A cidade como interface: experimentações em realidade aumentada no espaço urbano
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM URBANISMO
A cidAde como interfAce: EXPERIMENTAÇÕES EM REALIDADE AUMENTADA NO ESPAÇO URBANO
Marina Lima Medeiros Mestrado em Urbanismo Orientador: Rodrigo Cury Paraizo Rio de Janeiro / 2014
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM URBANISMO
A cidAde como interfAce: EXPERIMENTAÇÕES EM REALIDADE AUMENTADA NO ESPAÇO URBANO
Marina Lima Medeiros Mestrado em Urbanismo Orientador: Rodrigo Cury Paraizo Rio de Janeiro / 2014
MARINA LIMA MEDEIROS
A cidAde como interfAce: EXPERIMENTAÇÕES EM REALIDADE AUMENTADA NO ESPAÇO URBANO.
Orientador: Rodrigo Cury Paraizo Dissertação submetida ao corpo docente do Programa de Pós-Graduação em Urbanismo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre.
Rio de Janeiro, 2014
MARINA LIMA MEDEIROS
A cidAde como interfAce: EXPERIMENTAÇÕES EM REALIDADE AUMENTADA NO ESPAÇO URBANO.
Aprovada por:
_______________________________ Rodrigo Cury Paraizo - Orientador PROURB/FAU-UFRJ
Dissertação submetida ao corpo docente do Programa
_______________________________
de Pós-Graduação em Urbanismo da Faculdade de Arquitetura
José Barki
e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ,
PROURB/FAU-UFRJ
como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre. _______________________________ Anja Pratschke IAU-USP
Rio de Janeiro, 2014
Dedico este trabalho à minha mãe, Láucia por todo o carinho e incentivo.
AgrAdecimentos
Aos amigos em Sampa. Aos colegas da JBMC, em especial ao Emi, à Bia e ao Frederico pelo apoio e torcida. À Juju, ao Fred e à Rachel por me acolherem nos momentos difíceis.
À Deus, pela força. À minha família. À minha mãe, Láucia, e à minha irmã, Marília, por todo o amor que me dão. Ao meu Tio Edu, exemplo de perseverança no mundo acadêmico. Aos colegas do PROURB. Ao meu orientador Rodrigo Cury Paraizo, pela paciência e simpatia em todos os momentos. À professora Adriana Sansão, pela oportunidade de compartilhar a experiência de ensino com seus alunos. À todos os meus amigos de turma no mestrado. Em especial à Tânia, pela companhia e por dividir comigo seu amor pelos sketches urbanos. Aos professores e bolsistas do LAURD. Em especial aos ex-bolsistas Cecilia Rodrigues e Jorge Vinícius, por cederem maquetes eletrônicas de seus trabalhos para a realização de alguns dos testes presentes nessa dissertação. Em especial ao Professor José Barki pela enorme ajuda nos últimos meses. Aos amigos no Rio. Ao Luiz Carlos e à Marise, por me acolherem como prima-sobrinha-amiga em seu apartamento e suas vidas. À Carol, por todo apoio emocional e ajuda no trabalho. À Clarice, à Clara, ao Léo e ao Francesco pelo companheirismo.
Aos amigos do Ceará, que estão em Fortaleza ou espalhados pelo mundo, pela amizade de hoje e de sempre. Por fim, gostaria de agradecer à Capes pelo apoio financeiro a esta pesquisa.
resumo Esta dissertação de mestrado busca contribuir para a discussão sobre recentes práticas de transmissão de informações a partir de elementos do espaço urbano e/ou da localização do usuário e as relações com o espaço urbano geradas a partir dessas práticas, analisadas sob a ótica da arquitetura e do urbanismo. Além de uma pesquisa bibliográfica foram pesquisados e experimentados (quando possível) aplicativos de mídias locativas e realidade aumentada para smartphones e tablets utilizados para publicidade, jogos urbanos, guias de viagens e instalações artísticas. Por fim, foram organizados e descritos experimentos de realidade aumentada com maquetes eletrônicas de edificações geolocalizadas na cidade do Rio de Janeiro. Com os resultados preliminares foram tiradas conclusões sobre as possibilidades e dificuldades do uso desta tecnologia para a melhor compreensão do patrimônio edificado ou virtual e de projetos de arquitetura.
PALAVRAS-CHAVE Aplicativos para celulares, geolocalização, mídias locativas, Palácio Monroe, Porto Maravilha
AbstrAct This work seeks to contribute to the discussion on recent ways of transmitting information from elements of urban space and/or the user’s location and the relationships with the urban space generated from these practices, analyzed from the perspective of architecture and urbanism. In addition to an literature research, many applications for smartphones and tablets were researched and tested when possible. These were location based-media applications or augmented reality applications used for marketing, urban games, touristic guides and artistic installations. Finally, a tracking-based augmented reality system was created and tested with 3D models of buildings in the city of Rio de Janeiro. After analyzing the results conclusions were taken about the possibilities and difficulties of this technology for the better understanding of the built or virtual heritage and architecture projects.
KEY-WORDS Cellphone applications, geolocation, location-based medias, Palácio Monroe, Porto Maravilha
sumário
Introdução
13
1.
A cidade mediada pela comunicação digital
19
1.1.
A Cidade e o Ciberespaço
20
1.2.
Interfaces na cidade
27
1.3.
Entornos Híbridos: espaços urbanos e virtuais
34
1.4.
Conclusões
39
2.
Realidade Aumentada
40
2.1.
Mídias baseadas em locação
41
2.2.
Definições de Realidade Aumentada
48
2.3.
Estado da arte em realidade aumentada
55
2.4.
Conclusões
63
3.
Experimentações em Realidade Aumentada: método e aplicação
64
3.1.
A realidade aumentada como meio para a Arquitetura e Urbanismo
65
3.2.
O método: realidade aumentada de edifícios em meio urbano
72
3.3.
O Palácio Monroe, o passado visto em um presente aumentado
87
3.4.
O Porto Maravilha e sua forma urbana em potência
96
3.5.
Resultados preliminares e perspectivas
108
Conclusões
111
Bibliografia
114
Anexo 01 - Lista de aplicativos testados
i
ListA de iLustrAções Figura 23. Esquema de realidade aumentada a partir Figura 1. O Bezerro de Ouro - Jeffrey Shaw
13
de geolocalização
52
Figura 2. Aplicativo Penguin NAVI.
16
Figura 24. Jarvis no visor do Homem de Ferro
53
Figura 3. Interiores de data centers da Google
22
Figura 25. Cena de Minority Report
53
Figura 4. Tela do programa CityEngine
24
Figura 26. Imagens do aplicativo World Lens
56
Figura 5. Cena do jogo Rio Forward +50
25
Figura 27. Sekai Camera
56
Figura 6. Cena do jogo Rio Forward +50
25
Figura 28. Camada do Flickr no Wikitude
56
Figura 7. Porta da Catedral de Notre Dame, Paris
28
Figura 29. Camada de fotos georreferenciadas do
Figura 8. Projeto de fachada com QrCodes
28
Instagram no Layar
56
Figura 9. Fachada Mostra PLAY
30
Figura 30. ARQuake
57
Figura 10. Kunsthaus Graz
30
Figura 31. Zombies Everywhere
57
Figura 11. Hyposurface
31
Figura 32. Tela do aplicativo com guia de viagens em
Figura 12. Water Pavilion em Zaragozza
31
realidade aumentada MTrip
Figura 13. Google Glass
32
Figura 33. Publicidade do aplicativo UAR - Urban
Figura 14. Tela do Geocaching
43
Augmented Reality
Figura 15. Geocache encontrado
43
Figura 34. Muro de Berlim visto em realidade
Figura 16. Jogo PacManhattan
45
aumentada
Figura 17. Campo minado, jogo/intervenção artística
59 60
Figura 35. Re+Public Augmented Reality App e arte
do artista Cláudio Bueno
46
de Momo
Figura 18. QR Code em calçada em Lisboa
46
Figura 36. Manhattan Phrase 40.74279,-74.008981
Figura 19. Padrão de descobrimento
46
to 40.728411,- 73.975679 de Shannon Novak
Figura 20. Esquema do Continuum Virtual
49
Figura 37. Processo de projeto segundo Marnix
Figura 21. Jogo no aplicativo Junaio
52
Stellingwerff
Figura 22. Esquema de realidade aumentada a partir de alvos
59
60 61 66
Figura 38. Mapa da University College London com 52
informações em realidade aumentada.
73
Figura 39. Experiências de realidade aumentada de objetos arquitetônicos a partir de alvos
Figura 55. Esquema-resumo para organização dos 73
Figura 40. Experiências de realidade aumentada de objetos arquitetônicos a partir de alvos Figura 41. Exposição
73
Augmented: Architecture in
Augmented Reality
testes de realidade aumentada
86
Figura 56. Postal com o Palácio Monroe
87
Figura 57. Palácio Monroe no ano de sua demolição, 1976
75
Figura 42. Informações em realidade aumentada sobre
Figura 58. Modelo eletrônico da região da Cinelândia nos dias atuais
75
Figura 59. Modelo eletrônico da região da Cinelândia
Figura 43. R.A. do empreendimento Fibrasa Connection 76
nos dias atuais com o Palácio Monroe na sua
Figura 44. Experiência de R.A. em espaços abertos de
configuração original
a maquete do Museu de Arte Eli & Edythe
Werner Lonsing
76
Figura 60. Fotomontagem com o Palácio Monroe em
Figura 45. Imagem do aplicativo 3Don
77
sua configuração original na Cinelândia
Figura 46. Publicidade do aplicativo Urbasee
77
Figura 61. Exemplo de simplificação da geometria do
Figura 47. Esquema da arquitetura do Layar
80
modelo
Figura 48. Imagem do Layar Creator
81
Figuras 62 e 63. Teste de R.A. do Palácio Monroe na
Figura 49. Imagem da plataforma Hoppala
81
Lagoa Rodrigo de Freitas
Figura 50. Imagem do FeedGeorge Plug-In para plataforma Wordpress
83 83 83
92 93
eletrônica no Sketchup
93
Monroe foi realizado
94
da Av. Rio Branco
94
Figuras 68 e 69. Monroe em realidade aumentada a 84
Figura 54. Primeiro teste de R.A. geolocalizado na Ilha do Fundão
91
Figuras 66 e 67. Tentativa de visualização do Palácio
Figura 53. Primeiro teste de R.A. geolocalizado na Ilha do Fundão
90
Figura 65. Pontos de onde o teste com o Palácio
Figura 52. Esquema de conversão dos arquivos para o formato Layar3D
90
Figura 64. Ajuste da escala e angulação da maquete
Figura 51. Imagem da tela do Layar onde deve ser inserido o API URL
88
partir da Rua Mestre Valentim
94
Figura 70. Mapa da área de abrangência do projeto 84
Porto Maravilha
96
ListA de tAbeLAs
Figura 71. Vista geral da área a partir do Morro da Providência
97
Figura 72. Esquema de venda e uso dos recursos arrecadados com as CEPAC’s
Tabela 01. Diferenças entre mídias locativas digitais e 98
analógicas.
99
Tabela 02. Oportunidades da realidade aumentada
43
Figura 73. Mapa com Áreas de aumento de potencial construtivo pela compra de CEPAC’s
Figura 74. Cortes comparativos na Av. Rodrigues Alves 100
para a arquitetura segundo ABBOUD (2014)
67
Figura 75. Comparação da morfologia urbana por modelos eletrônicos
103
Figuras 76 e 77. Primeiro teste de realidade aumentada
Tabela 03. Limitações tecnológicas da realidade aumentada para a arquitetura atualmente
70
do Porto Maravilha feito a partir da Av. Francisco Bicalho, próximo à Estação da Leopoldina
105
Figuras 78 e 79. Primeiro teste de realidade aumentada do Porto Maravilha feito próximo à Rodoviária
para realidade aumentada 105
Figuras 80 e 81. Segundo teste de realidade aumentada do Porto Maravilha feito do acesso à Ponte Rio-Niterói
106
Figuras 82 e 83. Terceiro teste de realidade aumentada do Porto Maravilha a partir da Av. Francisco Bicalho, próximo à Estação da Leopoldina.
106
Figura 84. Realidade aumentada do projeto do edifício-sede da EBA-UFRJ
113
Figura 85. Matéria no jornal O Globo, de 25 de novembro de 2014, sobre a “inauguração” do edifíciosede da EBA-UFRJ em realidade aumentada.
Tabela 04. Dificuldades para a organização de dados
113
71
introdução
da tela, apresentava uma estátua de um bezerro sobre ele; ao se caminhar ao redor do pedestal, com a tela nas mãos, era possível ver a estátua de outros ângulos. (LÉVY, 2010: 47) Na visualização da tela, além do bezerro de ouro, o pedestal e seu entorno também eram modelos eletrônicos que imitavam o espaço físico da sala de exposição, características que a deixam fora da definição de realidade aumentada que aqui adotaremos: um sistema de realidade aumentada “mistura o real e o virtual, é interativo em tempo real e possui registro em três dimensões” (AZUMA, 1997: 356). No entanto, a obra de Shaw antecipou de diversas maneiras a condição de diversos usuários de aparelhos de comunicação móveis dos dias atuais, em especial a espacialidade híbrida trazida pela
1. O Bezerro de Ouro - Jeffrey Shaw Fonte: http://www.leonardo.info/gallery/gallery332/shaw1.jpg
computação, sobrepondo informações digitais especializadas e a experiência sensível do mundo físico. Mais especificamente, lidou com uma espacialidade trazida por um dispositivo portátil, como viríamos a
Em 1996 o artista Jeffrey Shaw apresentou uma
conhecer e praticar. A interface atualemnte é objeto pessoal
instalação artística no festival Artificies em Saint-Denis na
de moradores e visitantes de cidades contemporâneas.
França. A instalação consistia a princípio de um pedestal
Aplicativos de guias turísticos com realidade aumentada
branco e uma tela portátil, que se encontrava apoiada sobre
mostram informações georrefenciadas de atrações turísticas
uma mesa ao lado do pedestal. O nome da instalação era “O
sobrepostas a visualização do entorno urbano em telas de
1
bezerro de ouro” : o pedestal vazio, ao ser visualizado através
celulares. As informações provenientes da internet só podem ser observadas a partir dessa interface, assim como o bezerro virtual da obra de Shaw.
1
https://www.youtube.com/watch?v=paaacEIF6wU
A obra do artista traz ainda outra reflexão: é o pedestal 13
funcionou como uma ‘interface’2. (DE WAAL, 2014: 07)
físico que mostra a importância do objeto a ser visualizado. A presença do objeto só é notada com o uso da interface, mas é o espaço físico destinado ao bezerro de ouro virtual que mostra a importância do que será observado. Logo, cabe questionar
OBJETIVOS
qual a relação de importância entre entorno e objeto virtual
Este trabalho visa discutir, analisar e organizar conceitos
em casos de realidade aumentada. A cidade é pano de fundo e
existentes referentes à transmissão de informações a partir
é o que dá sentido às informações especializadas em realidade
da localização na cidade ou de elementos do espaço urbano
aumentada, a cidade também é a interface para a localização
sob a ótica da arquitetura e do urbanismo. Contribuir para a
dessas informações. O pesquisador Martjin de Waal afirma
discussão sobre as relações dos usuários com o espaço urbano
que a própria construção social da cidade já faz dela interface:
geradas por estas recentes práticas de comunicação que usam a cidade como interface. E explorar as possibilidades
Podemos também usar este termo para estudar espaços públicos urbanos? Então, não estaríamos mais preocupados em que medida as interfaces e algoritmos de mídias urbanas ameaçam o espaço público urbano físico. Em vez disso, se nós poderíamos observar como os espaços públicos urbanos sempre funcionaram como interfaces e em que medida as novas interfaces de mídia digital interferem nele. A resposta curta para esta pergunta é: sim, nós podemos. Em primeiro lugar, a dinâmica da vida urbana sempre consiste em uma acumulação de todos os tipos de processos de troca. Em grande medida, a vida cotidiana gira em torno de sintonizar identidades individuais e coletivas, sintonizar o presente ao passado, e harmonizar as preocupações e interesses dos diferentes públicos urbanos. Visto desta perspectiva, a esfera pública urbana sempre
da realidade aumentada de objetos arquitetônicos digitais georreferenciados no espaço urbano como ferramenta para o estudo e a prática da Arquitetura e do Urbanismo.
2
No original: Can we also use this term to study urban public spaces? Then we would no longer be concerned with the extent to which the interfaces and algorithms of urban media threaten the physical urban public space. Instead, we would look at how urban public spaces have always functioned as interfaces and the extent to which the new interfaces of digital media interfere with this. The short answer to this question is: yes, we can. First, the dynamic of urban life always consists of an accumulation of all sorts of exchange processes. To a large degree, everyday life revolves around attuning individual and collective identities, attuning the present to the past, and harmonizing the concerns and interests of different urban publics. Seen from this perspective, the urban public sphere has always functioned as an ‘interface’. Tradução nossa. 14
OBJETIVO ESPECÍFICO
e um projeto urbano a ser implantado. Foram escolhidos
Organizar um método no qual seja necessário pouco ou
propositadamente projetos com escalas e temporalidades
nenhum conhecimento em linguagens de programação para
diferentes, a fim de se analisar limites da representação dos
produzir testes de realidade aumentada para a visualização
softwares de realidade aumentada atuais para a análise da
de modelos arquitetônicos em verdadeira grandeza nos seus
arquitetura.
locais de implantação utilizando aplicativos existentes no mercado atual.
O primeiro objeto escolhido foi o Palácio Monroe. Edifício histórico que foi demolido em 1976 em meio a muita polêmica. O edifício foi estudado e analisado a partir de modelos virtuais
OBJETO TEÓRICO As mídias digitais baseadas em locação, ou mídias
3D por pesquisadores do LAURD – Laboratório de Análise Urbana e Gráfica Digital.3
locativas (tecnologias de comunicação que usam a informação
O outro objeto de estudo a ser simulado com realidade
da localização do usuário), são responsivas à localização do
aumentada foi o projeto urbano do Porto Maravilha. Este
usuário e podem ser interativas e se modificam de acordo
projeto foi analisado e simulado em computador durante as
com a situação e com o lugar. Entre as mídias locativas, a
disciplinas deste mestrado, nas etapas iniciais desta pesquisa4.
tecnologia da realidade aumentada permite além da relação entre localização e informação, a possibilidade de fundir a
RELEVÂNCIA E JUSTIFICATIVA
visualização de objetos simulados digitalmente com o entorno
Alguns exemplos atuais do uso da realidade aumentada
físico do usuário. O objeto teórico desta dissertação, portanto,
no espaço urbano demonstram a utilidade desta tecnologia
é a realidade aumentada, e suas implicações na representação
para os estudos da cidade. Por exemplo, o Sunshine Aquarium
da cidade.
da cidade de Tóquio tinha dois problemas: precisava se destacar entre as milhares de atrações turísticas da cidade e guiar seus
OBJETO EMPÍRICO – RECORTE Como recorte deste trabalho decidiu-se por estudar a realidade aumentada de objetos arquitetônicos no espaço urbano. Para isto foram escolhidos dois projetos arquitetônicos na cidade do Rio de Janeiro, um edifício histórico já demolido
3 4
O Palácio Monroe também foi objeto de estudo da dissertação de mestrado de um dos coordenadores do LAURD e orientador dessa dissertação, Prof. Dr. Rodrigo Cury Paraizo. Disciplinas Leituras Gráficas da Cidade e Teoria da Forma Urbana do curso de Mestrado em Urbanismo do PROURB-UFRJ. 15
visitantes durante um longo percurso de um quilômetro,
diversos aplicativos de localização de pontos de interesses
desde a estação de metrô mais próxima até a entrada do
e visualização de informações digitais em ambientes físicos
aquário. Como solução, foi criado o aplicativo de realidade
através da realidade aumentada.
aumentada para celulares Penguin NAVI (HAKUHODO,
Para a arquitetura e o urbanismo, entretanto, o uso
2013) em que aparecem pinguins animados que percorrem
da realidade aumentada como ferramenta de projeto ou
o caminho através de informações de GPS e guiam os turistas
estudo da cidade ainda não é difundido. São encontrados
até o destino final.
poucos aplicativos no mercado que possibilitam a visualização
Este exemplo ilustra como a realidade aumentada
de modelos eletrônicos tridimensionais de edifícios em
desponta como ferramenta diferencial para o marketing e
realidade aumentada. Alguns exemplos encontrados são o
a propaganda (ADDOUM, 2012), e muitos investimentos
3DOn ARchitecture (3DOn Ltd., 2013) e o Urbasee Future
ainda estão sendo feitos para a melhoria da precisão e
(ARTEFACTO, 2013).
velocidade da transmissão de dados. As indústrias do turismo
Rana Abboud (2014) destaca que o uso da realidade
e do marketing e propaganda desenvolvem constantemente
aumentada para a arquitetura e urbanismo apresenta diversas possibilidades na fase de concepção dos projetos, durante e depois da execução do projeto. Existem ainda possibilidades de uso da realidade aumentada para o estudo da cidade, do patrimônio histórico e para oferecer ferramentas para a discussão de projetos e do planejamento da cidade. Todas estas possibilidades da realidade aumentada para a arquitetura, entretanto, ainda não são completamente exploradas, por falta de conhecimento dos potenciais da tecnologia e algumas restrições tecnológicas (PEREY e TERENZI, 2014:07-09). Este trabalho busca, portanto, explorar algumas das
2. Aplicativo Penguin NAVI. Fonte: junaio.wordpress.com/2013/07/01/penguin-navi/
possibilidades que a realidade aumentada apresenta como ferramenta para a arquitetura e o urbanismo fazendo uso da tecnologia atualmente disponível. 16
MÉTODO
Ainda em paralelo com a construção do quadro teórico-
Para a elaboração do texto foi pesquisada uma
conceitual, foi realizada a pesquisa para se organizar o método
bibliografia referente a relação entre a técnica e o espaço
para os testes de realidade aumentada com os modelos
urbano e as transformações recentes no espaço urbano a
eletrônicos do Palácio Monroe e da volumetria das torres
partir do desenvolvimento e daexpansão da internet a partir
propostas na legislação urbana do Porto Maravilha. Com o
da leitura de textos de André Lemos (2008, 2009, 2010,
método definido foram feitas as adaptações necessárias nos
2013), Adriana de Sousa e Silva (2004, 2006), Lev Manovich
modelos eletrônicos dos objetos arquitetônicos estudados
(2001, 2002, 2005), Margaret Wertheim (2001), Paul Virilio
para adequá-los às prerrogativas do software de realidade
(1993), Pierre Lévy (2010, 2011), William J. Mitchell (2003,
aumentada escolhido para os testes, o Layar (LAYAR, 2013).
2005), entre outros.
Por fim, foram criados servidores de dados próprios da pesquisa
Foram, então, definidos, criticados e organizados os
para servirem de provedores de serviços para as camadas
termos fundamentais para este trabalho: mídia baseada
criadas no site do Layar. Por fim foram realizados os testes
em locação, território informacional, espaço aumentado
com os modelos do Palácio Monroe e do Porto Maravilha
e realidade aumentada, a partir da discussão dos textos de
georreferenciados em seus lugares no espaço urbano da
diversos autores contemporâneos como Lev Manovich (2005),
cidade do Rio de Janeiro.
André Lemos (2010) e textos com as definições mais utilizadas e aceitas de realidade aumentada na atualidade Azuma (1997, 2001) e Milgram e Kishino (1994).
RESUMO DOS CAPÍTULOS O trabalho ficou então organizado em três capítulos. O
Em paralelo com a pesquisa bibliográfica, foi realizada
primeiro trata da comunicação digital na cidade contemporânea
uma pesquisa na internet em sites especializados e sites de
e suas implicações na maneira como os moradores e visitante
notícias, em busca de exemplos de aplicativos para smartphones
percebem o espaço urbano, como um espaço híbrido entre
e tablets que utilizam a cidade como base para a troca de
informações digitais disponíveis na rede e o espaço físico
informações. Dentro das possibilidades, foram testados
da cidade. As relações entre a cidade e o ciberespaço são
alguns aplicativos com diferentes funções: publicidade, jogos
descritas e analisadas sob a ótica de diversos autores. O
eletrônicos, guias de viagens, arte, entre outros (ver lista de
capítulo se encerra tratando das interfaces que são utilizadas
aplicativos no Anexo 01).
para se acessar este ciberespaço a partir da cidade. Interfaces 17
que podem se encontrar juntas às pessoas (aparelhos celulares ou tablets) e outras interfaces se encontram junto à própria arquitetura da cidade, algumas vezes compondo as fachadas dos edifícios. O segundo capítulo trata dos principais conceitos utilizados no estudo para as experimentações. São estudados conceitos de diferentes autores para os termos: mídias locativas, territórios informacionais, real, virtual, espaço aumentado, realidade aumentada, realidade mista entre outros. Ao final, discute-se sobre o estado da arte da tecnologia atual de realidade aumentada; em especial, são citados exemplos de uso de aplicativos de realidade aumentada para visualizações no espaço urbano. Por fim, o último capítulo disserta sobre o uso da realidade aumentada como ferramenta para a arquitetura e o urbanismo a partir dos estudos de alguns pesquisadores contemporâneos sobre o tema. O processo de elaboração do método utilizado para a realização dos testes com o Palácio Monroe e o Porto Maravilha é descrito e os testes são detalhados. Algumas perspectivas e conclusões dos testes são elaboradas ao final.
18
1. A cidAde mediAdA peLA comunicAção digitAL
ordenadas pela região do espaço de que tratam, mas acessadas de acordo com a proximidade do usuário de cada uma dessas regiões.
Ciberespaço. Uma alucinação consensual vivenciada diariamente por bilhões de operadores autorizados, em todas as nações, por crianças que estão aprendendo conceitos matemáticos... Uma representação gráfica de dados abstraídos dos bancos de todos os computadores do sistema humano. Uma complexidade impensável. Linhas de luz alinhadas no não-espaço da mente, aglomerados e constelações de dados. Como as luzes da cidade, se afastando... (GIBSON, 1984: 69) O termo ciberespaço (cyberspace) foi cunhado em 1984
O uso de aparelhos de comunicação portáteis e redes de internet sem fio possibilitam uma comunicação ubíqua. O usuário pode percorrer a cidade e acessar a internet ao mesmo tempo. Portanto, é possível se questionar quais as relações que surgem entre o espaço urbano e o ciberespaço. Quais as relações que surgem entre o usuário e estes dois espaços e como se define este novo usuário que carrega consigo o dispositivo-interface de acesso à internet. São estas questões que serão tratadas neste capítulo.
pelo autor Willian Gibson no romance Neuromancer (GIBSON, 1984). No livro o ciberespaço é um espaço de dados, um espaço virtual no qual hackers conectam suas mentes e vão em busca de informações valiosas. O termo, posteriormente, passou a ser utilizado para definir o conjunto de dados da internet, a rede mundial de computadores. Mas já na definição original de Gibson é possível perceber uma analogia do conceito de ciberespaço com o ambiente urbano. Existem diversas relações que conectam a cidade real às informações em rede distribuídas na internet - sites com informações sobre o clima e tempo, portais institucionais, fotografias marcadas em mapas colaborativos, dentre muitos outros exemplos. Graças às tecnologias de comunicação móveis, todas estas informações podem, hoje, ser não apenas 19
1.1. A CIDADE E O CIBERESPAÇO
de relações até os dias atuais. O autor critica as três primeiras
A camada de informação referente às cidades na internet
relações e observa na quarta o maior potencial para a criação
pode ser acessada e modificada de diversas maneiras, seja por
de novas soluções para as questões urbanas contemporâneas.
uma simples consulta via smartphone a um site com a previsão
Segundo ele, a primeira relação, a analogia da cidade real com
meteorológica, um acesso a um portal de uma concessionária
o espaço virtual peca ao tentar reproduzir as instituições da
de serviços públicos para imprimir a segunda via de uma conta
cidade física em um ambiente com características diferentes.
