A cidade na ótica de Chico Science

July 4, 2017 | Autor: Abraão Carvalho | Categoria: Critical Theory, Bajonas Brito, Chico Science, Hudson Ribeiro, Música e Filosofia
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A cidade na ótica de Chico Science Por Abraão Carvalho Eletri-cidade: entre antenas eternas e pedras evoluídas “Levantei toda a vista olhei reto na vida e acabei no sentido é que os olhos não esquecem quando a vida aparece com uma saudade danada” Pixel 3000, Fred Zero Quatro Tirando energia aonde a vida encontra a sua própria negação, - através da miséria promovida por mediação da exploração do corpo e da terra, levada ao extremo por nossos ladrões de gravatas floridas e perfumadas -, o pernambucano Chico Science canta tomado por extraordinário humor e cólera a condição histórica da cidade brasileira e contemporânea, não sem um pulso poético. Isso, como nossos aguçados ouvidos não podem privar-se, é acompanhado por tambores eletrificados referenciados na cultura popular e tradicional brasileira, o velho e vigoroso maracatu, colocado lado a lado da virtuosa, funkeada e pesada guitarra de Lúcio Maia, não sem a utilização de recursos tecnológicos que a ciência abriu para o homem em relação à música pop. Velho e novo se encontram aí dando nova vida para a arte brasileira, um legado que as futuras gerações não pensarão ter sido criado em um passado distante, tamanha é a posição de vanguarda que a Nação hoje ocupa no cenário e na história da música pop. Deste modo a música pop, não só brasileira, pôde ser demarcada historicamente nos expressemos assim, em antes de Da lama ao caos e depois de Da lama ao caos (!!!) álbum radicalmente inovador e enraizado na dimensão do que nomeamos história da música pop. E é a partir de Da lama ao caos (1994) no qual encontramos a canção A cidade, que pretendemos nos encontrar como fio a ser perseguido em nossa interpretação. Com seu primeiro registro fonográfico (Chaos, Sony Music) a Nação Zumbi de Chico Science gestada e nascida nos subúrbios de Peixinhos, Recife-PE, passou desde então a ser reconhecida em vários pólos do mundo. No passado, meninos que caçavam caranguejos nos mangues da capital pernambucana, hoje, mesmo depois da morte acidental de Chico, artistas reconhecidos em circuitos e palcos dos trópicos e da Europa, por exemplo. Este passeio do cidadão do mundo, ao contrário do que é solapado no fugaz e homérico mainstream, não fez com que se distanciassem de suas referências territoriais e culturais, retomando as apresentações esporádicas nas ruas e becos dos morros da caótica Recife, Alto José do Pinho e tal, para um público de descamisados e famintos por cultura, bem como, no percurso de sua obra, três álbuns sem Chico Science além de outros projetos como Orquestra Manguefônica, Los Sebosos Postizos e Maquinado, por exemplo, maturando sua sonoridade que ecoa das antenas eternas, funk, soul, samba, dub, hip hop, Fela Kuti, Jorge Ben, maracatu, samples de Can (Vitamin C/ Côco dub (afrociberdelia); In: Da lama ao caos - 1994), Stooges (Loose / Manguetown; In: Afrociberdelia – 1996) e Kraftwerk (The Man Machine – 1978/Arrancando

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as tripas (Rádio S.AMB.A); e Antenna - Radioactivity - 1975)/ Antene-se; In: Da lama ao caos). É neste sentido que demarca o próprio Jorge Du Peixe, sintonizando as freqüências captadas de um lugar a outro do globo pela “antena parabólica enfiada na lama” 1, “Imagem símbolo” do Manguebeat, ondas sonoras que vão: “Dos tambores, às batidas dos maracatus. Do baque solto da Zona da Mata, onde os caboclos de lança festejam sua hora em movimentos coreoagrafando sua batalha. Do baque virado das nações eletrizando a calunga que sobe e desce no espaço. E das antenas que no subúrbio da Manguetown captavam ecos de outros batuques. Das rufadas nas caixas praieiras dos cirandeiros contando as batidas do mar. E na vontade elétrica das palavras no ritmo e poesia dos repentistas. Nada errado em encontrar Grand Master Flash com Caju e Castanha. Kraftwerk com côco de roda. Batidas virtuais que nos levam ao côco, maracatu, ciranda, soul, calypso, makossa, funk e samba.” 2 Retomemos a freqüência: em alguns dos traços sobretudo no aspecto sonoro, Da lama ao caos demarca sua indelével importância na história da música pop no Brasil dando continuidade de maneira singular e visceral, do mesmo modo que se distancia em sua proposta de criação, àquela tradição ou fio de continuidade que vai desde Os Mutantes, passando pelos anos oitenta com os Picassos Falsos, ou outros um pouco mais distantes ainda do limbo do mainstream como o samba-noise-rock-decrépito do Vzyadoq Moe ou o tecnosamba experimental do Felline de Thomas Pappon e Cadão Volpato, sendo este último memorado na canção Criança de Domingo no álbum Afrociberdelia de Chico Science & Nação Zumbi, parceria de Cadão Volpato e Ricardo Salvagni para o projeto Funziona Senza Vapore, que contava ainda com a participação da cantora e compositora Stela Campos3. E é justo neste rastro do movimento demarcado no álbum Da lama ao caos, no qual encontramos a canção A cidade, que a Nação Zumbi invade nossas caixas de som sem aviso prévio. Deste modo, acompanhado pela guitarra funkeada de Lúcio Maia, ouvimos ao começo da canção A cidade: “O sol nasce e ilumina as pedras evoluídas”4, pedras essas que através da história, com as transformações feitas pelas mãos dos homens, se transformaram em tijolos e blocos, com os quais a força de pedreiros que nem sequer sabemos quem são, vivos e mortos devido a uma queda de algum andaime, construíram por mediação de conluio entre calor e suor, as nossas prisões, escolas, cinemas, shoppings centers, igrejas, casebres, edifícios que querem alcançar o céu,

