimidade daquele autor aumente no cenário internacional. 41

Tentaremos definir como alguns dos possíveis indicadores os seguintes: a busca pelo comprometimento com o multilateralismo, analisando o envolvimento e participação do Estado em Organizações Internacionais; a busca pelo desenvolvimento, cooperação e parcerias com os demais atores; a busca pela integração de todos os instrumentos de poder, sendo eles hard ou soft; a elaboração de uma agenda política doméstica buscando reformas institucionais e reforço da presença da política externa no cenário internacional prezando pelo bem publico global. Como o smart power é o uso de toda a gama de ferramentas de poder disponíveis, devemos considerar então a economia, diplomacia, força militar, cultura e aparato legal como possíveis fontes desse poder, logo o smart power será atingido quando estes forem utilizados na melhor combinação possível para cada situação. Assim, o foco nas áreas de vantagem comparativa, e de nichos diplomáticos é uma forma a qual uma potência média tem maior chance para sucessor de obter smart power e assim aumentar sua influência e legitimidade na esfera internacional. O foco em nichos diplomáticos depende muito da especialidade e vantagens comparativas de cada país e em cada circunstância, tendo de ser avaliado caso a caso. Alguns exemplos, são a busca por diplomacia cultural, que é responsável por criar projetos onde a cultura e valores de um país são difundidos, visando sua inserção internacional. Através da diplomacia cultura, busca-se a criação de uma sintonia entre projetos domésticos e sociais, com projetos internacionais, levando em conta também o poder da sociedade civil e sua aceitação (tendo a política interna como um forte determinando para a política externa), que sob a lógica funcionalista liberal é um exemplo do transbordamento de influência através da cooperação ente os Estados. Ao buscar entender o momento presente no qual o Brasil busca aumentar seu status de poder no sistema internacional, como em um momento de redistribuição de capacidades do mesmo, será analisada a 42

elaboração de sua estratégia política, tendo como principais fontes de análise a participação brasileira com operações de construção da paz, como é o caso da atuação do Brasil na MINUSTAH, projetos de cooperação realizados pela ABC, principalmente no eixo da Cooperação Sul-Sul, pronunciamentos oficiais do governo e do Ministério do Exterior, a fim de identificar as intenções do governo brasileiro. Com isso o trabalho será dividido em cinco etapas: Primeiramente foram mobilizados, através de pesquisa bibliográfica, os principais conceitos pertinentes para essa análise. A partir da literatura de potências médias emergentes veremos o conceito de Nye acerca do smart power, para então relacionarmos como a análise da teoria do funcionalismo liberal, como parte do arcabouço teórico para abordarmos como as práticas de smart power transbordam para o campo de segurança. Após tal revisão de literatura teórica, na segunda etapa, abordarmos um procedimento de investigação tipológico, no qual será visto, como expressão dos aspectos significativos da realidade de uma potência média e sua subcategoria de potência emergente, a literatura de Operações de Paz, como avançaram, tanto na parte prática, como sua evolução e debates normativos, abarcando diversos documentos importantes para as Nações Unidas. Assim, a segunda parte será concluída relacionando isso com as teorias anteriormente vistas, e como isso pode se tornar um instrumento de smart Power. Na terceira parte, será elaborado um histórico evolutivo da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (CID) e focando mais especificamente na Cooperação Sul-Sul (CSS), para então, depois de tal levantamento, tal qual como na sessão anterior, poder relacionar os impactos disso com a lente teórica abordada, permitindo identificar como a cooperação permite o transbordamento temático para a área de segurança.

43

Após essas três etapas, o trabalho entrará no estudo de caso do Brasil, abordando então suas estratégias políticas, contrastando suas características com o comportamento de uma potência emergente e assim colocarmos em análise os nichos diplomáticos brasileiros da cooperação sul-sul e da atuação em operações de paz para focar na hipótese de que o Brasil Busca maximizar o efeito de sua inserção na área de segurança, com o objetivo de aumentar a sua influência em órgãos de decisão ligados a esse conceito. Isso será feito através da pesquisa documental que irá mobilizar uma série de documentos, de acordo com as estratégias brasileiras em soft e hard power. Serão, então, analisados desde discursos em fóruns das Nações Unidas até noticias e declarações governamentais relacionadas à participação e discussão brasileira em Operações de Paz, dialogando com fontes secundárias (artigos acadêmicos) para identificarmos o cálculo estratégico brasileiro (como artigos falando da importância e participação em projetos para Cooperação Internacional para o Desenvolvimento, mobilização de força brasileira para treinamento e participação em operações de paz, e artigos problematizando e apresentando a atuação brasileira nas Nações Unidas, ou propondo a criação e repensando o conceito de RwP). Isso tudo será feito a fim de, em sua quinta e última etapa, identificar, na conclusão, as estratégias brasileiras para garantir uma maior inserção e participação, com melhores termos, no cenário internacional, e compreender como o Brasil vem buscando sua maior inserção no cenário internacional para se tornar um global player ativo através de uma visão funcionalista e com estratégias de smart power. Espera-se, a partir dessa pesquisa chegar a identificar tal pratica brasileira e possivelmente recomendações de como, e se, o Brasil deve continuar com tal estratégia, caso seja identificado que a mesma tem se mostrado sucesso, mesmo que em fase inicial.

44

3. Cooperação Sul-Sul

3.1.

Cooperação Internacional para o Desenvolvimento

Embora já tenham existido antecedentes que se remontam à ações de assistência ao desenvolvimento anteriormente, a Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (CID) tem como marco de seu início o fim da Segunda Guerra Mundial, e o início da Guerra Fria, marcado por um contexto de crescimento econômico sem precedente que se deu nas décadas seguintes. Assim, as primeiras menções á cooperação surgem com a conferência de Bretton Woods, que resultou na criação de mecanismos auxiliares para a promoção do desenvolvimento, como o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e práticas econômicas que buscavam a reconstrução da Europa no pós Segunda Guerra. Até então, principalmente nas décadas de 40 e 50, grande parte da cooperação ocorria de forma bilateral, seguindo a lógica desenvolvimentista de que os países desenvolvidos, baseando-se em sua lógica de crescimento e padrões econômicos, viam o “subdesenvolvimento”, como eles mesmos o classificavam, como uma falha econômica, logo, a cooperação nessa época se dá majoritariamente pela transferência de recursos e compra e venda de bens e servidos do país doador (LEITE, 2012, p.9). Sob essa ótica, o desenvolvimento era então visto a partir dos países industrializados e desenvolvidos como uma noção de progresso histórico, no qual os países subdesenvolvidos ainda tinham um caminho a trilhar para fazer os mesmos passos e um dia chegar ao patamar dos países desenvolvidos. Isso ficou conhecido como a teoria da modernização, onde é classificado o estado de

subdesenvolvimento colocado numa lógica de busca por sua superação para o modero (MORAES, 2006, p.43). Localizada no contexto da Guerra Fria, muitos países buscaram o desenvolvimento e ajuda militar a outros países condicionados fortemente à ideologia e ao interesse políticos e econômicos da época, como foi o caso de muitos dos países socialistas, que buscavam atrair a influência de outros Estados com regimes “amigáveis” para sua ideologia (MAWDSLEY, 2012, p.48). O mesmo ocorria com o mundo capitalista, onde se instaurou o Plano Marshall, que apoiava a reconstrução de diversos países da Europa e no mundo, assim foi criada a Organização Europeia de Cooperação Econômica (OECE), para supervisionar os recursos concebidos pelo Plano Marshall. No âmbito multilateral, a cooperação surge com a criação das Nações Unidas, que tenta estrutura-la pela primeira vez, com o lançamento do Programa de Assistência Técnica em 194811, englobando o conceito na nova arquitetura multilateral pós Segunda Guerra. A criação de agências especializadas e acordos para a cooperação, no entanto, não se deu somente nesse âmbito. Nesse primeiro momento a ideia predominante acerca da cooperação nas Nações Unidas se limitava a criação de instituições efetivas para que uma sociedade pudesse se desenvolver e se reconstruir no pós Segunda Guerra e atingir a autonomia. Ao longo dos anos essa visão acerca da cooperação logo se modificou, muitos autores começaram a criticar a noção de teoria da modernização seguida pelos países do Norte global12 e questionando a noção de “progresso“, e a ideia de que o progresso atingido por alguns países do ocidente não seria a única opção viável de evolução e 11

Resolução 304 da 4ª Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas. Disponível em: < http://daccess-ddsny.un.org/doc/RESOLUTION/GEN/NR0/051/23/IMG/NR005123.pdf?OpenElement >. Acesso em 11 set 2014. 12 Como foi o caso de Claude Lévi-Strauss em sua obra Race et Histoire (1952), onde ele vai falar que o tempo “progresso” não é nem necessário nem algo continuo, que não é adequado para representar a realidade. Segundo ele, a humanidade em “progresso” não pode ser comparada a subida de degraus em uma escada para chegar em um panorama superior (p.18).

46

desenvolvimento para outros países. Durante as décadas que se seguiram, principalmente nas décadas de 1970 e 1970, muito mudou, com o grande movimento de independência dos países da África e da Ásia, passou a se optar mais para que a cooperação ocorresse no âmbito de instituições multilaterais. Criado em 1965, com base no Programa Ampliado de Assistência Técnica das Nações Unidas e no Fundo Especial das Nações Unidas, de 1958, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), para servir com uma rede de desenvolvimento global da ONU, que busca dar apoio à processos nacionais que buscam acelerar o desenvolvimento humano trabalhando com redução da pobreza, governança democrática, recuperação e prevenção de crises, e meio ambiente e desenvolvimento sustentável (UNDP, s.d.). Imerso às críticas da teoria da modernização, começa a surgir o novo paradigma de desenvolvimento baseado nas “necessidades humanas básicas” (NHBs), dando grande atenção a questões da pobreza e o entendimento de que o crescimento do PIB nas economias que estavam sendo investidas, não necessariamente estava incluindo a população pobre nesse “progresso” e que as NHBs não estavam sendo atingidas (LEITE, 2012, p.11). A abordagem das NHBs logo tornou-se dominante, mesmo que não tendo uma grande aceitação, em primeira instância, dos países beneficiados. Criaram-se programas sociais, como a campanha Freedom from Hunger da FAO13 na década de 1960, e outros que buscassem a erradicação da pobreza, para suprir as NHBs, assim como este estava presente na criação do PNUD.

13

A campanha Freedom From Hunger da FAO iniciou-se em 1963, como parte da iniciativa das Nações Unidas de declararem a década de 60, como a década do desenvolvimento, buscando formas de aumentar a produção mundial de alimentos, proteção de terras de cultivo, e também incentivando a arrecadação e investimentos na busca pelo fim da fome mundial. Mais informações sobre a campanha encontram-se disponíveis em: . Acesso em 12 set. 2014.

47

Porém, os Estados do “Sul”, em sua maioria os receptores da ajuda internacional, em muito se colocaram contrários à nova abordagem de desenvolvimento das NHBs, pois viam aquele modelo como insustentável que priorizavam o crescimento urbano, onde as elites viviam, e onde os países doadores direcionavam sua ajuda. No entanto, essa abordagem em muito negligenciava a parte rural das cidades. Também na década de 1960 foi criada a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que tinha como objetivo a formulação de políticas comuns acerca da cooperação internacional para o desenvolvimento. Em sua estrutura organizacional, foi criado o Comitê de Assistência ao Desenvolvimento (CAD) para coordenar as políticas e práticas dos programas de governo de seus países membros para a assistência internacional. Vemos na OCDE grande parte da CID ainda sob a logica de cooperação vertical ou CNS (GOMES, 2013, p.3132). Com o decorrer dos anos, após os choques do petróleo na década de 1970,

a

desaceleração

do

crescimento

industrial

diminuiu

consideravelmente, e em concomitância também houve uma redução na ajuda internacional, que vinha ocorrendo em grande peso nas últimas três décadas. No entanto, com a inclusão de uma série de novos temas ao discurso pró-desenvolvimento, como a promoção de transições econômicas e políticas, prevenção de conflitos, etc., a partir da década de 1980, retomou-se a quantidade de recursos destinados para ajuda estrangeira (ver Tabela 1) principalmente no âmbito multilateral. Com o fim da Guerra Fria, isso aumentou ainda mais, com a introdução de ainda mais temas, como meio-ambiente, população, papel da mulher e outros; como pode ser observado na Tabela 1 (ESCOBAR, 1995, p.154-160). A década de 1990 foi uma década muito conturbada, com muitos debates acerca da cooperação e ajuda internacional. Uma distinção muito importante de se fazer é a distinção entre cooperação e ajuda/assistência, 48

em meados do século XX essa distinção era muito pouco feita. A diferenciação da linguagem nesse caso traz uma análise bem interessante. Enquanto menciona-se desenvolvimento para ambos os casos não há como ter um discernimento em relação a como isso é feito. Ao falarmos de ajuda/assistência pressupõe-se uma hierarquia assimétrica entre os doadores e os receptores, e também é uma linguagem incumbida de valores morais, tal qual como o sentimento de “progresso”, muito criticado na teoria da modernização. Já ao falarmos de cooperação, pressupõe-se uma característica de maior horizontalidade e de projetos e iniciativas multilaterais, onde se buscam relações de benefícios mútuos entre as partes participantes. As inúmeras agências de desenvolvimento passam a englobar uma enorme gama de assuntos, temáticas e ocasiões em que eles devem atuar inclusive situações de emergência e pós-emergência, que até então era compreendido majoritariamente como área de atuação das organizações de emergência e ajuda internacional, abrindo espaço para um aumento do número de recursos oficiais que passam a ser destinados para o desenvolvimento. Foi retomada a atenção internacional no âmbito das Nações Unidas sobre temas de desenvolvimento e da busca pelas NHBs, tendo como marco a elaboração dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (também conhecido como Metas do Milênio), trazendo uma série de compromissos, com a busca pela erradicação da pobreza, igualdade dos sexos, redução da mortalidade infantil, prover educação básica universal, dentre outros. As metas do milênio foram criadas a partir do Grupo de Desenvolvimento das Nações Unidas (UNDG, em inglês), que foi estabelecido em 1997 pelo Secretário-Geral, Kofi Annan, unindo 32 fundos das Nações Unidas, como a FAO, PNUD, UNICEF, e outros, que buscam fortalecer e aumentar a cooperação

entre

as

agências

da

49

ONU,

para

buscar

objetivos

internacionalmente aceitos para a promoção do desenvolvimento (UNDG, s.d.). De acordo com uma série de indicadores pré-estabelecidos, viu-se que muitas das metas não poderiam ser cumpridas no prazo estipulado (até 2015) e com isso, novas discussões surgiram a cerca do desenvolvimento. Criou-se então, na Assembleia Geral, a Agenda Pós-2015, onde se discute a necessidade de aumentar, ou de diminuir o número de metas, envolvendo a discussão do que se busca e qual é o escopo do desenvolvimento buscado pelo programa (ECOSOC, s.d.), que tem como um dos principais órgãos conselheiros o UNDG. No âmbito de discussões internacionais, muito se foi criticado a cerca dos programas de desenvolvimento, e vemos também o aumento na busca por participação de países emergentes e menos influentes no sistema internacional querendo ter uma participação maior em tais programas. Como grande parte dos recursos destinados ao desenvolvimento e a ajuda internacional era proveniente principalmente de países como os Estados Unidos, e outros países já considerados desenvolvidos, como Canadá, Suécia, dentre outros, surge a plataforma da Cooperação Sul-Sul onde os países emergentes podem agir com maior força e influência no cenário internacional, focando em alguns de seus nichos diplomáticos para trabalhar com a cooperação e desenvolvimento.

3.2.

