A CIDADE DA FRONTEIRA AMAZÔNICA: DOS PROCESSOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E AMBIENTAIS AO URBANISMO i

July 26, 2017 | Autor: Taynara Gomes | Categoria: Desenho Urbano, Fronteira, Expansão Urbana
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A CIDADE DA FRONTEIRA AMAZÔNICA: DOS PROCESSOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E AMBIENTAIS AO URBANISMOi. Taynara do Vale Gomesii Ana Cláudia Duarte Cardosoiii (Universidade Federal do Pará) Resumo Esta pesquisa tem como objetivo caracterizar o processo de ocupação e expansão urbana da cidade de fronteira amazônica, investigando aspectos econômicos, tipologias de ocupação, atores sociais e estratégias de desenvolvimento urbano. A cidade de Marabá foi selecionada como estudo de caso, em função da forte influência de investimentos do governo federal na cidade em diferentes períodos, o que caracterizou uma condição de desenvolvimento urbano intrinsicamente ligada à concepção de desenvolvimento econômico. As ações federais tiveram uma grande importância nas transformações das dinâmicas socioespaciais em escala regional em oposição à insuficiência e inadequação da ação em escala local. O dinamismo regional versus a incapacidade de gestão e provisão oficial de habitação e infraestrutura na escala local, somados à condição de irregularidade fundiária, favoreceram intensa informalidade na produção do espaço urbano. Diante do aumento populacional e dos novos processos associados à produção e expansão do espaço urbano da cidade por loteamentos e condomínios privados, torna-se explícita a necessidade de uma nova agenda de desenvolvimento urbano comprometida com o equilíbrio entre aspectos e interesses sociais, econômicos, ambientais e espaciais. Palavras-chave: Amazônia; Fronteira; Expansão urbana; Desenho Urbano. Abstract This research aims to characterize the occupation and urban expansion process of an Amazonian frontier city, by investigating economic aspects, typologies of occupation, social actors and urban development strategies. The city of Marabá was selected as a case study, due to the strong influence of the federal government investment in the city over different periods, which characterized a condition of urban development intrinsically linked to the current conception of economic development. Federal actions had great importance in the transformation of the socio-spatial dynamics on a regional scale as opposed to the failure and inadequacy of its action at the local level. The regional dynamism versus the inability of management, official housing and infrastructure provision at the local scale, plus the condition of land irregularity, have favored production of urban space under intense informality. Given the population growth and new processes associated with the production and expansion of the urban space by the developments and private condominiums, it was clear the need for an urban development new agenda compromised with the balance between social aspects and economic, environmental and spatial interests. Keywords: Amazon, Frontier, Urban expansion, Urban design.

A cidade da Fronteira Amazônica: dos processos econômicos, sociais e ambientais ao urbanismo.

1. Introdução O Brasil intensificou o processo de urbanização a partir de sua industrialização deslanchada na segunda metade do século XX, e via de regra as políticas públicas estabelecidas para a gestão urbanística têm sido genéricas e propensas a copiar um repertório externo, por vezes defasado, a despeito das especificidades socioambientais das cidades localizadas nas suas diversas regiões. A produção do espaço urbano vem sendo historicamente determinada por dinâmicas econômicas, enquanto as necessidades espaciais dos habitantes têm sido deixadas em segundo plano. As concepções urbanísticas implementadas na Amazônia a partir dos anos 1970 apresentaram pouca aderência tanto às necessidades presentes na escala intraurbana quanto à expectativa de formação de uma rede urbana. Quando existiram, as intervenções em cidades da região seguiram paradigmas modernos importados e foram restritas a parcelas das cidades (CARDOSO, 2011), assumindo o espaço urbano em formação como uma folha em branco e a gestão urbanística, quando praticada, baseada apenas em parâmetros quantitativos. A Amazônia era vista como um vazio demográfico. Novos códigos e paradigmas sócio-espaciais foram impostos, apesar do acúmulo de saber e do conhecimento tradicional disponível baseado nas práticas sociais préexistentes. Esses novos códigos foram introduzidos na expansão das cidades pelo governo federal na década de 1980, sob a lógica do grande capital (ex. conjuntos habitacionais, company towns) e atualmente vêm sendo reproduzidos

pelo setor privado (ex.: loteamentos, condomínios). Esse processo de expansão urbana não considerou o modo de vida da população que já habitava a região, e alterou o vetor de crescimento do rio para a estrada, suprimiu quintais e vegetação, reduziu espaços públicos, e dessa forma passou a engendrar um espaço urbano incompatível com condições de uso e ocupação do solo pautadas pela escala humana (ex.: mobilidade) e diversidade sócio espacial. Passaram a ser priorizadas intervenções voltadas para a produção, como o porto e a rodovia, enquanto as estruturas de apoio à vida da população, como a habitação, praças e espaços públicos de qualidade, foram perdendo importância. Se o processo de expansão urbana da metrópole brasileira nas regiões centrais já foi marcado pelo padrão de urbanização incompleta, caracterizado pela ilegalidade urbana, ausência de atributos de urbanidade e pela exacerbação de conflitos socioambientais (MARICATO, 2000; GROSTEIN, 2001), na Amazônia, região que tomada como fronteira de expansão do capital desde os anos 1960, esse processo foi agravado pelas condições generalizadas de precariedade e improviso. Através da análise da evolução do efeito de ciclos econômicos sobre as cidades amazônicas é possível observar uma alternância de trajetórias de estruturação do espaço urbano. Houve aproximação cada vez maior da lógica urbano-industrial e do padrão de urbanização da metrópole nos períodos de grande afluxo de capital, em detrimento de padrão de ocupação

