A cAnA-de-AçúcAr e As usinAs sucroAlcooleirAs no Triângulo Mineiro: PeriodizAção e Processo recenTe de exPAnsão The Sugarcane and Sugar and alcohol planTS in Triângulo Mineiro: periodizaTion and recenT proceSS of expanSion

May 19, 2017 | Autor: Mirlei Pereira | Categoria: Região, Triângulo Mineiro, Uso Do Território, Periodizaçao
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Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia

Goiânia 8 a 12 de outubro 2011

A cana-de-açúcar e as usinas sucroalcooleiras no Triângulo Mineiro: Periodização e processo recente de expansão The sugarcane and sugar and alcohol plants in Triângulo Mineiro: Periodization and recent process of expansion Mirlei Fachini Vicente Pereira1

O tempo, os eventos e as racionalidades da produção da canade-açúcar no Triângulo Mineiro

Resumo: O Triângulo Mineiro, região oeste do estado de Minas Gerais, conhece recentemente um processo de expansão do cultivo da cana-de-açúcar. Tal processo resulta do aumento da demanda internacional pelo etanol (álcool combustível) e também das opções brasileiras de inserção na divisão territorial do trabalho, visto que, aparentemente, o país pretende tornar-se fornecedor mundial desta commodity. Localmente, a região aparece como um dos espaços privilegiados para acolher as demandas externas, visto que aumenta a produção e o número de usinas em funcionamento. Nossa proposta pretende produzir uma periodização que ofereça subsídios para avaliar as diferentes formas e racionalidades do cultivo da cana na região, visando compreender as especificidades e o significado territorial da expansão recente da produção.

A partir dos anos 90, mas sobretudo nos últimos anos, quando o Brasil tem pretensões de tornar-se o principal produtor/fornecedor de etanol (álcool combustível) produzido a partir da cana-de-açúcar, os espaços produtivos desta atividade ganham novos contornos no território brasileiro e atingem de forma significativa a região do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba (Figura 1). Podemos mesmo afirmar que esta região aparece como um espaço funcional à atual expansão da produção de cana que se processa em vastas áreas do território nacional, especialmente nos cerrados do Brasil central. Este aumento recente da produção da cana-de-açúcar resulta de uma participação cada vez mais direta da região numa divisão territorial do trabalho desenhada no exterior, em que o Brasil tem participado como grande fornecedor destas commodities (açúcar e álcool) no mercado externo, ou seja, é toda uma orientação do uso do território que atende a anseios externos e que inclusive tem, no Brasil e particularmente no Triângulo Mineiro, cada vez mais sido coordenada por grandes grupos estrangeiros. Especificamente para este trabalho (e como parte dos resultados de uma pesquisa maior), elaboramos uma proposta de periodização da atividade sucroalcooleira na região do Triângulo Mineiro, avaliando as atividades de cultivo da canade-açúcar e as infra-estruturas industriais de produção do álcool e açúcar (as usinas principalmente). No que se refere à análise dos agentes econômicos que organizam a moderna produção agrícola na região, foi realizado um levantamento e organização de informações disponibilizadas por associações do setor. Foram consultados dados do sindicado da indústria de fabricação de álcool (Siamig) e do sindicato da indústria de fabricação de açúcar (Sindaçúcar) no estado de Minas Gerais, bem como dados

Palavras-chave: Uso do território; Periodização; Região; Cana-de-açúcar; Triângulo Mineiro. Abstract: The Triângulo Mineiro, region west of Minas Gerais state (Brazil), knows, recently, a process of expand the cultive of sugarcane. This process reflects the increasing international demand for ethanol and also the Brazilian options of integration into territorial division of labor, considering that, apparently, the country intends to become a world supplier of this commodity. Locally, the region appears as a privileged area to accommodate external demands, wich increases production and the number of plants in operation. Our proposal aims to produce a territorial periodization that can offer subsidies to assess the different forms and rationalities of sugarcane cultivation in the region. Keywords: Using the territory; Periodization; Region; Sugarcane; Triângulo Mineiro (Brazil).

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obtidos diretamente com algumas usinas da região e também pela organização de dados disponibilizados nas páginas corporativas dos principais grupos que organizam a produção sucroalcooleira no Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba. Tais dados permitem reconhecer o atual número de empreendimentos em funcionamento, bem como os investimentos anunciados para o setor.