5
ou para fazer um check-in em um novo restaurante. Diferentes
Por exemplo, portais institucionais de órgãos públicos jamais
modos de conectar o ciberespaço e a cidade surgem ao longo
poderão prestar todos os serviços necessários à população e
dos anos. Pierre Lévy, em seu livro “Cibercultura”, classificou
sites de museus podem oferecer diversas informações sobre
estas relações segundo quatro categorias:
o acervo e exposições existentes, mas sempre serão como catálogos eletrônicos, não substituindo uma visita ao local.
a enunciação das analogias entre as comunidades territoriais e as comunidades virtuais; o raciocínio em termos de substituição ou trocas das funções da cidade clássica pelos serviços e recursos técnicos do ciberespaço; a assimilação do ciberespaço a um equipamento urbano ou territorial clássico; a exploração dos diferentes tipos de articulação entre o funcionamento urbano e as novas formas de inteligência coletiva que se desenvolvem no ciberespaço. (LÉVY, 2010: 190-191) Apesar da classificação do autor não ser recente (a primeira edição do livro é de 1999) é possível perceber essas categorias
A segunda relação listada reflete a ideia de que as formas de comunicação digital irão substituir as cidades existentes, de maneira que a localização das pessoas no globo não irá ser um fator determinante em suas vidas, anulando a necessidade de deslocamento. Esta afirmação também não é considerada completamente válida por Lévy e outros autores como Saskia Sassen (2006) e François Ascher (1998), que observam que, ao longo da história, os avanços na tecnologia de informação sempre foram acompanhados pelos avanços nos meios de transportes e o aumento no fluxo de informações sempre veio seguido do aumento no fluxo de pessoas entre os lugares. O trabalho à distância é uma opção cada vez mais utilizada em algumas atividades (call-centers, vendas online, desenvolvimento de produtos, entre outras), mas ainda
5
Informar sua localização aos amigos via redes sociais.
não é uma regra para a sociedade atual. Com a evolução do 20
algumas ou muitas outras cidades.6 (SASSEN, 2006: 50)
capitalismo globalizado, as grandes empresas espalharam suas atividades pelo mundo, gerando uma necessidade de maior controle e centralização das atividades de gestão em
Ascher (1998) também destaca que as cidades, em
suas sedes em grandes centros urbanos, como demonstra
especial, os grandes centros urbanos cresceram em importância
Saskia Sassen (2006). Isto implicou em um aumento de
com o desenvolvimento das tecnologias de comunicação e
importância e população das grandes metrópoles mundiais.
com o avanço do capitalismo financeiro. O autor sugere que
Segundo a autora, os grandes centros urbanos mundiais
o nível de complexidade desses grandes centros superaria a
cresceram tanto em número de habitantes como em
classificação de metrópole, propondo o conceito de metápole.
importância econômica e política com a evolução recente do
A metápole está além do espaço físico da cidade, abrange toda
modo de produção capitalista. Sassen afirma ainda que, para
uma cadeia produtiva e de empregos no mundo e preconiza,
além dos grandes centros urbanos, é no espaço da cidade,
também, um novo modo de vida dos cidadãos urbanos.
mesmo em urbanizações médias e pequenas, que ocorrem as novas economias informais e novas atividades criativas, ou
Uma metápole é o conjunto de espaços em que a totalidade ou parte dos habitantes, das atividades econômicas, ou dos territórios está integrada no funcionamento cotidiano (ordinário) de uma metrópole. Uma metápole constitui normalmente uma única bacia de emprego, de residência e de atividades, e os espaços que a compõem são profundamente heterogêneos e não necessariamente contíguos. Uma metápole compreende, pelo
seja, apesar da internet e o ciberespaço terem proporcionado agilidade e ampliado as comunicações, é nas cidades onde é possível ver concretizadas estas experiências. Muito do que pensamos e chamamos ‘global’, na verdade, se materializa nas cidades e nas geografias intercidades produzidas pela globalização econômica, cultural e política. Os múltiplos circuitos especializados que constituem estas geografias de cidades internacionais são de facto locais para a política intercidades. Não é uma questão de “Nações Unidas de cidades”. É, pelo contrário, reduzir o global ao seu momento urbano concreto e reconhecer a medida em que os desafios específicos uma cidade podem se repetir em
6
No original: Much of what we think of and call ‘global’ actually materializes in cities and in the inter-city geographies produced by economic, cultural and political globalization. The multiple specialized circuits that constitute these inter- city geographies are de facto venues for inter-city politics. It is not a question of a ‘United Nations of cities’. It is, rather, bringing the global down to its concrete urban moment and recognizing the extent to which one city’s specific challenges might recur in a few or many other cities. Tradução nossa.
21
menos, algumas centenas de milhares de habitantes. (ASCHER, 1998: 16) Ainda segundo o autor, a rede de espaços, informações
a da assimilação do ciberespaço como uma simples rede de
e relações de produção que compõem as metápoles descolou
infraestruturas. Mesmo sendo imprescindível que não se perca
o conceito da metrópole contemporânea do seu território
de vista que o ciberespaço não é uma entidade que funciona
formal. Por exemplo, é possível chegar mais rápido ao centro do
autonomamente e que é necessária uma imensa rede mundial
Rio de Janeiro partindo de São Paulo do que de alguns pontos
de infraestruturas para mantê-lo em funcionamento, assumir
da metrópole fluminense, graças à agilidade no transporte de
que ele se resume à suas estruturas físicas na cidade nega o
passageiros que a ponte área oferece (O Globo, 28/04/2012).
caráter de construção social da relação cidade - espaço virtual
Desta forma as conexões entre cidades se intensificam não só
e o trabalho das pessoas envolvidas no processo. O site com
pelo volume de comunicação entre elas, mas pelo chamado
imagens dos centros de processamento de dados da Google7
“efeito túnel” dos transportes descrito por Ascher, onde o
exemplifica bem a quantidade de tecnologia envolvida no
percurso entre dois lugares não importa mais para a formação
funcionamento da ferramenta de busca e dos outros serviços
A terceira relação caracterizada e criticada por Lévy é
da rede de grandes metrópoles mundiais, mas apenas a velocidade em que se pode chegar de um ponto ao outro.
7
www.google.com/about/datacenters
3. Interiores de data centers da Google. Fonte: google.com/about/datacenters 22
da empresa, mas mostra, também, a grande equipe de
como uma construção social de um espaço físico que oferece
pessoas envolvidas neste processo e os lugares físicos onde
o contexto para a comunicação e de um espaço virtual
eles acontecem.
composto de informações.
A quarta relação descrita por Lévy, a articulação entre
Pierre Levy e André Lemos (2010), no livro “O futuro
a cidade real e a inteligência coletiva do ciberespaço seria,
da internet – Em direção a uma ciberdemocracia planetária”,
portanto, segundo o autor, a melhor forma de relacionar
consideram que todas essas experiências que relacionam as
estes dois espaços de características distintas. Nesta relação
cidades (territorialidades locais) e as novas tecnologias de
o ambiente virtual da internet é utilizado para a troca de
comunicação criam “cidades digitais” ou “cibercidades”
informações sobre a cidade real, criando espaços de debates
podem ser classificadas em quatro tipos:
e busca de soluções para problemas urbanos reais. Mapas
• Portais governamentais, privados ou da sociedade civil
colaborativos são exemplos já comuns desta relação, como
com informações, serviços de cidades ou áreas urbanas
o site WikiCrimes, uma das iniciativas nacionais pioneiras no
onde há espaço para a comunicação entre cidadãos e o
ramo. Criado pelo professor cearense Vasco Furtado em 2008,
debate político sobre questões da cidade;
no site usuários mapeiam, de forma colaborativa, crimes em
• A criação de interfaces entre a cidade e o ciberespaço
todo o mundo. O sucesso do aplicativo na época de sua
através da construção de infraestrutura e locais para o
criação, que foi destaque inclusive na imprensa internacional,
acesso público à Internet;
estimulou a criação da empresa WikiNova e a elaboração de
• A construção de simulações com modelagens 3D
8
um novo serviço, o WikiMapps , que permite a criação de
de espaços urbanos através de sistemas SIS (Spacial
mapas online com qualquer tema por um usuário cadastrado.
Information System) ou GIS (Geographic Information
Todas
estas
relações,
somadas,
criam
uma
System) para a análise e compreensão de áreas urbanas
complementação digital da cidade que, assim como a sua
reais por planejadores e gestores urbanos.
contraparte real, está se construindo e modificando sempre.
• A criação de representações “metafóricas” de cidades
A cidade contemporânea pode ser caracterizada, portanto,
irreais em sites de comunidades virtuais. Os dois primeiros casos de cibercidade se mostram como o desenvolvimento atual das três primeiras categorias
8
www.wikimapps.com
de relações organizadas e criticas por Lévy em 1999. No caso 23
criação de novos canais de transparência e comunicação
variar com facilidade os parâmetros de um modelo e observar imediata e visualmente as consequências dessa variação constitui uma verdadeira ampliação da imaginação.9 (LÉVY, 2010: 168) No presente momento, a simulação da cidade é
com a população. Um exemplo disso é o conceito de “dados
bastante explorada na elaboração de projetos arquitetônicos
governamentais abertos”, ou “governo aberto”. No caso
e urbanísticos assistidos por computador. Estas simulações,
do segundo item listado, a construção de infraestruturas
entretanto, ficam restritas quase que exclusivamente aos
de acesso à internet, existe uma compreensão de parte de
profissionais especialistas da área. Outras simulações urbanas
diversos políticos brasileiros que defendem a inclusão digital
podem ser vistas em jogos eletrônicos. Diversos destes games
da população apenas com a construção de laboratórios de
utilizam motores de processamento que permitem a rápida
informática, salas de computadores em bibliotecas e centros de
visualização de simulações de áreas urbanas, motores inclusive
informática municipais com cursos de informática. Entretanto,
já apropriados para elaboração de maquetes eletrônicas.
do primeiro exemplo dos autores, os portais institucionais, vale destacar, que não há a completa substituição das funções da cidade real por estes portais, mas que o importante é a
neste pensamento é excluída a necessidade da criação de uma ligação entre a comunidade local com o ambiente virtual, o que muitas vezes ocorre nas informais e populares lan-houses, onde amigos se unem e ensinam uns ao outros, entre outras coisas, a utilizar a própria rede, a criar perfis e comunidades virtuais em redes sociais, por exemplo. O terceiro tipo de cidade digital listado pelos autores é a cidade simulada por programas de computador. A simulação, segundo Lévy (2010), serve de prolongamento à imaginação e ao pensamento, e é, talvez, a forma de conhecimento que mais evoluiu com o avanço da informática. A simulação é uma ajuda à memória de curto prazo, que diz respeito não a imagens fixas, textos ou tabelas numéricas, mas a dinâmicas complexas. A capacidade de
4. Tela do programa CityEngine. Fonte: http://www.esri.com/software/cityengine
9
Grifos no original. 24
A recente aquisição do software de criação de cidades
futuras das escolhas socioeconômicas e políticas dos dias
para games CityEngine da empresa Procedural Inc. pela
atuais, estimulando a discussão sobre que futuro se quer para
empresa ESRI, especializada em GIS mostra que a criação de
o Rio de Janeiro.
ferramentas de análise e discussão da cidade e de projetos a partir de jogos de simulação da cidade tem um grande potencial. Sistemas de modelagem digital, antes utilizados em jogos para simular parametricamente a forma urbana de cidades fictícias, agora podem estar conectados a informações georeferenciadas de cidades reais. Assim, é possível testar novos índices urbanísticos, de acordo com informações específicas de cada área, e o mais importante, simular diversas alternativas de forma automática. Um exemplo de utilização de jogos lúdicos para a discussão do planejamento urbano é o jogo Rio Forward +50. O jogo foi lançado durante a Conferência das Nações Unidas sobre desenvolvimento sustentável, a Rio +20, que aconteceu em junho de 2012 e funcionou durante os sete dias do evento,
5 e 6. Cenas do jogo Rio Forward +50. Acervo pessoal.
disponível na internet e em quatro terminais distribuídos na cidade. O jogo consistia em um desafio temático por dia
Por fim, a quarta relação descrita pelos autores se refere
(resíduos, edifícios, energia, água e saúde, transportes...), e
a comunidades virtuais que não encontram-se em um espaço
qualquer pessoa podia fazer escolhas a respeito do futuro da
urbano físico, mas em fóruns de discussão de diversos assuntos
cidade do Rio de Janeiro. No fim de cada, dia, o jogo gerava
e salas de chats que, segundo os autores, utilizam a cidade
um relatório sobre o futuro da cidade em cinquenta anos de
real como metáfora para a sua estrutura de organização, e
acordo com o resultado da votação e a pegada ecológica das
que vagamente ecoam a complexidade sociocultural da cidade
escolhas. Apesar de não simular o ambiente do espaço urbano
real. Vale ainda lembrar que, por mais que se definam como
em três dimensões, o jogo demonstrava as consequências 25
território livres para o debate, estes fóruns possuem, na maioria
Um urbanismo open source, como descrito por Sassen,
dos casos, moderadores de discussões e/ou filtros eletrônicos
criaria uma relação de articulação entre o ciberespaço e as
que apagam comentários considerados impróprios.
cidades físicas, o que Pierre Lévy (2010) sugere como tendo
Mais
expressivos
para
a
discussão
das
cidades
o maior potencial para a criação de novas soluções para as
contemporâneas do que as comunidades que não saem do
questões urbanas contemporâneas. Esta opção demanda
ambiente virtual citadas pelos autores são os movimentos
uma certa perda de privacidade e anonimato dos usuários
sociais urbanos engajados com a ajuda de redes sociais da
do espaço público, ao passarem, voluntariamente ou não,
internet. Saskia Sassen (2011) enxerga nestes movimentos
dados sobre o seu uso cotidiano da cidade a partir de seus
10
a possibilidade de criação de um urbanismo open-source .
equipamentos de comunicação. Entretanto, em um mundo
A autora defende que, para além da adição de artefatos
em que a população cada vez mais se comunica a partir de
tecnológicos que tornam a cidade responsiva a seus usuários,
redes sociais é difícil imaginar que este tipo de urbanismo
como os sensores de presença e de velocidade, o que deve
não venha a se concretizar por uma recusa geral à perda de
ser privilegiado com essas inovações tecnológicas são práticas
privacidade.
e iniciativas criativas horizontais, que partem da população e buscam o fortalecimento de economias e culturas locais. Eu vejo no Open Source um DNA que ressoa fortemente em como as pessoas fazem das cidades algo delas ou urbanizam algo que seria uma iniciativa individual. (...) Nós precisamos empurrar esta urbanização de tecnologias para o fortalecimento de práticas e iniciativas horizontais11. (SASSEN, 2011: 03) 10
Open source é o nome dado a softwares com códigos de criação abertos e livres a serem modificados por outros usuários. 11 No original: I see in Open Source a DNA that resonates strongly with how people make the city theirs or urbanize what might be an individual initiative. (…) We need to push this urbanizing of technologies to strengthen horizontal practices and initiatives. Tradução nossa. 26
1.2. INTERFACES NA CIDADE
informática, tão importante quanto o desenvolvimento de artefatos tecnológicos foi a criação das metáforas das interfaces
Interface é uma ‘zona’ de comunicação entre dois
gráficas dos programas de computador. Johnson (2001:36-79)
sistemas, espécie de fronteira que estabelece/possibilita
citava como maiores exemplos destas metáforas: o desktop,
o contato entre meios heterogêneos. Um computador
a área de trabalho, que transforma a tela do computador
realiza operações lógicas e aritméticas a partir do sistema
em uma mesa de escritório e as janelas (windows) que dão
de numeração binário, composto apenas de zeros e uns. As
nome ao sistema operacional mais utilizado em computadores
interfaces de sistemas computacionais são, portanto, maneiras
pessoais do mundo e que facilitam a utilização de diversos
de passar instruções e receber resultados do computador sem
programas ao mesmo tempo. São as metáforas que aproximam
utilizar diretamente o sistema binário.
comandos de computador dos atos corriqueiros da nossa
Mas afinal, que é exatamente uma interface? Em seu sentido mais simples, a palavra se refere a softwares que dão forma à interação entre usuário e computador. A interface atua como uma espécie de tradutor, mediando entre duas partes, tornando uma sensível para a outra. Em outras palavras, a relação governada pela interface é uma relação semântica, caracterizada por significado e expressão, não por força física. (JOHNSON, 2001: 17) A criação de interfaces foi decisiva para a popularização e difusão do computador pessoal por todo o mundo.
vida como, por exemplo, apagar um arquivo se transforma em colocar o arquivo em uma lixeira e apagá-lo de forma definitiva se transforma em esvaziar a lixeira. O fato é que o termo “interface” é bastante utilizado para designar interfaces gráficas, mas o vocábulo não pressupõe a existência de um sistema digital para que exista uma situação de fronteira, de troca ou de intercomunicação. As interfaces são em seu cerne metaformas, informação sobre informação. (JOHNSON, 2001: 04)
Foi a evolução das interfaces com a criação dos sistemas
Paul Virilio (1993:12) comenta que a ciência aproximava
operacionais, do mouse, dos ícones, das barras de rolagem e
o conceito de interface ao de superfície. No caso das cidades,
de diversos outros inventos que continuam em ebulição até
os aglomerados urbanos são desde sempre superfície para
hoje e que transformaram o computador em um objeto além
a comunicação escrita, talhada, riscada ou pintada com
de simples, “amigável” e portanto, ideal para o uso pessoal.
algum significado embutido na sua morfologia, ganhando
Neste processo de crescimento da indústria da
significados diferentes ao longo dos séculos. 27
De fato, desde o cercado original, a noção de limite sofreu mutações que dizem respeito tanto à fachada quanto ao aspecto de confrontação. Da paliçada à tela, passando pelas muralhas da fortaleza, a superfícielimite não parou de sofrer transformações, perceptíveis ou não, das quais a última é provavelmente a da interface.12 (VIRILIO, 1993: 09)
7. Porta da Catedral de Notre Dame, Paris – ilustra a história da vida da Virgem Maria. Fonte:fr.wikipedia.org/
Na Idade Média as artes figurativas e a arquitetura se uniam para criar um espaço místico nas catedrais góticas. Os conteúdos bíblicos eram ensinados aos fiéis a partir de vitrais e das histórias esculpidas e pintadas nas igrejas. Antes de Gutenberg, as catedrais eram as grandes máquinas significantes da vida pública. Mais que meras construções, implicavam um modo de olhar para o mundo, uma ordem sagrada, um senso de proporção. Num tempo em que a alfabetização em massa era inimaginável, as catedrais serviam como uma espécie de texto popular feito de vitrais e gárgulas. (JOHNSON, 2001: 36) O desenvolvimento da técnica do desenho em perspectiva no Renascimento trouxe a ilusão da terceira dimensão, de uma realidade própria da pintura. Esta realidade própria se descolou dos murais e afrescos em paredes com a utilização das telas e molduras para pinturas. A pintura da Renascença deu importância à tela como suporte para a representação gráfica, e desde então passamos interagir de forma diferenciada com o que ela contém e com o que está ao seu redor. Manovich (2001: 95) chama esta tela inicial de “tela clássica”: ela é plana, retangular e feita para ser vista frontalmente. A tela clássica persiste da pintura renascentista aos dias de hoje, inclusive suas proporções foram pouco alteradas, pois, como
8. Projeto MVRDV em Dijon com fachada com QrCodes. Fonte: designboom.com/architecture/mvrdv-teletech-call-center/
lembra o autor, não é à toa que chamamos de “retrato” ou “paisagem” o sentido da área de trabalho em programas de edição de texto ou de criação de imagens e gráficos.
12
Grifos no original.
Com o cinema surgiu o que o Manovich chama de 28
“tela dinâmica” (2001: 96), que acontece também na tela
fachada não passar de um grande meio de marketing e
de televisão e equipamentos de projeção de vídeos. Esta
propaganda – o que não deixa de constituir um instrumento
tela possui as mesmas propriedades da tela clássica, com a
de comunicação e retórica –, existem alguns casos em que
diferença que mostra quadros de imagens em movimento.
a arquitetura do edifício se confunde com a tela e não há
Este movimento do conteúdo da tela muda a relação
como separar um do outro. É o caso do Kunsthaus Graz, na
com o espectador. Vídeos exigem de nós concentração e
Áustria, edifício pelos arquitetos Peter Cook e Colin Fournier
envolvimento diferentes, precisamos assisti-los, entrar em um
que possui a instalação com grandes pixels luminosos BIX do
“viewing regime”, segundo o autor (2001: 96).
escritório realities:united13 na sua fachada. De acordo com
Já a tela do computador rompeu com o ato de assistir ao conteúdo da tela
Schielke (2013:01), o projeto foi um dos “pioneiros em que a
(MANOVICH, 2001: 97). A tela do
mídia se tornou parte da própria arquitetura”. Claudel (2014)
computador e suas interfaces gráficas introduzem/ampliam a
sugere que estes projetos precisam ir além dos efeitos com
possibilidade de se ter várias janelas de conteúdo abertas ao
luminosos em fachadas e incluir outros sentidos humanos nas
mesmo tempo. Esta fluidez com que se muda de um programa
experiências de interação com este tipo de arquitetura.14
para outro e a possibilidade de alternar as janelas é diferente
As tecnologias de pixels móveis que estão em
da necessidade de concentração e imersão no ambiente do
desenvolvimento,
dentro das chamadas mídias tangíveis
vídeo da televisão ou do cinema. No computador o usuário
(tangible medias), podem ser uma opção para aumentar a
tem liberdade de escolha do conteúdo com o qual vai interagir.
interatividade da arquitetura midiática. O projeto Hiposurface
Todos estes tipos de telas descritos por Manovich estão
TN (GOULTHORPE, 2009) é o primeiro modelo de tela com
presentes atualmente no espaço urbano, do cartaz colado em uma parede, passando pelas televisões em vitrines de lojas ao placar luminoso que avisa sobre obras em uma via. Alguns edifícios possuem o que Matthew Claudel (2014) chama de arquiteturas midiáticas, onde principalmente as fachadas são tratadas como grandes telas digitais para a passagem de informações. Apesar de, na maioria das vezes, esta tela-
13 14
http://www.realities-united.de/#PROJECT,69,1 As possibilidades de interação entre mídias digitais e a arquitetura a partir do uso de painéis iluminados em fachadas e de projeções são inúmeras, mas cabe ressaltar que a maior parte dessas soluções só produzem um grande efeito à noite. Sobre essas fachadas midiáticas, Schielke (2013: 02) afirma que apenas alguns tipo painéis de LED com alta definição de imagem conseguem produzir um efeito óptico marcante durante o dia. O autor ainda pondera que começam a existir, na Europa especialmente, questões legais de aprovação destes elementos. Em algumas vizinhanças o uso de luzes fortes pode incomodar moradores ou atrapalhar o funcionamento de hospitais, por exemplo. 29
superfície móvel do mundo. O projeto, criado em 1999 e ainda em desenvolvimento, mistura tecnologia de sensores com grandes pixels em formato triangular que se adaptam rapidamente a diversos formatos. O Projeto do Pavilhão da Água Digital para Zaragoza na Espanha, do SENSEable Media Lab do MIT, utiliza gotas d’água como pixels, que associadas a sensores de presença criam uma superfície verdadeiramente líquida e interativa. Nestes exemplos, o espaço se transforma e se adapta a comandos do usuário, tornando difícil distinguir a fronteira entre a mídia digital e a arquitetura.
9. Fachada interativa com game Mostra PLAY em São Paulo, 2013. Acervo pessoal.
10. Kunsthaus Graz. Fonte: http://www.archdaily.com/89408/bix-light-and-mediafacade-at-moma/
30
No entanto, as superfícies de contato com o ciberespaço mais presentes em espaços públicos, atualmente, são as telas de equipamentos de comunicação portáteis: computadores notebooks, sensores de GPS, aparelhos celulares, smartphones e tablets, para citar os mais usados. Esses equipamentos têm a particularidade de permitirem o acesso móvel à internet com o uso de redes sem fio e de poderem estar sempre junto ao usuário. Além disso, uma grande parte das informações atuais sobre as cidades é produzida nestes aparelhos e compartilhada na internet no próprio local em que foram criadas. Na cultura em curso, textos, imagens e sons tornam-se ubíquos com o surgimento de aparelhos portáteis, como os PDAs e os cada vez mais turbinados telefones celulares, explosivos em todos os sentidos da palavra. Na forma de gadgets, itens de consumo fashion, pequenas centrais de produção multimídia, como ferramentas de acesso e gerenciamento de informação ou como código, circulam por todo canto, nas mais variadas camadas sociais. Espalham-se próximos ao corpo, ou distribuem-se pelo espaço físico.15 (BAMBOZZI et al, 2010: 23)
11. Hyposurface. Fonte: http://www.awidernet.com/2007/05/14/hyposurface-resurfaces-at-bio/
Os
aparelhos portáteis além de extensões do
corpo humano, encontram-se agora junto ao corpo, são constantemente carregados pelo usuário. Segundo Vilém Flusser, em termos filosóficos, os “instrumentos são
12. Water Pavilion em Zaragozza. Fonte: http://smarter-city.liquida.it/2011/11/25/digital-water-pavilion-saragozza
15
Grifos no original. 31
prolongações de órgãos do corpo: dentes, dedos, braços,
consigo o acesso ao ciberespaço.
mãos prolongados” (1985: 13). As máquinas, ainda segundo o
Este fenômeno tende a se intensificar com a criação de
autor, são instrumentos técnicos criados a partir da Revolução
dispositivos de comunicação como o Google Glass. O aparelho
Industrial (1985: 14). Já os aparelhos não servem ao trabalho,
da Google consiste em um smartphone em formato de óculos
como as máquinas e os instrumentos, mas para a manipulação,
com um pequeno visor no canto de um dos olhos do usuário.
para o jogo com o programa do aparelho (1985: 15).