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socioambiental tradicional e mais adaptado ao ambiente, observado nos primeiros períodos. Neste sentido, destacam-se em geral cinco períodos marcantes de expansão da cidade amazônica (ver quadro 1): o período colonial (de extração de drogas do sertão), o ciclo de extração da borracha, o período de implantação dos grandes projetos federais, o período da crise econômica entre as décadas de 1980 e 1990, e o período pós-década de 2000. No primeiro período a cidade viabilizava o escoamento da produção extrativista, era localizada nas margens dos rios, na orla localizavam-se o centro cívico (praça da prefeitura e da igreja) e econômico da cidade (a feira). As ruas eram poucas e as de maior extensão situavam-se paralelas ao rio, as quadras contavam com uma escala adequada para o pedestre e os lotes extensos viabilizavam os quintais para criação de animais e com presença de vegetação (WAGLEY, 1957, VINCENTINI, 20044). No período da borracha houve uma diferenciação das cidades amazônicas, com a reprodução de soluções urbanísticas exógenas: época do embelezamento, do sanitarismo, dos planos de alinhamento para a expansão urbana, que definiam o sistema de ruas e estruturavam globalmente as cidades. Enquanto nesse período, no sudeste do país, foram formadas comissões lideradas por engenheiros para a implantação de redes de água e esgoto, criação de parques e alargamentos das ruas (LEMME, 2005). Na Amazônia, após a aprovação da Lei de Terras (1850), foram elaborados planos de alinhamento para organizar a expansão das léguas patrimoniais (patrimônio

público) já instituídas (MUNIZ, 1904). Um exemplo de intervenção nesses moldes foi o plano de alinhamento desenhado pelo Engenheiro Nina Ribeiro para a primeira légua patrimonial da cidade de Belém. A implantação dos grandes projetos foi concebida a partir de uma visão geopolítica e econômica, com intervenções logísticas de apoio à produção do país (ex. estradas, hidrelétricas, assentamentos para reforma agrária), cujo efeito colateral foi uma grande pressão demográfica nas cidades mais próximas a esses projetos quando os mesmos foram suspensos devido à crise econômica. Na primeira fase (anos 1970) os planos federais (PINs e PDA) assumiram algumas cidades como pontos estratégicos para o controle da região e como pontos de abastecimento para as cidades menores e agrovilas, segundo uma concepção de ocupação do território regional de inspiração christaleriana iv conhecida como Urbanismo Rural (CAMARGO, 1973). Nos anos 1980, a expectativa de implantação de uma segunda geração projetos federais estratégicos para o país na Amazônia (geração de energia e mineração) contou com a construção de novas estruturas urbanas (ex. company towns e conjuntos habitacionais) baseadas em códigos espaciais modernistas (ex.: Nova Marabá), incompatíveis com a realidade socioeconômica e espacial pré-existente (ex.: Marabá Pioneira). A incompreensão de estruturas espaciais tradicionais e o foco na escala de atuação do grande capital foram evidenciados na adoção recorrente de formulações provenientes de sociedades industrializadas, por vezes incompletas e simplificadas, para

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organização do território regional e urbano amazônico. Os grandes projetos foram freados pela crise econômica, que reorientou as massas de migrantes para as cidades, e iniciou um processo de periferização gerador de grandes assimetrias. Passaram a coexistir “ilhas” de áreas formais muito dinâmicas (ex.: as company towns, cidades de mineração), áreas tradicionais estagnadas (ex: assentamentos ou cidades ribeirinhas), e áreas de várzea progressivamente ocupadas pela população de baixa renda (ex.: ocupações de baixadas).

Nas últimas duas décadas observa-se a crescente participação do setor privado na expansão das cidades, por conversão de terras rurais em urbanas, seja através da implantação de loteamentos e condomínios, ou de conjuntos habitacionais de baixa renda (como os financiados pelo Programa Minha Casa Minha Vida), indutores de novos núcleos urbanos dada a sua descontinuidade em relação à cidade já existente.

Quadro 1 - Configurações espaciais de acordo com os ciclos econômicos.

1a)

1d)

1b)

1e)

1f)

1c)

1g)

Figuras: 1a) representação de rede dendrítica; 1b) Representação de organização de cidades de acordo com a teoria do lugar central; 1c) Organização espacial de acordo com a lógica do rodoviarismo; 1d) Parcelamento de cidade colonial; 1e) Plano de Alinhamento elaborado para a cidade de Belém; 1f) Plano Modernista para o Núcleo de Nova Marabá; 1g) Cidade de Marabá polinucleada. Elaboração: Taynara Gomes, 2014

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2. Justificativa Este projeto é vinculado a projeto de pesquisa que tem como objetivo entender a natureza do urbano na Amazônia, e que na escala da cidade investiga seis cidades Paraenses, Marabá, Parauapebas, Canaã, São Felix, Santarém e Altamirav. A adoção da cidade de Marabá como objeto de estudo justifica-se pela sua localizada no Sudeste Paraense, região que sofreu grandes transformações após os anos de 1970, (ex. implantação da Rodovia Transamazônica e de projetos de assentamentos rurais, da instalação de pólos de exploração mineral e produção agropecuária), pela intensidade da intervenção federal (implantação de um núcleo urbano, de rodovia, ferrovia, aeroporto) e pela presente influência de investimentos privados na cidade (ex. associação do setor imobiliário com o agronegócio).