Caranguejos com cérebro – Mangue: a cena. In: encarte do álbum Da lama ao caos. Chico Science e Nação Zumbi. 1994. 2 Jorge Du Peixe. In: encarte, Chico Science & Nação Zumbi – 1998. Sony Music Entertainment (Brasil). 3 “O Funziona Senza Vapore não durou o ano inteiro de 1992. Três de seus integrantes vieram do Felline, grupo paulistano: Cadão Volpato, Jair Marcos e Ricardo Salvagni, que se uniram a Stela Campos, mas o disco teve sua master perdida. Dele, Chico Science gravou Criança de Domingo no álbum Afrociberdelia.” Revista Zero n° 5, p. 2. Os originais foram encontrados, o que gerou um CD lançado recentemente. 4 A cidade, Chico Science & Nação Zumbi, Da lama ao caos. Sony Music. 1994. 1

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ministérios públicos, etc. É neste sentido que “as pedras evoluídas” que se mostram e se tornam mais visíveis à luz do sol, “Cresceram com a força de pedreiros suicidas”, que nem mesmo sabemos quem foram e muito menos onde estão enterrados e putrefatos. Ora, mas qual o sentido de Chico Science se referir aos pedreiros que construíram nossas “pedras evoluídas” como sendo eles “suicidas”? Suicidas na medida em que o trabalho braçal ao qual estão sujeitos os pedreiros não se constitui como um caminho para a realização da vida, tanto nos aspectos econômicos quanto físicos, pelo contrário, é através do trabalho, efetivado de maneira desumana, predatória e exploradora, que o corpo a ele sujeito encontra a sua vida sendo ocupada no decorrer do tempo pela morte. Ao passo e na medida em que é por mediação de seu trabalho, que a fama, a glória e a riqueza de uma minoria se dissemina. Anônimos e sem história são estes trabalhadores para nós, que construíram com um suor quase que gratuito, seguido de um esgotamento extremo do corpo, as “pedras evoluídas” que ao nascer do sol aparecem em nosso horizonte quando atravessamos a urbe.

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Vigilância e continuidade das desigualdades sociais

“ Mil clarões estão por vir, mil promessas vi partir, mil clarões estão por vir, será um deus, o sol... quem o vê subir verá o dia chover no sol, breve para ti será talvez o sol” Hojerizah

Demarcar historicamente o sentido de vigilância significa por extensão situá-la no turbilhão de transformações pelas quais a cidade e a experiência histórica no raio do que nomeamos mundo moderno, atravessou naquele movimento de encontro e ao encontro daqueles outros valores fixados pela tradição, e pela limitação das transformações técnicas no que se refere ao precisar o sentido de vigilância em uma cidade que cresce vertiginosamente sua população e em que as delimitações geográficas pormenorizadas abstraem-se deste ou daquele fortuito ou traçado percurso pela urbe. A vigilância demarcada no eclodir da frase “Cavaleiros circulam vigiando as pessoas/ Não importa se são ruins, nem importa se são boas” na canção A cidade, Chico Science & Nação Zumbi, Da lama ao caos (1994), trata-se sobretudo da vigilância oficial, aquela que encontra na identificação das individualidades através de traços corporais, seja com a marca do ferro em brasa no corpo como há cerca de dois séculos atrás, ou com a fotografia e com a câmera no mundo moderno, a sua eficácia e continuidade. Esta vigilância, sobretudo não a devemos tomá-la como em si, mas a serviço de forças sociais e econômicas que sobrepõem-se à norma de uso e instrumentalização desta vigilância oficial. Como nos indica Tom Gunning em seu ensaio O retrato do corpo humano: a fotografia, os detetives e os primórdios do cinema, em que procura situar alguns dos contornos acerca da relação entre vigilância e tecnologia, a fotografia, historicamente, no que se refere à identificação das individualidades à margem dos hábitos dominantes, “tornou-se codificada no século XIX como um ritual de poder no qual o corpo do transviado (incluindo, além dos criminosos, populações problemáticas, como os inválidos, os loucos e os politicamente suspeitos) estava sujeito a um aparelho de olhar fixo e registrador possuído pela autoridade.” 5 Neste sentido, enquanto traço da experiência urbana contemporânea, a vigilância, com seu aperfeiçoamento por mediação da fotografia e dela mesma em movimento, que diz respeito à técnica audiovisual, indica-nos antes um acontecimento histórico, uma das mediações da sociabilidade urbana contemporânea. De todo, para darmos melhores contornos à expressão “cavaleiros” encontrada na canção de Chico Science e Nação Zumbi, na cidade contemporânea também circulam aqueles que, para assegurar que as desigualdades sociais permaneçam, 5 Tom Gunning; O retrato do corpo humano: a fotografia, os detetives e os primórdios do cinema; Parte: Como fixar uma imagem de culpa: o corpo pego no ato; p. 63. In: Christian Péline, L’Image accusatrice, Paris: Cahiers de la Photographie, 1985, p. 10.