O aparelho será comandado espacialmente por comandos de
Trata-se de função nova, na qual o homem não é constante nem variável, mas está indelevelmente amalgamado ao aparelho. Em toda função aparelhística, funcionário e aparelho se confundem. (FLUSSER, 1985: 15)
voz, tendo em vista que possuirá poucos botões. Aparelhos
Os aparelhos, assim como instrumentos e máquinas,
Mitchell (2003) comenta que aparelhos de comunicação
prolongam órgãos do corpo humanos, mas vão além e são
portáteis estendem espacialmente o pensamento humano. O
capazes de simular o pensamento.
amálgama homem-aparelho, sugerido por Flusser, constitui
Em suma: aparelhos são caixas pretas que simulam o pensamento humano, graças a teorias científicas, as quais, como o pensamento humano, permutam símbolos contidos em sua “memória”, em seu programa. Caixas pretas que brincam de pensar. (FLUSSER, 1985: 17)
como o Google Glass eliminam o ato de segurar o celular e mantém a tela sempre no campo de visão do usuário, mesmo que ainda seja uma tela de dimensões muito reduzidas. William
para Mitchell um ser único: um ciborgue. Logo eu não sou Homem Vitruviano, fechado
Flusser tece sua teoria a partir da análise de aparelhos fotográficos, mas é possível fazer um paralelo com os aparelhos de comunicação portáteis da atualidade. Eles também são caixas pretas que simulam pensamentos – e vários modelos, curiosamente, possuem máquinas fotográficas acopladas. A diferença, no caso de smartphones e tablets, é que esses trazem as interfaces de acesso à internet para junto do corpo do usuário. Este prolongamento específico do corpo traz
13. Google Glass. Fonte: glass-apps.org/ google-glass 32
dentro de um único círculo perfeito, olhando para o mundo das coordenadas da minha perspectiva pessoal e, ao mesmo tempo, proporcionando a medida de todas as coisas. Nem sou, como arquitetos fenomenologistas considerariam, um ser autônomo, autosuficiente, sujeito biologicamente encarnado, objetivando e respondendo ao meu ambiente imediato. Eu construo, e sou construído, em um processo mutuamente recursivo que envolve continuamente meus fluidos, fronteiras permeáveis e minhas redes infinitamente ramificadas. Eu sou um ciborgue espacialmente estendido.16 (MITCHELL, 2003: 39) Este
ciborgue
espacialmente
estendido,
homem-
aparelho via interface, percorre a cidade e acessa o ciberespaço, modificando-o e modificando a cidade.
16
No original: So I am not Vitruvian man, enclosed within a single perfect circle, looking out at the world from my personal perspective coordinates and, simultaneously, providing the measure of all things. Nor am I, as architectural phenomenologists would have it, an autonomous, self-sufficient, biologically embodied subject encountering, objectifying, and responding to my immediate environment. I construct, and I am constructed, in a mutually recursive process that continually engages my fluid, permeable boundaries and my endlessly ramifying networks. I am a spatially extended cyborg. Tradução nossa.
33
1.3. ENTORNOS HÍBRIDOS: ESPAÇOS URBANOS E VIRTUAIS
aplicada à arquitetura e outros campos disciplinares tratam do significado na arquitetura e no urbanismo; entretanto, no presente trabalho trataremos da comunicação, da passagem
A vivência de um espaço, seja ele natural, construído ou um espaço navegável em meio digital, sempre nos comunica
de uma informação a partir da arquitetura e de elementos do espaço urbano.
algo a partir das experiências que temos com nossos sentidos.
Segundo Argan (2005), a cidade contemporânea tem a
Ao longo da história, existem exemplos de comunicação de
comunicação como uma de suas funções. O autor considera
mensagens a partir da construção de obras arquitetônicas.
que, desde a instauração da perspectiva renascentista no
Por exemplo, arcos e obeliscos foram erigidos para marcar
ambiente urbano, a cidade “deixa de ser lugar de abrigo,
vitórias em guerras na Antiguidade Clássica. Segundo Agrest e
proteção, refúgio e torna-se aparato de comunicação;
Gandelsonas (2008), o estudo do fenômeno da comunicação
comunicação no sentido de deslocamento e de relação,
em arquitetura está relacionado à maneira como os signos são
mas também no sentido de transmissão de determinados
transmitidos e recebidos; já o estudo da significação busca
conteúdos urbanos” (2005:235).
compreender do que consistem e quais as leis que formam os signos.
Mitchell (2005:03) sublinha que toda comunicação está intrinsecamente relacionada a seu contexto. Por exemplo a
Em outras palavras, a noção de comunicação se liga à função e ao uso de um sistema, enquanto a noção de significação remete às relações dentro de um sistema. A comunicação tem a ver com o uso e os efeitos dos signos, enquanto a significação remete à natureza dos signos e às regras que os governam. (AGREST e GANDELSONAS, 2008:134)
palavra “Fogo” quando gritada pode significar o início de um
Desta forma, é possível compreender porque edifícios
urbanizada e informatizada. Segundo o autor, esta seria, para
podem possuir as mesmas características em diferentes lugares,
além da função de produzir abrigo ao ser humano, a função
mas o significado da arquitetura, mesmo em se tratando de
cognitiva da arquitetura e, consequentemente, da cidade.
edifícios iguais, sempre será diferente, pois o sentido do signo está relacionado à cultura em que ele está inserido. A semiologia
incêndio, ou uma ordem para um exército atirar; se for dita em forma de interrogação em um bar pode significar apenas alguém procurando um isqueiro para ascender um cigarro. A cidade, para o autor, seria, portanto, o lugar que mais provém contexto para a comunicação na sociedade contemporânea
O
desenvolvimento
recente
de
tecnologias
de
comunicação móveis transforma a maneira de usar o espaço 34
ser acessada através de dispositivos móveis portáteis. Estas
O que acabamos de dizer é certamente terrível, inclusive monstruoso, mas existem termos mais familiares para isso: cyberespaço ou espaço virtual, que são denominações paliativas. (FLUSSER, 2007:78) Enquanto Flusser ressalta o caráter de “mundo
informações em rede são compostas por mensagens de textos
alternativo” do ciberespaço, Margaret Wertheim defende
trocadas por usuários de aparelhos celulares, por sinais de GPS
que, com o surgimento do ciberespaço a sociedade ocidental,
que esquadrinham o ambiente urbano, pelo sinal de TV digital
voltou a ter uma percepção de uma realidade dual, de modo
e todas as formas de comunicação entre meios eletrônicos.
análogo ao que ocorria na Idade Média (2001: 168).
urbano e de se comunicar através da cidade. No contexto para a comunicação provido pelas cidades contemporâneas há o acréscimo de uma camada de informações em rede que pode
Em especial, estão presentes neste meio as informações
Segundo a autora, o “espaço da alma”, da Divina Comédia
da internet. Além de informações sobre diversos assuntos,
de Dante Alighieri, dividido em Inferno, Purgatório e Paraíso,
existem também informações sobre as próprias cidades,
era, para o homem medieval, tão real – e potencialmente
desde portais de instituições públicas a comentários e fotos
tangível – quanto o espaço físico em que ele vivia:
em mapas digitais colaborativos. Com as tecnologias de comunicação móveis, as informações sobre a cidade podem ser acrescidas, alteradas e compartilhadas pelos usuários nos lugares em que se encontram, o que pode vir a ampliar ou modificar a compreensão do lugar visitado. Vilém Flusser destaca as percepções alternativas de mundo que surgem com o ciberespaço: Somos capazes de criar percepções, sentimentos, desejos e pensamentos distintos, alternativos. Além do mundo computado pelo SNC17, podemos também viver em outros mundos. Podemos estar-aí (dasein) de várias maneiras distintas. E a palavra “aí” (da) inclusive pode significar várias coisas.
Nisso residia, portanto, a diferença mais flagrante entre as imagens de mundo medieval e moderna. Enquanto nosso panorama científico abrange apenas o corpo, e por isso apenas o espaço dos vivos, o panorama do mundo da Idade Média cristã incluía ao mesmo tempo o espaço dos vivos e dos mortos. (WERTHEIM, 2001: 33-34) Essa visão dualista, segundo Wertheim, foi superada aos poucos a partir do avanço das técnicas de representação artísticas e do desenvolvimento das ciências. A visão do espaço passou então por uma progressão, da dualidade medieval entre “espaço do corpo” e “espaço da alma” para o “espaço físico” geometrizado pelos artistas renascentistas que aperfeiçoaram as técnicas da perspectiva e restando a Deus o “espaço celeste”
17
Sistema Nervoso Central.
(2001: 57-90). A física moderna fez ruir o caráter absoluto do 35
a Teoria da Origem do Universo – o Big-Bang (2001: 91-114).
limitações dessas leis.18 (WERTHEIM, 2001: 167) O ciberespaço é sobreposto à espacialidade física como
A Teoria Geral da Relatividade foi aperfeiçoada e, atualmente,
os espaços narrativos da literatura, cinema e teatro, mas como
a hipótese mais comumente aceita relata a existência de 11
esses espaços depende também de uma rede de infraestruturas
dimensões do espaço, as quatro do espaço-tempo que são
que funcionam de acordo com as leis da física.
espaço e do tempo com a Teoria Geral da Relatividade e com
percebidas pelos seres humanos e outras sete que formariam
Ironicamente, o ciberespaço é um subproduto tecnológico da física. Os chips de silício, as fibras ópticas, as telas de cristal líquido, os satélites de comunicação, até a eletricidade que provê a Internet de energia são todos subprodutos dessa ciência sumamente matemática. No entanto, se não poderia existir sem a física, o ciberespaço não está confinado à concepção puramente fisicalista do real. (WERTHEIM, 2001: 167)
a matéria, criando assim o chamado hiperespaço (2001: 115162). O espaço atualmente poderia ser entendido como uma organização geométrica de diversas dimensões. Segundo a autora, esta visão monista e fisicalista do espaço que dominou o pensamento humano nos últimos séculos encontrou uma revolução no final do século XX. O surgimento da internet e sua rápida expansão trouxeram à tona um outro tipo de
Ao criar uma conta de e-mail ou um perfil em uma
espaço, o espaço virtual, que coexiste com o espaço físico real.
rede social é possível se inserir neste espaço. Este ambiente não é um espaço da alma como na Idade Média, mas está
Num sentido muito profundo, esse novo espaço digital está “além” do espaço que a física descreve, pois o ciberdomínio não é feito de forças e partículas físicas, mas de bits e bytes. Esses pacotes de dados são o fundamento ontológico do ciberespaço, as sementes das quais o fenômeno global “emerge”. A afirmação de que o ciberespaço não é feito de partículas e forças físicas pode ser óbvia, mas é também revolucionária. Por não estar ontologicamente enraizado nesses fenômenos, o ciberespaço não está sujeito às leis da física e portanto não está preso pelas
presente e acessível a partir de um aparelho conectado a uma rede de infraestruturas. Esta rede de infraestruturas com o desenvolvimento de tecnologias de comunicação móveis e sem fio trouxe mobilidade para o usuário acessar, criar e trocar informação. A percepção da cidade e do ciberespaço se dá ao mesmo tempo quando o acesso é feito em algum lugar público.
18
Grifos no original. 36
Adriana de Sousa e Silva (2006) defende que o acesso ao
vista que com os nós móveis as conexões também tornam-
ciberespaço por interfaces móveis cria um espaço híbrido. Os
se móveis, modificando a estrutura espacial da rede (2006:
espaços híbridos seriam formados por três tendências distintas
267). Ainda segundo a autora, os espaços híbridos formados
que se sobrepõem: espaços conectados, espaços móveis e
por esta rede de comunicação móvel são espaços sociais
espaços sociais (2006: 261). Os espaços híbridos são espaços
pelo próprio caráter de construção social da comunicação na
conectados por permitirem a conexão à internet a qualquer
internet, como o espaço de fluxos definido por Castells:
momento. A emergência das tecnologias de comunicação portáteis tem contribuído para a possibilidade de ser estar sempre conectado a espaços digitais, literalmente “carregando” a Internet onde quer que se vá. (...) os usuários não percebem espaços físicos e digitais como entidades separadas e não têm a sensação de “entrar” na Internet, ou de estar imerso em espaços digitais, como era geralmente o caso quando se precisava sentar na frente da tela de um computador e discar uma conexão.19 (DE SOUZA E SILVA, 2006: 263)
O espaço de fluxos resultante é uma nova forma de espaço, característico da Era da Informação, mas não é desprovida de lugar: conecta lugares por redes de computadores telecomunicadas e sistemas de transporte computadorizados. Redefine distâncias, mas não cancela a geografia. Novas configurações territoriais emergem de processos simultâneos de concentração, descentralização e conexão espaciais, incessantemente elaborados pela geometria variável dos fluxos de informação global. (CASTELLS, 2003: 170) Mas, segundo De Sousa e Silva, o que falta à definição
Já os espaços móveis são possibilitados pela portabilidade
de espaços de fluxos é a conexão entre espaço de fluxos e o
das interfaces que compõem os nós de conexão com a
espaço de lugares, a compreensão de que ao se conectar à
internet. Adriana de Sousa e Silva defende que a mobilidade
internet o usuário também é influenciado pelo pelas relações
dos nós transforma a configuração da própria rede, tendo em
sociais do espaço urbano (2006: 271). Cabe, entretanto, ressaltar que o texto original de Castells é de 2001, de
19
No original: The emergence of portable communication technologies has contributed to the possibility of being always connected to digital spaces, literally “carrying” the Internet wherever we go. (…) users do not perceive physical and digital spaces as separate entities and do not have the feeling of “entering” the Internet, or being immersed in digital spaces, as was generally the case when one needed to sit down in front of a computer screen and dial a connection. Tradução nossa.
um período em que as tecnologias de móveis de acesso à internet não eram muito difundidas e o acesso à internet se dava principalmente em espaços privados. Castells tratava espacialmente do ciberespaço, enquanto De Sousa e Silva sugere que as tecnologias de comunicação móveis estão 37
causando uma passagem do ciberespaço para um espaço híbrido. As consequências dessa passagem, segundo a autora seriam: (a) a indefinição das fronteiras entre os espaços físicos e digitais, (b) a redefinição do conceito de digital, (c) a redefinição do conceito de espaço físico para incluir ambientes híbridos, e (d) mudanças nos padrões de sociabilidade e comunicação. Finalmente, a mudança, impulsionada pelas tecnologias nômades, de ciber para híbrido chama nossa atenção para o fato de que o digital na verdade nunca foi separado do físico e pode ser um elemento essencial para a promoção da sociabilidade e comunicação em espaços urbanos.20 (DE SOUZA E SILVA, 2006: 263) Essa compreensão de um espaço híbrido também vai ao encontro da visão de realidade dual de Margaret Wertheim. Cada vez mais, as experiências do espaço digital e o espaço físico se encontram em uma experiência única, onde o cruzamento de dois resulta em um - como a própria definição da palavra híbrido21 sugere. 20
No original: (a) the blurring of borders between physical and digital spaces, (b) the redefinition of the concept of the digital, (c) the redefinition of the concept of physical space to include hybrid environments, and (d) changes in sociability and communication patterns. Finally, the shift, driven by nomadic technologies, from cyber to hybrid calls our attention to the fact that the digital has never actually been separated from the physical and can be an essential element for promoting sociability and communication in urban spaces. Tradução nossa. 21 Híbrido: Diz-se do indivíduo que resulta do cruzamento de dois genitores de espécies, raças ou variedades diferentes. (EDITORA MELHORAMENTOS, 2012) 38
1.4. CONCLUSÕES
interfaces móveis são híbridos - espaços conectados, móveis e sociais (DE SOUZA E SILVA, 2006: 261). Os usuários de tecnologias
A cidade física e o ciberespaço podem ser relacionados de
de comunicação móveis com suas mentes e corpos espacialmente
diversas formas. Analogias entre as comunidades territoriais e
estendidos pelos aparelhos percorrem um espaço híbrido, onde
virtuais, substituição de funções da cidade física por informações
não percebem diferença entre o que é acessado no ciberespaço e o
no ciberespaço, assimilação do ciberespaço com uma infraestrutura
espaço físico que o circundam, segundo Mitchell (2003):
ou equipamento urbanos e a articulação entre cidade física e
Agora, as metáforas do corpo/cidade se transformaram em concretas e literais. Incorporado dentro de uma vasta estrutura de limites aninhados e redes ramificadas, os meus sistemas musculares e esqueléticos, fisiológicos e nervosos foram artificialmente aumentados e expandidos. Meu alcance se estende por tempo indeterminado e interage com os alcances da mesma forma prolongados de outros para produzir um sistema global de transferência, atuação, detecção e controle. Meu corpo biológico enreda-se com a cidade; a cidade em si tornou-se não apenas o domínio do meu sistema cognitivo em rede, mas também, e fundamentalmente, a encarnação espacial e material desse sistema.22 (MITCHELL, 2003: 19)
ideias criadas e distribuídas no ciberespaço (LÉVY, 2010: 190-191). De todas estas relações, a articulação entre elementos do espaço urbano e informações da internet demonstra o maior potencial para a criação de soluções para os desafios das cidades contemporâneas. Em grande parte das cidades contemporâneas, graças ao desenvolvimento da tecnologia de comunicação móvel, é possível ter contato com o ciberespaço em qualquer lugar e momento. O ciberespaço pode ser acessado e visualizado por telas em espaços urbanos. A interface usuário-ciberespaço se dar por telas espalhadas pela cidade, telas que compõem a arquitetura de edifícios e, especialmente, por telas que são carregadas pelo usuário. Estas telas próximas ao corpo, que permitem o aceso remoto e ubíquo à internet, transformaram a relação usuário-aparelho. O aparelho além de extensão do corpo, agora está junto dele, criando um usuário ciborgue (MITCHELL, 2003:39) que se conecta e transforma o ciberespaço enquanto percorre a cidade. As tecnologias de comunicação móveis sobrepõem o ciberespaço à espacialidade física da cidade. Os espaços das cidades contemporâneas percorrido por usuários que carregam consigo
22
No original: Now the body/city metaphors have turned concrete and literal. Embedded within a vast structure of nested boundaries and ramifying networks, my muscular and skeletal, physiological, and nervous systems have been artificially augmented and expanded. My reach extends indefinitely and interacts with the similarly extended reaches of others to produce a global system of transfer, actuation, sensing, and control. My biological body meshes with the city; the city itself has become not only the domain of my networked cognitive system, but also—and crucially—the spatial and material embodiment of that system. Tradução nossa.
39
2. reALidAde AumentAdA O verbo aumentar tem como significados: tornar maior; acrescentar, ampliar, elevar (EDITORA MELHORAMENTOS, 2012). No campo das tecnologias de informação, o termo “aumentado” vem sendo utilizado para a se referir a informações digitais compartilhadas em rede que, de alguma forma, são relacionadas a espaços e/ou objetos físicos que, então, são acrescidos dessa camada de informações. Neste contexto, destacam-se as mídias baseadas em locação, ou mídias locativas, tecnologias de comunicação que usam a informação da localização do usuário no processo de comunicação. As mídias digitais baseadas em locação são responsivas à localização do usuário e podem ser interativas e mudarem de acordo com a situação e com o lugar. Entre as mídias locativas, a tecnologia da realidade aumentada permite, além da relação entre localização e informação, a possibilidade de fundir a visualização de objetos simulados digitalmente com o entorno físico do usuário. Por estabelecerem uma relação de dependência com o lugar em que o usuário se encontra e as informações digitais localizadas, as mídias locativas e aplicativos de realidade aumentada tornam-se interessantes para o estudo e análise do espaço urbano. São essas definições e outros conceitos relacionados a elas que serão analisados a seguir.
40
2.1. MÍDIAS BASEADAS EM LOCAÇÃO
segundo Manovich, existem duas convenções predominantes, ou formas, em que as mídias digitais se apresentam: a base de
O uso do computador para a produção e distribuição de
dados, uma maneira de armazenamento de documentos; e
informações gerou transformações nos meios de comunicação
o espaço navegável, sendo este ligado à experiência humana
tradicionais. De letreiros eletrônicos a “flyers” em papel, uma
do mundo físico. A base de dados é utilizada para armazenar
grande parte das informações contidas nas cidades atuais são
qualquer tipo de arquivo, desde textos e tabelas com dados
produzidas e/ou são distribuídas por meios digitais.
econômicos a músicas e filmes. Já o espaço navegável é a
Lev Manovich (2001) considerava não haver diferenças
criação de um espaço interativo, que pode ter duas ou três
entre meios produzidos digitalmente e os meios apenas
dimensões, seja para jogos eletrônicos, animações ou para
distribuídos por meio digital. Segundo o autor, as chamadas
garantir uma melhor interface homem-máquina. (MANOVICH,
“novas mídias” – surgiram a partir da ligação das mídias
2001: 190-240)
tradicionais com a ciência da computação, e essa ligação
(...) a criação de trabalhos em novas mídias pode ser entendida como a construção da interface certa para uma base de dados multimídia ou a definição de métodos de navegação por representações espacializadas.24 (MANOVICH, 2001: 215)
resultou na alteração da identidade das duas atividades: A tradução de todas as mídias existentes em dados numéricos acessíveis a computadores. O resultado são as novas mídias: gráficos, imagens móveis, sons, formas, espaços e textos que tornaram-se computáveis, isto é, simplesmente um outro conjunto de dados de computador.23 (MANOVICH, 2001: 43)
a base de dados, uma coleção de itens, todos tratados da
Dessa forma, segundo o autor, o computador deixou de
mesma forma, que não possui começo ou fim e não necessita
ser um mero instrumento de cálculo, controle e comunicação
de uma sequência lógica. O autor contrapõe a narrativa à base
e passou a ser também um processador de mídia. Ainda
de dados. A narrativa seria uma forma da era moderna, que
A era do computador, segundo Manovich, introduziu
teve seu último desenvolvimento com o cinema. A narrativa 23
No original: The translation of all existing media into numerical data accessible for computers. The result is new media: graphics, moving images, sounds, shapes, spaces and text which become computable, i.e. simply another set of computer data. Tradução nossa.
24
No original: (…) creating works in new media can be understood as either constructing the right interface to a multimedia database or as defining navigation methods through spatilized representations. Tradução nossa. 41
apenas como um meio de acessar os elementos de uma
relação entre lugares e dispositivos móveis digitais até então inédita. (LEMOS, 2008: 207)
base de dados; jogos de computador, por exemplo, são
Nas mídias locativas não basta que exista o dispositivo
continua a existir, na atualidade, entretanto se configura
experimentados por seus jogadores como narrativas.
tecnológico com a interface correta para o acesso ou a
A outra forma definida pelo autor é o espaço navegável.
construção de uma base de dados, como afirmou Manovich.
O espaço navegável pode ser visto como uma forma particular
A presença do usuário em determinado local se faz necessária
de acessar um banco de dados, a partir da experiência de
para que haja a comunicação. A navegação também é
imersão em um espaço em três dimensões simulado em uma
diferenciada,
tela. Manovich destaca que esta forma de acesso a informações
diretamente ligadas ao espaço físico deste local.
persiste e se desenvolve cada vez mais, constituindo-se uma nova forma cultural por si.
pois
representações
espacializadas
estão
Obviamente, existem formas não-digitais de relacionar diretamente a informação com o lugar: placas indicativas
Em meio às evoluções das mídias digitais, a partir do
de direções no trânsito são um exemplo disso. No caso do
desenvolvimento das tecnologias de comunicação móveis e
Brasil, o padrão de cores das placas já indica funções do lugar
sem fio, destacam-se as mídias baseadas em locação (location-
mencionado: verde para nomes de localidades, azul para
based media) ou mídias locativas. Como o nome já sugere,
nomes de rodovias e marrom para locais de interesse turístico
são mídias em que a posição do usuário no mundo influencia
(Manual de Sinalização Rodoviária. DNIT, 2010.).
na troca de informações. Podemos definir mídia locativa (locative media) como um conjunto de tecnologias e processos info-comunicacionais cujo conteúdo informacional vincula-se a um lugar específico. Locativo é uma categoria gramatical que exprime lugar, como “em”, “ao lado de”, indicando a localização final ou o momento de uma ação. As mídias locativas são dispositivos informacionais digitais cujo conteúdo da informação está diretamente ligado a uma localidade. Trata-se de processos de emissão e recepção de informação a partir de um determinado local. Isso implica uma
No caso das mídias locativas, entretanto, além da relação direta entre informação e lugar, o software é responsivo à localização do usuário ou aos dados sobre o lugar, podendo mudar ou se adaptar de acordo com as características atuais do lugar. Por exemplo, o caso de aplicativos que informam as condições de trânsito, através de dados coletados por câmeras e sensores ou com dados fornecidos por usuários de forma colaborativa, como é o caso do WAZE (BARDIN, 2009). Os dados são processados por software que alimentam mapas que indicam a situação do tráfego nas vias. André Lemos 42
(2008: 209) construiu uma tabela para diferenciar as mídias
era uma imprecisão intencional, por razões de segurança
locativas digitais das informações localizadas analógicas, que
governamental americana, no sinal de GPS de até 100 metros
está reproduzida a seguir.
para aparelhos utilizados por civis.26 O Geocaching começou, então, como uma forma de testar a nova precisão dos
Mídia Locativa Digital
Mídia Locativa Analógica
Informação massiva genérica sem Personalização da informação, identificação do usuário. Mídia “smart” feedback ou processamento. Dados digitais e bancos de dados com informações de contexto local.
Dados primários estáticos.
Emissão por redes sem fio e captação em dispositivos móveis. Pervasiva e sensitiva.
Estática, “vista ao acaso”.
Processamento e customização da informação (controle, monitoramento, personalização)
Não processa informação.
Dados variáveis e modificáveis em tempo real.
Dados estáveis.
aparelhos e assim surgiu um jogo de exploração de territórios em busca de “tesouros”, os Geocaches.
14. Tela do Geocaching. Fonte: https://itunes.apple.com/us/ app/geocaching-intro/id329541503
15. Geocache encontrado. Acervo pessoal.
Tabela 01 - Diferenças entre mídias locativas digitais e analógicas. Fonte: LEMOS, 2008: 209.