Como parte da metodologia do trabalho e com intenção de entender melhor esses arranjos estabelecidos na cidade, foram realizadas duas viagens de campo, uma em dezembro de 2013 e outra em fevereiro de 2014, em conjunto com outros participantes do projeto maior. Nessas viagens foram feitas entrevistas (ver quadro 2) com representantes do setor público, do setor privado, e do terceiro setor. Também houve observação de campo em todos os núcleos da cidade para produção de uma caracterização sócio espacial, ambiental e morfológica para cada um deles. Posteriormente foram gerados croquis e cartografias para sintetizar as informações coletadas e viabilizar as análises/ resultados deste projeto de pesquisa (PIBIC).

A cidade de Marabá apresenta uma configuração urbana onde a formação de cada um dos seus distritos corresponde a diferentes processos socioeconômicos, que resultam em espaços urbanos completamente diferentes: a Marabá pioneira de produção tradicional (vernácula), a Nova Marabá fruto da intervenção federal e resultado de ocupação informal, a Cidade Nova como um híbrido, formada pela ação do setor público (conjuntos habitacionais), privado (loteamentos), e por ocupação informal), o Distrito industrial que vem sendo tomado pelos condomínios de alto padrão e os distritos de São Felix e Morada Nova com a produção habitacional por meio do Minha Casa Minha Vida.

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A cidade da Fronteira Amazônica: dos processos econômicos, sociais e ambientais ao urbanismo. Quadro 2 - Entrevistas realizadas durante levantamento de campo

Elaboração: Taynara Gomes, 2014

3. A gestão contemporânea da cidade Atualmente as cidades passam por um processo de ampliação das assimetrias entre a produção dos setores público e privado, e a expansão urbana está claramente associada aos interesses imobiliários, caracterizada por enclaves de população de baixa e alta renda. A regulação disponível no Brasil (zoneamentos, lei de controle e uso e ocupação do solo), mostra-se mais orientada para viabilizar a produção imobiliária do que para melhorar a qualidade de vida na cidade, quando comparada com as experiências e concepções de gestão da cidade em contextos socialmente mais avançados, que já consideram necessidades sociais,

ambientais além econômicas.

das

estritamente

A urbanização gradativa ocorrida nos países desenvolvidos, e a prática de planejamento articulada em todas as escalas (desde região até a calçada) prioriza a qualidade do espaço urbano que dá suporte aos habitantes e a mediação entre os diferentes interesses (econômicos, sociais, ambientais). No Brasil a urbanização é associada aos interesses do grande capital, que se constituiu a partir da industrialização, mas que está cada vez mais distante, da metrópole nacional ou do país estrangeiro. A urbanização no Brasil foi rápida e carente de planejamento (repleta de ações inconclusas ou fragmentadas) agravando os problemas

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relativos ao grande crescimento das cidades: falta de habitação, problemas com saneamento, sacrifício da natureza, formação de periferias. Mesmo o crescimento urbano é pautado para facilitar o trabalho e a produção. O automóvel passou a ser priorizado, a produção habitacional assumiu uma lógica racionalista e passou a ser vista como empreendimento, e os espaços públicos (ex. praças, parques e ruas) têm sido progressivamente substituídos por espaços privados (como os shoppings centers), revelando uma progressiva inversão de valores na experiência da cidade. Enquanto no Brasil as políticas sempre foram voltadas para a escala regional, em outros países mais desenvolvidos já existiam linhas de estudo e de legislações voltadas para a escala da cidade, bairro, rua e lote. Essas linhas de pesquisa apresentavam um viés de integração entre aspectos sociais, espaciais, econômicos e

ambientais na hora de formular políticas para as cidades. Essa nova forma de abordagem sobre a cidade adquiriu um papel fundamental para regular a reprodução do capital nesses países e para garantir a eficiência das políticas públicas voltadas para o coletivo. Essas práticas de regulação do espaço urbano apresentam três principais frentes, a preocupação com os atributos da forma, os aspectos sociais da cidade e os estudos sobre a percepção das pessoas em relação a cidade (ver figura 1). Autores como Shirvani (1985) e Kohlsdorf (1996) apresentam variáveis sobre como obter um melhor arranjo entre os conjuntos de planos verticais e o uso do solo na modelagem do espaço. Apresentam a necessidade de planejar o papel de cada tipologia de edificação, de rua, percurso e mobiliários para garantir a qualidade do espaço da cidade tanto nas áreas públicas quanto nas áreas privadas.

Figura 1 – Práticas urbanísticas (Códigos de desenho) que regulam os atributos da forma

Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/en/6/69/FBC_BldgFormStandards2.gif Relatório Final de Bolsa de Iniciação Científica

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Neste contexto de planejamento urbano é destacado também a importância de como o indivíduo percebe o espaço da cidade, como é a experiência dele ao andar na rua, ao utilizar as edificações e ao buscar alternativas de lazer. Para isso algumas características são importantes, como harmonia e versatilidade das edificações, vitalidade das ruas, clareza na leitura do espaço urbano, controle de usos do solo, espaços com personalidade, entre outros atributos que tornem a rotina do individuo mais agradável, segura e sadia (LYNCH, 1960; MOUDON, 1987; BENTLEY, 1985). São atributos que tornam as ruas convidativas para a caminhada das pessoas, tornam os espaços públicos atrativos e intensificam seu uso. Nos países da Europa a qualidade urbana tem sido a prioridade no planejamento e gestão das cidades, como demonstram experiências recentes de Copenhagem (ver figura 2 e 3) e Madri, ou o debate sobre Urban Design Codes, cidades compactas ou cidades criativas (GEHL, 2010; HAAS et al, 2012). Existe também na França uma gestão ambiental das cidades que considera uma “trama verde e azul” e dessa forma criam dentro das cidades corredores verdes articulados e garante a recuperação de rios e bacias integradas com a malha urbana da cidade acompanhada de estratégias de saneamento.