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utilizam-se da vigilância. Vigilância sob qualquer suspeita de ato que venha a colocar em risco a fartura e o brilho ocioso mediocremente ocupado de nossas elites. Deste modo, a observação silenciosa coadunada com o aperfeiçoamento de certas técnicas de identificação visual, como a fotografia e a técnica audiovisual no século XIX, como nos indica Tom Gunning, é levada ao extremo no olhar que pretende vigiar, para se necessário, punir, no interesse de preservar a situação histórica da cidade atravessada por abismos sociais, direcionando fulminantemente seu olhar ao “corpo do transviado”. Neste sentido, este olhar vigilante acompanha sorrateira ou escancaradamente a prática de nossa vigilância oficial e paramilitar, a saber, a polícia 6 e os grupos de extermínio. Em relação à prática da polícia em nossa experiência histórica contemporânea, de acordo com o Relatório de Execuções Sumárias no Brasil (1997-2003), elaborado pelo Centro de Justiça Global e Núcleo de Estudos Negros (NEN), inscreve a sua atuação tendo como principal mediação o uso excessivo da força, pois segundo o relatório, “o número de pessoas mortas pela polícia no Brasil é muito elevado e uma parte destas vítimas corresponde a execuções sumárias.” 7 E no que diz respeito à formação dos grupos de extermínio, sua articulação enquanto força social e militar paralela e arbitrária, também de acordo com o relatório, “nascem como estratégia de comerciantes, empresários e outros segmentos da sociedade para abolir grupos sociais ou políticos indesejados. Faz parte de uma cultura arraigada à sociedade brasileira, que tem se utilizado de grupos de extermínio para promover a chamada ‘limpeza social’. Tais grupos atuam em zonas pobres ou periféricas (...) Fenômeno mais recente são os

O Relatório de Execuções Sumárias no Brasil (1997-2003), elaborado pelo Centro de Justiça Global e Núcleo de Estudos Negros (NEN), aponta que “episódios internacionalmente conhecidos como Eldorado dos Carajás, Candelária, Carandiru, Corumbiara e Favela Naval são expressões máximas de uma sistemática de extermínio e opressão perpetrada diariamente, direta ou indiretamente, por agentes do Estado em praticamente todo o território nacional.” Violência Policial – Execuções sumárias no Brasil: o uso da força pelos agentes do Estado, Ignacio Cano – Professor da UERJ e membro do Laboratório da Análise da Violência – p. 7, In: Relatório de Execuções sumárias no Brasil. No Acre, “A partir de 1987, a Secretaria de Segurança Pública criou um ‘esquadrão de elite’, leia-se ‘grupo policial de extermínio’. Em 1989, a imprensa acreana contabilizava 150 vítimas dos grupos de extermínio e, neste mesmo ano, surgem as disputas entre os grupos da Polícia Militar e os da Polícia Civil. À frente deles, delegados e coronéis. Tamanha é a guerra que, entre as vítimas, estão militares de alta patente e delegados da Polícia Civil. Rapidamente, o poder econômico do tráfico se apodera desses grupos e se beneficia da ‘mão-de-obra’ formada e armada pelo Estado.” (p. 72); “O dossiê dos Centros de Defesa (Centro de Defesa dos Direitos Humanos da Diocese de Rio Branco e Centro de Direitos Humanos e Educação Popular do Acre) aponta setenta casos documentados entre 1986 e 1989 e apresenta a notícia de que as investigações resultaram no encarceramento de 21 policiais militares, treze civis e cassou mandatos parlamentares, desmontando o esquema que perdurava há quase duas décadas.” - p. 72 e 73. Grupos de extermínio. In: Relatório de Execuções Sumárias no Brasil (1997-2003), elaborado pelo Centro de Justiça Global e Núcleo de Estudos Negros (NEN). Setembro de 2003. 7 Violência Policial – Execuções sumárias no Brasil: o uso da força pelos agentes do Estado, Ignacio Cano – Professor da UERJ e membro do Laboratório da Análise da Violência. - p. 15. In: Relatório de Execuções sumárias no Brasil. 6