Um exemplo de um uso inicial destas mídias foi a criação do jogo de caça ao tesouro Geocaching25 (Groundspeak, 2000). O jogo foi criado em meados do ano 2000, após a decisão do governo americano de acabar com a disponibilidade seletiva (Selective Availability) dos satélites que emitiam sinais de GPS (Global Positioning System). Esta disponibilidade seletiva
25
http://www.geocaching.com
26
http://www.gps.gov/systems/gps/modernization/sa/ 43
O jogo incentiva não apenas o deslocamento, mas
magnetômetro27, do acelerômetro28 e do giroscópio29 dos
algum grau de envolvimento sensorial com o entorno. É
aparelhos para garantir uma maior precisão da localização e
preciso buscar coordenadas GPS até encontrar o “tesouro”.
do ponto de vista do usuário. O uso difundido de aparelhos
(PETERS, 2007:222) Curiosamente, o que se observa é que
celulares e a mobilidade de comunicação permitida por eles
a cultura do Geocaching fomenta um tipo de ligação entre
fez surgir mídias locativas com diversas funções e objetivos.
os jogadores – não necessariamente com o local de buscas,
O conjunto de práticas conhecidas como jogos ubíquos
além do necessário para encontrar o Geocache. Atualmente
(pervasive gaming), os jogos baseados em locação (location-
(2014), a comunidade de Geocachers já ultrapassa 6 milhões
based games), jogos de caçadas urbanas (urban hunting
de pessoas que buscam e escondem mais de 2 milhões de
games) e mesmo os jogos de realidade alternativa (alternate
“tesouros” pelo mundo.
reality games) apontam para uma maneira distinta de se
Além das informações de sinais de GPS, mídias locativas
apropriar da cidade. Enquanto jogos urbanos “tradicionais”
podem utilizar o posicionamento de redes de internet sem
como o futebol de rua e a capoeira ganham versões digitais
fio (3G, Bluetooth ou Wi-Fi), etiquetas de radiofrequência
e, para tanto, necessitam de uma representação do espaço
(RFID) ou o reconhecimento de alvos (QR Codes, imagens
urbano para garantir o ambiente de imersão para os jogadores,
ou objetos) como meio para a troca de informações.
o caminho inverso pode ser visto, no jogo denominado
Neste aspecto, os telefones celulares tipo smartphones se
PacManhattan que simula o jogo digital PacMan no ambiente
destacam como aparatos para mídias baseadas em locação
urbano, onde jogadores em uma “sala de comando” enviam
por serem multi-sensores e concentrarem em um único
informações para os jogadores vestidos de “personagens” do
aparelho diversas possibilidades de acesso a informações de localização. As informações captadas pelos sensores de redes de internet móveis, pela câmera e pelo sensor de sinais de GPS dos smartphones podem ainda estar associadas ao usodo
27
O magnetômetro mede a força do campo magnético da Terra em três dimensões. Ajuda na definição da posição do usuário em relação ao Norte Magnético da Terra e pode ser utilizado como um bússola. Fonte: http://www.sensorplatforms.com/understanding-smart-phone-sensorperformance-magnetometer-2/ 28 O acelerômetro é um dispositivo que calcula a aceleração própria de um aparelho. Com estas informações é possível ter uma maior precisão da posição do aparelho. Fonte: http://blog.brasilacademico.com/2012/05/ como-funciona-o-acelerometro-de-um.html 29 O giroscópio é um dispositivo para a medição ou manutenção de uma orientação. Fonte: http://www.gyroscopes.org/uses.asp 44
jogo original sobre a localização dos jogadores inimigos e de
Google Maps. Simulando no mapa da tela “minas virtuais”,
recompensas espalhadas pelo espaço urbano, transformando
que devem ser evitadas durante o percurso do jogador, o
a cidade em um tabuleiro simultaneamente físico – percorrido
jogo busca explicitar que no percurso sugerido por programas
pelos jogadores-personagens – e virtual – pois o jogo só
de mapeamento entre os pontos A e B também existem
será completamente apreendido pelos jogadores da “sala de
obstáculos e limites que devem ser transpostos (calçadas e vias
comando”.
em mau estado de conservação e barreiras físicas eventuais). A companhia portuguesa de publicidade MTSF Partners criou, para o Ministério de Turismo de Portugal, uma campanha de divulgação da cidade de Lisboa que utiliza elementos tradicionais da cultura nacional e informações digitais baseadas em locação. A campanha consistiu em construir QR Codes em mosaicos de pedras nas calçadas do Bairro do Chiado com códigos que levam a um site com informações turísticas sobre o lugar. Na etapa seguinte, pedras de calçadas de Portugal foram levadas à cidade de Barcelona para que os QR Codes-calçadas fossem construídos lá, atraindo turistas de outras cidades. A agência de publicidade recorreu à tradição
16. Jogo PacManhattan. Fonte: pacmanhattan.com
portuguesa de usar a pedra talhada para a comunicação de mensagens a diferentes povos, pois no período das conquistas
O artista brasileiro Cláudio Bueno utiliza os conceitos de
os padrões de descobrimentos, pedras com o brasão de
jogos ubíquos para criar performances artísticas a partir de
coroa portuguesa talhado, serviam para anunciar a chegada
aplicativos para smartphones que questionam a relação do
do domínio português em um território estrangeiro. O uso
usuário com o aparato tecnológico e a cidade. No jogo “Campo
do código em pedra para informar estrangeiros continua
Minado”, o artista discute o uso generalizado dos sistemas de
nesta campanha do Ministério do Turismo de Portugal, mas
mapeamento e direcionamento de usuários via GPS, como o
agora é necessário um aparelho para decodificar e acessar a informação. 45
17. Campo minado, jogo/intervenção artística do artista Cláudio Bueno. Fonte:buenozdiaz.net/campominado
19. Padrão de descobrimento. Fonte: pt.wikipedia.org/wiki/ Padrão_(Descobrimentos)
Estas recentes práticas, por mais que utilizem estratégias e interfaces diferentes, criam espacialidades que misturam
18. QR Code em calçada em Lisboa. Acervo pessoal. Autora: Tânia Cardoso
realidades e situam de alguma maneira informações digitais no espaço urbano, no sentido de colocar no tempo e no espaço um hiperdocumento acessível pela internet. Bambozzi, Bastos e Minelli destacam este paradoxo entre mobilidade e a importância do lugar nas mídias locativas: Geram formas de envolvimento mediado com o entorno e mesmo com espaços distantes. As práticas com mídias locativas abrangem a criação e a recepção, em trânsito, de textos, imagens, sons e vídeos, possibilitando acesso distribuído aos meios de produção de conteúdo. Eles se beneficiam das tecnologias de comunicação ubíquas, presentes em todo lugar, o tempo todo. Seu uso gera um paradoxo entre as práticas de localização e a mobilidade considerada típica da cultura que surge com a popularização de aparelhos portáteis e redes sem fio. (BAMBOZZI et al., 2010: 221)
46
Ou seja, nas mídias baseadas em locação se vê um
Por fim, cabe destacar que com toda a importância
conteúdo dependente da locação do usuário, criando uma
dada à localização do usuário, as mídias locativas podem
articulação entre espaço físico da cidade e as informações
ser utilizadas para aumentar a vigilância e o controle sobre
disponíveis na rede. A cidade e o lugar ganham uma força
a população. Sempre que a informação de onde se está é
própria, tornando mais relevante ter determinada informação
utilizada como gatilho de comunicação, ela fica registrada nos
em um ambiente específico. André Lemos considera que já é
servidores dos softwares das mídias, e ainda não está muito
possível falar em um tipo de território que é delimitado por
claro o que pode ser feito com estes registros.
estas relações entre o lugar e a informação acessada pelo usuário via mídias locativas, o território informacional. Devemos definir os lugares, de agora em diante, como uma complexidade de dimensões físicas, simbólicas, econômicas, políticas, aliadas a bancos de dados eletrônicos, dispositivos e sensores sem fio, portáteis e eletrônicos, ativados a partir da localização e da movimentação do usuário. Esta nova territorialidade compõe, nos lugares, o território informacional. (LEMOS, 2009: 92) O território informacional não é o ciberespaço, nem o lugar físico da cidade de onde o ciberespaço é acessado, mas se constitui da zona de intersecção entre estes dois espaços. Lemos descreve como exemplo de território informacional as zonas de internet wi-fi em praças e parques. Ao acessar a internet por essa rede wi-fi, o usuário está em um território informacional imbricado no território físico (e político, cultura, imaginário, etc.) do parque, e no espaço das redes telemáticas. (LEMOS, 2008: 221)
47
2.2. DEFINIÇÕES DE REALIDADE AUMENTADA
de maneira única e integral com o uso de equipamentos e capacetes com telas junto ao corpo ou em espaços desenhados
A palavra virtual é por diversas vezes utilizada para designar um contraponto ao que é real, para descrever a falta
de imersão com sensores e completamente coberto por telas ou imagens projetadas (os caves).
de existência ou aquilo que é ilusão. Entretanto, esses sentidos
Na década de 1980, a cultura e, em especial, a literatura
não correspondem à complexidade do termo. Pierre Lévy
ciberpunk criaram um imaginário sobre o que seria este mundo
(2011) recorda que em sua origem a palavra era virtualis do
virtual. A indústria de jogos eletrônicos foi responsável por uma
latim medieval, que é derivada da palavra virtus que significa
evolução tanto da tecnologia de gráficos digitais quanto da
força, ou potência. Segundo o autor, o virtual não é o contrário
ideia de uma realidade alternativa, ao criar ambientes virtuais
de real, mas do que é atual.
cada vez mais elaborados e com leis próprias. São exemplos desta evolução os jogos Doom (ID SOFTWARE, 1993) e Myst
Na filosofia escolástica, é virtual o que existe em potência e não em ato. O virtual tende a atualizar-se, sem ter passado no entanto à concretização efetiva ou formal. A árvore está virtualmente presente na semente. Em termos rigorosamente filosóficos, o virtual não se opõe ao real mas ao atual: virtualidade e atualidade são apenas duas maneiras de ser diferentes. (LÉVY, 2011: 15) A virtualização é, segundo o autor, uma elevação à potência de uma entidade, o virtual é a não-presença dessa entidade, mas com as questões que a envolvem em destaque. Com o início do desenvolvimento da tecnologia da informática e com a criação de interfaces gráficas cada vez mais intuitivas e fáceis de utilizar surgiu a ideia de uma realidade virtual (virtual
(MILLER, 1993), e diversos outros produzidos na década de 1990. Ao final da década, a dose diária de ciberespaço (usando a internet para fazer reservas de passagens aéreas, checando o e-mail com uma conta do Hotmail, ou fazendo o download de arquivos MP3) tornou-se tão normal que a maravilha original do ciberespaço tão presente na ficção ciberpunk no início da década de 1980 e ainda evidente nos manifestos originais dos evangelistas VRML do início dos anos 1990 - foi quase completamente perdida. O virtual tornouse domesticado. Cheio de propagandas e controlado por grandes marcas, apresentase como inofensivo. Em suma, para usar a expressão de Norman Klein, tornou-se um
reality). Um mundo com espaço construído de forma digital que funcionasse por leis próprias que poderia ser experimentado 48
“subúrbio eletrônico”.30 (MANOVICH, 2005: 02-03)
Milgram e Kishino (1994) criaram uma taxonomia de realidade mista em displays visuais onde definiam, em 1994,
Mas este “virtual domesticado”, que passou a ser acessado
o que seria realidade aumentada. Os autores elaboraram uma
também a partir de tecnologias de comunicação móveis, trouxe
escala de gradação entre o que seria um ambiente real e um
à tona a questão do espaço físico contemporâneo. Um espaço
ambiente completamente virtual. Estes ambientes estariam
que é constantemente ocupado por informações eletrônicas
inseridos em um continuum de virtualidade. Entre os extremos
e visuais. Câmeras de vídeo-vigilância, letreiros e fachadas
estaria uma grande escala de realidade mista, onde situações
eletrônicas, sensores de ambientes, instalações interativas e
que se encontram no meio do continuum são classificadas
mídias baseadas em locação criam conexões entre o espaço
como realidade aumentada e virtualidade aumentada.32
físico e informações digitais, que segundo Lev Manovich, conformam um espaço aumentado (augmented space) (2005: 01). O termo “aumentado” remete às adições de informação Realidade Mista
que são conectadas ao espaço físico. (...) espaço aumentado é o espaço físico coberto com informações de alteração dinâmica. Estas informações se apresentam em sua maioria em formas multimídias e são frequentemente localizadas para cada usuário.31 (MANOVICH, 2005: 02)
No original: By the end of the decade, the daily dose of cyberspace (using the Internet to make plane reservations, check e-mail using a Hotmail account, or download MP3 files) became so much the norm that the original wonder of cyberspace so present in the early cyberpunk fiction of the 1980s and still evident in the original manifestos of VRML evangelists of the early 1990s - was almost completely lost. The virtual became domesticated. Filled with advertisements and controlled by big brands, it was rendered harmless. In short, to use Norman Klein’s expression, it became an “electronic suburb. Tradução nossa. 31 No original: (…) augmented space is the physical space overlaid with dynamically changing information. This information is likely to be in multimedia form and it is often localized for each user. Tradução nossa.
Ambiente Real
Realidade Aumentada
Virtualidade Aumentada
Ambiente Virtual
Continuum Virtual 20. Esquema do Continuum Virtual, baseado em Milgram e Kishino (1994: 04). Acervo pessoal.
30
32
No original: Real environment, Virtual environment, Virtuality continuum, Mixed Realities, Augmented Reality e Augmented Virtuality. Tradução nossa.
49
definições de objetos reais e virtuais similares as definições
ambiente real é “aumentado” por meio de objetos virtuais (computação gráfica).34 (MILGRAM e KISHINO, 1994: 04)
de Lévy (2011), porém mais adaptadas à representação de
Já a virtualidade aumentada estaria mais próxima
Para
esta
classificação,
os
autores
consideraram
computação gráfica em telas, ou displays visuais:
de ambientes completamente virtuais no continuum de
Objetos reais são quaisquer objetos que possuam uma existência atual objetiva.
virtualidade e é definida a partir de situações em que ambientes
Objetos virtuais são objetos que existem em essência ou efeito, mas não existem formalmente ou atualmente. Para um objeto real ser visto, ele pode ser observado diretamente ou pode ser amostrado e então ressintetizado em alguma tela de um disposiivo. O objeto virtual para ser visto, precisa ser simulado, uma vez que ele não existe em essência.33 (MILGRAM e KISHINO, 1994: 06, 07)
reais, que podem se visualizados juntos no display ou apenas
Na escala de realidade mista, próximo ao extremo do
o que seria realidade aumentada e o que seria virtualidade
ambiente completamente real, os autores definem a realidade
aumentada e sugerem que o termo Realidade Híbrida para
aumentada (R.A.) como situações em que um objeto virtual
casos onde são utilizados diversas mídias, objetos virtuais e
é visualizado em um ambiente real na tela de um dispositivo.
reais. (1994: 04)
Como uma definição operacional de Realidade Aumentada, utilizamos os termos para se referir a qualquer caso em que o
No original: Real objects are any objects that have an actual objective existence. Virtual objects are objects that exist in essence or effect, but not formally or actually. In order for a real object to be viewed, it can either be observed directly or it can be sampled and then resynthesised via some display device. In order for a virtual object to be viewed, it must be simulated, since in essence it does not exist. Tradução nossa.
simulados no computador são “aumentados” por objetos se encontrarem dentro do campo de visão do observador. Ou seja, os autores consideram casos em que há uma imersão em um ambiente virtual, mas que o ambiente real continua a afetar o observador, como em jogos de computador, por exemplo. Milgram e Kishino comentam que, com o desenvolvimento da tecnologia, no futuro será difícil fazer a distinção entre
A definição de realidade aumentada de Milgram e Kishino se limitava na época à representação e a percepção visual de objetos e ambientes. Ronald Azuma (1997) criou uma
33
34
No original: As an operational definition of Augmented Reality, we take the term to refer to any case in which an otherwise real environment is “augmented” by means of virtual (computer graphic) objects. Tradução nossa.
50
classificação mais abrangente e difundida35 do termo em que
vamos tratar, prioritariamente, de tecnologias de visualização
não se exclui a possibilidade de uma realidade aumentada a
de realidades aumentadas nas quais um objeto virtual é
partir de sons. Para o autor, sistemas de realidade aumentada
espacializado e visto na tela de um aparelho junto com a
são os que:
visualização do entorno que circunda o usuário. Ou seja, é 1) Combinam o real e o virtual;
preciso que o sistema utilize a câmera do aparelho e disponha
2) São interativos em tempo real;
sobre a imagem captada pela câmera uma informação que
3) Possuem registro em três dimensões. (1997: 356)
36
se refere a este lugar. Percebe-se que, nesses casos, há uma interessante sobreposição do espaço navegável da tela
Com essa definição um áudio-guia de museu ou atração
do aparelho com o espaço físico do lugar, o espaço a ser
turística que, a partir de triangulações de sinais de wi-fi,
navegado e explorado não é mais o virtual ou o local, mas um
etiquetas RIFD, ou sinais de GPS, transmitam automaticamente
espaço que se configura a partir da inclusão da camada de
37
uma mensagem a partir da localização do usuário
podem
ser classificados como realidade aumentada. A definição de
informação no ambiente físico. Julie
Carmigniani
e
Borko
Furht
classificam
os
Azuma também inclui a realidade aumentada no campo das
dispositivos para sistemas de realidade aumentada em:
mídias locativas, tendo em vista que as informações possuem
monitores, dispositivos de input, dispositivos de rastreamento
registro em três dimensões, ou seja, as informações são
e computadores (2011:09). Aparelhos celulares do tipo
localizadas no espaço físico a partir de dados tridimensionais.
smartphones e tablets possuem a vantagem de serem multi-
Mesmo com a possibilidade de se organizar sistemas de
sensores e unirem todos os dispositivos necessários para
realidade aumentada sonoros, nesta dissertação, entretanto,
a visualização de um sistema de realidade aumentada. Os autores ainda classificam os sistemas de realidade aumentada em cinco categorias: sistemas fixos em ambientes internos,
35
Texto considerado um dos 50 artigos científicos mais influentes publicados em jornais da MIT Press - http://www.mitpressjournals.org/ page/50articles 36 No original: “1) Blends real and virtual, in a real environment 2) Real-time interactive 3) Registered in 3D” (tradução nossa) 37 Alguns exemplos em desenvolvimento podem ser encontrados no site: http://www.mjc2.com/multimedia-visitor-guide.htm
sistemas fixos em ambientes externos, sistemas móveis em ambientes internos, sistemas móveis ao ar livre e sistemas móveis em ambientes internos e externos (CARMIGNIANI e FURHT, 2011: 16). No caso dos testes realizados nesta dissertação foi organizado um sistema móvel ao ar livre de 51
realidade aumentada. Para espacializar objetos virtuais, a maioria dos programas atuais de realidade aumentada utiliza duas maneiras: através de alvos que são reconhecidos pelo aplicativo e/ou pela geolocalização do objeto através de coordenadas geográficas. O uso de alvos é bastante difundido na mídia impressa, como forma de fornecer informações extras sobre o conteúdo disposto. Os alvos, que no início eram bastante simples, como os QR Codes, agora podem ser imagens muito mais complexas. Um exemplo é o aplicativo Layar (LAYAR, 2013), que esquadrinha e reconhece pôsteres de filmes para, então, apresentar um link de um site com mais informações. O aplicativo Junaio (METAIO INC., 2013) já consegue reconhecer
21. Jogo no aplicativo Junaio. Qualquer livro pode ser utilizado como alvo para criar uma plataforma por onde o avatar pode se mover. Acervo pessoal.
objetos tridimensionais simples como alvos, a partir da comparação destes objetos com modelos tridimensionais digitais previamente informados ao aplicativo.38 A localização de objetos virtuais por georreferência
22. Esquema de realidade aumentada a partir de alvos. Acervo pessoal.
é mais comum em aplicativos de realidade aumentada que dispõem objetos em áreas livres e de grandes dimensões, especialmente no espaço urbano. A complexidade de formas e as grandes distâncias que existem em áreas livres dificulta a visualização e o reconhecimento dos alvos pelos aplicativos. Por outro lado, a captação de sinais de GPS é melhor em área
38
https://www.youtube.com/watch?v=c8oDWRMvEh0
23. Esquema de realidade aumentada a partir de geolocalização. Acervo pessoal. 52
abertas. A tecnologia da realidade aumentada para dispositivos de vídeo e áudio que ficam junto à cabeça do usuário, os headmounted displays-HMD, encontra-se em desenvolvimento. Mas é possível observar em livros e filmes de ficção científica algumas de suas possibilidades para o uso da realidade aumentada: os implantes em forma de óculos na personagem Molly no livro “Neuromancer” (GIBSON, 1984); as propagandas que aparecem no campo visual de John Anderton quando ele entra em uma loja de roupas em “Minority Report” (SPIELBERG, 2002), entre outros. Por sua vez, os primeiros
24. Jarvis no visor do Homem de Ferro. Fonte: http://androidspin.com/2013/11/07/iron-mans-jarvis-comes-android-4-4kitkats-google-now-kind/
vídeos de divulgação do Google Glass39 fazem lembrar alguns diálogos do Homem de Ferro com a inteligência artificial Jarvis, no filme “Iron Man (FAVREAU, 2008).
25. Cena de Minority Report. Fonte: http://www.vbc.ie/?p=3768
Entretanto, nem todas as experiências de realidade aumentada serão como o aparelho da Google. O uso de comandos de voz em aparelhos celulares já é comum, especialmente em aplicativos para deficientes visuais. E o fato do visor estar localizado sempre à frente do usuário não transforma toda experiência de uso do aparelho em realidade aumentada. Por exemplo, enviar fotos ou vídeos do ponto de vista do usuário ou conversar com amigos no Skype enquanto se caminha pela cidade não conforma automaticamente uma
39
http:// www.youtube.com/user/googleglass 53
experiência de realidade aumentada, nem mesmo de mídia locativa. Já perguntar ao aparelho como está o clima e este a partir de informações da localização do usuário informar na tela as temperaturas mínimas e máximas do local em que ele se encontra já constitui uma experiência de realidade aumentada. Outro fator que diminui o potencial do Google Glass como aparelho de visualização de sistemas de realidade aumentada é sua pequena tela, que ocupa apenas parte do campo visual do usuário, não permitindo uma maior sobreposição do ambiente simulado sobre a visualização do espaço físico circundante. Sistemas de realidade aumentada são, portanto, mídias locativas que mesclam a visualização de informações digitais relativas ao lugar com a visualização do entorno do usuário em uma tela ou display visual.
54
marketing e propaganda. O fato da R.A. ser apontada como
inicial e parando nele. O verdadeiro objetivo da R.A. é criar uma conexão emocional entre o que o consumidor está procurando e o que o produto mostrado na campanha tem a oferecer. Em suma, dá ao produto um toque pessoal no qual os consumidores podem, literalmente, imaginá-lo no seus próprios mundos.41 (ADDOUM, 2012: 01)
uma estratégia de atrair publicidade para a indústria de
Porém há outras possibilidades de uso da realidade
publicações impressas (MARIN, 2013) contribui para o maior
aumentada por reconhecimento de alvos com utilidades
um uso de aplicativos para sistemas de visualização a partir
próprias, para além do uso publicitário. O aplicativo Word Lens
do reconhecimento de alvos bidimensionais. Um exemplo é o
(QUEST VISUAL, 2014) substitui a visualização de um texto em
catálogo da empresa de móveis domésticos sueca Ikea. Com
um língua pela sua tradução em outro idioma, fazendo uma
o aplicativo de realidade aumentada da empresa instalado,
espécie de “tradução simultânea” de um texto. O aplicativo
é possível visualizar algumas peças do catálogo em tamanho
não possui alvos predeterminados a serem reconhecidos,
real, ao se observar o catálogo a partir do aparelho.40
como no caso do catálogo da Ikea, mas reconhece palavras
2.3. ESTADO DA ARTE EM REALIDADE AUMENTADA A tecnologia atual de aplicativos de realidade aumentada no mercado tem sido utilizada especialmente para fins de
Pierre Addoum (2012), entretanto, defende que o uso da
e frases, as interpreta e substitui a visualização pela tradução.
realidade aumentada para publicidade ainda não chegou ao
Já sistemas de realidade aumentada que especializam
seu auge, porque as campanhas que utilizam esta tecnologia
as informações por georreferência estão sendo utilizados em
dão grande importância apenas ao “momento mágico” em
aplicativos e mídias sociais. O software Sekai Camera (TAB
que o usuário passa a ver o objeto virtual na tela.
INC, 2013) foi desenvolvido para permitir georreferenciar
R.A. é o equivalente moderno a tirar o coelho da cartola, no sentido de que em um segundo você está olhando para a realidade através das lentes de seu telefone, e no seguinte um objeto aparece do nada. (...) Onde os profissionais do marketing tem falhado em capitalizar nas qualidades visuais da R.A. é em focar apenas neste “momento mágico”
40
41
No original: AR is the modern equivalent of pulling a rabbit out of the hat in the sense that one second you’re looking at reality through the lens of your phone, and the next an object appears out of thin air. (...) Where marketers have failed to fully capitalize on the visual qualities of AR is by focusing only on this initial ‘magic moment’ and stopping there. The real goal of AR is to create an emotional connection between what a buyer is searching for and what the product featured in a campaign can offer. In short, it gives the product a personal feel where consumers can literally picture it in their own world. Tradução nossa.