Figura 2 Copenhagem

Ruas

para

pedestres

em

Fonte: http://cidadesparapessoas.com/ Figura 3 - Ruas com sistemas adequados para ciclistas

Fonte: http://cidadesparapessoas.com/

Nessa linha é possível obter uma gestão da cidade e do espaço construído sensível a natureza e aos indivíduos, e não apenas aos interesses do setor econômico. A produção do espaço urbano é pensada de maneira coletiva, atendendo ao mercado e a população, mas de forma que a qualidade desse espaço seja garantido pelo setor público e dessa forma todos possam ter acesso a atributos de urbanidade (ex. espaços verdes, parques urbanos), não apenas no âmbito privado, como é o caso de

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condomínios privados.

fechados

e

parques

Atualmente os países desenvolvidos já iniciaram forte reação aos processos deslanchados pelos interesses estritamente econômicos, adotando novas formas de avaliação da degradação social e ambiental para demonstrar que houve mais perda do que ganho na produção da cidade segundo o paradigma do século XX. Nesse contexto já se destaca a trajetória de recomposição da natureza e dos rios, e a expectativa de criar cidades sustentáveis (com mitigação do consumo de energia) e/ ou saudáveis (que ajudem no equilíbrio físico e mental das pessoas). O desenho da cidade, nesses países, está se voltando para a valorização do espaço público, do manejo adequado da vegetação e das águas, da garantia que parques urbanos desempenhem funções sociais e ecológicas. Está em curso uma recriação da natureza, tanto no espaço público, quanto no espaço privado, com o cultivo de hortas urbanas e jardins. A despeito dessas novas experiências, No Brasil, e particularmente na Amazônia, onde ainda existe abundância de recursos naturais, a trajetória que está sendo traçada é de sobreposição de um modelo defasado de expansão urbana sobre um território que conta com a vegetação e os rios como formadores de sua identidade. 4. Contexto Amazônico A subordinação das ações de desenvolvimento urbano às estratégias de desenvolvimento econômico pela ação do governo federal na Amazônia,

ocasionou a desarticulação entre as escalas do território deixou a questão urbana em segundo plano. Neste sentido, a perda do controle da nova dinâmica regional somada após a crise econômica dos anos 1980 somada à incapacidade de gestão e provisão de habitação e infraestrutura, contribuiu para a formação de núcleos urbanos e cidades caracterizadas pelo alto grau de informalidade e improvisação do espaço urbano. Segundo Becker (1995), o processo de urbanização na Amazônia antecede a formação da cidade em si, pois se de um lado os grandes projetos de exploração mineral, construção de estradas, hidrelétricas e implantação de assentamentos rurais na Amazônia tiveram seu foco nas dimensões agrária, extrativista e logística, por outro desde sua implantação demonstrou forte associação com a racionalidade urbanoindustrial, em função do perfil das obras associadas aos grandes projetos (expressiva atração de mão de obra com tempo determinado para sua conclusão), pela intensidade dos fluxos migratórios, e crescente importância das aglomerações humanas já existentes e/ou criadas a partir de então, o que levou a autora (1995) a caracterizar a região como floresta urbanizada. Para compreender melhor o problema do urbano na região amazônica, é preciso analisar a região não como periferia, mas como uma área de expansão da fronteira econômica, ou seja, uma área que oferece condições específicas relacionadas ao modo de produção e à formação econômico-social em uma determinada escala. Essas áreas são fundamentais para a produção

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e circulação capitalista, pois fornecem bens de subsistência, matérias primas, insumos baratos e reprodução da mão de obra para as áreas onde o capitalismo já está desenvolvido (MARX, 1982). Para avançar na investigação sobre como a condição de fronteira afeta e se manifesta na cidade amazônica é necessária à incorporação de análises que identifiquem os agentes envolvidos na produção, expansão e renovação urbana, na transformação no uso do espaço público e das tipologias de uso e ocupação do solo que formam a paisagem da cidade, e que sejam sensíveis às articulações existentes entre atividades urbanas e rurais. As grandes obras e investimentos introduziram em alguns municípios da região o urbano industrial, em função do grande capital que movimentam e do processo de conversão de terra rural em urbana, transformando assim os grandes proprietários de terra em protagonistas na produção do espaço urbano, especialmente quando há expectativa de aquecimento na dinâmica econômica local. No âmbito local, esse padrão de urbanização evidencia a constituição formal de um setor imobiliário que pode ser associada com a máquina de crescimento apresentada por Logan e Molotch (2007 [1987]), em cujo elemento central passa a ser a terra como valor de troca, devido ao seu grau de mercantilização, que facilita a mobilização do capital e de seus agentes em diferentes arranjos formando uma economia política baseada na valorização e controle do preço da terra e do uso do solo. Esse processo faz com que as cidades cresçam em função da