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grupos de extermínio a serviço do crime organizado, em particular do narcotráfico.”8 Ainda tendo como referência o Relatório de Execuções Sumárias no Brasil (19972003), vemos que também o próprio Estado promove esta prática de “limpeza social” direcionada ao “corpo do transviado” ou desajustado – ou ainda de acordo com Tom Gunning, “além dos criminosos, populações problemáticas, como os inválidos, os loucos e os politicamente suspeitos.” Trata-se, sobretudo da prática da violência política de Estado promovendo a negação do outro, tratado como risco à estabilidade social, curiosamente fundada em desequilíbrios sociais extremos. Segundo o relatório do Centro de Justiça Global e Núcleo de Estudos Negros (NEN), casos como o do Rio de Janeiro chamam a atenção por promover não só a prática da violência de Estado como seu fundamento político, mas sobretudo, como política salarial, que entre os anos de 1995 e 1998 através da Secretaria de Segurança Pública, promoveu e incentivou a prática das execuções sumárias e arbitrárias, através de uma política de acréscimo salarial à corporação policial, agraciada e azeitada com concessões financeiras dissimuladamente chamadas de “premiações por bravura” 9, lubrificando com sangue a eficácia do aparato oficial de vigilância. Nesta direção, o raio histórico do que nomeamos experiência histórica contemporânea, e sobretudo brasileira, através da mediação de certas técnicas de identificação corporal e de segurança oficial e extra-oficial, inclina-se historicamente na perspectiva de asseguramento e continuidade das condições econômicas e sociais da urbe, fundada que é em abismos sociais e arbitrariamente tendo como sua mediação universal o pendor para punir. De todo, esta vigilância articulada que é a uma prática fundada na violência, atravessa as ruas, comércios, instituições e espaços privados, seja por mediação da vigilância oficial ou privada, e invade sob outra configuração o espaço do trabalho fundada também que é por hierarquias, que tem seu fundamento enquanto desdobramento histórico na divisão técnica do trabalho. Polícia, patrões e grupos de extermínio, no conluio entre vigilância, violência, tecnologia e exploração do trabalho alheio, encontrando sua efetividade histórica como um dos traços da sociabilidade urbana contemporânea. No que se refere aos desdobramentos históricos desse traço da vida na urbe, indica-nos antes um modo peculiar, embora premente, de atuação do poder oficial em uma cidade fragmentada e segregada, em que em algumas regiões o único braço do Estado é a polícia, como ouvimos no depoimento do capitão Pimentel do Batalhão de Grupos de extermínio. In: Relatório de Execuções Sumárias no Brasil (1997-2003), elaborado pelo Centro de Justiça Global e Núcleo de Estudos Negros (NEN) - p. 69. Setembro de 2003. 9 “No estado do Rio de Janeiro a Secretaria de Segurança Pública aplicou entre os anos de 1995 e 1998 um programa de ‘premiações por bravura’, concedidos preferencialmente a policiais envolvidos em ocorrências com resultado de mortes de suspeitos. Essas premiações incrementavam a remuneração do agente em 50%, 75% e até 150% sobre o salário original. Como era de se esperar esta polícia aumentou o número de mortes em intervenções policiais e agravou os indicadores de uso excessivo da força (Cano, 1997). A concessão dessas premiações foi cancelada pela Assembléia Legislativa do Estado em 1998, mas os policiais que já tinham recebido a premiação continuam a recebê-la até hoje por decisão judicial.” (p. 20); Violência Policial – Execuções sumárias no Brasil: o uso da força pelos agentes do Estado, Ignacio Cano – Professor da UERJ e membro do Laboratório da Análise da Violência. In: Relatório de Execuções sumárias no Brasil. 8

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Operações Policiais Especiais, o BOPE do Rio de Janeiro, ao vídeo Notícias de uma guerra particular (Direção de Kátia Lund e João Moreira Sales) 10: “O único poder do Estado que vai ao morro é a polícia. Só a polícia não resolve.” O que nos indica algo da pré-ocupação do Estado em relação a estes espaços segregados da urbe, a saber, vigilância como asseguramento e continuidade de nossas disparidades sociais. O que encontra seu desdobramento também no trato violento com os trabalhadores, como bem nos indica reportagem do jornal A Nova Democracia, de nome É a prefeitura que agride os camelôs do Rio: “A repressão da Guarda Municipal do Rio de Janeiro (GM – Rio) aos camelôs da cidade continua a todo vapor. De acordo com os ambulantes do Centro, (...), a prática fascista dos “defensores da ordem pública” se mantém inalterada: repressão física, econômica, humilhações e apropriações indébitas de mercadorias – mesmo as legais, das quais o proprietário dispõe de nota fiscal.” 11 Ao olhar que pretende vigiar, comum a certa extensão da polícia, aos grupos paramilitares, e que invade a gerência técnica do trabalho em nome do triunfo da produtividade, sobretudo intensificado na medida em que a população urbana cresce e concorre vorazmente entre si por um espaço no mundo do trabalho, interessa assegurar a situação histórica da sociedade brasileira. Para que o “de cima” permaneça em seu movimento ascendente e o “de baixo” em sua decadência e barbárie, se quisermos os termos de Chico Science & Nação Zumbi na canção A cidade, é necessário que os que estão “em cima” voltem suas ações para a preservação de sua segurança. Segurança dos que estão “em cima” significa permanência e continuidade das desigualdades sociais radicais. Ora, para a preservação da posição daquele que está “em cima” é necessário a vigilância. Mas de todo, quem precisa ser vigiado? Aquele que está “em cima” com melhores condições materiais de vida, tem o interesse de expor a sua situação ao risco da descida, da negação da vida? A polícia, os grupos de extermínio, os patrões, vigiam para manter a ordem. Que ordem? A ordem estabelecida. Qual é a ordem que possui tal extensão? A saber, a ordem que a vigilância, seja de grande parcela dos órgãos de segurança pública ou privada, seja dos patrões nos locais de trabalho, é a ordem que “O de cima sobe e o de baixo desce” 12 . Deste modo, para que o “de cima” permaneça em sua posição e sobretudo em direção ascendente, faz-se necessário a vigilância, que vigia para punir. Tomemos como exemplo a gênese histórica dos detetives, que segundo Ricardo Piglia em seu breve artigo de nome Sobre o gênero policial, em que trata dos contornos e traços da ficção policial, aparecem historicamente como a serviço da continuidade da ordem, isto é, a serviço da lei da exploração extremada do trabalho alheio. Com base em informações de outro autor e pesquisador, nos indica Ricardo Piglia: “Maurice Dobb cita vários documentos sobre a situação social dos EUA nos anos 20 que 10 Notícias de uma guerra particular. Cena: 11. Direção: Kátia Lund e João Moreira Sales. Inclui o documentário Santa Marta, duas semanas no morro, de Eduardo Coutinho (DVD duplo). 11 Jornal A Nova Democracia, número 15, dezembro de 2003: “É a prefeitura que agride os camelôs no Rio”, p. 16. 12 A cidade, Chico Science & Nação Zumbi, Da lama ao caos. Sony Music. 1994.