A Cooperação Sul-Sul

“South-South cooperation is a broad term used to describe diverse types of co-operation among developing countries. The more significant are: co-operation among developing states in multilateral negotiations with the developed countries; promotion of South-South trade; the development assistance” Bobiash, 1992, p.6

50

Durante a Guerra Fria teve-se um grande movimento de descolonização, principalmente de países da África e da Ásia, aumentando exponencialmente o número de países membros das Nações Unidas. Com isso, e com o debate de desenvolvimento à tona, os chamados países do “sul global” passaram a ser vistos como um grupo específico e com alguns interesses articulados, como o seu desenvolvimento através de estratégias multilaterais (GOMES, 2013). Em 1955 ocorre o primeiro esforço em prol de uma união desses países e do que passou a ser conhecido como o Movimento dos Não-Alinhados (MNA) (que só veio a ser oficialmente criado em 1961 na Conferência de Belgrado), onde passaram a existir demandas dirigidas a organizações internacionais por parte desse novo grupo. Como antes mencionado por Escobar, (1995, p.154-160), o MNA defendia que o desenvolvimento não deveria ser entendido como um processo único, e sim algo de poderia ser atingido de diversas formas, além de estabelecerem dez princípios para guarem a cooperação entre os países do sul global, dentre eles vemos o respeito dos direitos humanos, a busca pelo multilateralismo, o reforço do direito de soberania dos povos, resolução de conflitos e disputas internacionais por meios pacíficos, e que se defendesse a promoção do interesse mútuo e cooperação entre suas partes

(FINAL

COMMUNIQUE

OF

THE

ASIAN-AFRICAN

CONFERENCE OF BANDUNG, 1995), legitimando suas práticas, e uma das grandes bases da Cooperação Sul-Sul, que surge fazendo frente ao modelo vigente de Cooperação Norte-Sul imbuído na lógica de ‘doador e receptor’, que não havia necessariamente uma troca de interesses mútuos entre as partes. Isso pode ser visto como uma prática, onde a cooperação entre os países do Sul buscam desenvolver seus nichos diplomáticos através do spillover de cooperação e do compartilhamento de valores e interesses de 51

mútuo beneficio. Esses países podem optar por focar somente nas áreas onde possuem vantagem comparativa em relação aos outros, uma vez que estes ainda não são países grandes o suficiente para atuarem em diversas áreas, logo complementando o interesse um do outro e cooperando entre si, os países no eixo da cooperação sul-sul estão aumentando sua participação no cenário internacional enquanto se desenvolvem, o que pode ser considerada uma estratégia de smart power. No plano multilateral, os países em desenvolvimento, ou os países do sul global, encontravam-se muito insatisfeitos, apesar de muitos serem recém independentes, estes logo foram trazidos para o lógica bipolar vigente durante a Guerra Fria, tendo sempre seus interesses subjugados frente aos dos EUA e URSS, no entanto, com a criação da Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), reúne-se pela primeira vez no âmbito da ONU, um grupamento de países em desenvolvimento, que buscava uma maior articulação e cooperação entre suas partes. Reúne-se pela primeira vez, então, o Grupo dos 77 (G77), que buscava institucionalizar a cooperação entre estes, que só se concretizou em 1988, com o estabelecimento do Sistema Global de Preferências Comerciais entre Países em Desenvolvimento (LEITE, 2012, p.15). Com o crescimento da economia dos países do Sul, muitos acabaram migrando de receptores de ajuda, para potências econômicas emergentes que buscam assumir uma maior responsabilidade na promoção do desenvolvimento. Estes países focaram muito na cooperação para a busca de um desenvolvimento humano sustentável no Sul Global e redefinir a lógica e estrutura da cooperação para o desenvolvimento internacional, que vão fortemente de encontro com o comportamento de um país que deseja exprimir smart power no cenário internacional. No entanto deve-se ter claro que o percentual de Assistência Oficial para o Desenvolvimento (AOD) dos países que não participam do Comitê de Assistência ao Desenvolvimento

52

(CAD), ainda é muito baixo para representar uma parcela significativa dos países do Sul Global (QUADIR, 2013, p.322). Em relação ao CAD, que compõe a estrutura da OCDE, este foi criado com o objetivo de coordenar políticas e práticas dos programas de governo

de

seus

países

membros,

para

a

cooperação

para

o

desenvolvimento, no entanto, o que é observado é que estes são em sua maioria os tradicionais doadores do Norte que mantem a lógica de doadorreceptor que a CSS vem buscando romper. De acordo com a OCDE, o desenvolvimento dos países emergentes deve ser feito através da AOD – por países membros do CAD14, que em sua maioria são países do Norte que é definida como:

Fluxos para países e territórios na lista do CAD de beneficiários dos beneficiários da AOD, e para as instituições multilaterais que são: i. fornecida por órgãos oficiais, incluindo os governos estaduais e locais, ou através por suas agências executivas; e ii. Cada transação das quais: a) é administrada com a promoção do desenvolvimento econômico e bem-estar dos países como principal objectivo o desenvolvimento; e b) é concessional em caráter e transmite um elemento de doação de pelo menos 25 por cento (calculada a uma taxa de desconto de 10 por cento) (OCDE, 2008b, p.1).

Sob essa definição, vemos que é reafirmada a lógica vertical da Cooperação Norte-Sul, com um caráter de doação aos “beneficiários” – reforçada constantemente pelas classificações utilizadas em seus relatórios de termos como ‘prover assistência’, ‘beneficiários’, e ‘doadores’15 -, em 14

São membros do CAD: Alemanha, Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Coreia do Sul, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, Finlândia, França, Grécia, Irlanda, Itália, Japão, Luxemburgo, Noruega, Nova Zelândia, Países Baixos, Portugal, Reino Unido, Suécia, Suíça e União Europeia. 15 A utilização desse vocabulário pode ser percebido em diversos documentos que estabelecem as diretrizes do CAD, como, por exemplo, no ‘DAC Guidelines and Reference Series’, disponível em: < http://www.oecd-ilibrary.org/development/dac-guidelines-and-reference-series_19900988>. Acesso em 17 out. 2014.

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vez de uma cooperação em pé de igualdade entre as partes, de modo que estes sejam vistas como agentes parceiros, numa cooperação horizontal, que a CSS busca construir. Uma questão muito importante ao estudarmos a abordagem da Cooperação Sul-Sul é o desejo dos países do Sul Global em modificar a estrutura de cooperação e desenvolvimento vigente, mudando da lógica condicional de ajuda, para uma abordagem baseada nos princípios de igualdade, parceria e interesse mutuo entre as partes, que é a ‘cooperação horizontal’ entre os países do eixo sul global. Isso pode ser chamado de ‘desenvolvimento alternativo’, onde é dada voz às preocupações de ambas as partes e possibilita que os países desenvolvam estratégias mais abrangentes para a industrialização promovendo reformas políticas, segurança alimentar e na criação de novas instituições para um novo regime de ajuda global, no entanto como isso é feito varia de país, para país de acordo com seus interesses, disponibilidades (QUADIR, 2013, p. 331) e nichos diplomáticos. Assim, podemos ver a cooperação sul-sul como uma área de nicho diplomático de possível plataforma para a elaboração de uma estratégia de smart power. Com a Cooperação Sul-Sul os países do sul global aumentaram a sua visibilidade no cenário internacional e sua participação em ajuda internacional, além disso, foram percursores na busca por uma nova narrativa de cooperação para o desenvolvimento que vai além da tradicional lógica hierárquica de doador receptor imbuída na Cooperação Norte-Sul. Eles vêm buscando uma cooperação horizontal, onde há uma preocupação com o bem público global, promoção do multilateralismo e de alianças e parcerias entre as partes. É com isso, que muitos desses países acabam se focando em seus nichos diplomáticos e a cooperação, como no funcionalismo liberal, vai avançando para diversas outras esferas. Deste modo, a Cooperação Sul-Sul acaba tratando de diversos temas, como um dos mais abordados atualmente, a busca pela segurança alimentar 54

e a erradicação da pobreza, e mudanças políticas que transbordam para o campo de segurança, especialmente desde o alargamento do conceito com o fim da Guerra Fria. A credibilidade, legitimidade e incentivo necessário para a participação dos atores na cooperação sul-sul é fundamental para o entendimento da participação de seus atores. A proximidade histórica e cultural entre os países do sul global, ou pelo menos o sentimento de pertencimento existente entre estes é muito importante para legitimar a atuação desses países, que como através do smart power busca a aceitação e reconhecimento dos atores a fim de agir no cenário internacional, como possibilita que os Estados ajam de acordo com a sua lógica de adequação (MARCH & OLSEN, 1998, p.949) de seu comportamento, agindo como apropriado entre os países do Sul Global, e defendendo seus valores comuns. A credibilidade, legitimidade e incentivos envolvidos na Cooperação Sul-Sul trouxeram uma rearticulação nas posições dos agentes do campo, vendo uma participação muito mais receptiva no relacionamento entre os países em desenvolvimento, e consequentemente na capacidade das agências de desenvolvimento e assistência desses países, tem se tornado mais eficiente. Com isso, vemos como a CSS pode ser parte de uma estratégia de smart power, no qual há um forte fator de soft power incluído, onde os países buscam parcerias e alianças (em vez de uma relação hierárquica de “cooperação vertical”), buscando a defesa de um bem público global, tal qual como na defesa e busca pelo desenvolvimento, que como preza o smart power, é uma forma de propagar valores para um mundo mais estável e multilateral, e também para atingir objetivos estratégicos específicos dos países que utilizam sua estratégia, como no caso das potências emergentes, que buscam aumentar sua participação no cenário internacional tentando suprir sua falta de hard power.

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Claramente a CSS, quando vista sob a ótica do funcionalismo gera um spillover de cooperação, começando de áreas de maior afinidade histórico/cultural entre as partes, e indo além, para diversos assuntos que tangem o campo da segurança. Um exemplo disso, é a enorme preocupação na CSS em programas de desenvolvimento que lidam com temas de segurança, como a reconstrução de aparato estatal em Estados frágeis, a busca por segurança alimentar e a implementação de programas sociais, visando uma maior estabilidade interna nos países, evitando a ocorrência, ou recorrência de novos e antigos conflitos. Em 1978, a Unidade Especial de Cooperação Sul-Sul foi criada no âmbito do PNUD como Comité de Alto Nível da Assembleia Geral sobre a cooperação Sul-Sul. De acordo como a Unidade Especial, a Cooperação Sul-Sul é:

É um amplo enquadramento para a colaboração entre os países do Sul nos domínios políticos, econômicos, sociais, culturais, ambientais e técnicos. Envolvendo dois ou mais países em desenvolvimento, pode ocorrer em uma base bilateral, regional, subregional ou inter-regional. Os países em desenvolvimento compartilham conhecimentos, habilidades, competências e recursos para atender aos seus objetivos de desenvolvimento através de esforços concertados. Os recentes desenvolvimentos na cooperação Sul-Sul tomaram a forma no aumento do volume do comércio Sul-Sul, os fluxos Sul-Sul de investimento estrangeiro direto, os movimentos de integração regional, a transferência de tecnologia, o compartilhamento de soluções e especialistas, e outras formas de intercâmbio (Tradução livre, UNOSSC, s.d.).

Este, em 2012, foi transformando no Escritório das Nações Unidas para a Cooperação Sul-Sul (UNOSSC), tendo agora sob seu mandato, atribuições como a promoção e coordenação da Cooperação Sul-Sul e Cooperação Triangular em escala global e da ONU. Ainda em 1978, ocorreu a conferência da UNCTAD que deu origem ao Plano de Ação de Buenos Aires (PABA), que apresentou uma série de recomendações para os

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países em desenvolvimento e a implementação da Cooperação Técnica entre estes (GOMES, 2013, p.36). Esse é um exemplo de como a cooperação técnica, que antes era muito mais definida no âmbito bilateral, passou a ganhar novas conferências multilaterais, como se preza o funcionalismo e o smart power por uma busca por uma maior aceitação geral, pela participação, sem mencionar como o fato de ser um comportamento adequado de os Estados adotarem, agindo de acordo com seus valores, princípios e objetivos estratégicos levando em consideração seu papel em determinado lugar. Após os choques do petróleo na década de 1970, grande parte das economias globais encontrava-se em recessão, período onde a ajuda internacional para o desenvolvimento esforços em prol da cooperação técnica não foram perseguidos. No entanto, com o fim da Guerra Fria e a promoção do multilateralismo, vemos uma recuperação da CSS na agenda de diversos países do Sul Global. O Sul Global passa a ganhar um novo espaço em agendas de foros multilaterais, legitimando a CSS como uma alternativa viável às críticas da CNS. Em 2003, a Cooperação Sul-Sul foi integrada à diversas áreas do PNUD, como a área da governança democrática. As potências emergentes trazem ao desenvolvimento modelos alternativos que priorizam o fator interno de construção, o que é um link muito grande entre desenvolvimento e segurança. Além disso, a característica da CSS de lidar com uma abordagem mais humana - que enfatiza a eliminação da pobreza, segurança alimentar e outras causas estruturais como parte da causa do conflito - dá aos países do Sul Global um grande respaldo de legitimidade para agirem principalmente em operações de manutenção e construção da paz (MATHUR, 2014, p.28). Com essa maior institucionalização da Cooperação Sul-Sul, vemos a UNCTAD elaborando seu próprio ponto de vista de como a cooperação para o desenvolvimento deveria ser conduzida, fugindo da tradicional 57

lógica dualista da relação doador-receptor vigente até então, definindo a Cooperação Sul-Sul como:

O processo, instituições e arranjos, desenhados para promover cooperação política, econômica e técnica entre países em desenvolvimento, ao buscar objetivos para o desenvolvimento comum. Tem escopo multidimensional, envolvendo cooperação em áreas como comércio, finanças, investimento, bem como troca de conhecimento, habilidades e expertise técnica entre países em desenvolvimento. Geograficamente, abrange a cooperação bilateral, intra e interregional, bem como a colaboração entre os países em desenvolvimento em questões multilaterais destinadas a melhorar a sua participação e integração na economia mundial (tradução livre, UNCTAD, 2010, p.1).

Tal institucionalização levou a uma maior discussão e aceitação de estratégias de cooperação e desenvolvimento através da CSS e da Cooperação Triangular, sendo inclusive mencionada como uma das formas de promover a cooperação para as Metas do Milênio, incentivando a participação de economias emergentes e destacando seu papel como fornecedores de recursos e ajuda internacional. Em reunião em Genebra, sobre a Integração e Cooperação no sistema das Nações Unidas, discutindo os objetivos pós-2015 a CSS é incluída como um componente importante para a elaboração das novas metas e para o desenvolvimento de estratégias de desenvolvimento e globalização (UNCTAD, 2014). A CSS é fortemente vista no surgimento de novos grupamentos e coalizões que se formaram no século XXI, como o fórum de diálogo ÍndiaBrasil-África do Sul (IBAS) e do agrupamento BRICS, que buscam modelos alternativos e sustentáveis de desenvolvimento com agências como o Banco Mundial, ou por iniciativas próprias, como a criação do Fundo e do Banco dos BRICS. Assim a CSS passou a ser incorporada como um dos pilares fundamentais de atuação, tanto nas políticas dos países do Sul Global, como de organizações multilaterais e agências de cooperação, na “cooperação triangular” (LEITE, 2012, p. 20-22), como foi o caso da 58

OCDE, até então uma Organização tipicamente marcada pela “cooperação vertical”, com o Acordo de Acra. O acordo de Acra traz a noção de que os receptores da ajuda internacional devem ser vistos não só como receptores, mas como sócios no processo de cooperação, dando um caráter mais “horizontal” à cooperação entre as partes. De acordo com a Agenda para a Ação de Acra

A cooperação Sul-Sul para o desenvolvimento busca observar o princípio de não interferência nas questões internacionais, igualdade entre os parceiros em desenvolvimento e respeito pela sua independência, soberania nacional, diversidade cultural e questões indenitárias e locais. Tem um papel importante na cooperação internacional para o desenvolvimento e é um complemento valioso para a cooperação Norte-Sul (OCDE, 2008a, par.19).

A CSS e a atuação dos atores do Sul Global acabou rearticulando os agentes e a lógica do campo da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento, isso fez que com países emergentes pudessem ter uma voz maior nessa esfera e assim se projetar mais no cenário internacional através de estratégias de smart power que focassem na atuação destes na CSS. Isso gerou uma série de debates e visões a cerca da CSS e da CID. De acordo com a teoria social sobre a cooperação, vemos que as trocas que ocorrem entre os países podem ser diretas ou indiretas, isto é, podem envolver somente as partes envolvidas na cooperação, ou podem ter um reconhecimento não desejado, ou de terceiros. No caso de países como a Índia, atuando em outros de forte instabilidade, como o Afeganistão, vemos trocas indiretas de colocar a CSS em destaque como um modelo de atuação alternativo, que agrega a dimensão do desenvolvimento a assuntos de segurança internacional e à questão de operações de paz. O mesmo também pode ser observado na presença brasileira no Haiti (LEITE, 2012, p.28-31).

59

A CSS tem como característica também o sentimento de ganho mutuo das partes, fazendo assim, com que essa cooperação tenda a ser estendida para outras áreas, que não puramente a técnica, contribuindo assim, para níveis mais avançados de cooperação, como a própria coordenação de políticas destes países, como por exemplo, podemos identificar posicionamentos em comum de países que realizam a CSS, como é o caso dos países IBSA. A CSS, ainda de acordo com a teoria social sobre a cooperação, é um processo complexo, que leva fortemente em conta os nichos diplomáticos dos países, isso é, seus conhecimentos específicos, e de adoção de políticas, como na promoção de políticas sociais exportadas para outros países, que podem configurá-la como uma estratégia de smart power. Sob a ótica do institucionalismo, vemos, num contexto marcado pela interação estratégica e interdependência entre os atores, a busca da maximização dos ganhos dos atores, baseados no comportamento dos próprios Estados, e de sua relação com outros. Assim, a cooperação, e, por conseguinte a Cooperação Sul-Sul, também poder ser vista como um processo de coordenação de políticas entre países, baseado em seus cálculos estratégicos. Esta podendo fazer parte de uma estratégia de smart power, uma vez que se busca, através do institucionalismo e da interdependência, suprir a falta de hard power, para que os objetivos do país possam ser atingidos pelo spill over de cooperação, onde cada um tem a capacidade de focar em seu próprio nicho diplomático (LEITE, 2012, p.26-7). Ainda sob a ótica do liberalismo, vemos a cooperação como algo que acaba afetando e transbordando para o campo da segurança, uma vez que os Estados são atores racionais e definem seu comportamento no cálculo de custo beneficio e de adequação de seu comportamento perante os demais, estes, acabam partindo do raciocínio de que a cooperação evita a recorrência de conflitos, assim, ao cooperarem, os atores estão buscando também

lidar

com

assuntos 60

de

segurança.