criação de novas fronteiras imobiliárias, movimento que se dá através do espraiamento da malha urbana e da verticalização, viabilizada seja pelo setor público, a exemplo de programas como o de Aceleração do Crescimento (PAC) e Minha Casa Minha Vida (PMCMV), ou do setor privado, que se manifestam no espaço urbano através de grandes loteamentos urbanizados, condomíniosclube, condomínios-bairros, bairros planejados, edifícios, shopping centers, hotéis e etc.. Tais processos são alavancados por um poderoso investimento em propaganda e marketing, com objetivo de estabelecer consensos a respeito do que seriam padrões adequados de moradia para a região (controlados pelas elites locais e a benefício dos seus interesses). Agentes produtores do espaço urbano envolvidos nessas dinâmicas (pública e privada) controlam e direcionam o processo de expansão urbana através de uma lógica especulativa e não em benefício da qualidade do espaço da cidade. Segundo experiências do planejamento urbano anglo-saxão, o crescimento deve ser direcionado para áreas com infraestrutura, habitação acessível, potencial de uso da terra e distribuição igualitária de recursos ambientais capazes de suportar a demanda esperada (LANG, 1994). Enquanto a tradição de planejamento no Brasil continua a reproduzir o modelo de provisão mercantil da moradia, em que prevalece a tendência de que parte dos fluxos de capitais envolvido no processo seja capturado na forma de renda da terra, reproduzindo processos de alto impacto social e ambiental no espaço urbano e favorecendo o espraiamento do

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tecido urbano das cidades. Este modelo é uma alternativa mais barata para o mercado privado de habitação (produção habitacional nas terras mais distantes), mas revela-se de alto custo para o poder público, uma vez que a rede de infraestrutura, transporte e serviços públicos terá que ser estendida para atender aos habitantes do empreendimento, valorizando as terras privadas reservadas nos interstícios entre a cidade e os novos empreendimentos (FIX, 2011). O espaço da cidade acaba por se transformar em instrumento de acumulação na medida em que os processos clássicos de expansão urbana, adensamento por verticalização e renovação urbana são repaginados através da ampliação do capital a ser investido em empreendimentos, sem que haja capacidade do setor público acompanhar essa evolução. A assimetria resultante cria a diferenciação de espaços públicos e privados na cidade, interconectados na medida em que são inseridos atores e estratégias de acumulação específica. Essa situação cria nas cidades amazônicas uma percepção de incompletude e precariedade em espaços que não interessam ao capital, mas que abrigam o restante (talvez a maioria) da população. As diferenças de acesso resultantes desvalorizam qualquer iniciativa de gestão urbanística que não esteja a serviço desses interesses, ainda que resida nessa diferenciação a grande oportunidade de melhorar a qualidade espacial da cidade e de consolidá-la. Essas estratégias de ocupação (expansão) do espaço urbano

correspondem a paradigmas e concepções pré-estabelecidas de como a cidade deveria ser organizada, iniciadas na cidade formal e gradualmente assimilados e reduzidos pela produção informal reproduzir a lógica racionalista de maximização do aproveitamento econômico do espaço em detrimento de aspectos culturais e ambientais que são essenciais para a reprodução da vida de populações não inseridas na dinâmica econômica formal. Esse paradigma de planejamento urbano a partir da lógica da acumulação mercantil está sendo difundido pelo mundo e evidencia a necessidade de buscar novas formas de tratar o território, entendendo que a cidade não é um produto, mas a soma da ação de atores individuais em um território em constante transformação. Nesta perspectiva não existe qualquer chance de se obter uma forma ideal, mas sim a necessidade de análise minuciosa da evolução de todos os seus aspectos para que sejam reconhecidos as necessidades e potenciais de interesse de todos os habitantes, de modo a permitir o descarte de modelos falidos e o alcance da pactuação de soluções adequadas para a produção da cidade desejada (MARSHALL, 2009). As cidades de fronteira ainda não apresentam um espaço completamente estruturado, ou rigidamente fechado, por isso ainda existe a possibilidade de fazer um espaço urbano diferente (BECKER, 1990). Esse espaço de fronteira poderia se apresentar como um espaço de grande potencial de inovação nas soluções de urbanização se houver criação de novos arranjos para o relacionamento entre território e

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sociedade. Contudo a carência de capacidade administrativa, de organização social, de capital humano, da compreensão do valor econômico do saber tradicional, do relacionamento entre natureza e sociedade, facilitou os processos de homogeneização do capital, que ainda não deram conta de se sobrepor completamente às racionalidades pré-existentes, mas que agem com grande velocidade e voracidade (BECKER, 2004).

características morfológicas distintas, resultando na formação de um tecido urbano desarticulado, em que os diferentes núcleos são conectados através da rodovia Transamazônica (BR 230). Tal característica faz com que haja maior segregação espacial entre os distritos e maior deslocamento da população em função da concentração de atividades de determinados setores em cada distrito. Figura 4 - Localização do Município de Marabá