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permitem ver surgir o detetive particular nas grandes cidades industriais como uma polícia particular contratada pelos empresários para espiar e vigiar grevistas e os agitadores sociais.” 13 Nesta perspectiva, esta vigilância inclina-se aos “de baixo”, sobretudo aqueles que encontram-se em tensão com sua própria consciência e constatam suas subumanas condições materiais de vida, situações-limite, ou representam risco social como no caso de agitadores sociais, desajustados, incongruentes à dinâmica do triunfo da produtividade. De todo, esta vigilância é necessária para que não aconteça uma inversão da situação histórica da cidade contemporânea, “Podia ser Berlim, cidade fria, podia ser Japão, jardins de areia, podia ser Pequim, cidade cheia, podia ser que não, cidadezinha” 14, como ouvimos na canção Cinema cidade de João Bosco. Dito de outro modo e fixando com mais precisão o olhar para nossa experiência histórica, esta vigilância em conluio com a mais desmedida violência, como nos indica o Relatório de Execuções sumárias no Brasil, efetiva-se historicamente justo para que os que estão “em baixo” não se organizem visando uma resistência popular, com o interesse em diminuir as desigualdades sociais radicais, assim como o fez uma das grandes referências sociais e estéticas para Chico Science e a galera do Manguebeat: Zumbi dos Palmares, vigiado, perseguido e assassinado em 1695 na região hoje conhecida como Pernambuco, que organizou os escravos para se rebelarem contra os latifundiários dos engenhos de açúcar e criarem os Quilombos, regiões para onde os escravos fugiam na tentativa de viver em uma comunidade onde a exploração não existisse. 15

Ricardo Piglia, O laboratório do escritor, Sobre o gênero policial; Iluminuras, 1994, SP. João Bosco, Malabaristas do sinal vermelho, Cinema cidade (João Bosco e Francisco Bosco); 2002; Sony Music. 15 Quilombos - A História do povo afro-americano. Jurema Batista. Revista Nação Brasil, abril de 2003. 13 14

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Mentira & lucro: entre ruas e uma sociabilidade descontínua “A televisão e a música pop tinham corrompido o vocabulário dos cidadãos, das prostitutas principalmente” Rubem Fonseca Nas décadas de 60 e 70 no Brasil o mito da vida promissora na cidade foi a propaganda necessária para atrair milhões de pessoas do campo para o nascente espaço urbano brasileiro. As TV’s, rádios, cartazes e outdoors da nascente cidade, promovidos e financiados pelas grandes indústrias e outros grupos econômicos, não sem propósito com a pré-ocupação em atrair mão-de-obra barata, lançavam seu apelo prometéico e convocatório para a vida na urbe, indicada como uma vida mais vida do que a vida no campo. Sedutoras ilusões e situações econômicas limite, afetaram de tal modo a efetivação desordenada deste movimento de passagem abrupta e violenta do campo para as cidades ou subúrbios urbanos no Brasil, que a produção de riquezas que tanto insuflou brilho sobre o slogan “milagre brasileiro”, precioso escudo metálico de nossa recente ditadura militar, acabou por encontrar o reconhecimento aparente e dissimulado de sua contradição histórica até mesmo por nomes como Garrastazu Médice, que em uma viagem ao nordeste no período do “milagre” afirmava ambiguamente: “O país vai bem, mas o povo vai mal”16. Nesta perspectiva, muitos milhares de pessoas do campo se jogaram rumo à cidade, terreno de uma possível ascensão social. Grande parcela tendo suas terras tomadas através da força por grandes "donos" de terra, forçosamente forjados juridicamente por mediação do conluio entre investidores e burocracia local, ou de outro modo, afetados abruptamente por uma política agrária - herança fixada no rastro da experiência histórica brasileira-, que em sua dinâmica ou desdobramento prático reuniu esforços no sentido de atribuir primazia ao latifúndio de tal modo, por mediação de concessões e privilégios - por exemplo, através do monocultivo para exportação em grandes extensões de terra, de todo alheio às necessidades econômicas nacionais, e deveras crivado violentamente em nossa experiência histórica-, que grande parcela da população do campo fora afetada e forçada historicamente a vender suas terras para continuarem sobrevivendo, sobretudo aquela população órfã de políticas agrárias fundadas justo na perspectiva de atender às demandas nacionais por mediação da agricultura familiar. De certo, eram ambições que moviam as pessoas das mais diferentes classes sociais para a busca da possibilidade de outra maneira de viver. Ora, é neste sentido que ouvimos na funkeada A cidade lá para meados do álbum Chico Science & Nação Zumbi, Da lama ao caos: “E a cidade se apresenta centro das ambições Para mendigos ou ricos e outras armações 16 História e vida – Brasil: da independência aos dias de hoje – Volume 2; p. 87 – Garrastazu Médice: a face mais cruel da ditadura. Nelson Piletti e Claudino Piletti; Oitava edição; Editora Ática S.A. – SP. 1991.