4. Operações de Paz

Let me tell you now Ev'rybody's talking about Revolution, evolution, masturbation, flagellation, regulation, integrations, meditations, United Nations, Congratulations. All we are saying is give peace a chance - John Lennon, Give Peace A Chance

4.1.

Definições do termo

Ao abordarmos o conceito de Operações de Paz, é necessário, primeiramente, definirmos o mesmo, e ao falarmos definir, não quer dizer somente encontrar uma definição básica a ser seguida, e sim compreender que há diversas formas de se interpretar o termo e utiliza-lo de maneiras diferentes. Em 2008 quando o Departamento de Operações de Paz (DPKO, 2008) lançou seu manual de princípios e diretrizes, não foi definida especificamente a definição de operações de paz, e sim as principais operações relacionadas à paz e à segurança. Dentro dessa categoria, encontramos cinco subdivisões, que haviam sido previamente definidas por Boutros Boutros-Ghali, Secretário Geral das Nações Unidas na Agenda para a Paz em 1992 (UNITED NATIONS, 2008) sendo elas: (i) Prevenção de Conflitos; (ii) Estabelecimento da Paz16; (iii) Manutenção da Paz17; (iv) Imposição da Paz18, e; (v) Construção da Paz19. De acordo com o departamento de operações de paz, a prevenção de conflitos diz respeito à “aplicação de medidas estruturais ou diplomáticas para manter disputas inter ou intra-estados de escalar num conflito violento,” a Estabelecimento da Paz se refere às “medidas para resolver 16

Peacemaking; Peacekeeping; 18 Peace enforcement; 19 Peacebuilding; 17

conflitos em andamento, e normalmente envolve ação diplomática para que as partes hostis cheguem à um acordo,” as ações de Manutenção da Paz, então, serão uma “técnica desenvolvida para preservar a paz, quando frágil, onde a luta foi interrompida, e para prover assistência na implementação de acordos atingidos pelos apaziguadores20,” a quarta diretriz de ação para a paz, Imposição da Paz, “envolve a aplicação, com a autorização do Conselho de Segurança, de uma série de medidas coercivas, incluindo o uso da força militar, (...) em situações em que (...) foi determinada a existência de ameaças à paz,” já a última subdivisão, Construção da Paz, aborda as “medidas direcionadas para a redução do risco de extinção, ou reincidência do conflito pelo reforço das capacidades nacionais em todos os níveis, para a administração do conflito, e estabelecer bases para a paz e o desenvolvimento sustentáveis” (DPKO, 2008, p.18-19). Em uma primeira análise, pode-se esperar que cada uma dessas subdivisões ocorra numa etapa diferente do conflito, trabalhando cronologicamente na evolução do processo político do conflito, no entanto, deve-se ter em mente que podem haver diversos momentos onde tais fases se sobrepõem, tendo assim uma operação de paz multidimensional, sendo compostas por diversos componentes das mais diferentes fases de operações de paz, em diferentes estágios de conflito, ocorrendo raramente em uma ordem linear. É importante ressaltar que tais classificações só surgiram muito recentemente na história das Operações de paz das Nações Unidas, o que nos mostra que mesmo com mais de 60 anos de história, as operações de paz ainda continuam em uma constante fase de evolução e adaptação. Um fato importante de se atentar é que na Carta das Nações Unidas não há uma menção direta às operações de paz, porém encontra-se base legal para exercê-la nos capítulos VI, VII e VIII ao mencionar que se deve lidar com “resolução pacífica de conflitos”, e “ações que dizem respeito à paz, brechas na paz e atos de agressão”, mais comumente decididas pelo 20

Peacemakers;

62

Conselho de Segurança. É importante ressaltar que houve uma expansão no conceito de operações de paz, juntamente com o fim da guerra fria e a expansão do tipo de conflitos no qual as Nações Unidas passaram a interferir. Durante a Guerra Fria, e desde a criação das Nações Unidas, é possível encontrar uma série de transformações na prática de operações de paz, modificando tanto sua natureza, como seu propósito, refletindo a situação política do momento (BELLAMY et all, 2010, p.13). A partir dessa noção, foram identificadas, até então, cinco diferentes gerações de operações de paz, sendo estas modificadas ao longo do tempo e da conjuntura internacional. As gerações são criadas uma em cima da outra, acumulando seu significado. É muito comum que haja uma mudança de mandato de operações de paz de uma geração para outra, atribuindo-lhe suas novas características (KENKEL, 2013, p.124). As gerações são divididas de acordo com fatores como o nível de força e a profundidade em que esta é utilizada, assim como na natureza do conflito em que se encontram, como sendo um conflito doméstico, ou externo. A primeira geração de operações de paz eram majoritariamente o que chamamos hoje de operações tradicionais, que são aquelas que conduzem processos de observação, monitoramento e elaboração de relatórios do conflito ao Secretário-Geral e às Nações Unidas. As operações tradicionais também são aquelas que são autorizadas principalmente de acordo com Capítulo VI da Carta das Nações Unidas, e tem como função monitorar o cessar fogo e fazer a separação entre forças combatente impedindo a retomada do conflito, uma vez estabelecido o cessar fogo. As principais características das operações dessa geração é o consentimento da nação que a recebe, a imparcialidade da missão entre as partes do conflito e o não-uso da força por parte das tropas das Nações Unidas (KENKEL, 2013, P.126). Contrastando esse tipo de operações com as restantes, autores como Doyle e Sambanis (2006), estabeleceram outras duas tipologias de 63

gerações de operações de paz. Além das ditas operações tradicionais, que são empregadas com a autorização das partes conflitantes a fim de criar confiança, manter cessar fogo, ou negociar a paz, vemos também as chamadas operações multidimensionais. Com a evolução dos conflitos e da atuação de terceiras partes nestes vemos um aumento da atuação das Nações Unidas em diversos aspectos. Além de fazerem muito do que era feito nas missões tradicionais, as operações multidimensionais, também chamadas de operações complexas, englobam uma nova gama de ações, como a busca pela defesa dos Direitos Humanos,

controle

de

armamentos,

contribuírem

para

eleições

democráticas e processos de reconstrução do aparato político estatal. A maior diferença apresentada na segunda geração de operações de paz é a introdução de tarefas de civis no contingente da missão. Além disso, essa nova geração de missões é mais ambiciosa do que a primeira geração, buscando mandatos mais envolventes, buscando ir além da cessão de conflitos, mas sim, buscando numa assistência para a transição para a paz (KENKEL, 2013, p.128). A terceira tipologia segundo Doyle e Sambanis (2006, p.15-16) é aquele em que inclui as operações que compreendem a imposição da paz, isto é, o uso autorizado da força, pelo Conselho de Segurança, legitimado no capítulo VII da Carta das Nações Unidas, que não contam com a autorização das partes do conflito. Para outros atores como Kenkel (2013, p.130), a terceira geração de operações de paz, também conhecidas como operações de imposição de paz, aumentam a permissibilidade do uso da força durante as missões, não tendo muitas novas mudanças na natureza de seu mandato, das missões de segunda geração. Essa geração é marcada principalmente com três missões aprovadas na década de 1990, a UNOSOM, na Somália, a UNPROFOR, no contexto da guerra da Croácia e da Bósnia e a UNAMIR, aprovada após o genocídio em Ruanda.

64

Essa terceira geração foi muito criticada, principalmente no início dos anos 2000 com a publicação do Relatório Brahimi, que abriu espaço para a criação de uma quarta geração de operações. Esta surgiu com o crescimento dos debates de ajuda humanitária e acerca das recentes intervenções humanitárias no final da década de 1990. Essa nova geração abarca um novo componente em seu mandato, passando a tratar também da construção da paz (peacebuilding) em situações de conflito, marcada por missões como as de transição de governo em Estados-falidos, o caso do Kosovo e do Timor-Leste, onde a ONU exerce soberania naquele território a fim de reconstruir seu aparato estatal e burocrático. Tais missões são características por ter um caráter mais intrusivo e de terem uma duração maior que as demais, além de abarcarem diversos projetos sociais, políticos e humanitários (DOYLE E SAMBANIS, 2006, p.16-18). Há ainda, como dita por alguns autores, a geração de missões híbridas, onde a ONU passa a trabalhar junto com outras organizações multilaterais, em sua grande maioria organizações regionais, como é o caso de missões em conjunto com a União Africana, na Somália e no Sudão (POPOVSKI & FATH-LIHIC, 2012. p.149-151). Nessa “última” geração de operações de paz, tal característica de hibridismo das tropas e trabalho junto de outras Organizações, muda seu mandado sob o respaldo do Capitulo VIII da Carta das Nações Unidas. Nessa geração vemos uma mudança na divisão de trabalhos no sistema internacional de operações de paz, como vemos no caso da participação brasileira na MINUSTAH (KENKEL, 2013, 135-6). Na evolução das diferentes tipologias e ações das operações de paz vemos constantemente surgirem discussões e debates, que em sua maioria, permeiam sobre temáticas como a efetividade das operações e as capacidades das Nações Unidas, a soberania dos Estados e a questão da intervenção nestes, a intervenção humanitária e o consentimento ou não desta pelas partes envolvidas no conflito, e a imparcialidade das missões de 65

paz. Tais temas geram grandes discussões envolvendo estados membros e não-membros das nações unidas. Muito é discutido a fim de estabelecer, modificar e aperfeiçoar as normas que permeiam as operações de paz, e com isso, muito de sua prática também é modificada. Por isso, é necessário compreender um pouco mais a fundo a evolução destas normas, para entender o comportamento dos países frente às mesmas e como isso pode impactar em suas ações.

4.2.

Evolução Normativa das Operações de Paz

A primeira Operação de Paz das Nações Unidas ocorreu em 1948, criada para supervisionar a trégua entre Israel e Palestina. Desde então, como visto anteriormente no histórico das Operações de Paz, muita coisa mudou em relação à aprovação e execução de tais missões. Com isso, é possível identificarmos uma evolução e criação de novas normas e regras tanto para aprovar, como na execução de uma operação de paz. É muito importante compreender mais a fundo como esse processo se dá, a fim de identificar práticas e posicionamentos político-estratégicos de Estados e Organizações quanto a sua participação nas mesmas. É também entendendo esse processo, que vai ser possível identificar o impacto da ação destes atores nas Operações de Paz e no campo da segurança. Durante todo o período da Guerra Fria, em pouco se avançou a discussão de Operações de Paz dentro das Nações Unidas, em grande parte devido ao “congelamento” do Conselho de Segurança pela distribuição bipolar de poder vigente na época entre os Estados Unidos e a União Soviética, impedindo que muito fosse decidido no Conselho. Assim, com a queda da União Soviética e o fim da Guerra Fria, houve uma grande redistribuição de poder no sistema internacional.

66

É nesse mesmo contexto em que vemos, teoricamente falando, o alargamento e aprofundamento do conceito de segurança, o aumento do debate acerca de direitos humanos para a proteção da população de um Estado dele mesmo, o novo enfoque no indivíduo que dá origem ao conceito de segurança humana, e o surgimento de diretrizes como o R2P e a paz liberal numa nova dinâmica do mundo no pós-Guerra Fria. Tais acontecimentos também têm impactos diretos no contexto da época, onde vemos o Conselho de Segurança começando a ter uma quantidade muito maior de reuniões e aprovando muito mais a criação de missões de paz no mundo21. O conceito de segurança no sistema internacional deixou de ter sua leitura tradicional somente de questões interestatais, passando a ter agora uma conotação muito mais abrangente, levando também em conta questões internas de um próprio Estado, como a defesa contra desastres naturais, violação de Direitos Humanos e conflitos políticos internos. A paz não é mais vista só como a ausência de guerra. Vemos também o surgimento de inúmeros debates acerca da ajuda humanitária. Em 1991 é criado o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA em inglês), tratando da emergência humanitária como algo contigum no espaço e tempo, que é integrado entre todos os aspectos bases de uma emergência (prevenção, socorro, reconstrução e desenvolvimento). Após casos como o genocídio de Ruanda em 1994 e do Kosovo durante a década de 1990, surge o conceito de emergências complexas, que abarcam muito bem um exemplo de ação de operações de paz multidimensionais, onde se vê em casos de emergência uma articulação intrínseca entre suas causa políticas e regionais, tratando de graves violações de direitos humanos e violência interna em conflitos. Tais mudanças, incluindo novos casos, critérios e motivos para o envio de ajuda humanitária, que pode ocorrer através de operações de paz, é em grande 21

Até o fim da década de 1980 foram aprovadas somente 18 missões de paz, desde a criação da ONU, frente a mais de 50 missões aprovadas nos 20 anos seguintes. Para mais informações sobre as missões de paz aprovadas pela ONU, acesse a lista aqui: . Acesso em 22 ago 2014.

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parte relacionado ao aumento do numero destas a partir da década de 1990. Isso faz com que países menores possam se envolver em formas de cooperação e de ajuda humanitária, seja através do envio de pessoal para participar das operações, seja com ajuda financeira, seja pela importação de programas sociais e de know how nas mais diversas áreas de especialização de determinado país, para o país em conflito. É nesse caso, em que potências médias e potências emergentes costumam agir, focando-se em seu nicho diplomático, para que possam fazer parte tanto do debate, como da prática das operações de paz. Isso acaba resultando num transbordamento para o campo da segurança, que é diretamente ligado ás operações de paz, e aumentando o capital diplomático desses países, que não possuem hard power suficiente para se colocar frente à questões de segurança.

4.2.1. Uma Agenda para a Paz

O maior exemplo de impacto das mudanças que aconteceram na década de 1990, e com o fim da Guerra Fria no mundo real pode ser visto com a elaboração da Agenda para Paz, pelo Secretário-Geral das Nações Unidas, Boutros Boutros-Ghali (1992). O documento foi feito a pedido do Conselho de Segurança, que buscava novas recomendações e análises para lidar com questões de paz e segurança internacional, reforçando a prática de estabelecimento e manutenção da paz, que havia se tornado cada vez mais constante no âmbito das Nações Unidas. Assim foi elaborada a Agenda para Paz, onde foi estabelecido um conjunto de normas para delimitar uma série de limites e condições de atuação em operações de paz da ONU. O documento focava-se principalmente nos termos pós-conflito, de como agir e solidificar a paz naquela região evitando uma possível retomada do conflito, feitas através de uma série de medidas especificadas em seu

68

relatório, como no desarmamento das partes do conflito e o repatriamento de refugiados (BOUTROS-GHALI, 1992). Este documento ficou conhecido como um dos primeiros a classificar operações de paz em diversas categorias, assim como por ter sido o primeiro a introduzir o conceito de pós-conflito. A partir da Agenda para Paz, que estabelece conjunto de normas condicionantes e limitantes a atuação das Nações Unidas em operações de paz, abre-se precedente para uma série de debates e propostas de novas normas. Isso se desdobrou, futuramente, na criação da Capstone Doctrine das Nações Unidas, criada em 2008, revisada em 2010, no relatório ‘New Horizon’, que tem diversas atribuições. Desde a reestruturação do departamento de operações de paz, até a criação e especificação de conceitos, como a diferenciação entre estabelecimento, manutenção, imposição e construção da paz, vemos tentativas de moldar normas e de agir de uma forma mais legítima no cenário internacional que se encontre de acordo com a Carta das Nações Unidas. A carta das Nações Unidas, por sua vez, pode ser observada, como prioritariamente prezando pela paz e segurança internacional, defendendo os princípios de soberania dos Estados e a defesa pela promoção dos Direitos Humanos. Assim, podemos compreender a ONU como uma organização que preze pela diplomacia e pela cooperação em detrimento de ações individuais. A defesa do multilateralismo e suas outras características previamente mencionadas vão de encontro direto com o comportamento padrão de potências médias, e emergentes, assim como de ações e estratégias de smart power onde o país enfatizam o uso do soft e smart power, defendendo os conceitos de soberania, não indiferença e não intervenção e apostando em mecanismos multilaterais, para manter a igualdade entre todos, que é o comportamento típico daqueles que não podem confiar unicamente no hard power para defender seus interesses

69

perante a comunidade internacional e influenciar em discussões e decisões relacionadas ao campo de segurança, como é o caso das operações de paz.