https://www.youtube.com/watch?v=vDNzTasuYEw 55
comentários e fotos em tempo real, criando uma camada colaborativa de informações para serem vistas por realidade aumentada no espaço urbano. Atualmente, o aplicativo Wikitude (WIKITUDE GMBH, 2013) possui uma camada do site de fotos Flickr (YAHOO, 2014) na qual é possível ver uma foto no local onde a imagem foi tirada. Já com o aplicativo Layar (LAYAR, 2013) é possível visualizar uma camada com fotos georreferenciadas do aplicativo Instagram (FACEBOOK
26. Imagens do aplicativo World Lens. Fonte: http://images.gizmag.com/ 27. Sekai Camera. Fonte: http://i.ytimg.com/vi/ oxnKOQkWwF8/maxresdefault.jpg
INC., 2013). O Sekai Camera, entretanto, foi desativado no final de 2013 e o uso de realidade aumentada para mídias sociais colaborativas não é muito difundido na atualidade. Uma possível explicação para o pouco sucesso destas experiências é o fato de que, para se visualizar um sistema de realidade aumentada georreferenciado, é necessário se estar
28. Camada do Flickr no Wikitude. Acervo Perssoal.
29. Camada de fotos georreferenciadas do Instagram no Layar. Acervo Perssoal.
com um aparelho com o aplicativo de R.A. sempre à frente do seu campo, inclusive para detectar a própria existência de um ponto de interesse – o que só apresenta comodidade de uso no caso de aparelhos como o Google Glass, que ainda não estão difundidos no mercado. Isso não acontece com a realidade aumentada com alvos, já que o próprio alvo é utilizado muitas vezes para sinalizar a existência da camada extra de informações digitais. Com os aparelhos disponíveis atualmente, é necessário ir em busca da informação georreferenciada, e, para isso, é necessário que se crie algum tipo de interesse e engajamento com o conteúdo, como já foi sugerido por Addoum (2012) na afirmação já exposta. 56
Este tipo de relação com o conteúdo pode ser visto em
o entorno onde o jogo foi testado, deixando-o invisível aos
jogos com realidade aumentada, tendo em vista que jogos
usuários, de modo que os personagens do jogo percorriam
são, por definição, atividades de engajamento espontâneo
um espaço similar ao espaço percorrido pelos jogadores
com regras e espacialidade próprias (CALLOIS, 1994: 37). Não
(PIEKARSKI e THOMAS, 2007: 282)
surpreende, portanto, que já existam algumas experiências com jogos eletrônicos e realidade aumentada, como o “Urban Troops” (FUTURE REALITY GAMES, 2013), cujo objetivo é perseguir oponentes pela cidade, atirando através do display de um smartphone, onde aparecem informações sobre o status de vida dos oponentes e sua arma, como em um jogo FPS (first person shooting game) de computador. Outros exemplos são os jogos SpecTrek (GAMES4ALL, 2014), AR Invaders (QUILL PEN STUDIO, 2012) e Zombies Everywhere (USELESS CREATIONS, 2014), que simulam fantasmas, alienígenas e zumbis que devem ser perseguidos, ou dos quais o jogador deve fugir, em espaços abertos. O jogo para computadores “Quake”, um célebre FPS para computadores, foi adaptado pelos pesquisadores Wayne
30. ARQuake. Fonte: (PIEKARSKI e THOMAS, 2007: 283).
Piekarski e Bruce Thomas para a visualização em realidade aumentada: o ARQuake foi desenvolvido para o treinamento de militares e de grupos civis de resgate em caso de desastres (PIEKARSKI e THOMAS, 2007: 282,283; 438,439). Para evitar um problema comum nesse tipo de aplicação, no qual a visualização dos objetos virtuais entra em conflito com a visualização do entorno – um “inimigo” passando através de uma parede, por exemplo – Piekarski e Thomas modelaram
31. Zombies Everywhere. Fonte: https:// www.youtube.com/ watch?v=59An70D3xg8 57
espontâneas.42 (SCHRIER, 2007: 272)
Em jogos educacionais que envolvem descoberta e conhecimento de algum aspecto histórico-social de um lugar,
Klopfer (2007: 380-383) chegou a uma conclusão
o uso da realidade aumentada tem criado possibilidades de
parecida na experiência “Teacher Education Program”,
conectar informações com lugares físicos e criar relações de
realizada pelo MIT. No estudo, o uso da realidade aumentada
afeto dos jogadores com lugares. Como no caso do jogo
demonstrou um maior envolvimento dos jogadores com
Reliving the Revolution (RtR) em que os jogadores, utilizando
aspectos sociais do lugar, em comparação com jogadores que
computadores portáteis e aparelhos GPS, caminhavam pela
tiveram acesso à mesma narrativa do jogo, mas não entraram
cidade de Lexington, Massachusetts, em busca de informações
em contato com o ambiente urbano real. Segundo o autor:
para descobrir quem deu o primeiro tiro da Batalha de
As pessoas têm adquirido habilidades sofisticadas para a coleta de informações a partir de seu ambiente físico e para usar essa informação na tomada de decisões. Jogos de R. A. aproveitam essas habilidades inatas para permitir que os jogadores incorporarem muito mais informações do que o jogo pode oferece-los explicitamente. Isso faz com que a R.A. seja particularmente adequada para ajudar as pessoas a entender e a chegar a decisões complexas e realistas que incluem uma variedade de aspectos sociais, políticos, científicos e práticos.43 (KLOPFER, 2007: 380)
Lexington, o que foi um dos fatos decisivos para a o início da Guerra pela Independência dos Estados Unidos. Sobre o envolvimento dos jogadores com os lugares e fatos históricos, a pesquisadora Karen Schrier comenta: No processo, os participantes remapearam um espaço público não familiar com narrativas de jogo pessoalmente significativas, interpretações históricas e visões do passado. Com a criação de percursos pessoais no espaço público, os participantes atravessaram fronteiras da propriedade e da convenção, que os incentivou a assumir riscos intelectuais como criativamente reimaginar o passado e criticar perspectivas históricas tradicionais. Lexington tornou-se um ambiente seguro onde os participantes poderiam mais facilmente experimentar novas narrativas, identidades e percepções sem medo de consequências reais. O lugar também se tornou um espaço social onde os participantes puderam de maneira serendipitosa trocar ideias e formar comunidades de aprendizagem
42
No original: In the process, participants remapped an unfamiliar public space with personally meaningful game narratives, historic interpretations and visions of the past. By creating personal paths in a public space, participants traversed boundaries of propriety and convention, which encouraged them to take intellectual risks such as creatively reimagining the past and critiquing traditional historical perspectives. Lexington became a safe environment where participants could more easily experiment with new narratives, identities and perceptions without fear of real consequences. The site also became a social space where participants could serendipitously exchange ideas and form spontaneous learning communities. Tradução nossa. 43 No original: People have acquired sophisticated skills for collecting information from their physical surroundings and using that information 58
Turistas comumente necessitam ir em busca de
real. O Netherlands Institute of Architecture lançou o UAR
informações sobre os lugares que estão visitando, seja para
(Urban Augmented Reality) (NAI, 2013), em que, além de
se localizarem ou para buscarem mais informações sobre as
informações de um guia de viagem, é possível ver maquetes
atrações turísticas que pretendem conhecer. Essas situações
de edifícios que serão construídos ou observar infraestruturas
já criam um certo engajamento e ligação com alguns lugares;
localizadas no subsolo das cidades.
talvez por isso um meio em que a tecnologia da realidade aumentada tem se destacado são os aplicativos de guias de viagem. Esses guias unem informações georeferenciadas à visualização de pontos turísticos na tela de smartphones. O Mtrip (MTRIP, 2012) é um desses aplicativos, possuindo versões para diversas cidades. Este aplicativo funciona com informações armazenadas no próprio aparelho, para evitar custos com internet móvel e utilizando apenas o sinal de GPS, que é gratuito. O teste que fizemos com o aplicativo na cidade de São Paulo mostrou que o aplicativo serve para a localização
32. Tela do aplicativo com guia de viagens em realidade aumentada MTrip. Acervo pessoal.
de atrações turísticas próximas, mas não é muito preciso na visualização das “tags” com os nomes dos lugares. Para além de informações textuais sobre atrações turísticas, existem possibilidades de observar a localização de maquetes eletrônicas de edificações no terreno em tempo
to make decisions. AR games capitalize on those innate skills to enable players to incorporate much more information than the game explicitly provides them. This makes AR particularly well-suited to helping people understand and come to complex realistic decisions that include a variety of social, political, scientific and practical considerations. Tradução nossa.
33. Publicidade do aplicativo UAR - Urban Augmented Reality. Fonte: http://en.nai.nl/museum/architecture_app 59
O pesquisador alemão Marc René Gardeya, criador
A RA é utilizada também em iniciativas de arte urbana.
da plataforma de ferramentas de criação de realidade
O coletivo RE+PUBLIC é um grupo de artistas especialistas
aumentada Hoppala Augmentation, utilizou sua plataforma
em mídias digitais que faz parceria com outros muralistas
para “reconstruir” o Muro de Berlim, criando uma camada
e grafiteiros criando aplicativos que ampliam a arte
georreferenciada para o aplicativo Layar onde é possível
bidimensional pintada em murais urbanos, com adição de
observar o muro na cidade, em realidade aumentada. A
formas tridimensionais e animações em murais existentes. No
observação de fatos do passado também é a proposta do
caso do projeto Augmented Architecture, em parceria com o
HistoryPin (WE ARE WHAT WE DO, 2013), que, através da
artista de rua MOMO44, fachadas de edificações convencionais
geolocalização em mapas e a visualização de fotos históricas
são transformadas em telas virtuais para o artista, assim, a arte
nos locais onde elas foram tiradas, busca criar uma história
só é percebida através do aplicativo.
digital global através de fotografias. Estes dois exemplos demonstram um grande potencial da realidade aumentada para unir temporalidades diferentes no campo de visão do usuário.
35. Re+Public Augmented Reality App e arte de Momo. Fonte: http://momoshowpalace.com/2013/11/republic-augmented-reality-app/
34. Muro de Berlim visto em realidade aumentada. Fonte: http://www.spiegel.de/fotostrecke/photo-gallery-a-view-like-theterminator-s-fotostrecke-56792.html
44
http://momoshowpalace.com 60
O trabalho de MOMO se assemelha ao do artista neozelandês Shannon Novak45, que também trabalha com diversas instalações que utilizam realidade aumentada. Durante sua estadia em Nova Iorque, o artista criou o trabalho “Manhattan Phrase 40.74279,-74.008981 to 40.728411,73.975679”46, em que ele “aumentou” elementos do espaço urbano como placas e portas com animações e peças musicais. As instalações eram numeradas e nomeadas com as coordenadas geográficas de seus lugares. Sobre o trabalho de Shannon Novak, o pesquisador Ian Gwilt discorre sobre como as obras do artista aumentam a experiência urbana: Novak se descreve como um sinesteta, uma pessoa que vê sons e cores em coisas quotidianas. Em muitos aspectos, as capacidades das tecnologias de R.A. refletem perfeitamente essa visão do mundo, uma vez que permitem o espectador experimentar diferentes traduções e interpretações do mundo ‘esperado’, o que nós convencionalmente vemos e ouvimos. Em termos filosóficos a R.A. transforma nossa relação com a cultura material e oferece uma antropologia remediada da experiência urbana empírica.47 (GWILT, 2014:01) 45 46 47
http://www.shannonnovak.com http://vimeo.com/77942691 No original. Novak describes himself as a synesthete, a person who sees sounds and colours in everyday things. In many ways the capabilities of AR technologies perfectly reflect this view of the world, as they allow the viewer to experience different translations and interpretations of the ‘expected’ world we conventionally see and hear. In philosophical terms AR changes our relationship with material culture and offers a
36. Manhattan Phrase 40.74279,-74.008981 to 40.728411,- 73.975679 de Shannon Novak Fonte: http://vimeo.com/77942691
Ainda sobre a experiência de entrar em contato com uma obra de arte através da realidade aumentada, Gwilt comenta: Visualizar uma obra de arte de R.A. na tela de um dispositivo móvel ainda é muito mais uma experiência peripatética48, o espectador deve apontar a câmera do dispositivo para a “localização” do trabalho e movê-la no comprimento dos braços, para frente e para trás enquanto olha para a tela. Tal como acontece com uma pintura numa galeria, movendo-se para perto e para longe um
remediated anthropology of the empiric urban experience. Tradução nossa. 48 Referente à escola de filosofia do grego Aristóteles, que ensinava enquanto caminhava. Nota nossa.
61
trabalho de R.A. mudará a perspectiva do observador e seu relacionamento com o trabalho, mas no caso de uma obra de arte em R.A. este movimento tem uma vantagem, na medida em que também pode ser usado pelo artista para desencadear ou revelar algum material adicional, e pode permitir ao espectador se mover entre as camadas desse conteúdo virtual.49 (GWILT, 2014:02) De acordo com o exemplos citados, é possível concluir
descobrir pode criar relações afetivas ou de outra natureza entre o usuário e o conteúdo e entre o usuário e o lugar, para além da relação existente entre informação e localização – que a própria natureza da realidade aumentada pressupõe. Estas características, portanto, fazem da realidade aumentada uma ferramenta valiosa a ser utilizada no estudo da arquitetura, do urbanismo e, especialmente, da cidade.
que é necessário criar um estímulo, um engajamento para que o usuário se interesse não só pelo “momento mágico” da realidade aumentada, mas que, a partir desse momento, tenha uma experiência mais profunda de um espaço aumentado, com novas camadas de informação. É possível concluir, ainda, pelas experiências dos autores citados que, quando criado este engajamento, a realidade aumentada abre possibilidades de relações mais estreitas com o lugar em que a experiência ocorre. O usuário precisa fazer percurso pelo espaço para entrar descobrir outros ângulos, perspectivas e objetos a serem visualizados, e este ato de caminhar e 49
No original. Viewing an AR artwork in the screen of a mobile device is still very much a peripatetic experience, the viewer must point the camera of the device towards the ‘location’ of the work and move it around at arm’s length, forwards and backwards while looking at the screen. As with a painting in a gallery, walking near to and away from an AR work will change the viewer’s perspective and relationship with the work, but in the case of an AR artwork this movement has the added advantage in that it can also be used by the artist to trigger or reveal additional material, and can enable the viewer to move between layers of virtual content. Tradução nossa.
62
2.4. CONCLUSÕES
para que isso aconteça é necessário que os objetos virtuais possuam registro em três dimensões. Assim, a definição de
No uso das mídias digitais baseadas em locação,
realidade aumentada pressupõe a ligação entre informação e
não basta que o usuário possua o dispositivo tecnológico
lugar, por meio da relação entre as coordenadas do usuário e
conectado à rede e a interface correta para que haja a
dos objetos de informação.
comunicação, é necessária também a presença do usuário
Diversos aplicativos de realidade aumentada para celulares
em determinado lugar no mundo. Este fato cria um aparente
e tablets já foram criados por pesquisadores e empresas. O
paradoxo, tendo em vista que toda a mobilidade permitida
estudo e teste de alguns destes aplicativos mostrou, até o
por aparelhos portáteis e sinais de internet sem fio fica, nesse
momento, que a realidade aumentada pode criar uma relação
caso, condicionada (ou restrita) à localização do usuário. Por
afetiva ou de interesse entre o usuário e aspectos sociais e
outro lado esta ligação entre informação e lugar cria um novo
culturais do lugar, para além da relação informação-lugar
tipo de território – o território informacional (Lemos, 2009),
que a realidade aumentada já pressupõe por definição. Essas
que compreende a zona de interseção entre o ciberespaço e o
relações podem vir a constituir importantes ferramentas de
lugar físico da cidade em que se acede a ele.
discussão urbana. Para além da simples visualização, trata-
A realidade aumentada se destaca entre as mídias
se de criar oportunidades de (re)engajamento com o espaço
locativas porque, além de criar uma conexão entre informação
urbano, a partir da visualização in loco. No próximo capítulo,
e lugar, permite unir a percepção de objetos virtuais com a
examinaremos métodos para isso, e o estudo de duas
visualização de ambientes reais. Na realidade aumentada
possibilidades de aplicação.
a visualização do espaço navegável definido por Manovich (2001:215) se funde à visualização do entorno do usuário. O desenvolvimento de aparelhos como o Google Glass, que mantêm a visualização de informações digitais sempre no campo de visão do usuário, pode significar um grande avanço no uso da realidade aumentada na vida cotidiana. Entretanto, nem toda experiência desse tipo estabelece um caso de realidade aumentada, pois, segundo Azuma (1997: 356), 63
3. experimentAções em reALidAde AumentAdA: método e ApLicAção
que necessitassem de pouco ou nenhum conhecimento em linguagens de programação. Isso foi pensado para agilizar os testes e possibilitar que o método venha a ser facilmente
O projeto arquitetônico se vale de diversas formas de
reproduzido por outros arquitetos ou pesquisadores. Por fim,
representação do espaço. Desde croquis à mão livre ao desenho
são elaboradas conclusões e analisadas as perspectivas dos
técnico assistido por computador, passando por maquetes
resultados preliminares desta pesquisa.
físicas e eletrônicas, são todos utilizados como ferramentas para a produção da arquitetura e da cidade. O recente desenvolvimento de aplicativos de realidade aumentada para localização de informações no espaço urbano fez crescer o interesse nesta tecnologia para o campo da arquitetura. Neste capítulo, são analisadas e discutidas as possibilidades e limitações da tecnologia atual de realidade aumentada para a arquitetura. Algumas destas possibilidades e limitações foram percebidas no desenvolvimento de uma metodologia para a visualização em realidade aumentada de modelos tridimensionais digitais de edifícios georreferenciados. Para os testes, foram escolhidos dois projetos na cidade do Rio de Janeiro com escalas e temporalidades diferentes. O primeiro objeto escolhido foi o Palácio Monroe, edifício histórico que foi demolido em 1976 em meio a muita polêmica. O outro objeto de estudo simulado com realidade aumentada foi o projeto urbano do Porto Maravilha, ainda em fase de implantação na zona portuária carioca. O método descrito a seguir privilegiou a utilização de softwares gratuitos existentes no mercado atual e soluções 64
3.1. A REALIDADE AUMENTADA COMO MEIO PARA A ARQUITETURA E URBANISMO
(SEICHTER, 2007: 12) É necessário perceber que o próprio ato de projetar já é uma abstração, onde são criadas representações de um
O desenvolvimento da tecnologia da informática
objeto que ainda não existe de fato e que pode, inclusive,
acelerou o aperfeiçoamento de diversas técnicas, com a
nunca vir a ser concretizado. Mas elaborar um projeto com o
captação, criação, manipulação e o processamento de
auxílio de um computador, para além da abstração do ato de
dados por meios eletrônicos. O computador se estabeleceu
projetar, é necessário um certo grau de imersão no ambiente
como nova ferramenta para o enfrentamento de antigos
de projeto do programa utilizado. Neste sentido, Seichter vê
problemas. Para a prática da arquitetura, o desenvolvimento
vantagens da realidade aumentada em relação a ambientes
de programas de computador para auxílio na concepção e
simulados no computador para a prática e discussão de
no desenho de projetos automatizou diversos processos.
projetos arquitetônicos:
Entretanto, o uso do computador como ferramenta de projeto concentrou no interior da máquina processos que antes eram elaborados em pranchetas e mesas de trabalho. Este fato dificulta a visualização de etapas de projeto que antes eram feitas de maneira mais aberta e colaborativa, como afirma o pesquisador Hartmut Seichter: Ferramentas de design convencionais, como as ferramentas de projeto arquitetônico, funcionam como entidades externas para prover referências significativas no processo de trabalho e discussão. Ao contrário, ferramentas de design digitais removeram a externalização em favor da abstração.50
50
No original: Conventional design tools, like the one in architectural design, do work as an external entity to provide a meaningful reference
A Realidade Aumentada integra a simulação ao ambiente real. Isto serve a uma necessidade particular que surge de problemas com a imersão de usuários em um ambiente simulado, como um ambiente virtual. Ambientes Virtuais são adequados para simulações em grandes escalas. Um dos problemas é que a interação de curto alcance é mais difícil de implementar nestes casos, porque necessita de mais precisão e é dependente do ambiente físico. Neste aspecto, a Realidade Aumentada se beneficia da integração com o ambiente real. (...) Manipular e visualizar colaborativamente um projeto de arquitetura é uma aplicação principal da Realidade Aumentada e na qual
within the process of work and consideration. In contrast, digital design tools removed this externalisation in favour of abstraction. Tradução nossa.
65
ela excede as possibilidades do Ambiente Virtual.51 (SEICHTER, 2007: 03) Cabe ressaltar que, mesmo com o uso da realidade
execução da obra. O pesquisador Marnix Stellingwerff resumiu
aumentada no ato de projetar, ainda é necessário existir um
importância das mídias no processo de traduzir as impressões
grau de abstração por parte do usuário. Tendo em vista que
do lugar em expressões do projeto:
este processo de criação em um gráfico, onde ele destaca a
por mais que use o ambiente real como plano de fundo, na realidade aumentada os objetos virtuais são simulações gráficas. Mas, de fato, quando se trata de analisar o contexto de implantação de um projeto a realidade aumentada apresenta vantagens em relação a ambientes virtuais, já que, por mais avançada que seja a tecnologia de simulação e de imersão em ambientes virtuais, ainda não é possível reproduzir nesses ambientes todas as sensações e a própria dinâmica de lugares, especialmente de espaços urbanos.
37. Processo de projeto segundo Marnix Stellingwerff. Fonte: (STELLINGWERFF, 2005: 87)
Atualmente, é comum os arquitetos visitarem os locais de implantação de projetos antes do início da fase de concepção
Segundo Stellingwerff são de grande importância
para depois se dedicarem ao projeto em ambientes fechados de
as representações que são feitas do lugar para ajudar na
salas de escritórios e em ambientes simulados no computador:
percepção do contexto em que o projeto vai se inserir.
o campo, muitas vezes, só é visitado novamente durante a 51
No original: Augmented Reality (AR) integrates simulation into the real environment. It serves a particular need that arises from problems connected with immersing users into a simulated environment like a Virtual Environment (VE). VEs are suitable for large scale simulations. One of the drawbacks is that short range interaction is harder to implement because it requires more precision and it is dependent on the physical environment. AR benefits from its integration into the real environment in that respect. (…) Collaboratively manipulating and visualizing architectural design is a prime target application for AR and exceeds the possibilities of VEs. Tradução nossa.
No projeto, as qualidades de consciência contextual e as habilidades de reconstrução mental são de grande importância. Embora muitas das características do contexto no qual o arquiteto se encontra possam ser memorizadas, os projetistas também tendem a contar com coleções de representações, relativas ao contexto existente, quando trabalhando em propostas para novas intervenções, que irão mudar de forma
66
duradoura uma situação existente.52 (STELLINGWERFF, 2005: 13) Estas coleções de representações são utilizadas para
para a arquitetura em três estágios da prática arquitetônica:
relembrar o contexto urbano no ambiente de trabalho. Por
concluída. Algumas oportunidades podem ser utilizadas em
diversas vezes, estas representações são modelos digitais
mais de uma fase, portanto resumiu-se a classificação da
das áreas em que os projetos serão implantados. Mas é
autora em uma única tabela a seguir:
durante a concepção, durante a construção e depois da obra
neste aspecto que a realidade aumentada pode se destacar como ferramenta de concepção, pois ela pode levar o ato de projetar ao contexto onde o projeto será inserido. A realidade aumentada não seria uma forma de substituir as representações gráficas do lugar, mas pode ser utilizada para ampliar o envolvimento com o próprio lugar. Além do fato de fazer o projetista estar presente no lugar, a realidade aumentada utilizada no contexto de projeto força a visualização do ponto de vista do pedestre, dando compreensão da escala humana do projeto. A realidade aumentada permite a apreensão do projeto junto ao seu contexto para além do sentido visual, outros sentidos como o olfato e a audição são incluídos na percepção da relação objeto arquitetônico-entorno. A pesquisadora australiana Rana Abboud (2014) classificou as oportunidades de uso da realidade aumentada
52
No original: In design, such qualities of contextual awareness and the abilities of mental reconstruction are of great importance. Although many of the contextual features with which one is encountered can be memorized, designers are inclined to also rely on collections of representations, concerning the existing context, when working on proposals for new interventions, which will lastingly change an existing situation. Tradução nossa.
Tabela 02. Oportunidades da realidade aumentada para a arquitetura segundo ABBOUD (2014). 67
A
visualização
de
modelos
digitais
de
objetos
mas este tipo de utilização pode ser utilizado para analisar
arquitetônicos em escala real no lugar de sua implantação
interferências de um projeto de reforma no interior de um
(item 1 na tabela) é, segundo a autora, uma maneira mais
ambiente.
intuitiva de transmitir a aparência pretendida, a escala e
O uso de desenhos impressos e maquetes físicas podem
características de um projeto, especialmente grandes projetos
ser “aumentados” com informações digitais extras sobre o
urbanos que envolvem diversos profissionais e, especialmente,
projeto. É possível incluir informações dinâmicas em diversas
a população do lugar.
camadas utilizando o desenho ou modelo físico como alvo
Aplicativos de realidade aumentada móvel ultrapassam a tradicional “codificação” e “tradução” de modelos espaciais de comunicação, reduzindo “erros de transmissão” entre projetistas e aqueles afetados pelo processo de planejamento.53 (ABBOUD, 2014: 06)
para um aplicativo de realidade aumentada. Esta é a proposta
A adequação da escala de componentes e detecção
de design (item 4 da tabela), utilizando a realidade aumentada
de interferências (item 2) é citada pela autora para casos de
como ferramenta para discussão do trabalho em equipe no
espaços internos, onde, com o uso da realidade aumentada,
escritório ou para voltar a campo e observar o projeto, ainda
é possível simular a disposição de mobiliário e outros objetos
não finalizado, no lugar de sua implantação. (ABBOUD, 2014:
na escala correta e posicionamento adequado. Este potencial
09-11).
da realidade aumentada também é citado pela autora como uma forma de melhorar a compreensão de projetos por leigos (ABBOUD, 2014: 08). Um exemplo deste tipo de aplicação é o catálogo da loja de mobiliário Ikea, já citado anteriormente,
53
No original: MAR applications bypass traditional ‘coding’ and ‘translation’ models of spatial communication, reducing ‘transmission errors’ between design professionals and those affected by the planning process. Tradução nossa.
da pesquisa de Seichter (2007): por exemplo, o conteúdo aumentado pode alternar entre sistemas estruturais, mecânicos e hidráulicos, utilizando-se a planta de arquitetura como referência. O mesmo pode ser feito para informar o processo
O processo de projeto arquitetônico ocorre tipicamente fora do local do projeto nos dias atuais, com decisões chaves sendo tomadas em discussões internas com o uso de uma variedade de mídias. Projetar envolve a formação de ideias iniciais sobre o projeto utilizando modelos físicos e digitais, enquanto a revisão do projeto é o processo pelo qual é decidida e avaliada a mídia final. As duas atividades acontecem repetidamente durante a concepção de um projeto arquitetônico. (...) A realidade aumentada móvel vai influenciar o processo de revisão de projeto ao expandir 68
a mídia que os projetistas desenham para fazer chegar às decisões de projeto. Ao levar quem decide a um contato mais direto com o lugar, aplicativos de realidade aumentada móvel irão permitir uma melhor apreciação da mudança, da natureza temporal do entorno de um edifício.54 (ABBOUD, 2014: 10)
mesmo que os outros exemplos se refiram apenas à utilização de realidade aumentada como uma ferramenta gráfica, ela já se configura como uma interface entre objetos virtuais e o ambiente real. Nos itens 07, 08 e 09 a autora se refere a processos
No espaço urbano, com informações georreferenciadas,
a serem utilizados com projetos elaborados em plataformas
é possível comunicar uma narrativa arquitetônica (item 5 na
BIM (Building Information Model). Os modelos tridimensionais
tabela). Esta possibilidade pode ser utilizada, segundo a autora,
digitais de edifícios projetados em plataformas BIM possuem
para passar informações sobre sítios históricos ou edificações
atrelada à sua geometria informações técnicas e quantitativas
importantes, como é o caso do aplicativo HistoryPin (WE ARE
de materiais e processos construtivos. Assim, com o uso da
WHAT WE DO, 2013) e da camada com o modelo do Muro
realidade aumentada, é possível localizar, além do modelo,
de Berlim georeferenciada no Layar, criada por Gardeya, já
essas informações no local em que o projeto será construído.
citados no Cap. 02.
Assim, com os dados BIM georreferenciados, é possível visualizar
No item 06, a autora sugere que uma outra interface
dados no momento da construção e reportar acontecimentos
entre o Virtual e o Real seria a possibilidade de se incluir outros
ou erros de projeto. Estes comentários podem ser feitos sobre
sentidos, além da visão, na experiência da realidade aumentada
o mesmo modelo utilizado no processo de projeto e, com
com a arquitetura. É possível argumentar, entretanto, que
isso, agilizar possíveis correções necessárias. O canteiro de obras pode ser planejado (item 10) com a ajuda de plantas do
54
No original: Architectural design today typically occurs outside the project site, with key design decisions made based on internalised conversations with a range of media. Designing involves the formation of early ideas about a project using physical and digital models, while design review is the process by which the end media is evaluated. Both activities occur repeatedly during the design phase of an architectural project. (...) MAR will influence future design review processes, by expanding the media from which designers draw to make design decisions. By bringing decision makers into more direct contact with the site, MAR will enable a greater appreciation of the changing, temporal nature of a building’s context. Tradução nossa.
projeto e modelos ou animações das etapas de construção, facilitando a compreensão das fases da construção. Nos itens 11, 12 e 13, a autora trata da possibilidade de se utilizar a realidade aumentada para se orientar em espaços, seja no canteiro de obras ou em um edifício já concluído. No caso de edifícios projetados com modelos BIM, a realidade aumentada pode ajudar no treinamento e manutenção de instalações e equipamentos que ficam escondidos por painéis, 69
paredes ou estruturas após o termino da construção. A autora encontrou ainda obstáculos para uso da realidade aumentada como meio na prática da arquitetura, como desafios tecnológicos e restrições financeiras. Outros problemas seriam fatores humanos como resistências a mudanças por parte dos arquitetos, risco de decepção com a ferramenta, problemas de privacidade e monitoramento e risco para a segurança do usuário. (ABBOUD, 2014: 27-32) Sobre as limitações tecnológicas atuais, os autores Cristine Perey e Graziano Terenzi (2014), analisando usos de aplicativos de realidade aumentada para profissionais urbanos, classificaram as limitações não apenas dos aparelhos, mas também dos sistemas de rastreamento das informações. Os autores organizaram estas informações na tabela reproduzida na coluna a seguir.