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Coletivos, automóveis, motos e metrôs Trabalhadores, patrões, policiais, camelôs”17 Por ambição entendemos ser um movimento irrefreado ou mesmo limitado em certa cadência ou devaneio, ao encontro do que nomeamos como poder, riqueza ou glória, ou mesmo um desejo de mudar radicalmente as condições materiais de vida. É na urbe que se concentra o centro das ambições como ouvimos na canção A cidade, seja para ricos ou pobres. É referenciada na idéia de que tempo é dinheiro, que “Coletivos, automóveis, motos e metrôs”, correm a todo vapor pelas ruas asfaltadas ou por trilhos no subsolo da urbe, mercadorias devem ser entregues, trabalhadores não podem chegar atrasados em seus locais de trabalho, um grande negócio pode ser perdido caso o patrão venha a piscar o olho diante do relógio, quanto mais rápido e veloz as mercadorias circulam, mais lucro para os invertidores, digo, investidores. É esse o ritmo da urbe, o barulho das moedas e o cheiro do dinheiro, estranho embora sedutor forçosamente, o passar dos segundos, minutos e horas no rígido e metálico, embora derretido relógio como o de Salvador Dali18, ofuscam e encobrem qualquer outra idéia no pensamento de muitos seres humanos que não a sorumbática e frenética ordem de ser tragado pelo turbilhão da dinâmica por excelência que se desdobra historicamente, a saber, a proximidade e unidade forçada e incongruente entre o tempo megalomaníaco da produção e o tempo da vida mesma. Ora, o quadro de Dali, um dos precursores do surrealismo junto com Buñuel e outros, indica-nos justo a crise desta imersão e submersão do tempo da vida no algébrico tempo da produção, trata-se da racionalidade do tempo e da produção encontrando-se com sua incongruência, descompasso. Sobretudo, indica-nos uma racionalidade do tempo da produção negando-se a si mesma, e promovendo deste modo o seu oposto, a saber, sua crise, fundada que é no descompasso do tempo do relógio com o tempo da vida. Não sem propósito Dali nomeia este quadro de 1931 como A persistência da memória, ao passo que o tempo da memória indica-nos um certo entrelaçamento com o tempo da história. Esta proximidade entre o tempo da memória e o tempo da história, da efetividade histórica, na perspectiva do quadro de Dali, encontra na sistematização do tempo como unidades de medida quantificáveis, como os segundos, os minutos, as horas, os dias, meses, anos, etc., a sua derradeira e ácida crise. Pois é justo esta tentativa, embora hegemônica em nossa experiência histórica contemporânea, de coadunar o tempo do relógio com o tempo da memória e da história, que se dissolve em ácida incongruência na pintura de Salvador Dali. Sobretudo, A persistência da memória indica-nos antes a persistência de uma dinâmica de tempo que não cabe na quantificação fria e objetiva do tempo do relógio, amigável e cúmplice que é do tempo do triunfo da produção. De todo, situar estes traços que afetam a vida na urbe nos abre a possibilidade de demarcar alguns dos contornos do modo através do qual as condições históricas de sociabilidade se desdobram no mundo contemporâneo. Nesta direção, nos cabe aqui situar que a mediação por excelência no que se refere à sociabilidade na urbe ocidental passa tão somente pela mercadoria, - filho primogênito do resultado deste 17 18

A cidade, Chico Science & Nação Zumbi, Da lama ao caos. Sony Music. 1994. A persistência da memória, Salvador Dali, 1931.

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entrelaçamento do tempo da vida com o tempo da produção, seja como força de trabalho ou mesmo no sentido estrito do termo-, que os vínculos sociais e culturais não ultrapassam a esfera do descontínuo, inconstante ou fragmentário. Inclinamo-nos a esta perspectiva ao passo que o modo de sociabilidade que tem como sua mediação tão somente a mercadoria, embota e dissipa aquelas outras maneiras de efetivação de vínculos sociais e culturais que não fixados por mediação da multifacetária e dissimulada moeda a que damos o nome de mercadoria. Segundo o filósofo e ensaísta alemão Walter Benjamin, em seu ensaio A Paris do Segundo Império em Baudelaire, mais precisamente no trecho de nome O Flâneur, as condições históricas de sociabilidade próprias àqueles que têm a urbe como espaço de vivência, situam-se de certo modo no fato de que na cidade ocidental seus habitantes quase não se vêem em outra condição histórica senão enquanto “devedores e credores,... vendedores e clientes,... patrões e empregados – sobretudo... se conheciam entre si como concorrentes.”19 Ora, é justo este traço de uma sociabilidade descontínua fixada por mediação da mercadoria, que Tom Zé satiriza, o encontramos em uma canção do álbum Se o caso é chorar (1972) de nome A briga do edifício Itália com o Hilton Hotel, em que o dissidente compulsório do tropicalismo trata, não sem um tom de ironia, ficção e historicidade, do processo de urbanização no Brasil, onde o edifício Itália que “era o rei da Avenida Ypiranga”, tem suas atenções roubadas pelo novo, “gracioso, moderno e charmoso” prédio do Hilton Hotel, que segundo o edifício Itália, “só pensa em dinheiro, não sabe o que é amor, tem corpo de aço, alma de robô, porque coração ele não tem pra mostrar, pois o que bate no seu peito é uma máquina de somar” 20 De todo, o emblema daquele que tem no peito uma máquina de calcular, embora possa nos parecer apenas produto do delírio ou devaneio, ocupa seu devido lugar em nossa experiência histórica contemporânea, ao passo que a mediação por excelência da sociabilidade urbana fixa-se no privilégio e na dignidade hierárquica dada à mercadoria. “Muitos vêem no homem o $ifrão, esqueceram o bater do coração” 21 , ouvimos em uma canção do grupo Ira! de nome Nas ruas, escrita por Edgard Scandurra. Aos olhos do homem cifrão que tem no peito uma sedenta máquina de calcular, o outro que aparece no percurso ou na paisagem da urbe, é sobretudo tomado como uma mercadoria, um cifrão, a saber, uma unidade de medida quantitativa, que por sua própria característica enquanto quantidade, dissipa e elimina tudo que remete à diversidade, peculiaridade, irrepetibilidade e individualidade, na medida em que uniformiza as diferenças por mediação da quantificação. 19 Walter Benjamin, Organização: Flávio R. Koethe; Coordenador: Florestan Fernandes; Editora Ática S.A, São Paulo, 1991 – p. 68. 20 A briga do edifício Itália com o Hilton Hotel. Tom Zé. Séries dois momentos (Se o caso é chorar- 1972/ Todos os olhos- 1973). Warner Music Brasil. 2000. 21 Nas ruas. IRA! Vivendo e não aprendendo. 1986. Warner Music Brasil. 2000.