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definem situações geográficas que se realizam nos lugares (SANTOS, 1996) dotandoos de novos significados e novas funcionalidades. Impõe-se, deste modo, um exercício de periodização que permita reconhecer e observar a direção conservadora (que mantém ou conserva determinada razão/função e área/extensão da produção) ou transformadora dos processos (RIBEIRO, 2001, p.35). Como adverte Milton Santos (1996, 2000), a técnica, ou melhor, o fenômeno técnico na sua total abrangência, mas também a política (as intenções e o comando), aparecem como elementos centrais do exercício de periodização, pois oportunizam a produção de uma análise que contempla, de forma indissociável, o tempo e o espaço, os objetos e as ações (SANTOS, 1996, p.31), alcançando uma noção de espaço geográfico que nos parece oportuna para pensar a dialética sociedade/território. Assim, e para pensar o exemplo empírico que ora avaliamos, se o trabalho ou a ação são os mesmos (as práticas históricas do cultivo da cana-de-açúcar na região do Triângulo Mineiro), os eventos motores que definem a razão e o significado de tal produção são, ao longo do tempo, muito diferentes, o que nos permite reconhecer recortes no tempo (períodos), cada qual com distintas circunstâncias geográficas (diferentes possibilidades do meio geográfico) com diferentes razões e significados de produção. Em outras palavras, a ideia é compreender como as formas, ou seja, o “extenso” que resulta das ações e intenções de produção, são ressignificadas e preenchidas por conteúdos atuais no território (SILVEIRA, 2006). Considerando tanto as práticas diretas das atividades de produção agrícola e industrial, como também o próprio conteúdo do território (infra-estruturas, técnicas, políticas e normas públicas) que atuam de modo a garantir o funcionamento destas atividades, podemos reconhecer, grosso modo, três diferentes períodos significativos para a compreensão das dinâmicas territoriais da atividade de plantio e do trabalho industrial do setor sucroalcooleiro na região do Triângulo Mineiro. Um primeiro período (que também é o mais longo) compreende desde as primeiras práticas de plantio e processamento da cana-de-açúcar para a produção de gêneros consumidos na própria região (pequenos engenhos de rapadura e aguardente), com a implantação posterior de um primeiro empreendimento que, desde a primeira década do século XX (1904) produz açúcar e melado. Tal período se estende desde o século XIX até meados do século XX. O segundo período afirma-se nos anos 70 (século XX) e tem como evento motor a política do Proálcool (Programa Nacional do Álcool). É neste período que são instadas as primeiras usinas do Triângulo Mineiro que se dedicam à produção do álcool combustível. Acompanhando o aumento da demanda interna (ainda que a

Figura 1. Municípios – Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba

A tentativa de uma análise que reconheça o processo de modernização do território por si só evidencia que o Tempo não pode escapar aos estudos geográficos. É o tempo, ou melhor, uma compreensão das dinâmicas sociais no bojo do processo histórico, que nos permite conferir significado aos objetos e ações no presente, compreendendo suas transformações de ordem material e social, o que implica reconhecermos que a configuração territorial contemporânea a determinado período resulta, e ao mesmo tempo produz, um novo significado ao território e ao trabalho nele realizado. Daí o necessário esforço de encontrarmos os motores que a cada período regem as dinâmicas do espaço geográfico. É assim que os acontecimentos (os eventos)

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mesma tenha enfrentado, amiúde, diversas oscilações), um conjunto de novos empreendimentos são instalados nas décadas de 80 e 90, aumentando conseqüentemente o volume da produção agrícola. O terceiro e atual período é o que corresponde à situação recente de expansão do cultivo e do número de usinas. A dinâmica atual é assim muito marcada pelo aporte de grandes investimentos de grupos nacionais e estrangeiros na região, que dão origem a mais de dez novas usinas, dobrando o número de empreendimentos em funcionamento no Triângulo Mineiro. Tal situação é responsável por um reordenamento das práticas produtivas no campo e produz uma nova configuração da produção sucroalcooleira e do território na região.