Tabela 03. Limitações tecnológicas da realidade aumentada para a arquitetura atualmente. Fonte: (PEREY e TERENZI, 2014:07)
Os autores analisaram ainda dificuldades encontradas na
pacotes para desenvolvimento de aplicativos e interfaces de
organização do dados a serem utilizados pelos sistemas de
programação. Com estas ferramentas e conhecimento de
realidade aumentada. Atualmente, diversos empresas de
linguagens de programação é possível criar um aplicativo
aplicativos de realidade aumentada oferecem SDKs55 e APIs56,
próprio de realidade aumentada. Entretanto, não existem muitos padrões usuais na indústria atualmente, além de uma poucos softwares open source nessa área. Os SDKs e APIs
55
Software Development Kit – Pacote de Desenvolvimento de Software – permite a programadores criarem aplicativos para rodarem em uma plataforma específica. 56 Application Programming Interface – Interface de Programação de Aplicativos – programa com rotinas e padrões de programação que facilitam a criação de aplicativos, evitando que algumas funções básicas que conectam diferentes funções tenham que ser sempre reprogramadas para cada aplicativo criado.
por vezes são muito caros para pessoas físicas ou pequenas empresas. Perey e Terenzi resumiram algumas destas dificuldades na tabela reproduzida na página a seguir:
70
edificações existentes servem, especialmente, para mostrar camadas que ficam escondidas após o término da construção, como tubulações ou a estrutura da edificação. Assim, é possível pensar, por exemplo, em um aplicativo de realidade aumentada para o trabalho do CD-ROM sobre o Ministério da Educação e Saúde elaborado pelo LAURD-PROURB (SEGRE et al., 2008). No CD-ROM, a partir de imagens de maquetes eletrônicas é possível ver várias camadas da edificação, como onde são as circulações, a estrutura e instalações, além das diversas versões do projeto. Com um aplicativo de realidade aumentada seria possível ver todas estas versões e camadas in loco, percorrendo a edificação e seu entorno. A realidade aumentada de objetos arquitetônicos no espaço urbano permite diversas situações interessantes para Tabela 04. Dificuldades na organização de dados para R.A. Fonte: (PEREY e TERENZI, 2014:09)
pesquisas qualitativas, nas quais é possível sobrepor elementos de diferentes tempos no espaço urbano presente e com
Analisando as diversas possibilidades citadas da realidade
a percepção da cidade real envolvida. Modelos de edifícios
aumentada para a prática profissional da arquitetura, é possível
e áreas urbanas de épocas passadas que não existem mais
vislumbrar o uso destes sistemas também na pesquisa e estudo
podem ser visualizados em seus antigos lugares. No caso de
da arquitetura e da cidade. No caso de edifícios e espaços
projetos a serem executados, a realidade aumentada pode
urbanos existentes, a realidade aumentada com modelos
servir para estudos junto à população da área a ser afetada.
tridimensionais não apresenta muito potencial, tendo em vista
Ou seja a realidade aumentada apresenta para pesquisas
que a arquitetura já está presente. Nestes casos a apresentação
com gráfica digital no campo da arquitetura e urbanismo o
de informações sobre o ambiente edificado através de imagens,
diferencial de uma percepção visual que contempla elementos
textos e hiperdocumentos pode ser mais útil e informativa.
virtuais em um espaço real, mas que não se desprende da
Modelos tridimensionais em realidade aumentada para
vivência, dos cheiros e sons da cidade atual. 71
3.2. O MÉTODO: REALIDADE AUMENTADA DE EDIFÍCIOS EM MEIO URBANO
MÉTODOS EXISTENTES E A ESCOLHA DO MÉTODO PARA AS EXPERIMENTAÇÕES Pela técnica atual, há dois sistemas principais de realidade
OBJETIVOS DO MÉTODO
aumentada de modelos digitais de edifícios e áreas urbanas.
A realidade aumentada de objetos arquitetônicos no
Assim como qualquer modelo digital em três dimensões,
espaço urbano permite diversas situações interessantes para
modelos de objetos arquitetônicos podem ser visualizados em
uma nova percepção do espaço urbano e suas edificações.
realidade aumentada pelo reconhecimento de alvos ou por
Nesta pesquisa, buscou-se uma maneira de produzir testes
georreferenciamento.
de realidade aumentada para a visualização de modelos
No primeiro tipo de sistema, os alvos podem ser códigos
arquitetônicos em verdadeira grandeza nos seus locais de
gráficos (como os QR Codes, ou códigos de barra) ou imagens
implantação. Foram analisadas as possibilidades e limitações
fotográficas. Atualmente, já existem plataformas on line para
que a tecnologia do aplicativos de realidade aumentada
a criação de sistemas de realidade aumentada através do
existentes no mercado atual oferece para estudos de
reconhecimento de alvos sem a necessidade de instalação de
arquitetura.
programas específicos ou conhecimentos em linguagens de
Em especial, foram evitadas soluções que envolvessem
programação. Os aplicativos Layar, Wikitude e Junaio, que
conhecimentos aprofundados em linguagens de programação,
estão entre os mais utilizados e desenvolvidos da atualidade57,
tendo em vista que a formação atual dos profissionais de
e possuem plataformas de criação nas quais é possível, por
arquitetura não envolve este tipo de conhecimento. O objetivo
exemplo, sem muitas dificuldades, visualizar uma maquete de
foi organizar um método que possa no futuro ser reproduzido
um edifício a partir de um alvo impresso em uma folha de
e aperfeiçoado por outros arquitetos durante o processo de
papel. Um exemplo de utilização deste método é o aplicativo
projeto ou de pesquisadores em análise de projetos.
de realidade aumentada para o mapa da universidade criado
Com o método organizado, foram realizados testes
por estudantes da University College London (UCL’s)58. O
com projetos com temporalidade, escala e inserção urbana
aplicativo “aumenta” os mapas impressos espalhados pelo
distintas, a fim de se analisar os limites atuais desta tecnologia de aplicativos para o uso com modelos arquitetônicos tridimensionais em verdadeira grandeza.
57 58
http://www.news-sap.com/augmented-reality-layar-wikitude-junaio/ https://www.youtube.com/watch?v=1PKKn1UV2go#t=79 72
campus. Ao se observar os mapas através da tela do aparelho, o usuário vê os modelos tridimensionais dos edifícios, animações com o percurso das linhas de transporte público e links com informações em áudio sobre os locais. Para analisar as possibilidades e potencialidades de um sistema de realidade aumentada a partir do reconhecimento de alvos, durante esta pesquisa foi realizado um teste com uma maquete eletrônica de um edifício utilizando uma imagem como alvo e o aplicativo Wikitude. O teste foi feito com um projeto59 que consistia na requalificação de um antigo cinema desativado no centro de
38 - Mapa da University College London com informações em realidade
Petrópolis. A maquete eletrônica manipulada por realidade
aumentada. Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=1PKKn1UV2go#t=79
aumentada teve que ser simplificada, e diversos detalhes foram removidos, bem como todos os objetos que estavam modelados no interior do edifício. Isto foi necessário para diminuir a quantidade de faces do modelo e o tamanho do arquivo.60
59
Projeto de Trabalho Final de Graduação da então bolsista do LAURDPROURB, Cecilia Baptista Rodrigues. 60 Aparelhos celulares possuem capacidade de processamento de imagens e vídeos menor que a de computadores pessoais, portanto aplicativos de realidade aumentada para smartphones possuem um limite para o tamanho dos arquivos de imagens e modelos tridimensionais. 39 e 40 - Experiências de realidade aumentada de objetos arquitetônicos a partir de alvos. Acervo pessoal. 73
Todo processo foi realizado on line no Wikitude Studio61,
modelo sem faces laterais que mostrasse o espaço interno do
plataforma de criação do Wikitude. Inicialmente, foi escolhida
projeto. Testes posteriores não foram realizados, e a versão
uma imagem que servisse de alvo. Foi, então, necessária a
final do projeto não chegou a ser publicada na plataforma
instalação no computador apenas do software de conversão
do Wikitude, apenas um teste com pré-visualização a partir
do modelo do SketchUp (.skp) para o formato de modelo 3d
de um link específico. Para publicar com acesso liberado ao
reconhecido pelo Wikitude (.wt3). Feita a conversão, o arquivo
público seria necessário pagar uma taxa mensal.
foi carregado na plataforma e os testes foram realizados.
Também foi possível notar que é mais vantajoso ter
Após ser feito um primeiro teste com um objeto simples (um
um modelo especificamente elaborado para manipulação no
cubo vermelho) no lugar da maquete do cinema, percebeu-
sistema, com geometria simplificada. Isto se deve ao fato de
se que o controle da escala neste processo não é rigoroso.
que realidade aumentada exige renderização dos modelos em
Várias tentativas foram feitas até se encontrar uma dimensão
tempo real, o que demanda alto poder de processamento
em que pudesse de observar o modelo de alguns centímetros
de imagens. Como os aplicativos rodam, em sua maioria, em
de distância. Ao final, foi possível visualizar com o aplicativo
tablets e smartphones, em que pese o rápido desenvolvimento
uma pequena maquete da edificação, vinculada às pranchas
tecnológico da área, ainda não é viável o processamento de
62
do projeto.
maquetes de alta complexidade geométrica e de texturas.
Com a realização deste teste, apesar dos resultados
Logo, a facilidade que alguns computadores pessoais com alta
simples, foi possível obter algumas conclusões sobre as
capacidade de processamento que permitem o usos programas
características do sistema de realidade aumentada a partir de
de modelagem para a criação de maquetes eletrônicas
alvos para modelos tridimensionais de objetos arquitetônicos.
cada vez mais ricas em detalhes, não podem ser utilizados
Especificamente sobre o projeto estudado, por se tratar de
no caso da visualização em realidade aumentada nas atuais
uma intervenção na área interna da edificação, teria sido mais
plataformas móveis mais comuns. É possível concluir que uma
interessante mostrar modelos de cada pavimento, ou um
maquete eletrônica ser visualizada em R.A. deve ser simples e leve (ocupar pouco espaço de memória do aparelho), além de ser preciso traçar estratégias sobre como mostrar os pontos
61 62
http://studio.wikitude.com Em todos os testes realizados durante esta pesquisa de mestrado foi utilizado um telefone celular iPhone, modelo 4S da Apple Inc.
mais relevantes do projeto desta forma.
74
Mesmo com estes aspectos já existem exemplos de apresentações de projetos utilizando realidade aumentada a partir de alvos, como no caso da exposição Augmented: Architecture in Augmented Reality.63 Na exibição os modelos de edifícios só podiam ser vistos com o uso de tablets disponibilizados pela galeria. Já no caso da exposição Inition64, foi apresentada uma maquete física do projeto da arquiteta Zaha Hadid do Museu de Arte Eli & Edythe, e a realidade aumentada foi utilizada para mostrar outras informações sobre o projeto, como a dinâmica dos ventos em torno da edificação, sistemas de infraestrutura e a divisão interna do projeto. 42. Informações em realidade aumentada sobre a maquete do Museu de Arte Eli & Edythe, projeto da arquiteta Zaha Hadid. Fonte: http://www.dezeen. com/2013/01/04/inition-develops-augmented-3d-printing-for-architects/
Estes sistemas pelo reconhecimento de alvos, entretanto, 41. Exposição Augmented: Architecture in Augmented Reality. Fonte: http://blogs. artinfo.com/
são mais limitados, quando se trata de objetos arquitetônicos tridimensionais, no que se refere à escala de representação. Como o aplicativo substitui a visualização do alvo na tela pela visualização do objeto, caso se queira apresentar um edifício na escala 1:1, a dimensão do alvo necessário aumenta bastante. Quanto maior o objeto a ser visualizado, maior a
63
http://blogs.artinfo.com/objectlessons/2012/10/26/this-weekendgallery-rpure-augments-your-reality/ 64 http://www.dezeen.com/2013/01/04/inition-develops-augmented-3dprinting-for-architects/
distância entre o usuário e o alvo, e neste caso alvos pequenos têm seu reconhecimento dificultado. A maioria dos alvos são de duas dimensões e para a realidade aumentada de objetos 75
tridimensionais eles servem como base para a disposição do
grandes balões inflados em forma de esferas. As esferas são
objeto no espaço. Para sistemas de realidade aumentada
utilizadas como alvos – a vantagem dessa forma geométrica,
de edifícios, além da necessidade de um alvo-base grande,
segundo o autor, é que elas possuem apenas um parâmetro
teríamos que elevar consideravelmente a altura do ponto
a ser reconhecido, a dimensão de seu raio, o que permite ao
de vista do observador, para que o reconhecimento do alvo
programa calcular a distância que o projetista se encontra do
aconteça. Um exemplo deste tipo de alvo é o projeto Fibrasa
lugar de projeto. Este projeto, entretanto, encontra-se em
Connection, em construção pela Rossi Residencial, na cidade
fase inicial, e como o próprio autor menciona, é ideal para
de Vitória - ES em 2010. Para o lançamento da incorporação
áreas rurais, pois é necessário ter grandes áreas livres para se
imobiliária, foi elaborado um sistema de realidade aumentada
locomover ao redor do alvo e ter a completa visualização do
em verdadeira grandeza, para o qual foi necessária uma
objeto a ser projetado.
imagem-alvo de 900 m2 estendida sobre o terreno, e que foi visualizada a partir de um helicóptero.65 Ou seja, o uso da realidade aumentada neste caso serviu mais para atrair a atenção para o empreendimento do que para mostrar aspectos do projeto, tendo em vista que a maioria das pessoas só entrou em contato com um vídeo da experiência realizada, sem ter uma experiência efetiva de realidade aumentada.
43. Realidade aumentada do empreendimento Fibrasa Connection. Fonte: https://www. youtube.com/ watch?v=KGSa73fPCQA
Já existem algumas experiências de sistemas de Realidade Aumentada para edificações em verdadeira grandeza utilizando alvos tridimensionais, como é o caso da pesquisa do alemão Werner Lonsing (2012: 543-546). O trabalho propõe um modo de elaborar projetos de edifícios sobre terrenos rurais utilizando realidade aumentada a partir de alvos -
65
https://www.youtube.com/watch?v=KGSa73fPCQA
44. Experiência de realidade aumentada em espaços abertos de Werner Lonsing. Fonte: (LONSING, 2012: 543) 76
Portanto, para a visualização de modelos eletrônicos de edificações em verdadeira grandeza em realidade aumentada, a melhor forma, atualmente, é a utilização de sistemas que
instruções para que outros programadores façam interações com o software original. Existem alguns aplicativos e serviços de realidade
funcionam a partir do georreferenciamento das informações.
aumentada
Este método, entretanto, não pode ser utilizado para a
arquitetônicos, que oferecem os serviços de conversão e
visualização de objetos em espaços internos, pois nestes
armazenagem dos arquivos, como o 3Don ARchitecture (3DON
espaços torna-se difícil a captação dos sinais de GPS. Como
LTD, 2013) e o Urbasee Future (ARTEFACTO, 2013). Em geral,
o objetivo principal desta dissertação era realizar testes com a
são voltados para o mercado de escritórios de arquitetura,
visualização de modelos em escala real, e em lugares abertos
construtoras e incorporadoras e trabalham com licenças
e em meio urbano, o método de realidade aumentada por
anuais para um determinado volume de empreendimentos
georreferência foi, então, escolhido para a realização dos
visualizados.
testes desta pesquisa. Os três aplicativos de visualização de realidade aumentada mais utilizados e desenvolvidos atualmente: Layar, Wikitude e
georreferenciada
específicos
para
modelos
45. Imagem do aplicativo 3Don. Fonte: http://www.3don.co.uk
Junaio – permitem a utilização do georreferenciamento tanto para informações em geral quanto para modelos tridimensionais em RA. Entretanto, estes aplicativos não armazenam em seus servidores os arquivos de informações dos modelos tridimensionais e das informações de georreferenciamento.
46. Publicidade do aplicativo Urbasee. Fonte: http://www.urbasee.com
Ou seja, estas informações são buscadas pelos aplicativos em servidores externos aos seus sistemas. Nestes casos, para organizar uma sistemas de realidade aumentada, além de utilizar as plataformas dos aplicativos de visualização é necessária a utilização de servidores de dados próprios ligados à internet ou a utilização de outros softwares auxiliares. Estes aplicativos ainda oferecem os chamados SDK e API com 77
Foram buscadas, então, alternativas gratuitas e livres
plataforma de criação on line do próprio aplicativo, o Layar
de se organizar os testes em Realidade Aumentada, a
Creator. Como a versão principal do aplicativo, no momento,
fim de documentar o processo, para que venha a servir
está voltada para a criação de campanhas de RA com o uso de
posteriormente a outros pesquisadores. Além de permitir
alvos impressos (principalmente em revistas), para a criação de
maior facilidade de testes futuros, além de possibilitar que
RAs georeferenciadas é necessário requerer a utilização da SDK
os modelos da pesquisa fiquem armazenados gratuitamente
do sistema. Isso permite o acesso às “camadas” (layers), que
e disponíveis para visualização futura, caso fossem utilizadas
são as RAs acessadas por meio das coordenadas geográficas. A
alternativas pagas, os resultados não ficariam disponíveis por
partir daí, no site do aplicativo, é possível criar a camada e incluir
muito tempo.
informações sobre o conteúdo. O conteúdo em si (modelos tridimensionais, imagens, textos, links, etc) e as informações
DESCRIÇÃO DO MÉTODO
de georreferenciamento, entretanto, não são incluídos
A princípio, foram considerados os softwares Layar,
diretamente na camada. Para tanto, é necessário utilizar um
Wikitude e Junaio. Como dito anteriormente, os três programas
outro servidor, que vai armazenar os arquivos e informações
possuem pacotes de desenvolvimento de software e interfaces
a serem exibidos em realidade aumentada. Este servidor deve
de programação próprias. Entretanto foram buscadas
enviar estes dados ao Layar em uma formatação de texto
soluções já disponíveis, que demandassem um conhecimento
específica, chamada JSON66 (JavaScript Object Notation). Ou
mínimo em linguagens de programação, facilitando avaliar os resultados do uso de sistemas de realidade aumentada. O software escolhido para a visualização dos modelos arquitetônicos em Realidade Aumentada foi o Layar. Este aplicativo, em comparação com o Wikitude e o Junaio, é o único que permite criar de forma fácil uma camada geolocalizada a partir de sua plataforma on line de criação. Para os outros dois aplicativos, seria necessário programar as camadas em linguagens específicas de cada software. Utilizando o Layar, foi necessário fazer a inscrição na
66
JSON é uma formatação leve de dados para troca de informações entre dois servidores. Usa textos simples com pares de atributo-valor, como se fossem formulários com pares de perguntas e suas respectivas respostas. Por exemplo, para informar nome:
{ “name”: “Marina”, “surname”: “Medeiros”, “age”: 29 } No caso do Layar, o aplicativo já tem definido quais são os atributos (title, layer, object, scale, transform, etc). O usuário que pretenda publicar uma camada precisa descrever na formatação JSON os valores dos objetos que ele deseja que sejam mostrados, os valores também podem ser o 78
seja, o aplicativo Layar funciona como um intermediário que
A princípio, foi utilizada a plataforma Hoppala
acessa as informações da camada de seu próprio servidor, as
Augmentation67 (GARDEYA, 2013) que oferece estes
informações do objeto a ser visualizado e de sua localização no
serviços de forma gratuita. A plataforma, entretanto, parou
servidor externo, e as informações dos sensores do aparelho
de funcionar no início de 2014. O site informa que ajustes
(giroscópio, acelerômetro, magnetômetro e GPS) e as processa
estão sendo feitos, mas, até o fim desta pesquisa, ela não
em tempo real.
havia voltado a funcionar. Foi encontrada uma tentativa de
O domínio abrigado neste servidor externo ao sistema,
se utilizar a plataforma paga Poiz68 (Zaphyrion, 2014), que
portanto, deveria estar programado para responder em JSON
funciona de maneira semelhante à Hoppala, mas cobra taxas
às solicitações do Layar. Novamente, o desafio da programação
trimestrais ou anuais pelos serviços de armazenagem e criação
foi imposto, e foram buscadas alternativas nas quais não fosse
das respostas em JSON para o Layar.
necessário escrever os códigos de resposta em JSON para a armazenagem e troca de dados. A solução encontrada foi utilizar outras plataformas que possuem servidores próprios e formatam os dados para as respostas, dados de localização e escala dos objetos, ao Layar. No Layar, cada conjunto desses dados é chamado de ponto de interesse (point of interest, ou POI) Nestas plataformas, os dados sobre os POIs são inseridos em campos, através de em um formulário online, e os arquivos são enviados ao servidor, como em um upload comum. Os dados são então formatados no servidor e o site, quando solicitado pelo servidor do Layar, fornece a resposta em JSON ao programa.
endereço dos arquivos de imagem e/ou objetos tridimensionais no servidor. 67 68
http://www.hoppala-agency.com http://poiz.nl 79
plataforma de publicação do LAYAR on line
definições da layer
Dados de GPS obter layers obter POI’s
servidor do LAYAR (dados fixos)
Layar API obter POI’s
Criar a layer
resposta em JSON
ver informaçoes dos POI’s
provedor de serviços da camada (Hoppala, Poiz, Wordpress + plugin...)
Legenda: Ambiente do Layar
ver informaçoes dos POI’s
obter POI’s
fontes de conteúdo da camada (Hoppala, Poiz, Wordpress + plugin...)
Ambiente de outros programas 47. Esquema da arquitetura do Layar, baseado em informações e imagens do site: http://www.slideshare.net/ layarmobile/layar-code-examples-for-developers. Acervo pessoal. 80
Por fim, após diversas pesquisas em sites do tema e em grupos de discussão sobre o assunto, foi sugerida uma alternativa gratuita69, o Feedgeorge Augmented Reality Plug-in70 (FEEDGEORGE, 2013), para sites em Wordpress. O Wordpress é uma das mais famosas plataformas de gerenciamento de conteúdo, ou seja, meta-sites que servem para construir sites baseados em bancos de dados (no caso do Wordpress, bases de dados em mySQL). Desta forma, foi necessário criar um site próprio da pesquisa, utilizando a plataforma Wordpress e instalar o plug-in nesta plataforma.
49. Imagem da plataforma Hoppala. http://augmentation.hoppala.eu/ dashboard. Acervo pessoal.
Para manter o sistema funcionando de forma gratuita foi utilizado um servidor para sites que não cobrasse pelos serviços
Um teste inicial foi realizado com uma maquete
de armazenamento de dados e que suportasse a plataforma
eletrônica simples nas proximidades do edifício da FAU-UFRJ,
Wordpress, o $0.00 Web Host (000webhost.com).
na Ilha do Fundão. Foi criada uma camada georrefenciada (geolayer) na plataforma on line do Layar, o Layar Creator. Para o Layar, o acesso a uma camada ou é pelas suas coordenadas geográficas ou é pelo escaneamento de um alvo, nunca pelos dois modos. Desse modo, como a opção “Vision” libera o acesso pelo sensoriamento de alvos, para que a nova camada seja geolocalizada, é preciso que esta função seja desabilitada. É obrigatório criar um nome e um título para a camada, incluir uma pequena imagem que servirá
48. Imagem do ambiente on line de criação Layar Creator. https://www. layar.com/my-layers/. Acervo pessoal.
de ícone, inserir uma descrição longa e uma curta da camada.
69 70
eletrônico do servidor que irá acomodar a maquete eletrônica
No grupo “Augmented Reality and Virtual Worlds”, do Linkedin. Plug-in é um modulo de extensão, um programa que complementa as funções de outro em que é instalado.
O mais importante, entretanto, é a informação do endereço e as informações de escala e coordenada geográfica. No teste 81
inicial, utilizamos a plataforma Hoppala Augmentation para
Organizando todas estas informações, foi possível
inserir o modelo eletrônico do projeto e as informações de
então realizar o primeiro teste. A maquete foi localizada
georreferenciamento.
propositadamente em uma área livre próxima ao edifício da
O modelo foi então exportado do formato do Sketchup
Reitoria da UFRJ, onde funciona a Faculdade de Arquitetura e
(.skp) para o formato Object (.obj). Com o arquivo no formato
Urbanismo. O objetivo do teste era apenas checar o processo
.obj foi então possível fazer sua conversão para o formato
- no que foi bem sucedido - mas já foi possível tirar outras
de modelo tridimensional exclusivo do aplicativo Layar3D
conclusões. A maquete aparece na tela do smartphone e na
(.l3d), usando um programa específico, em linguagem Java
escala corretamente informada ao servidor, mas elementos do
e gratuito, da própria empresa do Layar, chamado 3D Model
entorno podem atrapalhar a compreensão, ela pode aparecer
Converter. Com a conversão feita, foi iniciado o trabalho de
“em cima” de uma árvore, um edifício no entorno, de um
organizar a camada a ser vista pelo aplicativo.
poste, ou até de um veículo que esteja passando na rua.
No site do Hoppala, que também requer login próprio,
Quanto mais aberta a área em que se deseja observar o objeto
a camada foi criada. Já na área de trabalho, clicando em
arquitetônico, melhor para a sua visualização e consequente
“add overlay”, o site fornece um endereço eletrônico para a
compreensão. Por fim, cabe ressaltar que para nenhum
camada, que é o endereço a ser informado ao Layar. Devem
desses procedimentos foi preciso conhecimento algum em
ser inseridas no Hoppala as informações da camada do Layar,
linguagens de programação, apesar de ser necessária alguma
com nome e título iguais aos que constam na camada criada
familiaridade com termos e técnicas relativos à publicação de
no Layar. Entrando na “overlay” criada é possível, então,
sites.
inserir os POI’s (points of interest), os pontos de interesse, que são os objetos a serem visualizados em realidade aumentada. No caso do Hoppala, é possível incluir até cinquenta pontos de interesse em uma camada. Cada POI é localizado no mapa, e tem suas informações de coordenadas acrescentadas no formulário; então, é possível enviar para a plataforma, através de um upload, a maquete eletrônica em formato Layar3D (.l3d). 82
51. Imagem da tela do Layar onde deve ser inserido o API URL - endereço do servidor que possui os dados a serem visualizados da camada. https:// www.layar.com/my-layers/. Acervo pessoal.
50. Imagem do FeedGeorge Plug-In para plataforma Wordpress. Acervo pessoal.
52. Esquema de conversão dos arquivos para o formato Layar3D. Acervo pessoal.
83
O QUE FOI TESTADO, PORQUE FOI TESTADO, COMO FOI TESTADO Foram, então, considerados para a realização dos testes de realidade aumentada alguns projetos e edifícios na cidade do Rio de Janeiro. Em especial, foram buscados projetos e edificações que já possuíssem algum outro tipo de pesquisa e material gráfico produzido, para que fosse possível fazer uma comparação entre as informações que cada mídia pode fornecer e as novas impressões surgidas com os estudos e análises em realidade aumentada. O primeiro projeto escolhido para ser visualizado em realidade aumentada foi o Palácio Monroe, edifício de
53. Primeiro teste de realidade aumentada geolocalizado na Ilha do Fundão, nas proximidades da Reitoria da UFRJ. No teste foi utilizado o aplicativo Layar para visualizaçao e a plataforma Hoppala como servidor para o modelo e informações georreferenciadas. A imagem mostra a sobreposição do modelo com a visualização de elementos do entorno. Acervo pessoal.
arquitetura eclética marcante que foi demolido na década de 1970, em meio a caloroso debate público, com explicações oficiais pouco satisfatórias. O palácio já havia sido modelado pela equipe do LAURD-PROURB e já foi objeto de estudos específicos de pesquisadores do laboratório.71 O segundo projeto escolhido para ser visualizado em realidade aumentada foi o Porto Maravilha, megaprojeto de requalificação da zona portuária carioca que se encontra em fase de implementação. Os testes foram feitos com simulações dos novos gabaritos máximos de edificações propostos para a área. Este projeto também foi analisado anteriormente por nós
71
O Palácio Monroe foi amplamente analisado na dissertação de mestrado do orientador desta dissertação, Rodrigo Cury Paraizo.