5. A cidade de Marabá A cidade de Marabá (ver figura 4) surgiu em um pontal de terra, entre os rios Tocantins e Itacaiúnas. A cidade desempenhou inicialmente a função de entreposto comercial, e se beneficiou de diversos ciclos econômicos: do caucho, da castanha do Pará, ciclos de garimpo e mineração, produção de ferro gusa, prestação de serviços, etc.; e foi amplamente impactada pelas ações do Governo Federal, ao ser identificada nos planos regionais como cidade estratégica para a constituição de um polo multimodal. Sua configuração original foi condicionada tanto pela sua localização geográfica, quanto pelas enchentes periódicas, e a expectativa de grande crescimento populacional após a implantação dos projetos federais justificou a construção de novos núcleos urbanos. De cidade ribeirinha tradicional típica tornou-se cidade polinucleada, atualmente constituída por seis distritos urbanos (ver figura 5): Os núcleos Marabá Pioneira, Cidade Nova, Nova Marabá, Distrito Industrial, São Felix e Morada Nova, ocupados em diferentes períodos. Os distritos do município apresentam configurações e

Fonte: wikimapia, 2014. Figura 5 - Localização dos Distritos da cidade de Marabá

Fonte: Google Earth, 2014. Elaboração: Taynara Gomes

As estratégias de ocupação do espaço urbano da cidade de Marabá (ver figura 6), a exceção da Marabá Pioneira,

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sempre foram induzidas por diferentes atores sociais. Até os anos 1980 a cidade contava com um núcleo vernáculo chamado Marabá Pioneira, sujeito a inundações frequentes. As inundações e a nova condição de polo multimodal serviram de justificativa para a implantação de um novo núcleo urbano financiado com recursos federais, denominado Nova Marabá, inspirado na concepção do urbanismo modernista, o núcleo foi projetado com base em códigos e parâmetros dissonantes da prática e do modo de vida da população ribeirinha. A crise econômica inviabilizou a completa implantação do núcleo urbano e desencadeou um processo de ocupação informal intenso, este processo motivou a produção formal de 1025 unidades habitacionais pela Companhia de Habitação do Estado do Pará (COHABPA) em outro núcleo urbano, localizado do outro lado do Rio Itacaiúnas, chamado Cidade Nova, que passou a amalgamar antiga agrovila, e novos loteamentos privados.

Após duas décadas já existiam três núcleos urbanos, e em todos já havia população vulnerável às inundações dos rios. A cidade de Marabá contou com crescimento populacional extraordinário nesse período, contudo esse crescimento populacional concentrou população nas faixas de renda mais baixas. Esse fenômeno articulou a condição de vulnerabilidade social da população já estabelecida antes das grandes intervenções federais com a da população migrante oriunda de assentamentos rurais, garimpos e mineração, que via de regra não receberam qualificação para atuar dentro da dinâmica urbana industrial. Esta realidade foi atropelada pela entrada na região de novos arranjos comerciais e empresariais formatados para atuação

Figura 6 - Mapa com as tipologias de ocupação presentes em Marabá

Fonte: Prefeitura Municipal de Marabá, 2014. Elaboração: Taynara Gomes Relatório Final de Bolsa de Iniciação Científica

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dentro do novo marco de financeirização do mercado imobiliário, e que trouxeram para a cidade contratos como o do Alphaville Marabá, assim como outros empreendimentos imobiliários de iniciativa regional que esperavam se beneficiar do fortalecimento de atividades industriais e /ou da implantação da hidrovia Araguaia Tocantins. Nesse movimento, áreas rurais foram convertidas em urbanas tanto para a produção de áreas exclusivas para habitação de alta renda (vinculada ao agronegócio), em eixos de expansão nas duas direções da Transamazônica, enquanto foi viabilizada também a partir da atuação de empresas nacionais a operação do PMCMV.

Todas essas formas de produção do espaço da cidade, seja através do setor público ou setor privado, apresentam uma grande despreocupação pela maneira como o espaço é constituído. Esses arranjos buscam sempre reproduzir o padrão encontrado na metrópole, padrão homogeneizante, onde todos os espaços da cidade são ocupados por empreendimentos de grande escala, inclusive áreas de morros ou várzeas, negligenciando fragilidades ambientais do local e necessidade de espaço público da população tradicional, com atenção cada vez maior para o espaço privado (ver quadro 3).

Quadro 3- Malha viária, padrão de loteamento, presença de vegetação e fotos dos distritos da cidade de Marabá

Elaboração: Taynara Gomes Relatório Final de Bolsa de Iniciação Científica

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O grande diferencial dentre os núcleos da cidade é a qualidade existente no núcleo pioneiro. Por ter apresentado uma ocupação vernácula baseada no modo de vida tradicional, seu padrão espacial é mais favorável à criação e manutenção de espaços urbanos vivos, que potencializam atividades sociais, recreativas e de lazer, o contato com a natureza, o fluxo de pessoas e usos adaptados a escala do pedestre. As quadras são pequenas, as ruas são arborizadas, apresenta uma diversidade de usos que mantém o espaço vivo ao longo do dia. Qualidades essas que são mantidas, pois os interesses do mercado não foram impostos nesse distrito e seus moradores continuaram a manter algumas características da vida tradicional, compatível com o modelo existente desde o início da ocupação do núcleo. Muitos ainda têm uma forte relação com o rio e dependem dele para suas atividades econômicas, nessas áreas o espaço público se mistura com o privado, tornando-os mais dinâmicos e atrativos. A vida acontece dentro e fora das casas. Um pouco semelhante ao núcleo pioneiro, o Distrito da Cidade Nova, apresenta um arranjo urbano mais aceito e mais adequado para o perfil médio de população da cidade. Apesar de não ser uniforme, conta com espaços de qualidade, provenientes da mistura de usos e das possibilidade de apropriação das ruas pelas pessoas. É possível encontrar no mesmo distrito grandes equipamentos públicos, grandes supermercados, conjuntos habitacionais, feiras comerciais, praças, restaurantes, hotéis. Dessa forma o distrito tem um fluxo constante de pessoas, tornando o