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Lourenço (2010), a partir de um extenso levantamento em inventários de bens (inventários post-mortem) do Arquivo Público de Uberaba (principal núcleo do Triângulo Mineiro na segunda metade do século XIX), nos oferece informações históricas sobre os primórdios da produção açucareira e aguardenteira regional – são citados pelo menos 37 engenhos de processamento da cana-de-açúcar nos inventários produzidos entre 1860-1870, o que nos leva a crer que tal atividade de certo modo era bastante difundida na região2, objeto dos mais necessários às maiores fazendas mineiras (unidades de produção por vezes quase auto-suficientes no que se refere à produção de gêneros alimentícios). Assim, e durante mais de um século, podemos encontrar um primeiro período significativo para a produção de derivados da cana-de-açúcar na região, especialmente para a produção de açúcar (rapadura e melado) e aguardente, que é praticada de modo artesanal, em engenhos tocados por escravos e moendas movidas por animais, cuja produção se destina quase que exclusivamente a um consumo próprio das fazendas. Tal racionalidade de produção para o atendimento de demandas locais se estende até meados do século XX, onde o meio técnico, ainda rarefeito, não oferece condições de uma expansão da produção, em sistema, para o atendimento de demandas mais expressivas ou longínquas. Uma primeira usina para a produção, em moldes industriais, de açúcar e melado, é instalada em Sacramento 1904 (funcionando até hoje em área que compõe o município de Conquista).

Um meio técnico rarefeito e o longo período de produção para as demandas locais A porção territorial que hoje conhecemos como Triângulo Mineiro resulta de uma expansão da ocupação territorial na colônia, processo este que, a partir do século XVIII, alcança novas áreas no Mato Grosso e em Goiás; expansão e ocupação estas animadas pela busca por recursos minerais, notadamente o ouro e pedras preciosas. De certo modo, foi a partir de “caminhos” que pendiam dos fluxos de São Paulo e também das regiões mineradoras do centro das Minas Gerais em direção à capitania de Goiás (na segunda metade do século XVIII) (LOURENÇO, 2005), mas também de caminhos que no século XIX se estendem de Minas Gerais para o atual Mato Grosso do Sul, que ocorre o surgimento dos primeiros aldeamentos e núcleos no então denominado Sertão da Farinha Podre - área que pertenceu à capitania de Goiás e, no ano de 1816, fora transferida para Minas Gerais e anexada à comarca de Paracatu, principal núcleo do oeste mineiro (LOURENÇO, 2010, p.35). No século XIX, e na medida em que se exauria a mineração, a área que hoje compõe o Triângulo Mineiro inicia um processo de ocupação propriamente dita, ou seja, deixa de ser um “espaço de passagem” para o interior do Brasil e conhece atividades produtivas agrícolas e pastoris que, decantadas, formam um meio técnico ainda muito incipiente. Marcado pela produção extensiva de animais (inclusive para o abastecimento de outras áreas) e de uma agricultura bastante incipiente, e no mais das vezes exigente de importações, os primeiros objetos técnicos (engenhos) que denunciam uma produção rústica e artesanal de derivados de cana na região aparecem com alguma importância já em meados do século XIX, ainda que tal produção fosse incapaz de suprir as próprias demandas locais (LOURENÇO, 2010, p.193).

O projeto nacional para o álcool combustível – modernização e racionalização da produção regional A década de setenta do século XX parece ser marco temporal importante no que diz respeito às práticas da cultura da cana e do setor industrial sucroalcooleiro no Brasil. Definitivamente, e com forte apoio de políticas públicas, a produção conhece novos rumos e uma expansão sem precedentes, a partir de um programa do Estado que ficou conhecido como “Pró-álcool”. “No ano de 1975, após uma série de crises internas e externas, o governo brasileiro criou o Programa Nacional do Álcool (PNA), no intuito de restabelecer o equilíbrio rompido com a crise do petróleo e a queda das exportações de açúcar” (BRAY, 1992, p.21). Como forma de substituição e de um possível cenário de não dependência exclusiva de combustíveis gerados a partir do petróleo, dado a crise internacional que eleva o preço do produto na década de 70, mas também como forma de “salvar” um