54. Primeiro teste de realidade aumentada geolocalizado na Ilha do Fundão, nas proximidades da Reitoria da UFRJ. Imagem no tamanho em que foi visualizada na tela do smartphone utilizado para os testes (Iphone 4S). Acervo pessoal. 84
através da produção de mapas, cortes e modelos eletrônicos durante uma das disciplinas do mestrado, chamada Leituras Gráficas da Cidade. Essas escolhas privilegiaram a chance de se analisar projetos com temporalidades diferentes, um já demolido e outro ainda em implementação. Além disso, os projetos possuem escalas e inserções urbanas completamente distintas, o primeiro sendo pavilhão solto em meio a uma praça e o outro, um conjunto de regras urbanísticas que vai alterar por completo a morfologia urbana de uma área da cidade. Os testes e seus objetos encontram-se detalhados e analisados nos itens a seguir.
85
Ambiente do Layar Creator: Criar usuário, fazer log in, pedir acesso à criação de camadas (Layers)
Para visualizar:
Criar uma GeoLayer criar um título para a camada (Layer Title). Incluir imagem ícone para a camada. O Layar cria automaticamente um nome para a camada.
Informar metadados da camada: Category, Tags, Publisher, Short Description, Long Description.
Instalar a plataforma Wordpress no servidor. Instalar o plug-in FeedGeorge no site. Pedir um API Key para utilizar os serviços do plug-in
Informar o API Key no plug-in instalado no site e copiar a URL gerada. Esta URL deve ser inserida na camada do Layar Informar o nome da camada no plug-in
Informar o API URL (endereço eletrônico do provedor de dados da camada)
Instalar o aplicativo Layar no smartphone ou tablet
Ir para as proximidades do local onde o modelo foi geolocalizado
Ambiente do servidor: Criar um endereço eletrônico em um servidor (na pesquisa foi utilizado o 000Webhost)
Criar um novo “post”- Selecionar a camada no Layar POI, inserir modelo eletrônico no formato .l3d, informa dados de geolocalização
No menu, clicar em Geo-Layers, clicar em Search layers, informar o título da camada criado no Layar Creator
Preparação do modelo: O modelo deve possuir no máximo 10 mil faces após triangulado para facilitar a visualização
modelo formato .l3d
55. Esquema-resumo para organização dos testes de realidade aumentada. Acervo pessoal. 86
3.3. O PALÁCIO MONROE, O PASSADO VISTO EM UM PRESENTE AUMENTADO
tendo custado $150.000,00, compreendendo todas as instalações. (FRIDMAN, 2011:08,09) Após ser condecorado com a Medalha de Grande Prêmio dos Pavilhões Estrangeiros na exposição o pavilhão
O Palácio Monroe, projeto do arquiteto Francisco
foi desmontado e preparado para sua reconstrução no Rio de
Marcelino Souza Aguiar, foi construído originalmente em
Janeiro, então capital federal. O local escolhido foi um terreno
1904, em Saint Louis, nos Estados Unidos. O edifício foi o
em uma extremidade da Avenida Central (atual Avenida
pavilhão do Brasil na Exposição Universal comemorativa dos
Rio Branco), nas proximidades Passeio Público e do Teatro
cem anos de compra do estado da Louisiana da França pelos
Municipal, na região conhecida atualmente como Cinelândia.
Estados Unidos. A pedido do presidente brasileiro na época, Rodrigues Alves, o edifício foi pensado desde o início para ser posteriormente reconstruído no Brasil, a fim de acolher exposições e eventos. (FRIDMAN, 2011: 07-09) O pavilhão brasileiro media 41 metros de frente por 31 metros de profundidade e ocupava o centro de 5500 metros quadrados. A abóbada principal, com um raio de 9 metros, erguia-se cerca de 40 metros acima do nível do solo. Em linhas gerais, o pavilhão lembrava o estilo renascentista, sem ornamentação profusa. As colunas exteriores de ordem coríntia destacavam, em seu terço inferior, as armas da República, florões e anéis realçando a simplicidade dos pedestais. Sobre os frisos de cada coluna foi colocada uma rosácea. Entre as colunas, acompanhando a balaustrada e os remates decorativos dos ângulos salientes, apareciam grandes escudos com os nomes dos estados brasileiros. Sobre as pilastras, ladeando as escadas principais de ambas as fachadas, foram colocados leões, simbolizando a força, a solidez e a grandeza da construção. O pavilhão era construído de dois pavimentos, um mezanino e um porão,
56. Postal com o Palácio Monroe. Fonte: (PARAIZO, 2003:90)
Ao longo dos anos a edificação serviu como palácio de eventos da cidade, sede da Câmara dos Deputados do Brasil, sediou parte da Exposição Internacional Comemorativa do Primeiro Centenário da Independência do Brasil e foi sede do Senado Federal. Ao longo deste período, os interiores foram completamente subdivididos e modificados e a fachada foi simplificada com a remoção de ornamentos considerados
87
excessivos. Durante o Estado Novo de Getúlio Vargas, com o Senado dissolvido, o palácio foi ocupado pelos Departamentos de Imprensa e Propaganda e de Ordem Política e Social, e, posteriormente, pelo Tribunal Superior Eleitoral. Com a restauração da democracia em 1945, o
Senado voltou a
ocupar o edifício. (FRIDMAN, 2011: 20-25) Mesmo com a transferência da capital para Brasília, em 1960, o edifício continuou a abrigar funções do Senado, funcionando como um escritório representativo da Casa no Rio de Janeiro. Com o esvaziamento definitivo das funções do Senado, iniciou-se uma polêmica sobre sua possível demolição. Representantes do IPHAN e outros órgãos de patrimônio deram pareceres favoráveis à demolição. Outras entidades, entretanto, foram veementemente contrárias. O Conselho
57. Palácio Monroe no ano de sua demolição, 1976. Fonte: (PARAIZO, 2003: 101)
Regional de Engenharia e Arquitetura do Rio de Janeiro se comprometeu a pagar o restauro da edificação, caso ela fosse destinada para seu uso. Além da discussão sobre o valor histórico e arquitetônico do Palácio Monroe, corria ainda a versão de que sua demolição era necessária para a passagem da linha de metrô que estava em construção. Fridman (2011: 40-42) defende que nunca houve intenção por parte dos projetistas do metrô de demolir o palácio, e que o projeto sempre preservou a edificação em seu local. Mesmo assim, sem motivação definida, por determinação do Presidente da República na época, o General Ernesto Geisel, o Palácio Monroe foi demolido em 1976.
O Monroe foi oficialmente rejeitado pelo governo, embora ministérios, agremiações profissionais como o Clube de Engenharia e o Instituto de Arquitetos do Brasil o tenham requisitado como espaço útil e de importância para a memória republicana. Podemos dizer, à guisa de conclusão que o edifício Monroe se mantém vivo na memória e nas narrativas acerca do Rio de Janeiro, muito embora tenha desaparecido fisicamente. Aceitando-se a premissa de que a recepção do patrimônio pode se dar por outras entradas para além daquela inerente à preservação do físico, da matéria, o Monroe pode ser considerado um dos mais exemplares objetos nesta linha. (ATIQUE, 2011: 13) 88
Atique (2011) defende ainda que a demolição do
O vazio incomoda, mesmo com o chafariz no centro,
Monroe teve como resposta o surgimento de uma política de
e a escultura de Gandhi em um de seus cantos, a praça não
preservação de conjuntos arquitetônicos ecléticos completos
parece ter função definida. A praça é cercada e não é muito
tidos como de relevância inferior pelos teóricos modernistas.
utilizada, mesmo tendo por vizinha a Cinelândia, grande
Coube ao Governo Municipal do Rio de Janeiro, menos ligado
espaço público aberto que por diversas vezes já foi palco de
aos órgãos de defesa do patrimônio nacionais, tombar os
grandes manifestações políticas. Outro espaço vizinho é o
conjuntos do SAARA, Praça XV, Lapa, Cinelândia e o Largo
Passeio Público, área de grande valor histórico, mas, ambos
da Carioca.
gradeados, pouco se relacionam. Entre 2001 e 2002, foi
No local em que o palácio se inseria, foi colocado o
construído um estacionamento no subterrâneo da Praça
Chafariz Val d’Osne, relocado da Praça da Bandeira. A praça
Mahatma Gandhi, e esta parece agora ser a sua principal
onde o edifício se encontrava se chama Praça Mahatma
função.
Gandhi desde 1948, e ganhou uma estátua do homenageado,
O incômodo do vazio e a permanência do palácio na
doação do governo indiano, em meados da década de 1960
memória dos cariocas fez surgir em 2002 (PARAIZO, 2003: 03)
(FREITAS: 2012).
e novamente em 2006 (FRIDMAN, 2011: 93) debates sobre a Com um cajado na mão, “Mahatma Gandhi” caminha, dando as costas à praça que leva seu nome, no Centro do Rio de Janeiro. Presente do governo indiano ao Brasil, o bronze do escultor Sankho Chaudhuri (19162006) foi instalado quase na calçada, no ângulo menos visível da praça assimétrica, seu topônimo. Ao fundo se vê – como pretendia o general Ernesto Geisel – o Monumento aos Mortos da Segunda Guerra Mundial, do outro lado do Aterro do Flamengo. Na praça, hoje cercada, o Chafariz Val d’Osne – desligado – é incapaz de ocupar o vazio deixado pelo Palácio Monroe. Parece que é o vazio o grande personagem da praça. Ele sim, é lembrado com frequência, o Palácio demolido. (FREITAS, 2012: 02)
necessidade da reconstrução do palácio. Com o tombamento do conjunto histórico da Cinelândia, o local onde ele esteve construído encontra-se pouco alterado desde sua demolição – talvez por isso o vazio seja tão perceptível aos que lembram do antigo palácio por lá. Sobre uma possível vantagem de se reconstruir o patrimônio e o que poderia ser recuperado com esta ação, Rodrigo Paraizo escreve: De toda forma, temos que o valor estético pode ser recuperado pela reconstrução. O mesmo não se pode dizer do valor histórico ou de antiguidade. Este último, porque é antagônico a ela; já o valor históricodocumental depende do objeto original e de suas representações – a reconstrução pode 89
cumprir o papel de representação, como de fato ocorre no Pavilhão de Mies72, dado que é um objeto da história da arte. Não é o mesmo, mas serve a inúmeros estudos e aprendizados históricos igualmente. (PARAIZO, 2003: 86) Logo, se o valor que se apreende de uma reconstrução
existe no próprio local. (PARAIZO, 2003: 102) Desta forma, esta dissertação não busca mostrar que uma representação do Palácio Monroe em realidade aumentada poderia substituir outras formas de representação e
é o valor de representação, há de se considerar que um
documentação da história do edifício. Ao contrário, a intenção
outro tipo de reconstrução, por meio de ferramentas digitais,
é analisar como esta tecnologia poderia ser utilizada para
também serve para estudos e aprendizagens. É neste sentido
complementar as informações e, em especial, a experiência
que o trabalho do pesquisador propõe um hiperdocumento
de entrar em contato com um modelo tridimensional do
com textos, imagens históricas e uma maquete eletrônica da
edifício. A realidade aumentada serviria para criar uma nova
edificação e entorno. Formando uma narrativa em rede, onde
territorialidade para o patrimônio histórico perdido, um
o leitor escolheria seu percurso pelas diversas informações.
território informacional como na definição André Lemos
Sobre como tratar o lugar onde o Palácio Monroe um dia
(2008:17 e 2009: 92), comentada no capítulo anterior.
esteve construído o autor comenta: Uma alternativa seria considerar o vazio deixado como testemunho histórico de uma demolição. Para tanto, seria preciso acrescentar-lhe algum tipo de sinalização, ou aumentar a disponibilidade de informações sobre aquele terreno. Um hiperdocumento eletrônico poderia ser utilizado principalmente para o segundo caso; ainda assim, há casos de apresentações eletrônicas que se valem do conceito de realidade aumentada para permitir a visualização daquilo que não mais
72
O pavilhão mencionado pelo autor é o Pavilhão da Alemanha na Exposição Internacional de Barcelona de 1929. Projetado pelo arquiteto Mies van der Rohe, o pavilhão se destacava na feira pelo contraste de suas formas retas e puras com o estilo eclético das outras edificações da feira. Foi reconstruído na década de 80 em função de sua importância para a história da arquitetura moderna mundial.
58. Modelo eletrônico da região da Cinelândia nos dias atuais. Imagem do LAURD-PROURB-UFRJ. Fonte: (PARAIZO, 2003: 99)
59. Modelo eletrônico da região da Cinelândia nos dias atuais com o Palácio Monroe na sua configuração original. Imagem do LAURD-PROURB-UFRJ. Fonte: (PARAIZO, 2003: 99) 90
60. Fotomontagem com o Palácio Monroe em sua configuração original na Cinelândia. Autor: Rodrigo Curi Paraizo.Fonte: (PARAIZO, 2003: 99)
O mais interessante seria, no futuro, unir a experiência
original foi utilizado o 3ds Max (AUTODESK, 2013), e nesta
da realidade aumentada a um hiperdocumento eletrônico.
pesquisa o arquivo foi importado para o programa SketchUp
Seria possível, junto com o modelo eletrônico da edificação
(TRIMBLE, 2013) para facilitar as experiências de manipulação
apresentar um hiperlink de acesso a um site com informações
e simplificação da geometria e pelo domínio da autora do
sobre a história do Palácio. Placas informativas poderiam ser
programa.
utilizadas para indicar aos usuários e visitantes da área sobre estas possibilidades.
Várias simplificações tiveram que ser feitas na maquete original do LAURD para que o aplicativo de realidade
Para fazer o Palácio Monroe ser visto no local em que
aumentada pudesse carregar o modelo e renderizá-lo em
esteve construído na Cinelândia, foi utilizada como base
tempo real. O aplicativo Layar aconselha que o modelo tenha
a mesma maquete eletrônica elaborada pela equipe do
no máximo dez mil faces depois que o modelo é triangulado.74
LAURD durante a pesquisa Ícones Urbanos e Arquitetônicos
Como o arquivo original do LAURD possuía cerca de quarenta
do Rio de Janeiro: Contribuição aos Sistemas Simbólicos da
mil faces triangulares, foi necessário simplificar detalhes do
Cidade no Século XX.73 Uma modificação, entretanto, foi o
modelo. Não chegou a ser necessário omitir elementos, mas
programa utilizado para manipular a maquete, na pesquisa
objetos tridimensionais como volumes de esquadrias foram
74 73
http://www.fau.ufrj.br/prourb/laurd/?q=icones
Triangular um modelo é reduzir suas formas a um conjunto de triângulos, os planos de formas mais simples. 91
planificados e elementos decorativos mais complexos tiveram
de modelagem 3D. Assim, foi possível, no último teste,
seus volumes fechados, transformados em conjuntos de
posicionar a maquete no ângulo correto em relação ao Norte.
planos intersectados.
Nos preparativos para o último teste, surgiu um problema. Foi neste momento que, como comentado anteriormente, a plataforma Hoppala ficou com suas funções indisponíveis. Foi então buscada a solução de um servidor gratuito, para criar um endereço eletrônico próprio, com a plataforma Wordpress e, nela, a instalação do plug-in Feedgeorge Augmented Reality. O domínio, criado no servidor $0.00 Web Host, foi o http://
61. Exemplo de simplificação da geometria do modelo. Acervo pessoal.
www.riorealidadeaumentada.comze.com75. A camada geolocalizada foi, então, criada no Layar. Os
Um teste inicial foi realizado utilizando a maquete
dados da camada, os dados de localização e escala do ponto
eletrônica do Monroe já modificada. A intenção do teste era
de interesse são inseridos na área de trabalho do plug-in e a
perceber se as simplificações da volumetria já seriam suficientes
maquete eletrônica é anexada, finalizando com a publicação da
para que o aplicativo pudesse carregar sua visualização em
camada. Antes de incluir a maquete, entretanto, foi necessário
realidade aumentada e descobrir qual direção o aplicativo
descobrir a escala e sua angulação correta em relação ao
interpreta como o norte geográfico. Para este teste, o modelo
norte geográfico. Para isto foram comparadas imagens do
foi georreferenciado na Lagoa Rodrigo de Freitas. A Lagoa foi
projeto da Av. Central com imagens atuais de satélite da
escolhida por dois motivos: possui superfície plana e aberta e era o local com estas características de mais fácil acesso naquele momento. O teste demonstrou que a maquete eletrônica estava com boa visualização e que as simplificações de volumetria feitas não atrapalharam o entendimento da edificação. Pelo teste também foi possível perceber que o aplicativo toma como Norte geográfico o eixo Y do programa
75
Como o site não irá, a princípio ser alimentado com conteúdo de textos, imagens ou vídeos, não foi dado muita importância para criar um nome mais simplificado. O que importava para esta pesquisa era ter um servidor próprio, e a partir da ajuda do plug-in de realidade aumentada, que pudesse responder ao Layar na formatação JSON. O site foi retirado do ar pelo servidor 000Webhost por causa das poucas postagens realizadas nele. Os modelos do Palácio Monroe foram então transferidos para o site elaborado para os testes posteriores, o http:// realidadeaumentadapm.netai.net
92
área extraídas do programa Google Earth. Desenhando os contornos da edificação e seu sobre a planta da Av. Central no AutoCad, foi possível então colocar estes contornos em escala sobre a imagem do Google Earth no programa Sketchup. Com os contornos na escala e angulação correta, a maquete foi inserida e adaptada sobre eles. A maquete foi, então, novamente exportada para o formato .obj e convertida para o formato Layar3D no programa próprio do Layar. 64. Ajuste da escala e angulação da maquete eletrônica no Sketchup. Acervo pessoal.
Com a maquete pronta, foi realizado o último teste, agora com a maquete corretamente localizada na Cinelândia. Já se imaginava que a quantidade de árvores circundando o terreno atrapalharia um pouco a visualização, de modo que foram escolhidos pontos estratégicos para as capturas de telas, nos quais houvesse menos obstruções entre o local do palácio e o observador. A primeira tentativa foi feita na calçada da Av. Rio Branco, em frente às entradas do estacionamento. Desta proximidade, entretanto, ocorreu um erro de localização do aplicativo: a visualização era equivalente a de um observador dentro do modelo. Uma possível explicação para isto seja a faixa de precisão do sinal de GPS, que para aparelhos de civis é de 7,8m em 95% dos casos.76 O fato do lugar escolhido 62 e 63. Primeiro teste de realidade aumentada com o modelo do Palácio Monroe localizado na Lagoa Rodrigo de Freitas. Modelo visualizado com o aplicativo Layar, utilizando a plataforma Hoppala como servidor de dados. Imagens no tamanho em que foram visualizadas na tela do smartphone (Iphone 4S). Acervo pessoal.
76
http://www.gps.gov/systems/gps/performance/accuracy/ 93
ser muito próximo de grandes edificações também pode ter influenciado para a redução da precisão das informações de posicionamento. (PIEKARSKI et al, 1999: 05) Uma outra tentativa foi feita então em um ponto mais distante, do meio fio da Rua Mestre Valentim. Desta vez, foi possível visualizar o edifício por inteiro na tela do smartphone. O modelo em algumas imagens parece estar flutuando, o que já era esperado. O aplicativo Layar não reconhece diferença de altitude e dispõe o modelo na tela como se ele e o observador estivessem em um grande plano. Por isso, o único teste em que não existe esta impressão foi o teste realizado na Lagoa Rodrigo de Freitas. Isto leva a crer que em locais muito acidentados a visualização de sistemas de realidade aumentada de objetos
66 e 67. Tentativa de visualização do Palácio da Av. Rio Branco, ponto 01. . Acervo pessoal.
arquitetônicos enfrentaria desafios ainda maiores.
1
2 65. Pontos de onde o teste foi feito. Fonte: Google Earth
68 e 69. Visualização do Palácio Monroe em realidade aumentada a partir da Rua Mestre Valentim, ponto 02. Imagens no tamanho que foram visualizada na tela do smartphone. Acervo pessoal. 94
De todo modo, o território informacional para o Palácio
do usuário.
Monroe está criado, e, para os que possuírem os aparatos
O fato é que para a tecnologia atual de softwares de
tecnológicos habilitados (smartphone com internet móvel e
realidade aumentada disponíveis para smartphones e tablets,
o aplicativo Layar instalado), é possível ver o Palácio Monroe
o teste mostrou que é possível ter uma noção da escala e
digital/virtual onde um dia esteve seu original físico. Para
presença que o edifício um dia teve na cidade. Para o estudo
visualizar o Palácio em realidade aumentada, é preciso abrir
da arquitetura e do espaço urbano na realidade aumentada,
o aplicativo Layar, no item Geolayers, e buscar pela camada
não existe a mesma liberdade para se escolher pontos de vista
“RA Palácio Monroe” estando nas proximidades da Praça
como em um ambiente completamente virtual, e a quantidade
Mahatma Gandhi – a abrangência definida na camada foi de
de elementos no espaço urbano pode realmente interferir na
um raio de 500 metros partir do centro do modelo. A criação
visualização. Por outro lado, é justamente esta limitação de
de um território informacional, como preconiza Lemos (2008),
estar preso ao ponto de vista do pedestre e da escala humana
dá-se, neste caso, de forma tão similar aos territórios físicos
que traz uma melhor percepção do ambiente urbano, da vida
que é possível inclusive delimitar sua área.
no entorno do edifício.
A tela de um smartphone é pequena e não permite ver o modelo por inteiro de um ponto muito próximo - a tela de um tablet provavelmente permitiria uma visualização melhor. O que proporcionaria uma melhor compreensão da interação do modelo eletrônico com o entorno seria um sistema que inserisse a tela próxima ao olho do observador, como capacetes de realidade virtual para videogames, mas este tipo de sistema não tem seu uso difundido ainda, muito menos nos espaços públicos das cidades. Outros aparelhos em desenvolvimento como o Google Glass também não trariam uma melhor percepção do modelo, tendo em vista que o tamanho da tela é ainda melhor do as telas dos smartphones atuais e é posicionada apenas em uma pequena área do campo visual 95
3.4. O PORTO MARAVILHA E SUA FORMA URBANA EM POTÊNCIA
es rigu
es
Alv
N
d . Ro
as
Varg
anco
Av.
nte side
Praça XV
io Br
Av. R
Av. Francisco Bicalho
Av
Pre
CENTRO
Aeroporto Santos Dumont
70. Mapa da área de abrangência do projeto Porto Maravilha. Acervo pessoal. Base: Google Earth.
Resultado da conjugação de morros existentes com o
presença de diversos terrenos de propriedade do Estado.
avanço de áreas construídas sobre o mar, a zona portuária do
Seguindo a tendência mundial de requalificar antigas zonas
Rio de Janeiro teve sua forma urbana bastante modificada ao
industriais em desuso (BUSQUETS, 2007: 09-15), a Prefeitura
longo dos séculos. Esta área guarda resquícios da evolução
Municipal do Rio de Janeiro lançou, em 2009, a Operação
histórica e das transformações sociais que a cidade sofreu
Urbana Consorciada Porto Maravilha. O mega-projeto tem
desde o Período Colonial até a conformação atual da capital
como justificativa a necessidade de criação de um outro eixo
carioca como metrópole. (MELLO, 2003) Atualmente, com
de investimentos imobiliários na cidade, visando conter a
o desenvolvimento das atividades portuárias industriais e
expansão em baixa densidade para a Zona Oeste da cidade
o uso de containers para transporte de cargas, restaram na
e aproveitando a infraestrutura existente na zona central da
região diversos galpões e armazéns desocupados, além da
cidade para a criação de novos edifícios habitacionais e de salas comerciais na região do Porto, aumentando a densidade 96
populacional dos bairros que a compõem.
Baseado na regulamentação de parcerias público-
O projeto se destaca por sua grande dimensão. São 5
privadas do Estatuto das Cidades (Lei Federal nº 10.257/2001),
milhões de metros quadrados de área, que abrange três bairros:
e com a justificativa de garantir a sustentabilidade financeira da
Saúde, Gamboa e Santo Cristo. Neste limite, também estão
operação, a Prefeitura do Rio de Janeiro criou uma legislação
incluídos os morros que abrigam as favelas da Providência e
urbanística específica para a área de intervenção (Lei Municipal
do Pinto. Entretanto, as obras de melhorias destas áreas de
n° 101/2009), pela qual os índices de aproveitamento de
interesse social não ficaram por conta do consórcio da operação
terrenos foram ampliados. Foram estabelecidos, então, os
urbana, mas do programa de integração e requalificação de
Certificados de Potencial Adicional Construtivo (CEPACs)
assentamentos precários da Prefeitura do Rio de Janeiro, o
que devem ser comprados pelo investidor imobiliário para
Morar Carioca.
a utilização do potencial construtivo máximo do terreno.
71. Vista geral da área a partir do Morro da Providência. Autor: Jannis Kuhne. Acervo pessoal.
97
Outros parâmetros urbanísticos também foram modificados:
a proposta urbanística do Porto Maravilha prevê as maiores
o afastamento mínimo frontal foi ampliado para 7m,
modificações na morfologia urbana, com mudanças no
afastamentos laterais e de fundo mínimos agora são de 15m,
sistema viário e a alteração dos índices urbanísticos legais a
foi criada uma distância mínima entre torres de 30m e nas
partir da compra das CEPACs.
quadras onde serão vendidas CEPACs o coeficientes máximos de aproveitamento serão de até 8 vezes a área do terreno.
A proposta não especifica detalhadamente os usos permitidos para a área, sendo mencionada a construção de edificações para diversos usos de comércio e serviços. Existe, no entanto, um incentivo especial à construção de moradias e edificações de uso misto na área com a permissão de compra
potencial adicional
de um menor número de CEPACs para atingir o potencial
CEPAC’s $ $ $ $
+ potencial original obras de melhoria de infraestrutura e arborização 72. Esquema de venda e uso dos recursos arrecadados com as CEPAC’s. Acervo pessoal.
construtivo máximo no caso de empreendimentos que agreguem a função habitacional em suas dependências. A maior parte das obras do Porto Maravilha, paga com os recursos arrecadados com a venda das CEPACs, destina-se à melhoria de infraestruturas de acessibilidade e mobilidade da área. Estão sendo abertas novas vias e túneis, e os passeios e as praças serão reformados, arborizados e padronizados. Destacam-se, entre estes projetos de mobilidade, a demolição do Elevado da Perimetral, com a construção de um túnel e uma Avenida Binário em sua substituição, e a construção de linhas
Dos 5 milhões de metros quadrados, 3.8 milhões estão
de VLT (Veículo leve sobre trilhos) que farão a ligação da área
em áreas protegidas por leis ambientais ou de preservação
com as estações de metrô existentes e grandes equipamentos
do patrimônio edificado; o 1.2 milhão restante corresponde
urbanos nas proximidades. Serão reformadas e ampliadas as
à área aterrada em 1909, em obras de ampliação da atividade
redes de água, esgoto, energia e telecomunicações.
portuária durante a Reforma Pereira Passos. É nesta área que
98
linha VLT proposta
Até 150 m
estações VLT propostas estação de metrô existente
Até 120 m
estação das barcas aeroporto Santos Dumont novo cais de passageiros
Até 90 m
Até 60 m
Museu do Amanhã MAR
73. Mapa com Áreas de aumento de potencial construtivo pela compra de CEPAC’s. Acervo pessoal. Base: Google Maps. 99
Corte genérico pela Av. Rodrigues Alves antes da demolição do elevado da Perimetral.
