A casa de areia do padre e da moça

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A casa de areia do padre e da moça

Rodrigo Bouillet Organizador do Cineclube Tela Brasilis [email protected] Texto do programa da sessão do Cineclube Tela Brasilis realizada na Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro em 2 de junho de 2005. A exibição de O padre e a moça (dir. Joaquim Pedro de Andrade, 1965) foi antecedida do curta A hora vagabunda (dir. Rafael Conde, 1995) e seguida de debate com Consuelo Cunha Campos e Lécio Augusto Ramos.

O cinema entrou na vida de Joaquim Pedro de Andrade na Faculdade Nacional de Filosofia, onde estudava Física, através do reativamento da inaugural prática cineclubista do Chaplin Club de Plínio Sussekind Rocha, professor da entidade. Assim, a partir de 1953, passou a organizar ao lado de Saulo Pereira de Mello e Mário Haroldo Martins as atividades do Centro de Estudos Cinematográficos. Freqüentavam as sessões os demais jovens pioneiros do Cinema Novo: Leon Hirszman, Cacá Diegues, Marcos Farias, Miguel Borges – que, com Andrade, fariam Cinco vezes favela (1962) –, Paulo César Saraceni e Arnaldo Jabor. O entendimento do Cinema Novo como a chegada das questões modernistas da década de 1920 ao cinema nacional – “movimento de atualização da arte brasileira que articulou em termos novos a questão nacional na literatura, música e artes plásticas”, nas palavras de Ismail Xavier – talvez credencie Joaquim Pedro como o mais moderno dos cineastas brasileiros. Afilhado de Manuel Bandeira conviveu desde pequeno com Carlos Drummond de Andrade, Lúcio Costa, Pedro Nava e Oscar Niemeyer – pessoas do círculo de amizade seu pai, diretor do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Não por acaso, seu primeiro filme, o média-metragem O poeta do Castelo e O mestre de Apipucos (1959), inicialmente, “ia ser um filme sobre Carlos Drummond de Andrade, Guimarães Rosa e Manuel Bandeira. O Guimarães e Drummond não aceitaram posar para o filme, ficou o Manuel Bandeira e o Gilberto Freire”. Anos mais tarde, adaptaria para as telasMacunaíma (1968), de Mário de Andrade, e misturaria a um só tempo vida e obra de Oswald de Andrade em O homem do pau-brasil (1981). Dirige o curta de ficção Couro de gato (1961), que abre a possibilidade de estudar cinema na Inglaterra, nos Estados Unidos e na França. Retorna ao Brasil com a doação de uma câmera Arriflex 35mm e um gravador Nagra

que ajudariam na realização do curso de Arne Sucksdorff, na Cinemateca do Museu de Arte Moderna (RJ). Em seguida, roda o documentário longo Garrincha, alegria do povo (1963). O padre e a moça (1965), inspirado em poema de Carlos Drummond de Andrade - “por sua vez inspirado na existência de uma Gruta do Padre em Minas Gerais, terra do poeta e da família do cineasta” –, foi o primeiro filme de ficção em longa-metragem de Joaquim Pedro de Andrade. “Escolhi esse tema porque encontrei no poema de Carlos Drummond de Andrade o problema de uma pessoa que sofre um processo de inibição em suas relações com outra pessoa. O tema do filme é apenas uma das muitas conotações que se encontram no poema. Acho importante, dentro da vida, a interrelação das pessoas. As relações de um homem com uma mulher, por exemplo: ou relações de uma pessoa com várias outras, de um homem com um grupo, de um homem com a sociedade. E acho que inibição dessas relações ocorre com todo o mundo em nosso tempo”. Através de um enredo extremamente simples, Joaquim Pedro trabalha as “inibições” de uma pequena cidade mineira do interior parada (ou defasada) no tempo e no espaço, em relação às mudanças que tomavam de assalto a década de 1960. Os planos, longos, e a mise en scene, econômica, compartilham da imobilidade que cerca as pessoas. A chegada de um novo pároco desestabiliza a frágil estrutura afetiva e social do lugarejo. Fortunato (Mário Lago) é o velho negociante de diamantes que sustenta seu poder local ao endividar os poucos garimpeiros que ainda exploram veios de diamantes já esgotados. Sob sua tutela está Mariana (Helena Ignês). A moça, outrora disputada por Fortunato e pelo vigário que morre, além de despertar a paixão do farmacêutico alcoólatra Vitorino (Fauzi Arap), escolhe amar o padre (Paulo José) que chega. De um lado, a cidade revelaria em sua decadência econômica a face mais feia e suja de um Brasil arcaico que precisava mudar. Um lugar sem crianças, sem futuro. Por outro, o inaceitável romance do padre com a moça deveria ser repudiado de todas as formas para que não se desestabilizasse as bases daquela sociedade. Hoje em dia, é interessante experimentar um diálogo entre O padre e a moça e Casa de areia, de Andrucha Waddington (2005), em cartaz. Em ambos os filmes, ao deslocarem suas histórias para lugares isolados, seus personagens encenam conflitos que revelam dois momentos de um mesmo processo pelo qual o país atravessou. No primeiro, há a idéia de necessidade de modernização da sociedade, de se rever conceitos, de se enfrentar mitificações. Aos que não se

incorporarem ao processo resta o desaparecimento. Neste caso, na forma de uma destruição autofágica. Em Casa de areia, exatos quarenta anos depois, prevalece o desencanto com este projeto modernizante que não se cumpriu. Restaria, agora, ao indivíduo (e não mais ao grupo) uma “reconciliação ancestral” com a terra/mãe (mais uma vez o Nordeste) para a (re)descoberta de sua identidade. Observação: Os extratos não creditados foram retirados das entrevistas de 1966 e 1983 dadas por Joaquim Pedro de Andrade a Alex Viany, organizadas por José Carlos Avellar em O processo do Cinema Novo, publicado pela Editora Aeroplano, Rio de Janeiro, 1999, pp. 157-172 e 257270.

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