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grande proporção), redefinem o meio geográfico que os acolhe. Os projetos resultantes deste novo período podem ser exemplificados com as usinas de Araporã (instalada em 1972), Pirajuba (instalada em 1984 e produzindo álcool desde 1986), Iturama e Canápolis (dois projetos que se consolidam na década de 80). A partir do final dos anos 80 e toda a década de 90, momento em que as políticas estatais para o setor se enfraquecem no país, porque que já não contam com a força do Proálcool, será, de todo modo, importante para o reforço e consolidação da área plantada e do parque industrial na região do Triângulo Mineiro. Mesmo que a produção recue em áreas como o Nordeste ou mesmo em outras regiões mineiras (como é o caso da Zona da Mata), o setor sucroalcooleiro nacional tem de atender àquela demanda criada durante os anos 80, e numa reconfiguração territorial que novamente concentra a produção no Sudeste do país (onde a demanda é maior e o meio técnico mais preparado para a produção), a região do Triângulo Mineiro, especialmente na década de 90, recebe novos investimentos de grupos nacionais, em grande parte oriundos do Nordeste do país (VARGAS; MICHILOTTO, 2011, p.15). A usina de Canápolis é incorporada ao grupo alagoano João Lyra em 1988, e, mais tarde, é a vez da usina de Iturama ser adquirida, em 1994, pelo grupo alagoano Tércio Wanderley. Outro grupo alagoano, o Carlos Lyra (Usinas Caeté) implanta uma unidade industrial em Conceição das Alagoas no ano de 1996, e adquire em 2000 de usineiros paulistas uma usina no município de Delta (uma das maiores da região). Em 2001, o grupo João Lira incorpora uma usina localizada em Capinópolis. Na região do Triângulo, tais eventos induzem uma reorganização do trabalho no campo, com mudanças significativas no uso da terra e pela aquisição de grandes propriedades por usineiros, ao mesmo tempo em que pequenos (e precários) núcleos urbanos ganham novos dinamismos econômicos, nos permitindo reconhecer, inclusive, certas especializações territoriais produtivas que demandam uma mão-de-obra em boa parte arregimentada em outras regiões do país, especialmente o norte de Minas e o Nordeste brasileiro, como é o caso de Conceição das Alagoas, Iturama, Canápolis e Delta. Uma nova conjuntura internacional e uma situação e função assumidas pelo Brasil, na virada do século, reafirmada e produz uma expansão muito mais significativa do cultivo da cana e da produção sucroalcooleira (especialmente o etanol), na primeira década do século atual. Mais uma vez tais atividades conhecem, no Triângulo Mineiro, novas racionalidades de produção, novos agentes e formas de uso do território que garantem novos contornos da produção na região, inclusive com a extensão dos cultivos e da produção industrial também no Alto Paranaíba.

parque industrial sucroalcooleiro no território nacional, o Proálcool aparece como importante política do governo ditatorial militar. Com a criação do Programa Nacional do Álcool (PNA) buscou-se resolver o problema do usineiro de açúcar e dos fabricantes de equipamentos industriais do ramo e iniciou-se no final de 1975 o processo de implantação das novas destilarias anexas e autônomas no Estado de São Paulo (...). A partir de 1976, o álcool anidro-carburante deixou de ser apenas um subproduto do açúcar e passou a ocorrer a intensificação de seu fabrico diretamente da cana-de-açúcar (BRAY, 1992, p.21).

Entre os anos de 1975 a 1979, os recursos públicos voltados ao financiamento das novas plantas (usinas) foram destinados principalmente ao estado de São Paulo (que recebe 40% do total dos financiamentos às destilarias anexas e 23% do total dos financiamentos às destilarias autônomas). Neste estado, tais investimentos se concentram em empreendimentos localizados nas tradicionais áreas canavieiras de Piracicaba, Sertãozinho, Ribeirão Preto, Araraquara, Jaú e Vale do Paranapanema (BRAY, 1992, p.21). É a partir dos anos 80, e como resultado da nova crise internacional do petróleo (1979)3, que se inicia uma nova fase do Proálcool, ainda com significativos investimentos no estado de São Paulo, mas também na região Nordeste e em outras áreas do país. Em São Paulo, que novamente concentra boa parte dos capitais investidos, é a porção oeste do estado que conhece (inclusive por esforços de planejamento regional – PRO-OESTE e PROCANA) um maior incremento da produção, recebendo unidades produtivas novas (regiões de Bauru, Araçatuba, Presidente Prudente e São José do Rio Preto) (BRAY, 1992, p.22). Destas novas intenções do Estado brasileiro, e a partir da expansão da produção no estado de São Paulo, nos parece que a extensão dos cultivos, conjunta ao aumento dos objetos técnicos que viabilizam a produção dos derivados da cana (grandes usinas), se estende à região do Triângulo Mineiro. Reproduzindo práticas análogas ao oeste paulista, é a partir da nova demanda pelo álcool e com os incentivos do Programa Nacional do Álcool que grupos nacionais investem capital no oeste de Minas Gerais, especialmente nas proximidades com a divisa de São Paulo - o chamado Pontal do Triângulo Mineiro. Podemos assim reconhecer mesmo um novo período a partir da década de 70, visto que as novas razões da produção (aumento da demanda, que, inclusive, é induzida por políticas nacionais que viabilizam a produção), mas também a nova natureza técnica de um meio geográfico preparado para um trabalho moderno e realizado em maior escala (plantios mecanizados, grandes extensões de terra e usinas de