4.2.2. Relatório Brahimi

Outra mudança institucional a cerca das operações de paz no âmbito das Nações Unidas foi a elaboração do Relatório Brahimi em 2000, que tinha como seu objetivo remodelar o formato das operações de paz. O documento indicava as principais falhas destas e sinalizava medidas que deveriam ser tomadas seguindo aspectos políticos e práticos também sinalizados no relatório. Um dos propósitos do relatório era de revitalizar a ação do DPKO, que enfrentava críticas, principalmente daqueles que lidavam com a questão da ajuda humanitária, que passa a ter uma maior relação com operações de paz, quanto à prestação de socorro, reconstrução e desenvolvimento da sociedade, agora também feita através de operações de paz. A maior diferença trazida no relatório Brahimi é o aumento do uso da força em operações de paz. Como visto na sessão anterior, o relatório foi criado no mesmo contexto do surgimento da terceira geração de operações de paz, que inclui o uso autorizado da força, pelo Conselho de Segurança, legitimado no capítulo VII da Carta das Nações Unidas, que não contam com a autorização das partes do conflito, aumentando a permissibilidade do uso da força durante as missões. O relatório trouxe também a questão de que as operações de paz tem também um papel fundamental na elaboração política da sociedade, não sendo somente forças interposicionais entre partes de um conflito, mas sim tomando parte na construção da política local e processos eleitorais de uma nova sociedade. Sendo hoje mais bem integradas, e relacionando mais

70

fortemente as operações de paz com o desenvolvimento, na busca por uma paz positiva (GALTUNG, 1969, p.183-6).

4.2.3. Debates sobre soberania e intervenção Com a constante mudança de regras e normas nos debates a cercadas operações de paz, vemos também o surgimento de um dos conceitos mais discutidos atualmente, em discussões sobre intervenção humanitária, soberania e legitimidade dos Estados. O conceito da Responsabilidade de Proteger (R2P) foi elaborado em 2001 pela Comissão Internacional de Intervenção e Soberania do Estado e, em 2005, foi adotado pelas Nações Unidas, na Cúpula Mundial22, em documento assinado após a reunião anual Assembleia Geral. Reunião essa que também acabou sendo base para a formulação das Metas para o Desenvolvimento do Milênio23.

4.2.4. A Responsabilidade de Proteger

O conceito de “responsabilidade de proteger” surge então com o objetivo de ser uma ferramenta para realizar o duplo desafio de, assegurar o respeito ao direito de soberania dos Estados, e ao mesmo tempo conciliar a responsabilidade da sociedade internacional para lidar com as violações de normas humanitárias. No entanto, como pode-se ver, ele é algo pouco cômodo para países emergentes, como o Brasil, que buscam aumentar sua participação e influência no plano multilateral, pois acabam se mostrando céticos ao conceito, uma vez que estes ainda defendem princípios clássicos

22

UNITED NATIONS. GENERAL ASSEMBLY. A/RES/60/1. 2005 World Summit. LX Session of the United Nations General Assembly, 24 out 2005. Disponível em: . Acesso em 17 ago 2014. 23 Millenium Development Goals

71

westfalianos, como a defesa à soberania e não-interferência no território dos outros Estados. De acordo com o relatório da Comissão Internacional de Intervenção e Soberania do Estado, qualquer nova abordagem acerca de uma possível intervenção com o intuito de promover a proteção dos direitos humanos no mundo deve ser pautada em quatro objetivos básicos, sendo estes: estabelecer normas e regras que determinem quando e como é autorizada uma intervenção; legitimá-la apenas depois que todas as outras abordagens para a resolução do conflito tenham falhado; garantir que a intervenção, uma vez estabelecida, seja conduzida de acordo com seu propósito, buscando minimizar os danos institucionais e a seres humanos; e ajudar a eliminar, quando possível, a causa dos conflitos, buscando promover a paz durável

e

sustentável

(INTERNATIONAL

COMISSION

ON

INTERVENTION AND STATE SOVEREIGNTY, 2001, p.11). Uma vez introduzido o debate pela Comissão Internacional de Soberania e Intervenção, muito foi discutido, principalmente no âmbito das Nações Unidas. Tal debate resultou, em 2005, na inclusão do termo na própria Organização. O documento final da Cúpula Mundo daquele ano continha, em seus parágrafos 138 e 139, o conceito de “responsabilidade de proteger” associando-o à responsabilidade de cada Estado de proteger suas populações contra genocídio, crimes de guerra, limpeza étnica e crimes contra a humanidade, reiterando, em grande parte, o que foi dito no documento de 2001 da Comissão de Internacional de Intervenção e Soberania do Estado. Assim, podemos identificar uma clara evolução normativa ao longo do tempo, nas normas humanitárias, que afetam a execução e aprovação de operações de paz, desde 2001, até 2005, e continuando posteriormente com os debates críticos do próprio conceito da responsabilidade de proteger. A maior diferença que se teve nas Nações Unidas em relação a discussões anteriores sobre a “responsabilidade de proteger“ foi apresentada no parágrafo 139, onde a definição da aplicação do conceito deve ser 72

discutida e aprovada por iniciativa multilateral no âmbito do Conselho de Segurança das Nações Unidas, ao passo que, anteriormente, a questão da autoridade era mais abrangente, havendo a possibilidade de discussões serem feitas na Assembleia Geral, antes do conceito ser institucionalizado. Assim, a Responsabilidade de Proteger busca regulamentar o que antes era chamado de “direito de intervir”24. Com isso, tem-se maior regulamentação e institucionalização da construção de normas para a intervenção humanitária. Através da R2P busca-se fazer uma avaliação dos conflitos em debate, com o intuito de identificar se determinado Estado é capaz ou não de exercer sua soberania e o dever de proteger sua população. Em caso negativo, seguindo as diretrizes da responsabilidade de proteger, a comunidade internacional tem o dever de intervir, mesmo sem o consentimento do Estado foco do conflito, a fim de proteger a população e evitar

que

as

normas

do

direito

humanitário

continuem

sendo

desrespeitadas. A “responsabilidade de proteger” não busca apenas aprovar e realizar uma intervenção nos Estados, mas sim se focar nos custos e resultados desta ação, frente ao fato da possibilidade de se não agir, ponderando a assistência, intervenção e a reconstrução durante e no pós-conflito. Com isso, é possível observar que dentro da definição do conceito da responsabilidade de proteger há três tipos de responsabilidades mais específicas, sendo estas a “responsabilidade de prevenir”, que diz respeito às causas básicas e às causas diretas do conflito; a “responsabilidade de reagir” tratando de elaborar uma resposta às situações de necessidade humana com as medidas adequadas, podendo incluir até mesmo medidas coercitivas para supri-las; e a “responsabilidade de reconstruir”, na qual a sociedade internacional deve ministrar assistência, especialmente após o caso de uma intervenção militar, para a reconstrução e reconciliação da

24

Termo o qual foi utilizado pela própria Comissão Internacional de Intervenção e Soberania do Estado. Ver pag. 11 do relatório.

73

região

de

conflito

(INTERNATIONAL

COMISSION

ON

INTERVENTION AND STATE SOVEREIGNTY, 2001, p.xi). Após todo esse avanço, e modificações acerca do conceito, vemos o mesmo sendo cada vez mais discutido no âmbito das Nações Unidas, o mesmo passou a ser institucionalizado dentro da Organização. Nos debates sobre o conceito, muito se discutiu quanto ao uso da força, países como o Brasil, e outras potências emergentes, e do Sul Global, se mostraram, em um primeiro momento, fortemente contrários ao conceito, por não respeitar a soberania dos países. No entanto, ao longo da evolução das discussões, através de um pronunciamento

o

secretário-geral,

Ban

Ki-Moon,

tomou

como

compromisso pessoal de transformar o conceito em uma política das Nações Unidas, esclarecendo também uma série de pontos sobre o conceito, que mudou o rumo de suas discussões. Com base nisto, o conceito de “responsabilidade de proteger” é definido como tendo três pilares bases:

1. Estados têm a responsabilidade primária de proteger sua população de genocídio, crimes de guerra, limpeza étnica e crimes contra a humanidade; 2. A comunidade internacional tem a responsabilidade de prover assistência à esses Estados, para que possam cumprir sua responsabilidade e de construir essas capacidades; 3. A comunidade internacional deve tomar uma resposta temporal e decisiva de quando um Estado está falhando em cumprir suas responsabilidades e agir então de forma necessária e executar sua responsabilidade de proteger (UNITED NATIONS, 2009).

Após a Cúpula Mundo, em 2005, e o pronunciamento de Ban KiMoon em 2009, o conceito passou a ser mais bem desenvolvido nas práticas da ONU. Uma das maiores contribuições ao debate em 2009 foi a 74

abordagem “estreita, porém profunda” com a definição dos três pilares do conceito. Uma limitação estreita ao uso da força, somente quanto aos seus crimes estipulados (genocídio, crimes de guerra, limpeza étnica e crimes contra a humanidade), que era um dos pontos em maior contradição, sobretudo por parte dos países do Sul; e profunda, no que se refere à criação de um debate mais abrangente (KENKEL, 2012, p.20). Como a evolução normativa das operações de paz é algo constante, vemos, até o presente momento, que diversas partes do conceito encontramse extremamente controversas em seus debates. Mais especificamente falando, o terceiro pilar que aborda a questão de compreender a força militar como último recurso, e de como seu uso deve ser feito. Tal discussão aparece devido à tensão entre dois grandes pressupostos do sistema político internacional - a defesa pela soberania (o princípio de nãointervenção) e pela defesa do indivíduo (o princípio dos direitos humanos) – que são alvos de críticas tanto em momentos onde não há/houve intervenção humanitária, como foi o caso de Ruanda em 1994, e também em casos onde houve intervenção, como ocorrido no Kosovo em 1995 (KENKEL, 2008). As discussões sobre a “responsabilidade de proteger”, presentes desde 2005 na Assembleia Geral e no Conselho de Segurança, tiveram grande repercussão e foram muito discutidas em 2011, quando, num contexto político instável e de muitas tensões, rodeado pelos eventos políticos da Primavera Árabe, em particular da situação da Líbia, e mais futuramente da Síria, muito se questionou sobre o conceito. Ao mesmo tempo em que o debate acerca da responsabilidade de proteger ganhava mais força nos diversos foros multilaterais, com o caso líbio, este passou a ser fortemente criticado, por ter sido usado em parte como uma ferramenta que possibilitou aos Estados Unidos e à OTAN, de forçarem uma mudança no regime político Líbio a sociedade internacional se mostrava mais atenta às discussões da “responsabilidade de proteger” e do caso líbio. Nesse contexto (não como uma relação de causalidade direta 75

ligada á este conflito), surge o debate para a criação de um novo conceito, em torno das responsabilidades e regulamentações de intervenções da sociedade internacional. Assim, ao final de 2011, surge a noção de Responsabilidade ao Proteger (RwP) introduzida pelo Brasil no âmbito da Assembleia Geral das Nações Unidas. No documento de concepção brasileira, a “responsabilidade ao proteger” indica uma série de princípios, parâmetros e procedimentos, a maioria dos quais restringe o recurso à força e, em parte, até mesmo a ação dos ditos três pilares de modo mais geral, dialogando diretamente com o seu conceito antecessor, o R2P.

4.2.5. A Responsabilidade ao Proteger

Criado em novembro de 2011, internamente pelo Brasil25, o conceito da Responsabilidade ao Proteger (RwP26) vai além do conceito de “responsabilidade de proteger”, tendo como mudança a necessidade de se ter uma maior institucionalização e regulamentação da situação, para realizar ou não uma intervenção, caso realmente acredite-se haver necessidade; a busca por uma maior institucionalização e a regulamentação do processo de intervenção, que deve continuar a ocorrer durante o curso da mesma, no teatro de operações da guerra, não somente antes de sua realização, como era feito anteriormente, segundo a “responsabilidade de proteger”. Um fator importante para compreender a inserção do conceito é contexto político do Brasil naquele momento. O país encontrava-se dividido entre defender seus princípios clássicos (assim como foi o caso de diversos países da América Latina e do Sul Global), e ao mesmo tempo questionando seu papel como potência emergente, buscando se tornar um 25

Permanent Mission of the Federative Republic of Brazil to the United Nations, “Responsibility while protecting> elements for the development and promotion of a concept”, 9 November 2011, United Nations Document A/66/551-S/2011/701. Disponível em: . Acesso em 10 out 2014. 26 Responsibility While Protecting (RwP), no inglês.

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stakeholder global, participando mais e tomando novas responsabilidades no sistema internacional, e na promoção pelo bem global, o que fazia com que o país reforçasse o seu apoio ao multilateralismo e à normatividade defendida nas Nações Unidas -- que agora incluía o conceito de R2P (KENKEL, 2012, p.21). Outro fator importante para compreender a inserção do RwP é o contexto de debates que surge nas Nações Unidas após a intervenção da OTAN na Líbia, acentuando ainda mais as críticas à Responsabilidade de Proteger, ao qual o Brasil sempre foi um pouco crítico, desde o seu início, pela questão do uso da força e do respeito da soberania e não-intervenção dos outros países. Além disso, fica clara a preocupação do Brasil com a possível instrumentalização e legitimação de intervenções militares com objetivos políticos, justificadas por preocupações humanitárias (VAZ, 2013, p.196). Inseridos em meio a toda essa discussão, é possível observar a resistência dos países do Sul ao conceito de R2P como uma resistência da dominância normativa dos países do Norte (o próprio conceito do R2P é criado no Canadá), mostrando o desejo do Sul Global e dos países emergentes em se inserirem melhor na atual ordem global e distribuição de poder. Assim, estes vão apoiar o conceito da RwP, interpretando-o como uma tentativa normativa de contribuir para os problemas globais de uma forma mais honesta, participativa e construtiva – fazendo resistência ao Norte Global . O conceito de “responsabilidade ao proteger” nos remete aos três pilares da “responsabilidade de proteger”. Estes devem atuar de forma lógica e conjunta, com prudência política, e não como etapas que formam uma relação automática entre proteção de civis e o uso da força. Assim, podemos observar um pouco do processo de evolução normativa e institucional no campo da ação humanitária, desenvolvimento e de segurança internacional - tendo como foco a Organização das Nações

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Unidas - acerca do modo como as intervenções militares são conduzidas nos dias atuais, Em primeiro plano, uma série de princípios e diretrizes que deve ser completamente debatidos e levados em consideração antes de um mandato do Conselho de Segurança autorizar o uso de qualquer tipo de força militar; em segundo lugar, algum tipo de monitoramento mais aprimorado e revisões do processo (que autoriza o uso de força militar), que seja seriamente debatido por todos os membros do Conselho de Segurança, durante a implementação do mesmo (EVANS, 2012).

Dessa forma, a evolução normativa se dá em parte, no debate da responsabilidade de proteger com o governo brasileiro exprimindo a necessidade de uma reavaliação dos três pilares centrais em que repousa o conceito de ”responsabilidade de proteger,” e buscando a criação de mecanismos capazes de fornecer uma avaliação mais objetiva e detalhada dos perigos envolvidos na utilização do uso da força em intervenções das Nações Unidas, a qual se acredita que deveria ter como objetivo principal a proteção de civis, sendo assim inaceitável que uma intervenção sob o mandato da ONU cause mais danos a civis do que os próprios conflitos que justificaram a criação da missão. A importância do conceito também se estende ao estimulo e a inclusão dos países do Sul nos debates de intervenção humanitária e em sua criação normativa, algo que não era comum até então. A ”responsabilidade ao proteger” defende não só a análise e a vigilância da magnitude das ameaças dos conflitos, mas também a elaboração de regras mais consistentes e confiáveis, juntamente a novos parâmetros para o exercício responsável da segurança coletiva por parte do Conselho de Segurança (VIOTTI, 2012). Nesse caso, grande parte do debate normativo se dá quanto ao teor e legitimidade se tem na aprovação e execução de uma operação de paz, diferentemente de como foi dito anteriormente com o caso do relatório Brahimi e da Agenda Para Paz.