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Em outra direção, convivem aterrorizantemente em harmonia, nos termos de Alexandre Matias em seu ensaio sobre o Clash a partir do London Calling, a “nascente nova classe dominante, jovens executivos engravatados que mandariam nos anos 80 achando que eram modernos porque usavam brincos e... cheiravam cocaína” 22. Assim nos indica a canção Koka kola do Clash citada no artigo de Alexandre Matias: "Nos corredores lustrosos do 51º andar Dinheiro pode ser feito se você quiser mais Decisão executiva - precisão clínica Pula da janela, cheio de indecisão Recebi uma boa nova do mundo da propaganda (...) Koka adiciona vida onde não existe” 23 Cenário este que na urbe contemporânea convive historicamente lado a lado de um vertiginoso contingente de trabalhadores, mendigos, camelôs, vendedores ambulantes, megalomaníacos edifícios esbanjando o brilho da arquitetura de vidro, favelas 24 , moradias tomadas por aquele tom cinzento próprio das ruínas, o cheiro repugnante dos esgotos a céu aberto, saneamento básico dissipado de qualquer planejamento urbano. A fantasmagoria das prisões superlotadas, sono no chão com alimentação de massa disforme e cinzenta. Na esfera da suposta legalidade de nosso Estado ainda não tão laico como o queriam os mais otimistas dos humanistas, a impunidade de nossa justiça pública inscreve sua atuação acobertando os crimes de nossos ladrões diplomados ou ancorados no mainstream da política e economia locais ou internacionais, dois pesos, duas medidas. O peso dos braços de nossa justiça pública incide com mais eficácia e violência nos incipientes roubos e saques de alimentos promovidos por militantes do MST, do que se posiciona com veemência em relação àqueles que roubam grandiosas cifras de nossos cofres públicos, seja legalmente ou dissimuladamente. Coletivos e metrôs constantemente lotados, a tarifa da passagem avolumasse e o serviço do transporte público não é aprimorado, pois as cifras das empresas de

Clash, por Alexandre Matias. In: Joe Strummer 1952-2002. Editado em 24.12.02. http://www.geocities.com/trabalhosujo/20021224clash.html 23 Clash, Koka kola, London Calling, Strummer & Jones; 1979. Sony Music Entertainment. “In the gleaming corridors of the 51st floor/ The money can be made if you really want some more/ Executive decision – a clinical precision/ Jumping from the windows – filled with indecision/ I get good advice – from the adversing world/ (…) Koke adds life – where there isn’t any (...). 24 “No Brasil, 6,5 milhões de pessoas vivem em, como define o próprio governo federal, aglomerados subnormais. Num país que se classifica como emergente, é inconcebível que uma população equivalente à de toda a cidade do Rio de Janeiro more em favelas. Em dez anos, o número de habitantes nessas submoradias aumentou cerca de 40% nas capitais. São Paulo e Rio de Janeiro são as cidades com o maior contingente em números absolutos: 2, 07 milhões e 1,38 milhão de pessoas, respectivamente. Em termos relativos, porém, o crescimento mais espantoso ocorreu em João Pessoa (265%) e Brasília (400%). Já Belém apresenta a maior densidade populacional residente em favelas. De cada cem habitantes da capital paraense, 35 estão nesses espaços. As causas da favelização são diversas, mas as mais recorrentes são a queda o poder aquisitivo do brasileiro, a urbanização acelerada e a falta de política habitacional para a população de baixa renda. País emergente ou da emergência? Eis a questão.” Revista Discutindo Geografia, O país das favelas Escala Educacional - Ano 2, número 9 – São Paulo/SP. 22