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mente às atividades ligadas à produção e processamento de grãos (sobretudo a soja), investem agora capitais no setor sucroalcooleiro, implantando novas usinas ou ainda incorporando empreendimentos já instalados e que eram geridos por grupos nacionais. Os grupos estrangeiros que atualmente investem na atividade sucroalcooleira na região são: Louis Deyfrus Commodities (em Ituiutaba), ADM (com uma usina em Limeira do Oeste), o grupo Bunge (que adquire em 2010 o Grupo Moema e passa a controlar as usinas de álcool localizadas nos municípios de Santa Juliana, Itapagipe e Frutal), bem como capitais de grupos estadunidenses (em uma planta recém instalada Uberaba). Mais uma vez, os conteúdos de tal atividade resultam diretamente das condições em que o Brasil participa na divisão territorial do trabalho, e tem como motor o crescente aumento da demanda dos chamados “biocombustíveis”, o que faz do Brasil um dos principais produtores mundiais de etanol (álcool combustível). O Triângulo Mineiro parece constituir um dos espaços privilegiados para viabilizar o projeto de aumento da produção no território brasileiro, conhecendo um conjunto de ações que definem uma nova situação geográfica na região – inserção de novos agentes, de capitais externos, implantação de novos objetos essenciais à produção (usinas e pavimentação de rodovias, promessas de implantação de um álcoolduto que facilite a exportação, etc.), nova extensão das áreas produtivas no campo, situação esta capaz que impõe novas condições de sobrevivência no território usado, seja no campo ou nas cidades. Ricardo Castillo (2009) aponta um conjunto de implicações territoriais da expansão recente da cultura canavieira no território brasileiro, destacando o processo de substituição de culturas e ocupação de áreas de pastagens; a oligopolização do setor, com aquisições e fusões de grupos nacionais e estrangeiros (com centralização de capitais e desconcentração espacial da produção); a política agressiva de arrendamento de terras por parte das usinas (desestabilizando práticas pretéritas de pequenos produtores) e, por fim, um amplo conjunto de políticas públicas que viabiliza a expansão do parque de usinas (o que incluí crédito do BNDES, incentivos fiscais, investimentos em logística, etc.) (CASTILLO, 2009, p.2). De certo modo, podemos encontrar todas estas implicações da expansão da área cultivada com cana e do número de usinas na região do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba. Especialmente no que se refere à expansão territorial do cultivo, parece haver um esforço de ocupação das áreas com melhor qualidade de solo e passíveis de mecanização (as mais planas). Isso tem ocorrido a partir da substituição de áreas antes

O etanol como “commodity globalizada” e a expansão recente da produção no Brasil e no Triângulo Mineiro Atualmente, o Triângulo Mineiro tem se consolidado como a principal região produtora de açúcar e álcool em Minas Gerais e conhece recentemente um aumento bastante significativo no volume produzido. Os dados do IBGE apontam intenso crescimento na primeira década do século atual (gráfico 1), alcançando no ano de 2008, mais de 32 mil toneladas, volume este que representa mais de 60% do total da cana produzida no estado. Gráfico 1. Minas Gerais e Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, produção de cana-de-açúcar (em toneladas)

Fonte: IBGE - Censos Agropecuários e PAM (2008). Org. do autor.

Acompanhando esta dinâmica nacional de crescimento do setor sucroalcooleiro, grupos nacionais e estrangeiros têm investido, nos últimos anos, na instalação de usinas e na expansão da produção da cana-de-açúcar na região do Triângulo Mineiro, grande parte delas voltada principalmente para a produção de etanol. Grandes grupos externos que já atuavam na região e que até então se dedicavam principal-