espaço vivo, seguro, convidativo e agradável. Nesse distrito é comum ver pessoas se locomovendo a pé ou de bicicleta, pois o tamanho das quadras permite essa opção de deslocamento. Também é possível encontrar vegetação ainda preservada nos lotes privados (fundo de quintal), possibilitando que seja incentivada essa preservação para garantir o espaço verde e o cumprimento de funções ambientais (absorção de água das chuvas, preservação de massas de vegetação) dentro do Distrito. Diferentemente desse modelo de espaço urbano, os outros distritos da cidade não apresentam os mesmos atributos de urbanidade. Eles priorizam o automóvel e o grande empreendimento imobiliário, na medida em que desvalorizam a escala humana e a mobilidade de baixo impacto (ex. bicicletas, pedestres, transporte coletivo). A Nova Marabá, de matriz modernista, apresenta uma composição desfavorável para os moradores dessa área. A experiência das pessoas que caminham por suas ruas não é agradável, pois as casas são todas muradas, fazendo com que as ruas sejam “mortas” e inseguras. As áreas de lazer se restringem aos espaços privados (shopping center, play center, academias esportivas) e as áreas públicas são subutilizadas ou inexistentes. Existem duas dinâmicas recentes que chegaram à cidade de Marabá e estão redesenhando dois distritos da cidade, os empreendimentos do programa minha casa minha vida e os condomínios fechados. Devido o alto preço da terra nos núcleos centrais da cidade, os empreendimentos do

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Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) estão se concentrando em núcleos mais afastados e sem nenhuma capacidade de infraestrutura e serviços para suportar as mais de 6.000 novas unidades habitacionais a serem entregues pelo programa. São conjuntos habitacionais de milhares de unidades, que introduziram um padrão que não é compatível com as necessidades da população nem com as características físicas e ambientais do lugar. São distritos da cidade que estão se tornando “depósito” da população de baixa renda. Esses empreendimentos não apresentam são formados por parcelamentos que não se integram com os outros bairros. As tipologias e ruas são todas iguais, desorientando as pessoas e dificultando a implantação de usos de apoio à habitação. Embora planejadas as ruas contam com provisão de infraestrutura insuficiente e por vezes inadequada, e são carentes de serviços públicos, especialmente de transporte. Nesse arranjo emerge forte dependência de veículos particulares, em função das grandes distâncias, que não podem ser vencidas a pé ou de bicicleta, e da precariedade de acesso ao transporte público coletivo. Outra tipologia que está chegando à cidade é a do condomínio de luxo. Essa tipologia está se concentrando na área destinada ao Distrito Industrial da cidade e configurando um padrão de expansão urbana conhecido como espinha de peixe, onde do eixo da rodovia estão saindo ruas que conectam exclusivamente/ diretamente aos condomínios. Por ser uma área isolada da cidade, não apresenta serviços e infraestrutura fora dos muros do

condomínio, entretanto do lado de dentro é garantida a melhor infraestrutura, serviços e áreas de lazer. O que antes poderia ser utilizado coletivamente, como praças, igarapés e parques, passou a ser privatizado. Enquanto essas dinâmicas se expandem na cidade, as áreas ambientalmente frágeis de cada um dos distritos continuam sendo ocupadas pela população de baixa renda, que vê essa forma de ocupação como a única alternativa de morar próximo as áreas que ofereçam serviços e oportunidades de trabalho. Dessa forma eles também possuem um papel no desenho da cidade, pois sem a possibilidade de uma moradia formal, os próprios moradores abrem ruas (caminhos) e criam tipologias adaptadas as condições do lugar, em que o espaço da rua é prosseguimento do espaço doméstico. 6. Conclusões As estratégias de ocupação das cidades amazônicas, especificamente o caso de Marabá, correspondem a paradigmas que foram importados e que até hoje tentam impor padrões de como a cidade deve ser organizada. Entretanto a cidade ainda apresenta um enorme potencial de consolidação, onde poderia ser feita uma articulação entre a gestão urbanística e os atores para disciplinar formas de expansão que limitem o interesse exclusivamente econômico e assimilem aspectos socioculturais e ambientais ao controle urbanístico. As estratégias de planejamento urbano (ou simplesmente de produção) das cidades amazônicas poderiam ser repensadas a luz de literatura e experiências de contextos em que a

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atuação do capital vem sendo melhor investigada e que já aponta benefícios de uma ação menos imediatista para com a natureza e para com a cultura tradicional. O desenho urbano pode ser um elemento de mediação eficaz entre a produção do espaço construído e as políticas urbanas, reduzindo desigualdades sociais, impacto ambiental e des economias urbanas. O amplo acesso às reflexões e experiências internacionais através de publicações e da consulta na rede mundial de computadores demonstra o quanto a produção de qualidade urbana depende de pesquisa local, da informação da população interessada, e particularmente do fomento a uma gestão participativa da cidade que combata à ação de grupos hegemônicos sobre a mesma. As cidades que nessa região poderiam utilizar o potencial existente nos recursos naturais estão negando sua origem (ribeirinha) e tentando se encaixar em um modelo (racionalista) considerado desenvolvido. Os rios estão sendo canalizados, a vegetação suprimida, morros são desmontados e áreas de floresta estão virando condomínios de luxo. Enquanto a população tradicional é convertida em inculta e mal adaptada à vida na cidade, a despeito do conhecimento que dispõe sobre atividades sensíveis aos ciclos da natureza. Há diferentes dinâmicas atuando simultaneamente em cada um dos seis distritos da cidade. Cada umas delas desenha o espaço urbano de um núcleo sem a preocupação a estruturação global da cidade. Na ausência de instrumentos de controle e regulação a