Corte genérico pela Av. Rodrigues Alves após a demolição da Perimetral e com a construção de torres com o gabarito máximo permitido (120m). 74. Cortes comparativos na Av. Rodrigues Alves. Acervo pessoal. 100
No extremo oposto do Porto Maravilha, nas proximidades
Estes grandes equipamentos, entretanto, se localizam na
da Av. Francisco Bicalho, será construído o complexo do Porto
porção da zona portuária mais próxima ao Centro, bairro já
Olímpico. Este projeto, inserido nas áreas onde há maior
consolidado como área de instituições culturais. Há, portanto,
aumento de potencial construtivo, se insere no programa de
o risco destes equipamentos serem interpretados pela
lugares que servirão aos Jogos Olímpicos de 2016 e abrigará
população como uma extensão do polo cultural do Centro e
a um Centro de Convenções e a Vila de Árbitros;
77
após os
Jogos, estes edifícios serão convertidos em habitações que serão vendidas preferencialmente a funcionários da Prefeitura do Rio de Janeiro.
não como o anúncio do novo polo de cultura proposto para a zona portuária. Ao permitir o aumento do gabarito e modificando os índices de ocupação dos terrenos a Prefeitura do Rio de
A lei do Porto Maravilha determina ainda que 3% (três
Janeiro criou uma nova forma urbana em potência para a zona
por cento) do valor arrecadado pela venda de CEPAC’s seja
portuária carioca; pode-se dizer que há uma forma urbana
utilizado na recuperação do patrimônio histórico edificado da
virtual projetada para a região. As modificações nos índices
região. Além disso, serão instalados pequenos equipamentos
urbanísticos legais da região portuária do Rio de Janeiro
culturais com o objetivo de valorizar a história da cultura
alteraram o potencial construtivo na área, gerando novas
afrodescendente ligada ao lugar e de incentivar o turismo no
possibilidades de ocupação do espaço. Os novos gabaritos
local.
permitidos na área do Porto Maravilha variam de 60m até A imagem da região do Porto Maravilha, entretanto, está
150m, além da modificação nos afastamentos frontal e lateral
ligada a dois grandes equipamentos culturais: o MAR (Museu
das edificações no terreno e da criação de um afastamento
de Arte do Rio), do escritório carioca Bernardes+Jacobsen, e o
de 30m entre torres. O potencial construtivo pode ser
Museu do Amanhã, projetado pelo arquiteto espanhol Santiago
ampliado, chegando a até 8 vezes a área do terreno, exceto
Calatrava, na Praça Mauá e no Píer Mauá, respectivamente.
em áreas protegidas por leis ambientais ou de preservação do patrimônio edificado como as bases dos morros e os entornos de edificações históricas.
77
Em março de 2014 o Prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, sugeriu que a zona portuária saísse do chamado “roteiro olímpico” com a transferência da Vila de Árbitros e do Centro de Convenções para terrenos na Barra da Tijuca. Até o fim desta dissertação não houve definição sobre este assunto. (MAGALHÃES, L. E. O Globo, 18 mar. 2014)
Cabe destacar que estes dados não são apresentados pelo consórcio em forma de projetos ou maquetes físicas ou eletrônicas, mas em tabelas e mapas, sendo muito difícil 101
visualizar o resultado formal final do que é proposto no Porto
no computador. O objetivo dos testes era analisar as diferenças
Maravilha. No site do projeto não existem simulações em
entre as representações e as diferenças entre as percepções
três dimensões da forma urbana proposta, apenas algumas
do espaço projetado de acordo com as diferentes mídias de
imagens esquemáticas e fora de proporção, mas há um
visualização. A princípio, já era suposto que as representações
simulador do número de CEPAC’s a serem adquiridas caso o
das maquetes eletrônicas visualizadas no ambiente virtual do
empreendedor decida investir na região. Esta atitude impede
computador dariam uma melhor compreensão da volumetria
uma melhor compreensão da morfologia e do tipo de cidade
do conjunto de torres projetadas. Ainda assim, a visualização
que é proposta, especialmente para a população em geral, que
das torres em realidade aumentada foi útil para perceber
não tem experiência com índices técnicos e suas consequências
questões relacionadas com a sobreposição de camadas no
na forma urbana construída. Na verdade, o projeto é de difícil
espaço da cidade, com a perspectiva do observador e com a
compreensão até para arquitetos e outros técnicos, já que os
presença do sujeito no lugar, que ancoram tanto no racional
índices se espalham por tabelas. Uma simulação tridimensional
quanto no emocional a representação, em contraponto à
da forma urbana proposta poderia gerar uma discussão mais
visualização em um ambiente virtual na tela de um computador,
qualificada sobre o projeto com a população.
que retira o observador do lugar mesmo que a câmera simule
Para um estudo inicial da situação, visando a melhor
sua presença na cena.
compreensão das possíveis consequências formais do
A forma simulada neste trabalho representa os gabaritos
projeto, optou-se, num primeiro momento, por elaborar
e coeficientes de terreno máximos permitidos pela legislação
cortes genéricos pela Av. Rodrigues Alves e uma simulação
nas áreas onde há oferta de CEPAC’s. Foi utilizada como base
em maquete eletrônica dos índices urbanísticos nas quadras
a aerofotogrametria da região em arquivo para programas
resultantes das transformações viárias do Porto Maravilha e
do tipo CAD (Computer Aided Design) e visitas ao local. Foi
nas quais é permitida a compra de CEPAC’s para a utilização
utilizada como base para a maquete da situação atual, um
dos potenciais construtivos máximos. Este material gráfico
modelo eletrônico da área elaborado no programa SketchUp
foi utilizado em uma comparação com a situação atual para
por alunos da disciplina Atelier Integrado 2, da Faculdade de
observar as mudanças que se anunciam no skyline carioca.
Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do rio de
Por fim, foram feitos os testes de realidade aumentada,
Janeiro.
localizando na área do projeto as torres simuladas inicialmente
Para a modelagem da forma urbana em potência 102
presente na nova legislação urbanística para a área, foram
Cabe destacar que esta forma urbana máxima modelada
observados especialmente os gabaritos máximos permitidos
conta apenas com os índices determinados pela legislação
(entre 60m e 90m) e os afastamentos dos limites dos terrenos
e que existem diversas outras variáveis que determinam e
e entre torres. O potencial construtivo máximo de 8 vezes
modificam a forma urbana e outras relevantes características
a área do terreno foi aplicado a partir da área da quadra, e
de um lugar, como a arborização, os usos das propriedades
não dos lotes individuais, tendo em vista que existem muitos
privadas e do espaço público. Além disso, nem sempre, por
terrenos pequenos que provavelmente serão remembrados
uma razão ou por outra, o máximo potencial construtivo é
para a construção de torres.
utilizado em cada lote. Portanto, a forma simulada neste
Morro da Providência
Morro do Pinto
Av. Francisco Bicalho
Cidade do Samba
Morro da Providência
Situação atual
Morro do Pinto 150 m 120 m 90 m
Cidade do Samba
60 m
Av. Francisco Bicalho
Simulação dos gabaritos propostos 75. Comparação da morfologia urbana por modelos eletrônicos. Acervo pessoal. 103
trabalho é uma entre infinitas possibilidades em potência para
do Porto Maravilha.78 A princípio, separou-se o conjunto de
a futura morfologia urbana da área do Porto Maravilha, mas
torres em três subconjuntos, onde para cada subconjunto
permite visualizar, de uma maneira simplificada, o impacto
posteriormente foi criado um POI. Os edifícios foram pintados
na paisagem sugerido pela legislação de base do projeto.
em tons diferentes de azul, os mesmos utilizados no mapa,
E, politicamente, adota o volume máximo, para determinar
de acordo com suas alturas, para facilitar a compreensão dos
o máximo de impacto do plano, já que é uma possibilidade
diferentes objetos, tendo em vista que a tela de visualização
limite, mas é uma possibilidade nele contida.
do Layar não apresenta o mapa com o perímetro do POI’s na
O processo para organizar a realidade aumentada do Porto Maravilha foi similar ao processo do último teste
área, apenas uma representação simplificada de um círculo com pontos.
realizado com o Palácio Monroe. Foi criado um novo site na
O primeiro teste foi realizado de dois pontos de
plataforma Wordpress, com o plug-in Feedgeorge Augmented
vista diferentes, buscando sempre uma distância de
Reality instalado, para servir de servidor para os dados. O
aproximadamente 100 metros entre as torres e os observadores.
endereço, também criado no servidor $0.00 Web Host, é
Esta distância foi procurada para evitar os mesmos erros
http://realidadeaumentadapm.netai.net. Foi criada também
do teste com o Palácio Monroe, quando, de uma distância
uma camada geolocalizada no Layar exclusiva para os testes
muito pequena, o aplicativo errava na localização do objeto
do Porto Maravilha. O processo de conversão das maquetes do
e mostrava uma visualização como se o observador estivesse
formato do SketchUp para o formato Layar3D foi semelhante
dentro do modelo. Por se tratar de uma área de projeto muito
ao processo feito para a maquete do Palácio Monroe.
extensa, priorizou-se a visualização das áreas no entorno da
A diferença fundamental entre os testes do palácio e os
Av. Francisco Bicalho e da Rodoviária Novo Rio. Mesmo com
testes com o Porto Maravilha foi a quantidade de pontos de
estas precauções, a visualização da realidade aumentada do
interesse (POI`s) que foram criados. No caso do Palácio Monroe,
conjunto mostrou grandes erros.
por ser um único edifício, apenas um ponto foi criado. Por se tratar de uma simulação de uma área urbana com diversas edificações, foi necessário criar vários POI’s para a camada
78
Para camadas com muitos elementos criar um POI para cada elemento, ou agrupar elementos em diferentes POI’s facilita a renderização, pois nem sempre todos os elementos estarão aparentes na tela e somente os inseridos no campo de visualização do aparelho naquele momento é que serão carregados e renderizados. 104
Um problema rapidamente percebido foi o fato dos edifícios não estarem dispostos no alinhamento da Av. Francisco Bicalho. Os modelos foram criados com faces paralelas às ruas e localizados corretamente sobre o mapa durante a conversão dos arquivos para o formato Layar3d (.l3d); entretanto na visualização, eles não estão paralelos à rua. A escala do projeto, com suas grandes dimensões, torna os erros de localização mais visíveis. Outra questão percebida com o primeiro teste foi a aparência dos blocos. Os modelos foram feitos de forma esquemática, seguindo o padrão da maquete do entorno, onde as edificações são prismas pintados com 76 e 77. Primeiro teste de realidade aumentada do Porto Maravilha feito a partir da Av. Francisco Bicalho, próximo à Estação da Leopoldina. Imagens no tamanho visualizado na tela do smartphone. Acervo pessoal.
uma única cor. Nas visualizações da maquete no computador ou em imagens, os blocos simples não destoam do restante da maquete, mas na visualização em realidade aumentada, com a cidade real ao fundo, eles aparecem como grandes marcas na tela, não sendo possível apreender bem a escala deles em relação ao entorno. Um segundo teste foi realizado buscando-se um ponto de vista mais longe, onde os erros de localização ficassem menos evidentes e em busca de uma visualização de todos os blocos de uma só vez. A opção foi fazer o teste a partir da ponte Rio-Niterói. Como não é possível acessar a ponte a pé, o teste foi realizado dentro de um carro em movimento. Desta vez não foi possível visualizar os pontos de interesse de
78 e 79. Primeiro teste de realidade aumentada do Porto Maravilha feito próximo à Rodoviária. Acervo pessoal.
frente, como havia sido imaginado, pois a distância entre a Ponte e os pontos de inserção dos POI’s é muito grande, maior 105
que os 2 km máximos de abrangência da camada. Os blocos puderam ser observados em alguns momentos no caminho para a ponte, mas a visualização nunca foi satisfatória. Um terceiro teste foi então realizado, ainda na tentativa de se buscar uma melhor compreensão e visualização do projeto. Em busca de minimizar o erro de localização um dos subconjuntos de blocos de edifícios foi subdividido. Assim, alguns blocos foram transformados em pontos de interesses separadamente. A camada ficou então com oito POI’s a serem localizados. Para minimizar a sensação de estar se visualizando volumes abstratos e sem relação com o entorno, foi utilizada a estratégia de aplicar um mapa de textura de fachada79 nas faces maiores dos blocos transformados em POI’s individuais. Feito o
80 e 81. Segundo teste de realidade aumentada do Porto Maravilha feito do acesso à Ponte Rio-Niterói. Acervo pessoal.
teste, percebeu-se que o erro de alinhamento continua, mas a simulação das fachadas tornou o modelo mais compreensível do ponto de vista do pedestre. Com as fachadas simuladas, a escala do edifício ficou mais facilmente percebida, a partir da simples divisão do volume em pavimentos. Mesmo com o sistema de realidade aumentada não funcionando perfeitamente, é possível perceber o grande
79
Esta estratégia é comum em modelos de edifícios feitos para cenários de jogos eletrônicos, pois ajuda na simulação da cidade, mas mantém os modelos tridimensionais leves, permitindo a manipulação em tempo real ao diminuir o processamento de renderização. Este modo de representação está sendo utilizado por pesquisadores do LAURD para o desenvolvimento do jogo SimRio, um ambiente de imersão na cidade do Rio de Janeiro por diversas épocas.
82 e 83. Terceiro teste de realidade aumentada do Porto Maravilha a partir da Av. Francisco Bicalho, próximo à Estação da Leopoldina. Acervo pessoal.
106
impacto que os novos edifícios irão criar na forma urbana da região portuária. Não é possível apreender verdadeiramente o espaço que será resultante depois que o projeto seja completamente implementado, especialmente porque o que foi simulado foram apenas blocos de edifícios, deixando de lado ruas, calçadas e arborização, por exemplo. Na zona portuária, não existem muitos terrenos vazios abertos, as construções ocupam as bordas do lote e os novos edifícios terão afastamentos maiores, logo, o que se percebe é apenas a força do volume dos futuros prédios, e não suas implantações nos terrenos. De qualquer forma, o fato de se estar presente no local para realizar os testes trouxe uma outra impressão do lugar e do projeto. A degradação do entorno da Av. Francisco Bicalho e o cheiro forte de esgoto do canal no centro da avenida eram um constante incômodo durante a realização dos testes, fato que permite um questionamento de se apenas construção de torres empresariais luxuosas será capaz de criar uma verdadeira requalificação daquele espaço. A presença nas proximidades da caótica rodoviária Novo Rio, de um precário terminal de ônibus, da Estação de Trem da Leopoldina fechada e em desuso e a falta de perspectiva da despoluição do canal da Av. Francisco Bicalho levam a crer que, mesmo depois de construídas, as novas torres continuarão a ser volumes estranhos naquela paisagem, tal e qual os blocos da visualização em realidade aumentada. 107
3.5. RESULTADOS PRELIMINARES E PERSPECTIVAS
Os testes demonstram também que a realidade aumentada permite uma mistura de temporalidades com a
O “aqui” e “agora” da experiência material tradicional é continuamente aumentado pelo “aqui”, mas não pelo “agora”.80 (GRAHAM et al, 2012: 477)
observação de objetos que não estão fisicamente no presente, representações de edifícios antigos ou que não foram construídos ainda. No caso do Palácio Monroe, ficou claro que o modelo visto no ambiente simulado do computador faz
As experiências com o Palácio Monroe e com a simulação
perceber melhor os detalhes do antigo palácio, permitindo
dos gabaritos máximos dos edifícios do Porto Maravilha
a visualização de diversos ângulos e alturas. O modelo no
demonstraram que a visualização de objetos arquitetônicos
computador permitiu também a elaboração de fotomontagens,
em realidade aumentada por georreferenciamento não é a
que foram manipuladas para simular a existência do Palácio por
melhor forma para se entender pormenores de um projeto,
trás da camada de árvores e mobiliário urbano, coisa que não
pelo menos com a tecnologia disponível atualmente via
é possível, ainda, com a tecnologia da realidade aumentada.
softwares gratuitos. Não é possível visualizar detalhes de
Porém, ver o Palácio Monroe no lugar em que um dia
ornamentos, de revestimentos e caixilharia, por exemplo.
ele esteve construído, mesmo que por uma tela pequena de
Mas a experiência de se estar no espaço público da cidade,
smartphone, emociona quem sabe da sua história e de seu
em contato direto com o entorno dos objetos representados,
polêmico fim. E o ponto de vista do observador no nível pedestre
amplia consideravelmente a compreensão da relação entre os
também possibilita uma melhor compreensão da escala do
objetos arquitetônicos e a cidade. Mais do que uma simples
edifício. Existe na experiência da realidade aumentada uma
visita a um terreno, a experiência de realidade aumentada
noção maior do que era a presença do palácio ali. De certa
com objetos arquitetônico permite uma sensação de escala
forma o Palácio Monroe voltou a estar ali, não fisicamente,
urbana e humana do edifício e seu entorno.
mas em uma forma virtual, em potência, passível de ser vista ao menos pelos que tiverem acesso à tecnologia necessária.
80
No original: The ‘here’ and ‘now’ of traditional material experience is continuously augmented by the ‘here’ but not by the ‘now’. Tradução nossa.
No caso do Porto Maravilha, os modelos e os testes feitos não foram capazes de gerar uma visualização dos modelos na angulação correta. Uma possível solução para corrigir erros de localização e manter os modelos na posição correta seria criar 108
um dispositivo semelhante ao criado por Piekarski (1999).
inclusive, um espaço expositivo sobre o projeto chamado
O pesquisador, em um dos primeiros testes de realidade
Meu Porto Maravilha. Mas, mesmo neste espaço, existem
aumentada realizados com objetos arquitetônicos inseriu junto
poucas informações ou modelos tridimensionais que simulem
ao modelo que se desejava visualizar, partes de objetos do
a mudança brusca proposta para a forma urbana da área. A
entorno; assim, quando a visualização dos objetos “encaixava”
grande escala do projeto do Porto Maravilha demonstrou-se
com o entorno de fundo, o usuário podia “congelar” o objeto
um fator complicador para se criar um sistema de Realidade
naquela posição.
Aumentada a partir de softwares que já existem no mercado,
De qualquer forma, comparando os testes realizados com
mas com mais recursos e uma equipe de programação é
as outras representações elaboradas para o projeto do Porto
razoável supor que seria possível criar um aplicativo próprio
Maravilha, percebe-se que o corte pela Av. Rodrigues Alves,
para o projeto. Outros recursos poderiam ser utilizados para
mesmo esquemático, é o que melhor representa a mudança
gerar modelos dos edifícios com mais detalhes e simular
do gabarito das edificações, por ser comparativo. Mas como
rapidamente índices urbanísticos diferentes: o software
já mencionado, mesmo com falhas, foi a experiência da
CityEngine (ESRI, 2013) seria uma boa opção neste caso. Um
realidade aumentada na área que fez questionar se a melhoria
software de realidade aumentada poderia, portanto, junto
da qualidade do espaço público vai se efetivar com a execução
com outros meios de representação ser utilizado para fomentar
do projeto.
uma discussão com técnicos, arquitetos e a população carioca
Para além dos grandes projetos de equipamentos
sobre a forma urbana que se pretende para aquela área.
culturais e da demolição da Av. Perimetral que são amplamente
As experimentações em realidade aumentada com o
divulgados pela Prefeitura do Rio de Janeiro, é a modificação
Palácio Monroe e o Porto Maravilha demonstraram que estar
da legislação urbanística específica para a área que ocasionará
presente no local condiciona um envolvimento diferenciado
o maior impacto sobre a forma urbana local. Percebe-se, a
do usuário com entorno. Há um envolvimento proporcionado
partir dos desenhos e simulações, o choque que a nova
pela tecnologia, seja pela possibilidade de visualização
volumetria irá causar na paisagem local, com edificações com
dos modelos virtuais em entornos físicos ou pelas próprias
alturas que ultrapassam os topos dos morros da Providência e
dificuldades que a tecnologia ainda apresenta – a dificuldade
do Pinto. O Consórcio do Porto Maravilha dispõe na internet
de encontrar um bom lugar para a visualização, as condições
diversos documentos e projetos sobre a área e construiu,
climáticas no momento, etc. Mas é este envolvimento com o 109
entorno justamente o que diferencia a realidade aumentada como ferramenta para a discussão de projetos, em especial na comparação com ambientes completamente simulados no computador.
110
concLusões
a um certo ponto da cidade para encontrar uma informação específica. Nessa mobilidade do usuário, em que ele carrega
Resumindo, eu sugiro que o desenho de um espaço aumentado eletronicamente pode ser abordado como um problema arquitetônico. Em outras palavras, arquitetos juntamente com artistas pode tomar um novo passo lógico ao considerar o espaço eletrônico “invisível” do fluxo de dados como uma substância em vez de apenas um vazio – algo que necessita de uma estrutura, de uma política e uma poética.81 (Lev Manovich, 2005)
consigo as interfaces de acesso à internet, o ciberespaço e
Nas relações definidas por Pierre Lévy (2010: 190,191)
um grande potencial para a prática e o estudo da arquitetura
entre a cidade e o ciberespaço, o autor defende que é na
e do urbanismo. A espacialização de modelos tridimensionais
articulação entre a rede de informações e a cidade física em
de edifícios arquitetônicos permite a criação de territórios
que podem surgir as melhores possibilidades de soluções
informacionais, como definidos por Lemos (2009: 92) para
para os desafios das cidades contemporâneas. É possível
edifícios ainda em projeto ou edifícios que já não existem
afirmar que as mídias baseadas em locação criam uma relação
mais. A Realidade Aumentada permite a sobreposição além
de articulação entre o espaço urbano e as informações
das camadas de informação do ciberespaço a sobreposição de
digitais. Esta articulação acontece na interdependência
temporalidades diferentes em uma mesma visualização.
o entorno urbano são percebidos como um espaço único, híbrido (DE SOUZA E SILVA, 2006: 263). Este espaço híbrido pode ser experimentado, entre outros meios, por sistemas de realidade aumentada, que permitem a visualização de objetos virtuais espacializados no espaço da cidade. Este fato dota a realidade aumentada de
entre localização e comunicação. Nas mídias locativas, se o
As experimentações com realidade aumentada de
usuário não está em um determinado lugar ele não recebe
objetos arquitetônicos no espaço urbano demonstraram que a
ou troca informação e pode ser necessário ter que se deslocar
realidade aumentada é uma experiência pessoal e localizada. Como a experiência cotidiana do espaço urbano, ela não
81
No original: In short, I suggest that the design of electronically augmented space can be approached as an architectural problem. In other words, architects along with artists can take the next logical step to consider the “invisible” space of electronic data flows as substance rather than just a void – something that needs a structure, a politics, and a poetics. Tradução nossa.
pode ser perfeitamente reproduzida por outras mídias como imagens ou vídeos. O fato é que a visão e a audição são os sentidos mais privilegiados pelas ampliações possíveis a partir destas tecnologias, pois ainda não temos meios eficientes de reproduzir cheiros e temperaturas, por exemplo, em mídias 111
digitais. Portanto, ao se analisar uma experiência de realidade
edifício e da sua relação com o entorno urbano.
aumentada aplicada no espaço urbano, percebe-se que os
As mídias digitais trouxeram possibilidades diversas
outros sentidos são incluídos na experiência mais fortemente,
de simulação em meio digital, seja de épocas passadas da
uma vez que o próprio entorno provê esses estímulos de modo
cidade ou de projetos, mas o mais comum é o arquiteto ter a
ininterrupto.
experiência da cidade separada da experiência da simulação
As experiências de realidade aumentada realizadas com
digital, indo ao terreno, conhecendo o entorno, tirando fotos
o Palácio Monroe e com o Porto Maravilha demonstraram
e fazendo croquis, para depois em um ambiente fechado
isso. A convivência com a cidade está presente durante toda
passar a trabalhar em modelos eletrônicos. A experiência da
a experiência com suas características particulares e defeitos.
realidade aumentada de objetos arquitetônicos une, mesmo
Seja por fatos tidos como “erros” - um ônibus que passa e
que momentaneamente, estas ações. Resta agora, depois
atrapalha a visualização do objeto como deveria - ou pela
passado o “momento mágico”, como mencionado por
percepção de cheiros e ruídos característicos do lugar, pelo
Addoum (2012: 01) - em que algo que não está fisicamente
incômodo do sol forte e do calor. A isso somam-se também
no lugar passa a ser visto naquele ambiente - pensarmos
camadas de percepções sócio-culturais do entorno, como o
em sistemas que criem mais envolvimento do usuário com o
grau de degradação e a sensação de segurança, que levaram a
objeto visualizado. Para que para além de um instrumento de
optar por realizar alguns dos testes na companhia de colegas,
visualização a realidade aumentada possa ser mais utilizada
de forma a evitar furtos e roubos.
como um instrumento de criação e discussão da cidade.
Esta dissertação buscou adentrar no campo da realidade
O método descrito nessa dissertação foi reproduzido, em
aumentada móvel em áreas externas (CARMIGNIANI et FURHT,
novembro de 2014, por alunos da Escola de Belas Artes (EBA)
2011: 16) e experimentar a tecnologia de aplicativos existentes
e bolsistas do Laboratório de Análise Urbana e Representação
no mercado atual para analisá-la como ferramenta para o
Digital (LAURD) da Universidade Federal do Rio de Janeiro. O
estudo e projeto da arquitetura e da cidade. Os experimentos
método foi utilizado no estudo “EBA Aumentada” para simular
mostraram que a realidade aumentada por si só não tem a
o projeto do edifício-sede da Escola de Belas Artes no local
capacidade de mostrar ao usuário todas as características
de sua obra inacabada. Junto com a experiência da realidade
de um edifício ou projeto, mas são especialmente úteis para
aumentada foi realizada uma cerimônia de inauguração
oferecer um melhor conhecimento da escala humana do
simbólica do edifício que tinha data de conclusão da obra 112
prevista para 2011. Cabendo, portanto, destacar que esse fato demonstra que o objetivo dessa dissertação de organizar um método que possibilite outros estudantes e pesquisadores sem conhecimento em linguagens de programação realizarem testes de realidade aumentada foi alcançado.
84. Realidade aumentada do projeto do edifício-sede da EBA-UFRJ. Acervo pessoal.
85. Matéria no jornal O Globo, de 25 de novembro de 2014, sobre a “inauguração” do edifício-sede da EBA-UFRJ em realidade aumentada. Acervo pessoal.
113
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