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ocupadas por cultivos temporários, mas principalmente pela substituição de áreas de pastagem. Ainda que haja diferentes grupos e uma diversidade de investidores no setor sucroalcooleiro na região (nacionais/estrangeiros, usinas autônomas/grandes grupos econômicos) pode-se observar o crescente interesse pela região dos grandes grupos estrangeiros que recentemente investem no setor sucroalcooleiro no Brasil, o que indica certa concentração de poder no campo, processo já apontado por Cleps Jr. (2009). De fato, o que se observa atualmente na região é que grandes grupos estrangeiros adquirem, nos últimos anos, usinas antes operadas por grupos nacionais. Este é o caso do grupo Bunge que hoje controla as usinas de Itapagipe (adquirida através da compra do grupo Moema), Santa Juliana (adquirida do grupo Tenório, no ano de 2007) e também uma usina recém inaugurada no município de Frutal. A Louis Deyfrus Commodities (em parceria com o grupo Vale) instala em 2009 uma unidade em Ituiutaba, mesmo ano em que o grupo estadunidense ADM (em parceria com o grupo nacional Cabrera) instala uma usina em Limeira do Oeste, bem como o capital de grupos estadunidenses que, em parceria com o grupo nacional JF Citrus, implanta uma usina recém instalada em Uberaba. Assim, o setor sucroalcooleiro, estratégico para o país, é cada vez mais alvo de interesse de grupos estrangeiros que, de fato, não possuem compromisso com as demandas internas (haja vista o aumento recente do preço do etanol e até necessidade de importação do combustível, mesmo que a produção da cana e o número de usinas tenha crescido consideravelmente no país). Tornando-se uma “commodity globalizada”, com preços regulados internacionalmente e uma produção interna agora gerida também por grupos estrangeiros, o país perde o poder de regulação sobre os preços do etanol; e o aumento do volume de produção não assegura poder de regulação no mercado internacional e nem mesmo garante preço estável e regularidade de abastecimento para o mercado interno (PEREIRA, 2010a, p.353). A questão do arrendamento das terras para a produção mais uma vez é motivo de preocupação, porque atesta uma situação de instabilidade do território brasileiro, o que, inclusive, já ocorre em áreas da Amazônia (PEREIRA, 2010, b). Por muito tempo, grande parte dos usineiros mobilizavam capital com a compra de terras para o plantio. Hoje, cada vez mais ocorre um processo de “terceirização” da produção da cana, com a existência de contratos entre produtores e usinas ou, também de forma subordinada, o estabelecimento de contratos de arrendamento por longos períodos e com clara situação de subordinação dos proprietários de terra em relação às usinas de açúcar e álcool.

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Informações por nós obtidas junto a usinas da região apontam para uma grande quantidade de fornecedores ou “produtores integrados” ou “parceiros” (o que incluí por vezes pequenas propriedades). Uma usina em Iturama, por exemplo, nos informou a existência de plantações em terras dos seus próprios acionistas, bem como o estabelecimento de uma rede de parceiros que conta com cerca de uma centena de fornecedores localizados nas proximidades do empreendimento. Uma unidade produtiva em Frutal nos informou a contratação, para a safra 2010/2011, de cerca de 23 mil hectares para o plantio da cana, também distribuídos em cerca de uma centena de propriedades nos municípios de Frutal, Itapagipe, Comendador Gomes e Fronteira. Tais práticas de contratação para o arrendamento são hoje comuns no Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba e foram bem avaliadas por Faria (2011), particularmente no município de Ibiá (no Alto Paranaíba), onde esquemas de subordinação de proprietários de terras garantem a viabilidade de uma usina em funcionamento desde 2004. Avaliando o impacto da expansão do setor sucroalcooleiro sobre a mãode-obra no campo, Souza e Cleps Jr. (2009, p.14) denunciaram, inclusive, práticas de arrendamento de terras para o plantio da cana em áreas de assentamento de reforma agrária (SOUZA, CLEPS JR., 2009), produção esta destinada a uma usina localizada no município de Campo Florido. O investimento para a instalação de novas usinas é alto, e conta, normalmente, com apoio de um conjunto de políticas públicas que viabilizam empréstimos e demais benfeitorias (como doação de terrenos, isenção de impostos, etc.) – é toda uma reconfiguração local do território que ocorre com a instalação das usinas. A usina Vale do Tijuco (Companhia Mineira de Açúcar e Álcool), por exemplo, que integra investimentos de grupos nacionais e estadunidenses, investiu cerca de R$ 300 milhões de reais para a implantação desta primeira unidade no Triângulo Mineiro (no município de Uberaba), solicitando financiamento ao BNDES. A mesma usina Vale do Tijuco e o governo do estado de Minas Gerais, realizam, em esquema de parceria público-privado (PPP), esforços para a pavimentação de um trecho de 40 km (Uberlândia-Campo Florido), ligando a BR050 até a MG455, área onde a usina tem arrendado terras para o plantio. A pavimentação do trecho foi orçada em R$ 38 milhões, que serão pagos integralmente pela usina que, posteriormente, e através de redução de ICMS pelo Estado, obterá ressarcimento integral do capital investido na obra. Deste modo, o poder de tais empreendimentos é capaz de induzir políticas e a mobilização de capital público que diretamente interessam e cooperam para a viabilização de uma acumulação corporativa.