78

A recepção do conceito no plano internacional quanto ao aprofundamento dos debates de normas de intervenção foi, em primeira instância, um sucesso, no entanto, o conceito em si foi fortemente criticado pela comunidade internacional como sendo simplesmente a reprodução do que já havia sido estabelecido na responsabilidade de proteger; e que esse estaria atrapalhando a institucionalização do conceito anterior. Outra critica feita sobre o conceito, foi devido à falta de capital diplomático investido pelo Brasil, que após o surgimento do conceito não continuou a mencionálo em seus discursos oficiais, e não houve uma nova tentativa de incluí-lo nos debates de intervenção, não tendo chance de melhor formula-lo e de ser aceito no plano internacional. Assim, após essa análise de como as normas estão em constante mudança, é possível identificar, principalmente em novas propostas como a responsabilidade de proteger e responsabilidade ao proteger - que regulam e colocam novos empecilhos à intervenção - de que tal envolvimento dos países é uma prática típica de países que fazem uso do smart power, uma vez que buscam legitimar suas ações através da inclusão de novas normas, e também de compensarem, em casos com o do Brasil (a ser analisado futuramente), a sua falta de hard power à fim de que seja defendida sua leitura particular de conceitos como à defesa a soberania, não-intervenção e não-indiferença dos países, que é uma interpretação particular de países que não podem depender única e exclusivamente de hard power. As operações de paz tem sua origem no campo da segurança internacional, na busca pela resolução de conflitos e pelo estabelecimento da paz e segurança internacional, prezando por um mundo mais harmônico e com menos conflitos. Como já dito anteriormente, as Operações de Paz tem como propósito a manutenção da paz e segurança internacional, e são operadas de acordo com os princípios e diretrizes da Carta das Nações Unidas, de acordo com seu mandato específico delimitado pelo Conselho de Segurança, sempre buscando a defesa dos Direitos Humanos e o respeito ao Direito Humanitário Internacional. Os princípios básicos das Operações de 79

Paz envolvem o consentimento das partes afetadas, a imparcialidade das forças das Nações Unidas em sua ação, e o não uso da força, com exceção de casos de autodefesa e na defesa dos termos estabelecidos em seu mandato (DPKO, 2008, p.31-8).

4.3.

Atuação das potências emergente em Operações de Paz e na Cooperação Sul-Sul

No atual panorama global, vemos cada vez mais a importância que tem ganhado o multilateralismo e o foco renovado que se tem no uso de ferramentas políticas e diplomáticas na busca pela resolução de conflitos junto de um suporte a longo-prazo de estruturas de reconstrução políticas, econômicas, burocráticas e sociais. Isso fez com que surgisse uma série de novos desafios e oportunidades nas Nações Unidas de como lidar com os conflitos, sobretudo por parte do Departamento de Assuntos Políticos27. As novas demandas em operações de paz tem se tornado bastante complexa e lidando com muito mais profundidade do que se antes existia nas missões da ONU. Lidar com Estados frágeis, prevenção de conflitos, mediação

de

controversas

e

restauração

de

processos

políticos

democráticos, e ao mesmo tempo assegurar que as operações de paz sejam rápidas e efetivas tem sido um desafio cada vez maior no âmbito das Nações Unidas. A busca por parceiros não convencionais e a preferência de países afetados por conflitos, de atores do Sul Global, tem buscado uma demanda cada vez maior para incentivar a Cooperação Sul-Sul na busca pela paz sustentável entre partes conflitantes. Ban Ki-Moon (2011, p.17), discutindo sobre o reforço do sistema das Nações Unidas no mundo, levou em consideração o relatório de 27

UNDPA – United Nations Department of Political Affairs

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capacidades civis do DPKO, e incentivou ainda mais a promoção da Cooperação Sul-Sul na atuação de conflitos:

A Cooperação Sul-Sul e mecanismos triangulares fornecem assistência crítica de curto e longo prazo, na sequência do conflito, como evidenciado pela variedade de iniciativas em que os doadores têm investido pesadamente. O cenário existente no âmbito do PNUD para a cooperação Sul-Sul fornece um ponto de referência em potencial para mecanismos eficazes de fazê-lo. O Grupo incentiva novos investimentos nesses mecanismos.

Assim, vemos a Cooperação Sul-Sul sendo incluída, como parte de uma estratégia mais abrangente, no pilar de paz e segurança das Nações Unidas, impactando em suas discussões. O Sul Global vem ganhando cada vez mais reconhecimento como uma fonte potencial com expertise a ser utilizada no tratamento para com Estados frágeis em ambientes multilaterais. As relações Sul-Sul de Cooperação para o desenvolvimento vêm destacando cada vez mais relações de parceria entre iguais, pelo benefício mutuo, confiando em suas experiências em transições democráticas e em seus históricos domésticos para lidar com situações como pobreza e fome, a busca por agendas de paz, vêm legitimando cada vez mais seu papel no cenário internacional, redefinindo os conceitos de assistência e cooperação, pela partilha de experiências. Isso acabou refletindo num aumento representativo por uma demanda de modelo de arquitetura internacional mais inclusivo e representativo, dando uma maior voz aos países emergentes (MATHUR, 2014, p.5).

Apesar de seus próprios desafios econômicos e políticos, e seu status ambíguo como contribuinte e recipiente de assistência, as potências emergentes, no espírito da solidariedade, desenvolveram extensivos programas de assistência bilateral com outros países em desenvolvimento no âmbito da Cooperação Sul-Sul que se estende além da esfera economia [transbordando] para esferas políticas e de segurança em países afetados por conflitos (MATHUR, 2014, p.20). 81

Podemos ver, claramente, como o campo da Cooperação Sul-Sul tem transbordado para assuntos de segurança, e por consequência, aumentado a participação e inserção de países envolvidos com a CSS no campo de segurança internacional. O DPKO e o Conselho de Segurança vem levando cada vez mais em conta a CSS em relação à conflitos, sobretudo no que diz na promoção da reconstrução da paz e promoção do desenvolvimento em situações de pósconflito. A CSS busca uma abordagem mais humana às situações, buscando o bem público global, assim como o interesse mútuo das partes, o que acaba levando à cooperação pelo desenvolvimento internacional, que transborda nas mais diversas áreas. Em situações de conflito, a atuação de países do Sul Global traz não só a busca por um cessar fogo e o fim das disputas, mas também se preocupa e se solidariza com os “problemas” dos envolvidos, em grande parte devido ao fato destes também já terem passado (ou estarem passando) por problemas semelhantes como o combate à fome, o que os faz ter uma maior legitimidade e experiência para agir naquela região, assim como uma maior receptividade pelas partes do conflito. O próprio Conselho de Segurança já enfatizou a importância de trabalhar com a experiência de tais países em países em conflito (NAÇÕES UNIDAS, 2009). De acordo com diversos estudiosos, a Cooperação Sul-Sul oferece um panorama complementar legítimo para estabelecimento e construção da paz, por se preocuparem e serem sensíveis ao contexto em que os conflitos estão, com medidas inclusivas, e por serem mais bem recebidas devido aos contextos históricos e culturais serem mais similares entre as partes. Como é o caso da Cooperação entre o Brasil e Moçambique, onde buscava-se o reforço das estruturas políticas de Moçambique e promover a coesão social, dando ao país a oportunidade de aprender com o Brasil sobre integração social e políticas de inclusão no desenvolvimento da economia local (NGANJE, 2013a, p.2-4). 82

Cooperação Sul-Sul oferece um quadro de cooperação para o desenvolvimento internacional, que pode ser aproveitada para apoiar a construção da paz e de construção do Estado esforços sensíveis ao contexto, socialmente inclusivas, e ideologicamente neutras na África carregadas de conflito adaptável e complementares. No entanto, a falta de uma infraestrutura consolidada de ajuda ainda é algo insuficiente no Sul Global, muitas das suas ações são orientados pela procura, à medida em que aparecem, fazendo com que estes ainda dependam dos países do Norte em muitos casos, mas não se pode negar o crescimento de sua participação no cenário internacional e em assuntos de segurança, como a participação de Operações de paz, e na busca pelo desenvolvimento e pelo bem publico global. O panorama das operações de construção da paz mudou bastante, trazendo com eles a necessidade de processos políticos mais inclusivos e participativos, no quais as diferentes partes da sociedade se sentissem pertencentes, evitando o relapso de um conflito já terminado. Assim a CSS tem encontrado uma grande receptividade em operações de estabelecimento e construção da paz devido à contribuição e assistência dos países do Sul, que compartilham de suas características políticas, sociais e culturais, além de suas próprias experiências de transição de seus países (NGANJE, 2013b). A promoção da CSS e a relevância da atuação de países do Sul Global em mandatos de operações de paz vêm ocorrendo cada vez mais nas Nações Unidas28 em temas de operações de paz, mobilizando fortemente o conceito e ligando a um dos pilares básicos das Nações Unidas, a promoção da paz e segurança internacional. Com isso, podemos observar uma crescente importância no tema, dando a ele um maior respaldo político, para 28

Exemplos de documento no Conselho de Segurança e Assembleia Geral das Nações Unidas que mencionam a defesa e promoção da Cooperação Sul-Sul e incentivando a participação de atores do Sul Global em operações de Peacebuilding e Peacemaking: S/PRST/2009/23; S/2010/386; S/2012/746; S/2009/304; S/2011/527; S/2012/645; S/2012/486; S/PRST/2012/29; (S/PRST/2012/29); A/RES/66/655

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países que buscam se engajar mais em temas de segurança e aumentar a sua inserção no cenário internacional. Além disso, é muito importante ressaltarmos, que a relação das potências emergentes se envolvendo em operações de paz no sul global, e promovendo também a Cooperação SulSul, pode ser considerada uma estratégia de smart power, uma vez que esta preza pelo bem publico geral, combina recursos de hard e soft power, tal qual como pode fazer parte de uma agenda política dos atores envolvidos, por uma lógica de adequação de seu comportamento no plano internacional. Com isso, vemos uma mudança na dinâmica de poder, no qual os países emergentes, ao agirem, mudam o comportamento dos outros atores perante a sua atuação nas Operações de Paz, como também, indiretamente o comportamento de outros atores, que não aqueles do Sul Global, e que sejam países emergentes, inserindo-se fortemente no campo da segurança internacional, que é o berço das Operações de Paz.

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5. A Inserção Brasileira através do Smart Power 5.1.

O Brasil na Atual Ordem Mundial

“Se o Brasil se abre para o mundo, o mundo se volta para o Brasil. Essa dinâmica é portadora de esperança, mas também de novas e grandiosas responsabilidades” Presidenta Dilma Rousseff Brasília, 5 de abril de 2011

Com o fim da Guerra Fria, vemos uma reconfiguração na distribuição de poder e relação entre os atores no cenário internacional devido à mudança de uma dicotomia bipolar para multipolar. Novos polos de poder surgem, o que passou a ser visto pela sociedade internacional como uma nova oportunidade de reestruturar o internacional e uma nova tentativa de atingir a paz e harmonia no globo, principalmente por parte da América do Sul (HERZ, 2010, p.603). Nesse contexto, cabe ressaltar a diferença existente entre percepções domésticas e percepções internacionais sobre o Brasil, o que faz com que, dependendo da situação, isso possa ser algo oportuno para o país. Em grande parte da percepção externa, o Brasil vem ganhando cada vez mais destaque e interesse pela comunidade internacional, se tornando um parceiro desejado devido à seus objetivos estratégicos, recente crescimento econômico e ambições, investindo nos mais diversos programas e iniciativas que reafirmam sua crescente estatura global (THIELE, 2014, p.57). O Brasil tem uma visão interna de que a busca pela liderança global é um objetivo importante a ser seguido, que diz respeito à sua estratégia de defesa nacional e de política externa (HERZ, 2012, p.17; BRASIL, 2012), como um “provedor de paz”. Tal ambição brasileira de contribuir com a ordem internacional, e na busca por um ambiente favorável à paz faz parte de sua característica como

um país pacífico, que não se envolva há muito tempo em conflitos e disputa com outros, mas não pode-se ignorar que este é um país que vem crescendo bastante no cenário internacional e com isso, não se pode ignorar os antagonismos que o Brasil pode vir a sofrer no plano internacional, por isso, este deve se preocupar também com sua defesa nacional e estratégias de inserção para suprir a sua falta de hard power (AMORIM, 2013). Imerso na globalização, vemos, a partir da ótica do funcionalismo liberal, a criação de novas relações e contato entre os continentes, fazendo com que estes possam ter um maior acesso aos novos mercados, recursos, serviços, e uma gama de novas possiblidades para os países se relacionarem e cooperarem entre si. Nesse cenário, além de novas oportunidades, surgem novos desafios, como o aumento do tráfico de drogas e tráfico humano entre os continentes. Com a expansão da agenda de segurança durante a década de 1990, abre-se espaço também para atores que antes não tinham voz, se manifestarem e participarem mais de discussões pertinentes ao tema. Eis que então, o Brasil, seguido de seu crescimento recente, e de sucesso na promoção da democracia e buscando uma maior estabilidade política (tanto no plano doméstico, como no internacional) vai buscar se tornar um ator mais participativo e influente em discussões globais. Confiando em seu histórico e reputação de um país pacífico o Brasil vai defender a cooperação e defesa do multilateralismo na agenda de segurança, contando com o spill over da cooperação e participação dos demais na arena internacional. Como a sétima maior economia de um mundo interdependente, o governo brasileiro acredita que o mesmo deve ser reconhecido como um ator global relevante do campo da segurança internacional (THIELE, 2014, p. 62). Apesar de ser uma das maiores economias do mundo, o Brasil não possui muito hard power, fazendo com que o Brasil tenha que contar com seus outros recursos, como os de soft power, para estender suas relações no 86

globo e desenvolver sua influência política de uma maneira em que o mesmo seja bem aceito pelos demais e não o vejam como uma ameaça. Uma forma de aumentar ainda mais tal influência, pode ser através de uma estratégia de smart power, e para isso o Brasil tem que combinar seus recursos da forma mais oportuna o possível, dependendo da situação. Uma das medidas que o país busca tomar é de aumentar a sua força militar. Para sua melhor coordenação, uma das primeiras medidas nesse esforço foi a criação do Ministério da Defesa, em 1999, sob o decreto nº3.080, que tem sob sua responsabilidade a articulação das forças armadas e sua relação às demais áreas do Estado, assim como a elaboração de políticas ligadas à defesa e segurança do país, que pode ser vista na elaboração da END, em 2008 e atualizada em 2012, assim como do LBDN em 2012, onde fica estabelecido que:

Nos últimos anos, a política externa brasileira projetou valores e interesses na moldagem da governança global. O Brasil tem desenvolvido sua própria agenda externa com maior autonomia para definir as prioridades para seu progresso como nação. Esse patrimônio exige defesa. O Brasil se considera e é visto internacionalmente como um país amante da paz, mas não pode prescindir da capacidade militar de dissuasão e do preparo para defesa contra ameaças externas. Não é possível afirmar que a cooperação sempre prevalecerá sobre o conflito no plano internacional (BRASIL, 2012, p.11).

Nesse sentido, vê-se que a ambição brasileira de projeção internacional é um objetivo almejado pelo país, devendo buscar “intensificar a projeção do Brasil no concerto das nações e sua maior inserção em processos decisórios internacionais” (BRASIL, 2012, p.24) e que o mesmo define que para tal, é preciso também investir em suas áreas deficitárias, como de segurança.

Nesse ambiente estratégico, a atuação internacional deve primar pela consolidação de mecanismos de governança mais 87

representativos da nova realidade internacional, voltados para a paz e a segurança mundiais e para o bem-estar da humanidade (BRASIL, 2012, p.29).

Sendo assim, a agenda de segurança internacional, uma agenda atrativa para a qual o Brasil busca melhorar suas condições de inserção no cenário internacional. Tal contexto leva o Brasil a buscar projetar soft power, uma vez que seus recursos materiais e comportamentos que levem os outros, de forma coerciva ou punitiva, para influenciar os outros a agirem como deseja, não são fortes o suficiente, por não terem hard power o suficiente para que possam agir dessa forma. Uma vez que a influência por si só não é sinônimo de soft power, o Brasil deve procurar argumentar e tornar suas ações (valores, política, cultura, práticas) atrativas para que outros o acompanhem e aceitem, por isso seu comportamento é particularmente importante em sua busca por poder, através do smart power (NYE, 2004). É importante ressaltar aqui, que a utilização do smart power, aqui, é abordado numa logica diferente da aplicada na criação do conceito, como um complemento ao hard power já existente, e sim, abordado justamente como um complemento a sua falta de hard power no cenário internacional. Assim, o Brasil, em sua estratégia de defesa, estabeleceu algumas metas, como:

Meta 3 — Participar de operações de paz e de ações humanitárias de interesse do País, no cumprimento de mandato da Organização das Nações Unidas (ONU), com amplitude compatível com a estatura geopolítica do País (BRASIL, 2012, p.24).

Definindo também seus objetivos estratégicos a serem perseguidos, tais quais como:

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I.

Garantir a soberania, o patrimônio nacional e a integridade territorial; (...) IV. Contribuir para a estabilidade regional; V. Contribuir para a manutenção da paz e da segurança internacionais; VI. Intensificar a projeção do Brasil no concerto das nações e sua maior inserção em processos decisórios internacionais; (BRASIL, 2012, p.24).