cidade se configura de uma forma desarticulada, com porções de consolidação incompleta e precária. A concentração de população nas faixas de renda mais baixas indica claramente que padrões semelhantes à forma de ocupação tradicional da cidade (a exemplo do núcleo pioneiro) são mais adequadas do que o padrão exógeno que está sendo importado para a cidade (este direcionado para a elite econômica). As intervenções e práticas espaciais difundidas na cidade seguem na contramão do que está sendo feito hoje em países mais desenvolvidos, revelando uma grande necessidade de rediscussão de paradigmas, capaz de redirecionar o capital que está sendo investido na produção da cidade e de criar uma visão para o que seria uma cidade sustentável na Amazônia.

7. Publicações Aceito para apresentação no III Encontro da Associação Nacional de Pesquisa e Pós- graduação em Arquitetura e Urbanismo, artigo intitulado “Políticas Federais no passado e no presente: O caso do Sudeste do Pará”, participando como autores a Mestranda Caroline Melo, Prof. Dr. Ana Cláudia Cardoso e graduanda Taynara Gomes. Aceito para apresentação no XVI Seminário sobre Economia Urbana, artigo intitulado “Os efeitos do Programa Minha Casa Minha Vida: a dimensão do pacote econômico”, participando como autores a Prof. Dr. Ana Cláudia Cardoso, Mestranda Carolina Melo, Graduanda Taynara Gomes e Doutorando Raul Ventura Neto.

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Aceito para apresentação no III Seminário Nacional sobre o Tratamento de Áreas de Preservação Permanente em Meio Urbano, artigo intitulado “Descompasso entre linhas: das linhas do tempo às linhas que separam cidade e natureza”, participando como autores a Mestranda Louise Barbalho, Prof. Dr. Ana Cláudia Cardoso, Graduanda Taynara Gomes e Graduanda Luna Bibas. 8. Referências Bibliográficas BECKER, Bertha. (2005b). Dinâmica Urbana na Amazônia. In: Diniz, C. C., Lemos, M. B.Economia e Território. Belo Horizonte, EUFMG. Pp. 401-428. BECKER, Bertha. A Geopolítica na virada do milenio: logística e desenvolvimento sustentavel. In: CASTRO, Iná; COSTA GOMES, Paulo; CORREA, Roberto. (Org.). Geografia: Conceitos e Temas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995. p. 271-307.

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i

Trabalho desenvolvido com o apoio do Programa PIBIC\CNPq. Plano de trabalho incluso na Pesquisa “Contribuições para a construção de uma política urbana para regiões periféricas no Brasil: Articulações entre o planejamento da região e a construção do espaço intra-urbano na Amazônia”. ii

Graduanda do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Pará. Bolsista PIBIC\ CNPq. Email: [email protected] iii

Docente da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo\ Programa de Pós- Graduação em Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do Pará. PQ CNPq II. Email: [email protected] iv

Walter Christaller é o autor da Teoria do Lugar Central. Essa teoria se aplica à função de localização em que um ponto se encontra minimizando a soma dos custos de outros pontos menores. É a abrangência que um centro pode distribuir seu bem ou serviço na área de mercado. (CHRISTALLER, 1996). Essa teoria depende de isonomia na distribuição de infraestrutura e condições de investimento, o que não acontecia no Brasil (LEITÃO, 2009). v

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O projeto em questão denomina-se UrbisAmazônia, que financiou as viagens de campo e estabeleceu fóruns de discussão para todos os bolsistas envolvidos. Para maiores detalhes ver http://www.dpi.inpe.br/urbisAmazonia/doku.php?i d=urbis:producao

Parecer do Orientador Considero que o desempenho da bolsista foi excelente. Apesar de se tratar de uma bolsa de graduação, a bolsista sempre acompanhou todas as atividades de pesquisa que envolveram alunos de mestrado e outros pesquisadores (professores) vinculados ao projeto que abriga seu plano de trabalho. A presença constante da bolsista no laboratório permitiu seu engajamento em outras derivações de

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meu projeto de produtividade em pesquisa. Isso permitiu levá-la a diversos eventos realizados em outras universidades brasileiras (UFMG, USP, UFOPA) e no Ministério das Cidades. Creio que o objetivo de formação esperado deste tipo de bolsa foi plenamente alcançado, e o trabalho conjunto com outros estudantes de pósgraduação potencializou atividades de campo e discussões que favoreceram maior produção acadêmica e aprofundamento de reflexões. Também considero que os temas ora abordados são uma contribuição importante da FAU/UFPA para a região, dada a agressividade com que as cidades vêm sendo apropriadas por interesses econômicos, e à carência de argumentos e de ferramentas para garantir uma melhor condição de vida urbana na região, apesar da maioria da população já viver em cidades ou assentamentos urbanos de menor escala. Nesse sentido agradecemos a todos os agentes financiadores que nos permitiram galgar mais esse degrau (CNPq, Capes, MinCidades, Fundação Vale, Instituto Tecnológico Vale).

Belém, 10 de agosto de 2014.

Prof. Dr. Ana Cláudia Duarte Cardoso

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