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demandas próprias ou próximas, mas no mais das vezes voltados às demandas externas e alheias a vida do lugar e da nação). Daí a importância de compreendermos as mediações que a formação socioespacial impõe entre o lugar e o mundo, e vice-versa, porque hoje regiões e lugares não resultam de uma razão orgânica e nem podem definir de modo autônomo o seu próprio conteúdo (SANTOS, 1977, 2002). Em outras palavras, no período atual, não podemos compreender o lugar se não nos damos conta das opções feitas pela formação socioespacial (pelo território nacional), face aos reclamos e demandas do mundo globalizado. O caso da cana-de-açúcar e da expansão recente do setor no Brasil e no Triângulo Mineiro exemplifica tal situação. Ao que tudo indica, nos parece que o país (ou ao menos quem detém o comando político e a força para definir projetos e o futuro) e também um vasto conjunto de regiões e municípios são, cada um a seu modo, seduzidos por um efeito aparente de modernização, um efeito modernizador (PEREIRA, 2006) que orienta ações e recursos públicos para viabilizar projetos corporativos e endereçados à demandas externas aos lugares e à nação. É isso que ocorre com crédito e outras políticas de viabilização do setor são amplamente fomentadas pelo poder público, quando a nação permite que grupos externos organizem uma produção que, já muito importante, tende a tornar-se cada vez mais estratégica no futuro (próximo e distante). Quando tais agentes começam a ser atendidos em suas demandas mais prementes, enquanto que outros agentes produtivos (não hegemônicos) figuram como menos importantes ou se tornam “obsoletos” aos interesses do poder público e do capital, inserindo novos contextos de instabilidade no território. Deste modo, e neste novo período de expansão, ainda mais caracterizado por um adensamento dos conteúdos técnicos, científicos e informacionais (SANTOS, 1994), mas também por novos conteúdos normativos (que não deixam de ser técnicos), porque sem normas precisas tais ações não se viabilizam, a área de produção do álcool combustível ganha nova extensão, produz novos “extensos” (SANTOS, 1986; SILVEIRA, 2006), objetos geográficos que, para o nosso caso, podem ser exemplificados pelas novas usinas, novas plantações, sistemas de engenharia que viabilizam a produção, etc. que reorganizam o território nacional e também definem uma nova composição do território no Triângulo Mineiro – são novos constructos humanos que, orientados por uma ideologia do moderno e do desenvolvimento, redefinem os usos do território nesta porção de Minas Gerais.

Assim, podemos reconhecer que o momento atual (com início na primeira década deste século) parece configurar um novo período para a produção sucroalcooleira na região do Triângulo Mineiro. Resultado direto de demandas externas e da reconfiguração do território nacional para atender a interesses exógenos, é preciso reconhecer que este novo período porta razões e racionalidades diferentes dos anteriores, ainda que o produto seja o mesmo. O conteúdo novo que viabiliza tal uso do território parece, por agora, ter como característica principal o interesse de grandes grupos externos e, pelo que tudo indica, o país deve perder pelo menos em parte a regulação e o comando da produção, porque tais agentes, de fato, não possuem compromissos com o território nacional e menos ainda com as regiões em que se instalam, espaços estes que se tornam meras “bases” ou “plataformas” de produção. No Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, são pelo menos doze os novos empreendimentos (usinas) instalados entre 2002 e 2010 (em dez diferentes municípios), e pelo menos outros doze em vias de implantação (algumas usinas apenas em projeto, outras já em adiantado processo de construção). Na medida em que as usinas se tornam agora maiores e compõem “objetos tecnicamente perfeitos” – garantindo maior produtividade, com aproveitamento integral dos insumos, o que no Triângulo Mineiro (e em boa parte do país) resulta inclusive em geração de energia, cujo excedente é vendido à CEMIG, e com o aumento das áreas de cultivo da cana, temos uma tendência de especialização produtiva que já alcança parte considerável dos municípios e tende a figurar como interesse corporativo que é, com efeito, viabilizado e amplamente assegurado pelo poder público. Temos, novamente, um processo novo e atualizado de racionalização do campo, o que desfaz solidariedades pretéritas e impõe nova razão de funcionamento aos lugares.