Nisso, vemos o Brasil se comprometer com o multilateralismo e intensificando sua projeção e participação em foros multilaterais, e também buscando estabelecer parcerias e cooperação com demais países, a fim de uma tentativa de liderança através de parcerias, que se faz possível pelo fato do Brasil ser um “parceiro desejado” no cenário internacional. Isso se dá não somente pelo crescimento que o país mostrou nas últimas décadas, mas também acaba sendo uma própria consequência político da iniciativa do governo de tentar se inserir mais no cenário internacional e ser um ator mais participativo. Sua crescente posição assumindo responsabilidades globais, como um papel de protagonismo no processo de integração da América do Sul, liderando as discussões e formulação de normas no âmbito do MERCOSUL e da UNASUL, iniciativas sob a cúpula dos BRICS, investimentos em Cooperação Sul-Sul no IBAS, sua tentativa de reviver a ZOPACAS (Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul), entre outras (THIELE, 2014, p.64). O reconhecimento brasileiro como lidero regional da América do Sul, e um dos maiores players no Sul Global se dá não só pelo seu recente crescimento econômico e tamanho geográfico do país, mas principalmente por sua política externa que revolve acerca da busca por sua autonomia e relevância na política internacional (SARAIVA & VALENÇA, 2011, p.100).

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No que tange a política externa brasileira, é muito importante ressaltar seus pilares conceituais, como a defesa à soberania29, não intervenção30 e “não indiferença”31. Ao desenvolver tais conceitos, o Brasil busca contribuir para uma maior estabilidade de seu entorno e do cenário internacional, criando um ambiente mais favorável aos seus interesses (seja quanto à defesa de seus valores, ou interesses políticos e econômicos) (HERMANN, 2011). No entanto, devemos levar em conta que a interpretação brasileira desses conceitos é muito específica, é uma interpretação clássica em que o Brasil defende a não intervenção nos territórios soberanos dos Estados, que é uma interpretação típica de potências médias e emergentes, que não possuem hard power o suficiente para se resguardar no plano internacional. A busca por uma maior inserção brasileira no sistema internacional no campo da segurança pode ter algumas diferentes abordagens analíticas com base na consolidação interna de um objetivo brasileiro, projetado em uma conduta externa, no plano internacional. O fator interno é algo muito importante, transpondo seus valores e práticas para a política externa e buscando um continuum entre suas políticas externa e doméstica, tais quais como a democracia, liberdade e economia de mercado. Isso faz com que, no plano externo o Brasil tenda a limitar o uso da força como uma ferramenta de resolução de conflitos, e participe mais ativamente na formulação de normas gerias e propagação da institucionalização multilateral, buscando retificar os desequilíbrios econômicos e sociais no mundo, como o combate ao subdesenvolvimento e às injustiças sociais. Com base nesses atores podemos ver o Brasil como uma potência civil.

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Em seu sentido clássico: Autoridade final e absoluta do Estado sob os assuntos domésticos de seu território (HERMANN, 2011, P.30). 30 Base a qual repousam a realidade internacional da anarquia, de que um Estado não deve interferir, ou intervir, nos assuntos internos de outro. 31 “Iniciativas para ajudar países vizinhos e amigos a superar a condição de subdesenvolvimento e a não sucumbir diante de situações de convulsão sociopolítica ou de conflitos armados.” (HERMANN, 2011, p.232)

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Ao pensarmos em características geopolíticas do Brasil, vemos a busca por um maior reconhecimento e status no plano internacional. Num extremo, pode-se dizer que seria a busca de um status de grande potência, entre os demais atores. Assim, o Brasil buscaria a maximização de seu poder, principalmente em seus recursos de hard power, que é o maior indicador, sob uma ótica realista, para identificar as grandes potências. Assim, o Brasil age defendendo sua visão arcaica e absoluta dos conceitos de soberania e não-intervenção no plano internacional para reafirmar a legitimidade do país como um ator primário na política internacional. É importante ressaltar a tradição brasileira para com o multilateralismo que vem desde a criação da Liga das Nações e da ONU (HERZ, 2012, p.6). De acordo com essa forma de inserção, o Brasil vê, nos foros multilaterais, uma ferramenta de exercício de poder e expansão de sua influência, baseado num cálculo estratégico, e na lógica da consequência, que segundo March e Olsen (1998, p.949) deve pesar suas ações movidas pela expectativa de sua consequência frente à outros atores. No entanto, se observamos o comportamento de inserção brasileiro sob uma ótima do funcionalismo liberal, vemos suas ações regradas majoritariamente pela lógica da adequação, onde o Brasil tende a pesar suas ações sendo movido pelo comportamento adequado que o país representa em determinada situação, levando em conta seus valores, princípios e aspirações no plano internacional. Dessa forma, podemos ver o Brasil almejando consolidar sua posição de potência emergente, como uma potência média, de acordo com seus recursos, comportamento e papel em que se insere no sistema internacional. Observa-se então no Brasil, a defesa do multilateralismo como resultado da nova ordem global multipolar32, uma conduta que busca compensar a ausência de hard power por uma forte atuação na área 32

Multipolaridade e Multilaretalismo são conceitos diferentes. “A multipolaridade é um conceito descritivo, e o multilateralismo um conceito prescritivo. O primeiro se refere a fatos, o segundo a valores.” (AMORIM, 2013).

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normativa e técnica, buscando o fortalecimento de regras e normas para a governança global, de forma que possa ter seus interesses resguardados também pelas instituições multilaterais. Com essa finalidade, o Brasil precisa contribuir com iniciativas e decisões multilaterais, mantendo sempre um comportamento adequado com seu papel, de forma que seja aceito no plano internacional e condizente com seus interesses nacionais. É importante destacar que o Brasil, como uma potência emergente, ainda enfrenta uma série de questões internas que muitas das “grandes potências” e “países desenvolvidos” já têm estabilizadas, como a questão da fome e pobreza em sua população. No entanto o país vem demonstrando exercer um papel de liderança e preponderância regional na América do Sul, solidificando a região como uma entidade político-econômica, construindo cada vez mais uma imagem de um ator global com uma presença maior no plano internacional.

Essa integração (da América do Sul) não somente contribuirá para a defesa do Brasil, como possibilitará fomentar a cooperação militar regional e a integração das bases industriais de defesa. Afastará a sombra de conflitos dentro da região. Com todos os países avança-se rumo à construção da unidade sul-americana. O Conselho de Defesa Sul-Americano, em debate na região, criará mecanismo consultivo que permitirá prevenir conflitos e fomentar a cooperação militar regional e a integração das bases industriais de defesa, sem que dele participe país alheio à região (BRASIL, 2008, p.7).

Para se consolidar mais ainda nessas áreas o Brasil deve focar sua atuação nas áreas temáticas onde possui vantagem comparativa, permitindolhe uma influência maior no sistema internacional. Como visto anteriormente, então, o Brasil deverá focar em seus nichos diplomáticos, de forma a melhor balancear seus recursos de hard e soft power, para formular uma estratégia de smart power e se inserir no campo da segurança internacional.

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Seguindo essa linha de pensamento o governo brasileiro, sob a presidência de Luis Inácio Lula da Silva, intensificou em larga escala sua participação na ordem global. Perseguindo bandeiras declaradas como a democratização global dos processos de decisão em instâncias multilaterais, garantindo um ambiente internacional mais favorável para potências emergentes, como o próprio Brasil, de modo que eles possam se tornar também catalizadores da ordem global (CERVO, 2003, p.9). A partir do explorado anteriormente, será observado nesta sessão, um estudo de caso focado nos nichos diplomáticos da Cooperação Sul-Sul e das Operações de Paz, que como vistos anteriormente são campos que podem vir a ter um impacto considerável no campo da segurança internacional, dependendo do contexto em que estão inseridos. Assim, será analisada agora a atuação brasileira nesses campos, de forma a identificar como, e se, isso contribui para uma estratégia de smart power de inserção no sistema internacional.

5.2.

A Agenda Brasileira de Cooperação

A cooperação é a outra estratégia que nos permite prover paz a um mundo tão turbulento. O espaço privilegiado da cooperação é o entorno estratégico do Brasil, conformado pela América do Sul, de um lado, e pelo Atlântico Sul e pela orla ocidental da África, por outro (AMORIM, 2013, p.3).

A grande contribuição brasileira no campo da CID diz respeito à CSS, que foi dado como o principal foco de sua agenda de cooperação, onde o país promove a transferência de soluções inovadoras para o desenvolvimento nos mais diversos setores, como no combate à fome, ampliando seu compromisso com a CID promovendo uma nova lógica de cooperação, diferente da tradicional lógica de doador/receptor da CNS (AYLLÓN & LEITE, 2010, p. 69-70).

93

Como parte de uma potência civil, o Brasil busca exportar fatores de sua política doméstica para sua política externa. Como é o caso de sua luta pelo desenvolvimento social e o combate à pobreza. A desigualdade social é uma questão histórica no Brasil que perdura por séculos. Não há aqui espaço para fazermos um histórico da desigualdade social brasileira, e de como essa questão avançou durante os séculos, no entanto, deve-se frisar que como analisado por diversos teóricos, como Amado Cervo (2001), Jose Alves (2001) e Pio Penna (2006, p.349) o modelo econômico neoliberal não conseguiu suprir as necessidades de desenvolvimento no país, que uma solução para tais questões seria a participação do Estado como coordenador de políticas desenvolvimentistas e redistributivas são fatores imperativos para a região promover o desenvolvimento social e o fim da desigualdade. A questão internacional mais importante presente é a da busca de mecanismos para superar as diferenças sociais e a busca pelo fim da pobreza no país. Deve se identificar, a partir dessas iniciativas, a sua relação com a política externa e na busca para a CID. Com o crescimento econômico do Brasil, que o colocou entre as 10 maiores potências econômicas do mundo, o país também busca expandir sua participação em agendas internacionais que buscam lidar com problemas de desigualdade, principalmente com discussões acerca da erradicação da pobreza e o combate à fome e à miséria. Na década de 1990, sob o governo de Fernando Henrique Cardoso, surgem reformas na previdência social, e pelo menos no papel, discursos para lidar com a questão agrária, que era algo muito delicado no país devido às dimensões que o Movimento dos Sem Terra (MST) ganhou no país. No entanto, a maioria das inciativas domésticas que surgiram no Brasil - e tiveram algumas delas se tornando referência mundial na luta por melhorias sociais e da CID – surgiram no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A principal iniciativa que deu reconhecimento internacional às suas políticas foi o Programa Fome Zero, que incorporava programas de 94

educação, saúde, erradicação do trabalho infantil, geração de emprego e renda, servia de catalisador dos programas sociais de seu governo. Outro programa que se tornou referência mundial, foi o programa de transferência de renda do ‘Bolsa Família’ (PENNA, 2006, p.355). Essa preocupação em lidar com questões sociais foi então incorporada no governo Lula, à sua política externa, assumindo a promoção do desenvolvimento social como um ponto importante em sua agenda. Segundo o ministro do exterior da época, Celso Amorim (2005), “a ação diplomática do Governo Lula é concebida como instrumento de apoio ao projeto de desenvolvimento social e econômico do país” de forma que esta tenha “uma dimensão humanista, que se projeta na promoção da cooperação internacional para o desenvolvimento e para a paz”.

5.2.1. A Cooperação Sul-Sul como Nicho Diplomático Brasileiro 33 34

Desde a década de 1930 vemos indícios da luta brasileira por desenvolvimento. Com a criação da Comissão Nacional de Assistência Técnica (CNAT) em 1950 foi possível que o aparato estatal brasileiro aprendesse técnicas de captação de recursos e know-how dos países do Norte no campo da cooperação (no entanto, ainda eram tratadas como ‘assistência técnica’). Ao fim dos anos 1960, vendo o aumento expressivo da oferta institucional de recursos externos e frente a necessidade de se adequar a demanda por desenvolvimento e ‘ajuda’ internacional e doméstica, vemos a busca por uma estruturação do sistema brasileiro de cooperação, como ressaltadas nos primeiros Planos Nacionais de Desenvolvimento (PND). 33

Para informações detalhadas sobre os projetos de CSS conduzidos pelo Brasil, consultar site oficial da ABC, disponível em: . 34 Para mais informações mais detalhadas e específicas sobre projetos conferir relatório do MRE aqui: .

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Em resposta, em 1969 é criado o Sistema Nacional de Cooperação Técnica fundamentado sobre a égide do O Ministério de Relações Exteriores e do Ministério de Planejamento que passaram a institucionalizar mais como o país deveria realizar sua Cooperação Técnica Internacional sob escopo de sua nova Divisão de Cooperação Técnica (DCOPT), e também estabelecendo a Subsecretaria de Cooperação Econômica e Técnica Internacional (SUBIN). A institucionalização da cooperação técnica contribuiu para o país desenvolver suas habilidades, se especializar e também conseguir reproduzir seu aprendizado dentro de seu próprio território (AYLLON & LEITE, 2010, p.73). Nas décadas que se seguiram o Brasil começou a firmar diversos acordos e parcerias de cooperação técnica, principalmente com países latino-americanos e países africanos, como Paraguai, Colômbia, Peru Costa do Marfim, Nigéria e Senegal. Ao se introduzir no sistema internacional de cooperação como um receptor, o país passou então a atuar de forma dupla, buscando a transferência de tecnologia e conhecimento de países já mais desenvolvidos para compartilhar e transferia capacidades tecnológicas para os demais países do Sul. Isso proporcionou ao Brasil um maior estreitamento de suas relações com a América Latina, e com o Sul Global em geral, dando-lhe um grande poder de negociação retratando-se como representante do Sul. Espera-se então que a CSS facilitasse a articulação dos países do Sul (que na época eram tratados como países do “terceiro mundo”) e reafirmando-o como uma potência emergente no cenário internacional que busca expandir sua participação nos demais foros internacionais. Faz se um pouco redundante comentar aqui, que sob uma ótima institucionalista liberal, em um mundo interdependente, vemos esse um primeiro passo da cooperação para que esta acabe transbordando para as demais áreas, sejam elas políticas, econômicas, sociais ou culturais.

96

Tal transbordamento é observado no campo da CID quando, com o passar do tempo a CTPD ganhou grande força na esfera internacional, gerando uma série de iniciativas, como a criação do PABA o âmbito da América do Sul. O Brasil, vendo a dimensão que a CTPD ganhara, procura mais uma vez reestruturar seus mecanismos e sistemas de cooperação, acabando agora com o comando duplo da área, que antes era feito pela SUBIC e pela DCOPT, unindo-os em um só sob tutela do MRE e assim criando a Agência Brasileira de Cooperação em 1987 (ABC, s.d.). A década subsequente, sob o governo de FHC (1995-2002) focou num aumento das ações de CSS brasileiras em decorrência do aprofundamento de políticas de aproximação brasileira com países latinoamericanos e africanos, o que reforça mais uma vez a lógica institucionalista liberal de transbordamento da cooperação em diversas áreas. Nesse período também a cooperação não evoluiu somente quanto ao numero de ações realizadas, mas também em natureza, indo além do seu enforque tradicional ad hoc para algo com um maior planejamento e estruturação, institucionalizando ainda mais a ABC (GONÇALVES, 2011, p.49). É com a chegada de Lula ao governo, como explicitado anteriormente, que a CTPD brasileira adquiri um verdadeiro cunho estratégico quanto a inserção internacional do país e passa a privilegiar as relações Sul-Sul abordando também questões sociais. Não se pode ignorar aqui a participação de atores não governamentais (como as ONGs) na Cooperação Sul-Sul brasileira – que com certeza tem uma grande parcela também no reconhecimento internacional do Brasil como um ator protagonico no campo da CSS. No entanto, o mesmo não será abordado neste trabalho uma vez que o objetivo é identificar estratégias do Estado brasileiro, e não da participação do Brasil em todos os setores, em um nicho diplomático. Mas ainda a fim de esclarecimento, é necessário ressaltar que, como característica de uma 97

potência civil, o governo brasileiro trabalha constantemente para desenvolver seu know how no âmbito da cooperação também no plano doméstico. Um exemplo disso foi a realização do Encontro Nacional de ONGs sobre Cooperação e Redes organizado pelo IBASE sob iniciativa da ABC, em 1989. Uma das primeiras iniciativas internacionais do governo brasileiro para a CID no âmbito da CSS que podemos encontrar foi a inciativa conjunta entre a Índia, Brasil e África do Sul, é a criação do fundo de solidariedade IBAS, que tem como propósito ajudar os países mais pobres em programas sociais específicos (NAÇÕES UNIDAS, 2004). Durante o governo Lula vê-se o forte crescimento na diplomacia brasileira para colocar em evidência programas domésticos implantados, para o plano internacional, como também uma tentativa de conseguir novos parceiros nas políticas sociais, a fim de promover e desenvolver novos projetos de desenvolvimento, de forma mais horizontal, e aumentar a pressão sobre países mais ricos que reforçavam a lógica da CNS e AOD, para incentivar as questões sociais a CID, sobretudo no âmbito da CSS. A entrada de Lula no governo traz uma nova ênfase à CSS. Expandindo suas relações com o Sul Global, como no G20, IBAS, aproximação dos países africanos, e empenhado em revitalizar o MERCOSUL e consolidar ainda mais a integração da América Latina, vemos durante o governo Lula uma aproximação também entre os países em desenvolvimento, em geral, principalmente no que diz respeito à balança comercial e à projetos de cooperação. Movido pela solidariedade social, vê-se também na CSS uma oportunidade do Brasil focar nesta área como um de seus nichos diplomáticos e assim expandir sua influência não só na economia, como na política global. Isso é identificado também, por muitos estudiosos, com a busca declarada de Brasília por um assento permanente no CSNU (SOARES DE LIMA & HIRST, 2006; AYLLON & LEITE, 2010, P.77-8). 98

Tal motivação é diferente da motivação implicada na execução da tradicional cooperação vertical/CNS, agindo de forma mais consensual e smart, como um importante instrumento da política externa do país. A transferência de práticas, a participação de múltiplos atores domésticos e internacionais e o compromisso com atores regionais, interregionais e multilaterais em favor do desenvolvimento são algumas das maiores contribuições da CSS brasileira. Podemos destacar alguns projetos como o programa do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) buscando a reestruturação dos sistemas de educação professional e centros de formação professional em países africanos e asiáticos de língua portuguesa, e países da América Latina, como Angola, Cabo Verde, GuinéBissau, Timor-Leste, Paraguai, Colômbia (SENAI, s.d.). Além disso, no âmbito da ABC, vemos diversos trabalhos na área de saúde e segurança alimentar para ações tais quais o combate à enfermidades na África (como é o caso da luta contra a malária, doença negligenciada pelos países do Norte), implantação de sistemas de saúde único e públicos, como foi o caso da criação do Instituto Sul-americano de Governo em Saúde (ISAGS), dentro do também recentemente criado Centro de Relações Internacionais em Saúde (CRIS), em 2009, pela FioCruz, aprofundando e promovendo intercâmbio técnico e acadêmico de questões de saúde na América do Sul, que trabalha em conjunto da ABC e do Ministério de Saúde (FIOCRUZ, s.d.). O Brasil também se destaca na cooperação na área de saúde e segurança alimentar. Uma das iniciativas é a da transferência de tecnologia dos bancos de leite que impactaram na redução da mortalidade infantil no país, para replicá-lo em países como Venezuela, Uruguai, Argentina, Equador e Cuba. Os programas ‘Fome Zero’ e ‘Bolsa Família’ ganharam reconhecimento internacional e foram tomados como referência mundial para a reprodução de projetos similares em outros países. O programa ‘Fome Zero’ tornou-se uma referência mundial tão importante no combate à 99

fome à pobreza, que hoje é um modelo reconhecido pela FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) e pelo PMA (Programa Mundial de Alimentos). Tal programa, ainda gerou a criação do International Policy Center For Inclusive Growth (IPC-IG) em 2002, e em 2004 firmou parceria com o PNUD, tendo suas principais atividades ligadas com países do Sul (FRAUNDORFER, 2013, p.92-6). Como uma plataforma de compartilhamento de conhecimentos e técnicas o IPC trabalhou também na disseminação do programa Bolsa Família que passou a ser uma das mais importantes estratégias brasileiras de combate à fome e à pobreza a partir de técnicas de proteção social e transferência de renda (Ibid). Ainda nessa linha, como já mencionado anteriormente, há a criação do Fundo IBAS em 2004 para lidar com essa temática. Demais programas na área

agropecuária também ocorrem,

principalmente por meio da Empresa Brasileira de Investigação Agropecuária (EMBRAPA), tratando de temas como a produção de biocombustíveis e transferência de tecnologias para produção de alimentos em zonas tropicais. Assim, vemos podemos ver a atuação brasileira no campo da CSS como uma opção de área temática em que foca seus trabalhos onde possui vantagem comparativa, lhe permitindo uma maior influência no sistema internacional na área de segurança, pois como visto nos capítulos anteriores, a CSS afeta o campo de segurança internacional. A CSS então, pode ser vista como uma forma de exercer smart power, pois há uma combinação estratégica de atuação onde o país é capaz de exercer mais influência utilizando-a como moeda diplomática na agenda de segurança.

5.2.2. O Brasil e os BRICS na ordem internacional

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Com as mudanças no Sistema Internacional no pós Guerra Fria sob a ótica do institucionalismo liberal vemos a tendência de uma busca pacifica da passagem da unipolaridade para a multipolaridade, uma vez que a preocupação com a paz existe sob o consenso liberal de que se deve buscar soluções multilaterais para problemas internacionais. Nesse caso, as potências emergentes dão suporte para esse novo equilíbrio de poder buscando se envolver mais ativamente com o multilateralismo (FONSECA, 2013, p.31), seja ele em diversas formas, como o minilateralismo, que é visto na participação brasileira nos BRICS. Em relação à participação dos BRICS, o Brasil se porta como um defensor do fortalecimento do multilateralismo e da busca pela participação dos atores sem representatividade nos foros internacionais, sendo crítico da hegemonia das normas econômicas liberais, primam pelo desenvolvimento e pela melhora das condições sociais, buscando aumentar a inclusão social e regular o setor financeiro, de forma que sejam melhores coordenadas as formas da CID (diferentemente da busca pela AOD). Nesse sentido, podemos dizer que essa potência emergente está buscando revisar a ordem liberal atual e sua demanda por segurança economia e proteção social (SOARES DE LIMA & CASTELAN, 2012, p.255-7). Para o Brasil o concerto dos BRICS tem objetivos estratégicos e táticos claros quanto à sua política externa. A busca por alianças, condizentes com seu papel de potência média e emergente seguidora das normas internacionais reforça a busca por um protagonismo no plano multilateral, e tornando assim estas mesmas normas e regras mais acessíveis e permeáveis aos interesses dos países em desenvolvimento (Ibid). No subcampo da CSS temos como exemplo o ‘Novo Banco de Desenvolvimento’ dos BRICS, criado na cúpula dos BRICS em Fortaleza, entre os dias 15 e 16 de julho de 2014, que é uma medida que busca mitigar as desigualdades sociais, fortalecer a posição dos países do bloco na agenda internacional e também de aumentar a cooperação sul-sul, uma vez que a 101

busca pela reforma da arquitetura financeira internacional e regulamento econômico busca facilitar projetos de CID, sobre tudo no âmbito da CSS. O Banco, assim como o pronunciado dos BRICS após a sua última cúpula em 2014,l busca renovar a disposição e o engajamento com os demais países, principalmente os em desenvolvimento e economias emergente, com vista de fomentar a cooperação e solidariedade entre nações e povos. O Banco visa mobilizar recursos para infraestrutura e desenvolvimento sustentável em projetos nos BRICS e demais economias emergentes e países em desenvolvimento para promover o crescimento e desenvolvimento do bem público global (ITAMARATY, 2014).

5.3.

As Operações de Paz como Nicho Diplomático Brasileiro

A defesa pelo multilateralismo e o envolvimento brasileiro em mediação de conflitos internacionais e em operações de paz é um fator constante na política externa do país. Desde a criação da Liga das Nações o país se colocou como mediador de conflitos, como parte de seu comportamento de uma potência média/emergente que almeja um maior reconhecimento e participação no plano internacional (SOARES DE LIMA & HIRST, 2006, p.25-6). Desde a primeira missão do Brasil, este vem participando de forma consistente nas operações de paz, principalmente naquelas aprovadas sob o Capitulo VI da Carta das Nações Unidas, se destacando como um dos maiores contribuintes na UNEF35, em Suez, da UNAVEM III36, em angola, da UNTAET, no Timor Leste37, da UNOMOZ38, em Moçambique e finalmente da MINUSTAH no Haiti (UZIEL, 2010)..

35

First United Nations Emergency Force, que durou de 1956-67 para lidar com a questão de Suez. United Nations Angola Verification Missions (1995-97) 37 United Nations Transitional Administration in East Timor (1999-2002) 36

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Seu envolvimento com operações de paz se faz possível pelo país ser uma potência emergente, democrática com uma situação política minimamente estável, para que ele possa se portar como um ator que se envolve em questões internacionais. Possui uma das maiores forças armadas da região, e a mais avançada tecnologicamente, contanto com um contingente de mais de 350.000 homens, fazendo que o país seja um ator influente na região e também em sua contribuição de tropas (KENKEL, 2010, p. 652). O Brasil age orientado pelo desejo de aumentar sua participação em instituições internacionais defendendo seus princípios, como a busca por resolução pacífica de conflitos que é diretamente ligado à sua leitura particular sulamericana dos conceitos de soberania e não-intervenção. Sua reputação como um país que mantem a paz cresceu bastante com a participação na MINUSTAH.

5.3.1. O Marco brasileiro: A atuação no Haiti

Uma vez estabelecida pela resolução 1542 (2004), pelo CSNU, o Brasil foi convidado pela ONU para liderar o contingente militar da Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti, que foi o numero mais expressivo já enviado pelo governo brasileiro. Tal operação foi aprovada baseada no capítulo VII da Carta das Nações Unidas, algo completamente diferente dos precedentes brasileiros. No entanto Brasília afirma que somente o paragrafo sétimo do projeto era baseado no capítulo VII, e que esta era uma missão de manutenção e construção da paz, logo, condizente com a posição brasileira não-intervencionista e não-indiferente à defesa dos direitos humanos, buscando a mitigação das fontes indiretas da violência (DINIZ, 2005, p.101). 38

United Nations Operation in Mozambique (1993094)

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Assim o Brasil busca se inserir na MINUSTAH aumentando sua participação no sistema global e aumentando seu comprometimento com a nova agenda de segurança e com a segurança coletiva (SOARES DE LIMA, 2010, p.412). Apesar de o Brasil ter consentido participar de uma operação de paz aprovada com a característica de ter aprovada o uso da força não se pode negar o foco constante na busca pela construção da paz e na busca pela mitigação da violência estrutural na região. Mesmo com sua mudança quanto às políticas de operações de paz, o país focou bastante no desenvolvimento e integração dos mais diversos setores da sociedade haitiana; e também se engajou baseado em sua afinidade cultural e contato mais próximo e identificação com o Haiti (KENKEL, 2010, p.656), comportamento condizente com a sua posição de ator proeminente na região e como uma potência emergente que busca soluções multilaterais à problemas internacionais e se põe como um ator diretamente envolvido e se comprometendo em resolvê-los. Exemplo de programas e inciativas implementadas e executadas pelo contingente brasileiro no Haiti - como a inserção social dos soldados da MINUSTAH na sociedade haitiana oferecendo serviços médicos, distribuindo alimentos, promovendo DDR, participando de eventos da sociedade, como o investimento no futebol para lidar com questões sociais no país (MINISTERIO DA DEFESA, s.d., p.23-6; UNIC, 2011) -, reforçam a busca brasileira pelo bem público e funcionando de forma a seguir as normas internacionais e buscando aumentar a cooperação entre os países. A atuação brasileira no Haiti é considerada um marco na política externa brasileira quanto à sua participação em operações de paz, fazendo-o ser citado mundialmente como referência pela sua atuação. Isso é um dos exemplos que fazem deste um nicho diplomático de atuação, a fim de se inserir e participar mais ativamente das agendas e discussões de segurança internacional e por ser condizente com seus princípios e política externa buscando estratégias que não fazem uso da força para transformar conflitos 104

políticos e reforçar o aparato estatal, estabilizando a situação e protegendo sua população. A partir de sua atuação na MINUSTAH, o país se porta efetivamente como uma potência regional, agindo como mediador de conflitos internacionais e ainda se mostrando capaz de lidar com as novas ameaças e mudanças que surgem no campo de resolução de conflitos, como a importância do desenvolvimento socioeconômico e da reconstrução do aparato político estatal na busca da mitigação da violência estrutural no país.

5.3.2. A tentativa de inserção no nicho normativo de operações de paz

A inserção brasileira na participação de debates acerca da construção da paz, que por um lado pode ser vista na participação dos capacetes azuis e envio de tropas para ajuda humanitária como uma constante em sua política externa, assim como na ajuda ao desenvolvimento bilateral e à cooperação sul-sul como parte da solução de situações de conflito, por outro lado, além da participação efetiva, vemos também a presença do Brasil acerca dos debates do mesmo. A sua participação ativa em Operações de Manutenção da Paz defende e marca a postura brasileira que privilegia o multilateralismo sempre respaldada pela legitimidade brasileira no Sul Global (uma vez que este não possui hard Power). Podemos ver tal participação em Operações de Paz como um instrumento inserido na política externa brasileira que se inicia com a participação do Brasil em sua primeira Operação de Manutenção da Paz das Nações Unidas, a UNEF39. Desde então vemos o

39

United Nations Emergency Force

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Brasil participando ativamente tanto no envio de tropas para tais Operações, como nos debates acerca da normatividade das mesmas (UZIEL, 2010). Quanto à participação nos debates da mesma, o posicionamento do Brasil não foi sempre tão constante, mas há uma mudança recente a ser observada. Como visto anteriormente, uma das mais recentes novidades normativas quanto às operações de paz foi a criação do conceito da R2P. Este, no entanto, aumentou o espectro de isolação, perda de participação e influência brasileira no plano multilateral, dado o fato do Brasil ser cético ao conceito (assim como outros países emergentes), por defender tão veementemente seus princípios clássicos de soberania e não intervenção (que são bem diferentes da leitura mainstream/global sobre os conceitos) (KENKEL, 2012, p.12-8). Frente à isso, e após se por muito contra o conceito, o Brasil acabou aceitando-o, a fim de se adequar e fazer parte do sistema multilateral das Nações Unidas, principalmente devido à um fator particular. Esse fato é a definição de três novos pilares para a R2P, com o relatório do SecretárioGeral, Implementing the Responsibility to Protect em 2009. Pilares estes, já anteriormente mencionados, que atentam para a responsabilidade do Estado, da comunidade internacional em sua condição de formadora de capacidades, e quanto ao tempo e respostas decisivas a serem todas. A maior ressalva brasileira quanto a esses pilares foi da questão da temporalidade, e se os pilares deveriam ser seguidos numa ordem cronológica, ou não, trazendo críticas da sociedade internacional quanto a inação perante uma situação de crise, mas o Brasil já mostrava uma posição mais receptiva ao conceito, que não havia anteriormente (ALMEIDA, 2013). No entanto, principalmente após acontecimentos como o caso da Líbia, o país surge com a proposta da presidente Dilma Rousseff do conceito de Responsabilidade ao Proteger (RwP), em 2011, que foi um 106

marco na política externa brasileira por ter sido a primeira vez que o governo propôs a criação de um conceito junto às Nações Unidas. Com essa iniciativa o Brasil estava começando a se tornar um empreendendedor de normas, no entanto a presidenta Dilma Rousseff não levou a iniciativa a frente, sem grande aceitação da comunidade internacional (como visto no item 4.2.5). Após tentativas de convergências e lutando contra as incertezas do ocidente acerca do conceito, o Brasil acabou abrindo mão de sua posição, como quando aceitou a resolução condenando a Síria. Não conseguindo se inserir tanto no campo normativo de operações de paz, como o faz com sua participação efetiva. Isso poderia ter sido uma boa estratégia para o Brasil aumentar ainda mais seu capital diplomático na área, e aumentar sua projeção (BENNER, 2013, p.9). No entanto, fica de lição que o país tem capacidade e capital suficiente para levar adiante iniciativas deste tipo, e deve ser esse o seu modus operandi caso deseje levar adiante sua estratégia de smart power de uma buscar por maior inserção no campo da segurança, não tendo hard power o suficiente para fundamentar suas iniciativas (SPEKTOR, 2012, p.8). Como uma potência emergente deve buscar defender suas iniciativas e lutar por elas para ganhar seu devido espaço na esfera internacional e realmente se inserir no nicho diplomático normativo das operações de paz, como o tem feito em sua participação efetiva na área.

5.3.3. A Cooperação no campo de Operações de Paz

Medindo esforços pela sua participação seguindo com as normas internacionais no âmbito da ONU o governo brasileiro cria, em 2005, o Centro de Instrução de Operações de Paz (CIOpPaz), inspirado nas

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discussões iniciadas em 1989 pela Resolução 44/49, da Assembleia Geral das Nações Unidas, sobre a “Revisão Abrangente da Questão das Operações de Paz em Todos os seus Aspectos” - que encorajou os membros da ONU à estabelecerem programas de treinamento para militares e civis civil, tendo em vista seu emprego em operações de paz. Aumentando sua participação e investindo em maiores esforços para o engajamento brasileiro com operações de paz, no dia 15 de junho de 2010, sob a portaria nº 952-MD atribui ao CIOpPaz, a responsabilidade de preparar os militares e civis brasileiros (e de nações amigas) que serão enviados em missões de paz, modificando seu nome para Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil (CCOPAB). O objetivo do Centro é “Ser um líder global na promoção da excelência do preparo de recursos humanos para operações de paz e desminagem humanitária.” (CCOPAB, s.d.). Vemos aqui uma interseção entre ambos os nichos diplomáticos brasileiros em que a cooperação de nações amigas, principalmente daquelas do Sul Global, ocorre no campo de operações de paz, buscando um spill over de cooperação e através de treinamentos bilaterais e multilaterais com tropas e oficiais de outros países, para passar adiante o know how brasileiro adquirido em operações de paz, principalmente no que diz respeito à construção da paz em situações de conflito e outras missões em situações de reconstrução da sociedade civil. Comportamento condizente com o de uma potência média que busca o bem publico global, trabalhando através de normas

e

procedimentos

multilaterais

para

resolver

problemas

internacionais. Portando-se assim como uma referência na área e fortalecendo suas alianças e posição no cenário global.