“O doce e o nó da cana” - a sedução do moderno e as consequências territoriais da expansão recente no Triângulo Mineiro A lógica dos movimentos que definem a natureza e o conteúdo das regiões são, essencialmente, direto de uma divisão territorial do trabalho que se desenha, muitas vezes (especialmente nos países onde persistem dependências políticas e desigualdades sociais/territoriais), numa escala maior do que a da própria nação. Dos diferentes eventos e das diferentes razões do trabalho e da produção se produz, nos lugares, diferentes períodos e também diferentes arranjos territoriais (ora voltados às

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RIBEIRO, Ana Clara Torres. Sistema, período e ação: desafios de uma herança. Ciência Geográfica. Bauru, ano VII, vol.2 (19), p.33-37, 2001.

notas 1. Professor dos cursos de graduação e pós-graduação em Geografia, IG-UFU. E-mail: mirlei@ ig.ufu.br

SANTOS, Carlos. O conceito de extenso (ou a construção ideológica do espaço geográfico). In: BARRIOS, Sonia, et. all. (Ed.). A construção do espaço. São Paulo, Nobel, 1986. p.25-31.

2. A maioria destes 37 engenhos citados nos inventários do terceiro quartel do século XIX se encontra nas proximidades da vila de Uberaba e dos arraiais de Conceição das Alagoas, Campo Formoso e Frutal, bem como, mais ao norte, nas proximidades do arraial de Uberabinha (atual Uberlândia) (LOURENÇO, 2010, p.196).

SANTOS, Milton. Técnica, espaço, tempo. Globalização e meio técnico-científico informacional. São Paulo: Hucitec, 1994. _____. A natureza do espaço. Técnica e tempo. Razão e emoção. São Paulo: Hucitec, 1996.

3. Em 1979, o barril de petróleo passa de 12 para U$ 18 (BRAY, 1992, p.22), o que acaba por fortalecer as políticas de subsídio à produção de álcool como combustível alternativo à gasolina, fortalecendo, portanto, o Próalcool (o que acaba por configurar, a partir de então, uma nova fase deste Programa).

_____. Sociedade e espaço: a formação social como teoria e como método. Da totalidade ao lugar. Cap.1. São Paulo: Edusp, 2002, p.21-41.

Referências

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SOUZA, A. G.; CLEPS Jr., J. O desenvolvimento da agroindústria canavieira no Triângulo Mineiro e seus impactos sobre a mão-de-obra e a produção de alimentos. XIX ENCONTRO NACIONAL DE GEOGRAFIA AGRÁRIA, São Paulo, 2009. Anais... São Paulo, 2009, 16p.

BRAY, Silvio Carlos. O Proálcool e as transformações nas áreas canavieiras do estado de São Paulo. Boletim de Geografia Teorética. Rio Claro, vol.22, n.43-44, p.21-26, 1992.

VARGAS, Glória Maria; MICHELOTTO, Bruno Del Grossi. Novas dinâmicas regionais: expansão da cultura da cana no Triângulo Mineiro. Geografia. Rio Claro, vol.36, n.1, p.5-22, 2011.

CASTILLO, R. Região competitiva e circuito espacial produtivo: a expansão do setor sucroalcooleiro no Brasil. VII Encontro Nacional da ANPEGE, Curitiba, 2009. Anais... Curitiba, 2009, 15p. CLEPS Jr, J. Concentração de poder no agronegócio e (des)territorialização: os impactos da expansão recente do capital sucroalcooleiro no Triângulo Mineiro. Caminhos de Geografia. Uberlândia.Vol.10, n.31, p.249-264, 2009. FARIA, A. H. A expansão da cana-de-açúcar na mesorregião do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba (MG): o discurso da modernidade e as (re)territorializações nos cerrados do município de Ibiá. Dissertação (Mestrado em Geografia), IG-UFU. Uberlândia, 2011. LOURENÇO, Luís Augusto Bustamante. A oeste da Minas. Escravos, índios e homens livres numa fronteira oitocentista - Triângulo Mineiro (1750-1861). Uberlândia: Edufu, 2005. _____. O Triângulo Mineiro, do Império à República: o extremo oeste de Minas Gerais na transição para a ordem capitalista (segunda metade do século XIX). Uberlândia: Edufu, 2010. PEREIRA, Mirlei Fachini Vicente. O território sob o efeito modernizador. A face perversa do desenvolvimento. Interações. Campo Grande, vol8, n.13, p.63-69, 2006. _____. A inserção subordinada do Brasil na divisão internacional do trabalho: conseqüências territoriais e perspectivas em tempos de globalização. Sociedade & Natureza. Uberlândia, vol. 22, n.2, p.347-355, 2010a. _____. A inserção recente da cana-de-açúcar no sudoeste da Amazônia: novos indícios da instabilidade do território em Rondônia e Acre. Interações. Campo Grande, v.11, n.2, p.187-193, 2010b.

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