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6. Conclusão: Perspectivas para o futuro

A busca por um assento permanente no CSNU reflete a ambição brasileira por se tornar um ator proeminente na segurança internacional. A implementação deste objetivo é o fio condutor da política externa e da política de segurança brasileira – demandas do Brasil por reforma são seguidas de demandas globais para que o país tenha mais hard power – tendo como lugar privilegiado sua atuação em Operações de Paz nesse pleito (KENKEL, 2012, p.30). Tal pleito vem de ambições antigas por parte do Brasil, desde a criação da Liga das Nações o Brasil desejava um papel proeminente na organização, desejando ser o representante da América do Sul na mesma. Com a criação da ONU, tal ambição retorna, porém a mesma foi vetada pela União Soviética e pela Grã-Bretanha (VARGAS, 2011, p.85). Ao final da década de 1980, com o fim da Guerra Fria e o retorno do Brasil à democracia, seus formuladores de política externa acreditaram que o novo contexto internacional necessitava de uma revisão das estruturas políticas multilaterais, o que seria um bom argumento para a retomada da busca por um assento permanente que fosse mais condizente com a nova redistribuição da ordem mundial (VARGAS, 2011, p.87-9). Assim, os argumentos baseado num discurso de soft power para o pleito por um assento permanente no CSNU, eram baseados na necessidade de manter a legitimidade da ordem contemporânea internacional, face as recentes mudanças do sistema; a busca brasileira por assumir um papel de destaque no cenário internacional respaldado pelo crescimento de sua importância, assim como poder político econômico; e além disso, resguardado no argumento de que o Sul Global deve ter uma representação no CSNU, de devido a crescente importância do país frente ao Sul, este deveria ser o seu representante.

A questão da reforma das Nações Unidas, e principalmente da reforma do CSNU traz a luz da busca por mudanças nas normas e regras vigentes que refletem os interesses daqueles que busca mais poder e prestígio na ordem internacional escalando em sua hierarquia, de modo à adequar as instituições internacionais ao novo padrão que surge com o fim da guerra fria. Muito desse pleito é reforçado com base no fortalecimento dos BRICS como um bloco, dando maior força e lugar ao Brasil. A politização dos BRICS de um acrônimo econômico para um bloco político é um ótimo exemplo da busca dos países emergentes, dentre eles o Brasil, por mais espaço na agenda internacional. Pode-se dizer, por um lado, que há uma busca conservadora por parte dos BRICS por manter o status quo, mas que estes agora se portam como atores mais proeminentes na agenda internacional e a politização do grupo, frente à heterogeneidade do grupo mostra a inteligência política e diplomática do grupo que coloca seus membros num patamar institucional que não seria possível que chegassem individualmente, ou mesmo se pautando somente em seus próprios recursos de hard power. Por isso, essa coordenação e busca por cooperação entre os países BRICS, também pode ser vista como parte de uma estratégia de smart power no contexto atual de seus países membros emergentes. Os BRICS como grupo trás a frente à questão da busca por instituições de governança internacional que busca lidar com as mais diferentes questões, sejam elas no campo da segurança internacional, economia ou política, e por isso, dá uma um apoio à candidatura do Brasil ao assento permanente do CSNU. Há uma contradição nessa busca brasileira por querer se passar como líder do Sul, e ao mesmo tempo ainda ter ambições como uma reforma do CSNU para este assumir um assento permanente no mesmo, tendo poderes do Norte “dominador”. Mas deve-se levar em conta que o pleito brasileiro não é somente para que este assuma um assento permanente, mas na busca por uma reconfiguração do sistema das Nações Unidas de forma mais 110

representativa da ordem global vigente, e não da ordem global de durante a Guerra Fria, quando a ONU foi criada e a configuração de poder no mundo era completamente diferente da atual. O CSNU vem ampliando seu campo de atuação, proporcionando oportunidades para o Brasil mostrar sua capacidade e capital diplomático, contribuindo para sua candidatura no mesmo. No entanto, as crises e mudanças no sistema internacional dos últimos anos ainda não chegaram a produzir mudanças decisivas nas estruturas de governança global de forma que medidas como a reforma da ONU e do CSNU ainda não tenham ocorrido.

A fim de conclusão, é importante elucidar neste momento que este trabalho teve pretensões de analisar principalmente as motivações e repercussões das escolhas e ações brasileiras na sua busca política por uma maior inserção na agenda de segurança internacional, mas faz-se ciente de que há diversos outros fatores e razões que interferem na atuação brasileira nesta área e, sobretudo na política internacional como um todo. Questões econômicas influenciam fortemente no campo da CID; políticas públicas e políticas domésticas afetam decisões quanto à condução da política internacional (como visto anteriormente ao discutir-se a questão de potência civil). Assim, é de conhecimento próprio que o trabalho não tem profundidade suficiente para que todos esses campos sejam avaliados em toda sua real profundidade necessária, e sim, a partir do contexto internacional em que o Brasil está inserido neste momento. Assim, primeiramente, buscou-se, nesse trabalho um entendimento do contexto em que o poder está inserido, para compreender a balança de poder e as diferentes intensidades do uso do hard e do soft power, verificando então a possibilidade de se aplicar o smart power num cenário institucional específico, no qual busca-se alianças e parcerias para definir 111

novas políticas, que se faz necessário para se ter um melhor entendimento dos objetivos que tal Estado pretende atingir. Lembrando que o smart power busca atingir metas para o bem público global que vai fazer com que a influência e legitimidade daquele autor aumente no cenário internacional. A escolha por uma estratégia de soft ou smart power, não é classificada exclusivamente como uma “escolha dos mais fracos”, pelo fato do Brasil não possuir tanto hard power, mas também uma decisão da elite política brasileira que opta por manter os valores, princípios e tradições internas do país, transpassando-os para o plano externo, de promover a paz e democracia, assim como respeitando a soberania e o território dos demais. Não obstante, não podemos ignorar que o próprio país já optou por focar em estratégias de hard power, como durante a Guerra do Paraguai, no fim do século XIX, no entanto, tende a reforçar sua tradição de país pacífico e na busca por um bem público global, respeitando as normas internacionais, e promovendo a cooperação, tende a evitar soluções que se pautem no uso da força, obrigando os demais a ter determinado comportamento. O país prefere se utilizar de forma mais balanceada de seus recursos, para buscar atingir um papel de liderança pela participação e pelas parcerias com os demais países, cooperando e promovendo a paz. O Brasil, como uma potência emergente, articula seus recursos de soft power, com aqueles de hard power, compreendidos e utilizados aqui principalmente em natureza de operações de paz ( não para a guerra convencional), para seus objetivos. Assim, a escolha consciente do Brasil por buscar uma estratégia de smart power é algo condizente com sua postura no plano internacional e com o papel que o país vem assumindo na América do Sul e no Sul Global, seja como um hegemon consensual no continente, como um líder nãointervencionista no Sul Global, que reafirma a percepção do Brasil no plano internacional como um “parceiro desejado”.

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A opção pelo smart power como uma potência emergente se torna possível também devido à alguns fatores de conjuntura, como o fato do Brasil não possuir disputas territoriais declaradas por suas fronteiras, pelo seu comprometimento com o multilateralismo e a promoção da institucionalização e cumprimento de normas internacionais e a busca pelo regionalismo e integração com a América Latina, principalmente com a evolução de projetos como a UNASUL e o MERCOSUL, fazendo-o deste um país muito estável, cercado de países amistosos, sem muitas ameaças à possíveis ataques à seu território. No entanto essa construção de um consenso e convergência de interesses não ocorre somente no Cone Sul. A reputação brasileira de um país representativo e líder potencial são perpassadas pelo Sul Global, onde o Brasil está integrado em diversas iniciativas, como sua participação no G77 e G20, IBAS, iniciativas dos BRICS, tomando posição e passando a imagem de representante de seus semelhantes, expandindo seu capital político. Quanto às formas como o Brasil tem buscado alcançar esse papel de destaque no cenário internacional, vemos sua atuação na CSS e em operações de paz de forma que este possa se tornar um global player com maior influência. Tornando-o um líder normativo com políticas muito atrativas para outros atores. O Brasil busca se inserir na ordem global através da cooperação promovendo princípios democráticos, respeito pelos direitos humanos e estado de direito, buscando a redução da pobreza e desigualdades. O campo da CSS tem se destacado como um forte elemento de soft power

ampliando

a

atuação

brasileira

no

Sul

Global

e

sua

representatividade no Sistema Internacional, já sendo tratado como um dos atores indispensáveis quando se discute temas como a segurança alimentar, aumentando sua participação e importância na área. Programas sociais como o ‘Bolsa Família’ e o ‘Fome Zero’ aumentaram bastante a 113

importância do Brasil em diálogos acerca da CID na exportação de seus programas. Seu renome na área tem crescido bastante, mas o país ainda precisa se consolidar mais internamente, lidando com suas próprias crises para transpor suas soluções também em sua política externa, como potência civil, que foi como muitos desses programas vieram a acontecer. Uma grande oportunidade de crescimento do Brasil nessa área é aumentar sua presença no continente africano não só no que diz respeito à CTPD, como também na promoção de cooperação para construção de instituições políticas e de diálogos junto à sociedade civil, governos e ONGs na região. Alguns desafios a serem enfrentados para se destacar mais ainda nessa área que devem ser mencionados são a falta de uma legislação abrangente quanto ao estabelecimento de parceria com demais países; o fato de ter seu orçamento subordinado ao MRE, muitas vezes limita a atuação da ABC quanto à sua capacidade de recursos disponíveis para execução de projetos; além disso, há uma falta de coordenação e eficácia para lidar com a burocracia de tais iniciativas, retardando a execução de projetos. Fazendose necessário que o país regulamente mais tal atividade e tenha um planejamento específico quanto aos objetivos que deseja atingir nessa área, não atuando somente pela demanda. Quanto a participação em operações de paz, este pode ser considerado o mais importante nicho diplomático para a projeção de smart power, principalmente no que diz respeito a atuação em operações de construção da paz. A atuação do Brasil no Haiti contribuiu para o país aprender e orquestrar mais suas próprias manobras militares, as quais o país utilizou durante o período de 2008 em suas iniciativas de pacificação de favelas no Rio de Janeiro e em São Paulo. Vemos neste, uma nova oportunidade de treinamento para as próprias tropas brasileiras, que não se envolve diretamente em situações de conflitos, devido histórico de ser uma nação pacífica e sem guerras – assim como uma combinação de pontos 114

fortes de soft power com hard power na implementação de programas e políticas de reconstrução social e política trabalhando juntos. O Brasil age assim sobrepondo as lógicas de adequação e consequência, onde calcula o custo-benefício de atuar nas missões, com o cálculo de seus objetivos estratégicos, assim como o seu comportamento esperado com suas obrigações internacionais (MARCH & OLSEN, 1998, p.952). Caso um sucesso, o espectro da participação de operações de paz e no uso de suas ferramentas disponíveis para a resolução de conflitos, o Brasil pode ter uma maior receptividade em sua estratégia de smart power de se inserir mais ativamente na agenda internacional de segurança a partir de seus nichos diplomáticos como o das operações de paz, como um mediador de conflitos engajado com a manutenção das normas e da paz e segurança internacional. Só cabendo ao Brasil para deixar sua marca se comprometendo com seu envolvimento em operações de paz. Sua projeção através da participação efetiva no nicho de operações de paz caminha em um bom ritmo, sendo um dos carros fortes do Brasil na área de segurança, assim como um bom argumento de barganha para a busca por um assento permanente no CSNU, no entanto, há algumas dificuldades que o país tem que enfrentar e melhorias a fazer. Ainda não há uma organização regular da participação em operações de paz (que vem melhorando com o aprimoramento de instituições como o CCOPAB), o país não tem um contingente específico treinando com essa finalidade, e sim começa a separar um uma vez que uma missão é definida (REZENDE, 2010, p.106). Tal participação apresenta um desafio de coordenação militar, que é ao mesmo tempo uma oportunidade para o Brasil aprender mais com isso e aperfeiçoar suas táticas. Apesar de sua crescente percepção e presença no cenário internacional, podemos ver em diversas situações, como a negligência do país em levar a frente à defesa do conceito de RwP, e posturas ainda um 115

pouco omissivas em questões internacional, que o Brasil ainda tem um longo caminho para se consolidar como um ator proeminente no campo de segurança internacional. Recentes acontecimentos tomaram o sistema internacional menos maleável, como foi o caso da crise econômico, que acabou também impulsionando o G8 a ganhar forças no sistema internacional. Tensões político-econômicas na América do Sul, como a crise argentina, tornaram o continente uma região mais difícil para o Brasil operar sua política externa e expandir seu prestigio e influência. Pela sua inclinação política e histórica o Brasil deve buscar uma maior integração regional, na qual o país exerce um papel de liderança. Dessa forma o país terá uma presença internacional mais forte como líder de um bloco regional e ao mesmo tempo mais representativo como hegemon consensual na região, uma vez que tenha esforços para fortalecer blocos como o MERCOSUL e a UNASUL. O lugar atual do Brasil na ordem global ainda não o permite que atinja seu objetivo no campo de segurança e consiga um assento permanente no CSNU. No campo da segurança, sobretudo com recente acontecimento como a crise da Síria, Líbia, Ucrânia e uma forte retomada de tensões com o Estado Islâmico (sobretudo no que tange a questão do conflito de Israel-Palestina) é possível observar uma volta da agenda internacional de segurança sendo definida pelas grandes potências, em detrimento da participação dos países emergentes (SKPETOR, 2014). Tal fato pode ser explicado pelo poder de veto no CSNU, onde o mesmo foi aplicado em quase todos os casos acima. Isso serve para indicar que mesmo com as tentativas de países emergentes, e mais especificamente do Brasil (que se mostrou um tanto quanto omisso nesses últimos casos durante o governo de sua presidenta Dilma Rousseff) de projeção e busca por influência nos processos decisórios na agenda de segurança (tal qual como foi o caso da iniciativa do RwP). Ainda pode-se observar o impacto que a falta de hard power tem sob a definição da agenda de segurança 116

internacional, e sobretudo no que tange a busca pela reforma da ONU e do CSNU, não acatando a entrada de novos membros permanentes. Independente da atuação brasileira nestes nichos diplomáticos tê-lo tornando referência nas respectivas áreas, tal estratégia de smart e soft power, ainda deve demorar a fazer efeito, dependendo da conjuntura e contexto para trazer de fato algum resultado na posição do Brasil no campo de segurança e lhe dar mais capital diplomático e poder de barganha, pois o país tem um hard power ainda baixo. Isso na atual configuração do sistema internacional ainda interfere muito nas decisões a serem tomadas na ordem global. A criação de políticas e documentos oficiais quanto á Defesa Nacional, como a criação da PND, END e do LBDN, são exemplos de como o Brasil vem buscando enfrentar seus desafios para se consolidar no campo de Segurança Internacional, lidando com sua falta de hard power. O importante de se destacar aqui, é que a forma como o Brasil deve buscar aumentar seu hard power não deve ser na forma tradicional de simplesmente aumentar seus armamentos, tecnologias e exército, mas sim através do smart power, como uma potência média, transformando também seus recursos de soft power em áreas ligadas à assuntos de segurança. Não se pode negar que o papel do Brasil é muito maior nos dias de hoje do que era durante a época da Guerra Fria, já tendo algum impacto – mesmo que não efetivo e final – em questões de segurança e na ordem global. O país vem contribuindo cada vez mais para a redefinição de elementos decisivos de poder, incluindo os recursos brasileiros além da leitura tradicional de hard power. Algumas áreas estratégicas em que o Brasil deve investir mais para sua promoção no campo de segurança é quanto à segurança marítima do atlântico sul; reforçando seu papel de liderança na América Latina, incentivando o aumento da integração regional; e reforçar seu próprio aparato militar. A nova realidade do Brasil no cenário internacional reflete com a busca por seus objetivos estratégicos de inserção no campo de segurança 117

internacional e para se tornar um global player. O país tem crescido consistentemente com seus objetivos, no entanto, ainda não conseguiu cavar um espaço no cenário internacional forte o suficiente para que ele possa se afirmar e fazer de seus objetivos estratégicos uma realidade.

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