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transporte têm que aumentar 25, mesmo que para isso seja necessário entupir os ônibus com trabalhadores, pedreiros, domésticas, vendedores ambulantes, etc. No trato com o corpo: atendimento médico em tempo hábil somente por mediação do nem sempre tão seguro sistema privado de saúde, em outra direção, ilimitadas filas nos postos de saúde do Estado, na espera, isto é, na esperan-ça de um possível atendimento. Uísque para os ricos, e em expressão de Fred Zeroquatro do Mundo Livre S/A: “cachaça para os pobres, e como já dizia minha prima Katarina, deus nos dê fígado” 26. Faces diferenciadas de uma mesma urbe, com suas modernidades e fantasmagorias. Lucro, acumulação crescente e ilimitada para uns, senão como ostentação e ócio mediocremente ocupado por nossas elites, morte e negação da vida para tantos outros, coexistem na cidade brasileira lado a lado, aterrorizantemente em harmonia frenética, pacientemente desleixada e desleixadamente dissimulada. Como nossos atenciosos olhos não se deixam seduzir tão somente pelo fascínio, demolido quando atentamos às nossas mais arcaicas ou modernas bizarrices, o progresso econômico estampado em nossa bandeira em um certo tom de amarelo positivista, e sobretudo radicalmente distinto daquele tom cantado pela Nação Zumbi em Tempo Amarelo, só beneficiou a poucos, de modo que ao invés de ordem e progresso, em nossa experiência história o que se inscreve como que de modo fantasmagórico dilui-se em desordem e barbárie. De todo, como ouvimos em um dos primeiros partos do que se nomeou como Manguebeat, Da lama ao caos, Chico Science e Nação Zumbi, canção A cidade, a situação da urbe contemporânea e brasileira “não está tão mal”, pois o desemprego27, a pobreza, a falta de informação e cultura não afeta a todos, e por extensão, para a “esperteza internacional”, - representada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial, Schwaznegher, Bush, Pentágono, Hollywood, Tony Blair 28 , entre outros tantos... - de certo, privilégios não se dissipam tão menos se diluem historicamente. É nesta direção que a situação histórica da cidade brasileira está “mais ou menos”. Isto é, de um lado uns com mais comida, apropriação de riquezas, mais acesso à informação e à cultura, mais saúde, moradias e edifícios reluzentes, de todo uma vida mais vida. E de outro lado, tantos outros com menos comida, moradias em ruínas, menos acesso à informação, educação e cultura, saúde em coma, menos transporte, menos bebida, “A justificativa de empresários e governos para esses aumentos é a elevação do preço dos insumos do transporte e a queda da demanda. Formou-se um ciclo vicioso: a população de baixa renda deixa de andar de ônibus porque a tarifa é cara, a tarifa sobe porque a quantidade de usuários não pára de cair e acaba expulsando ainda mais gente dos coletivos.” Folha de São Paulo, Folha Cotidiano, Tarifa alta cria os excluídos do transporte, por Alencar Izidoro e Simone Iwasso, Página C 1 – São Paulo/SP, Domingo, 5 de outubro de 2003. 26 Zeroquatro; E a vida se fez de louca (homenagem à minha saudosa prima zapatista); O outro mundo de Manuela Rosário - Mundo Livre S/A; Candeeiro Records. 27 Por onde anda o trabalho? “Nunca houve no mundo tantos desempregados. O triste recorde foi publicado pela OIT (Organização internacional do trabalho), e registrou em 2005, 191,8 milhões de pessoas sem emprego. A taxa global chegou a 6,3%, sendo maior entre pessoas de 15 a 24 anos. A entidade afirma que raras foram as ocasiões em que alguns países conseguiram converter seu Produto Interno Bruto (PIB) em criação de novos postos de trabalho ou no aumento de salários. Dos mais de 1 bilhão de trabalhadores no mundo que estão expostos a condições de pobreza extrema, apenas 14,5 milhões conseguiram superar a linha de pobreza de US$ 1 por dia.” Revista Discutindo Geografia - Escala Educacional - Ano 2, número 9 – São Paulo/SP. 28 Zeroquatro; Azia Amazônica; O outro mundo de Manuela Rosário; Mundo Livre S/A; Candeeiro Records. 25

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nível de escolaridade menor... enfim, menos vida.

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A cidade não pára: e os urubus continuam tendo a sua carniça “Oh Josué, eu nunca vi tamanha desgraça quanto mais miséria tem mais urubu ameaça” Chico Science Compreendendo a sociedade contemporânea como atravessada por desigualdades sociais radicais, abre-se então a possibilidade para que possamos entender a dinâmica própria da cidade versada em perspectiva de Chico Science & Nação Zumbi na canção A cidade. A saber, quanto mais cresce a população da cidade, mais crescem também as desigualdades sociais radicais. É a concentração cada vez maior de poder e riquezas nas mãos de poucos, que permite a continuidade e permanência dessa condição histórica na qual se encontra a cidade brasileira cantada pela Nação Zumbi de Chico. O abismo que separa ricos e pobres se aprofunda de maneira crescente e ilimitada, pois por abismo entendemos aquilo que não nos é dado a saber, qual o seu limite. 29 De todo, esta dinâmica social fundada em hierarquias que mediam a continuidade de nossas disparidades sociais, indica-nos que aquele que está “em cima” - se quisermos os termos de Chico Science na canção A cidade -, realiza seu movimento ascendente ao passo e na medida em que encontra no “de baixo” a sua mediação por excelência, ou antes mesmo o seu apoio. Neste sentido, aquele que está na posição superior perdura seu movimento ascendente sobretudo por se apoiar-em quem está na posição inferior. Todavia, cabe-nos aqui ressaltar que as noções de superior e inferior são tomadas aqui a partir das condições materiais de vida, não se trata aqui de valores morais, éticos ou culturais. Nesta direção, o inferior por ser mediação e apoio do superior, realiza seu movimento de afirmação como sua própria negação em detrimento de um outro. Outro este que quanto mais tem na negação daquele outro o seu perdurar, promove o abismo em relação ao seu oposto, o “de baixo”, ao passo e na medida em que este se encontra com sua decadência e ruína. Ora, mas o que significa este apoiar-em, quando estamos tratando de distâncias sociais assentadas desde uma certa hierarquia? Como o sabemos, de acordo com a tradição filosófica que passa por Hegel até Marx, uma das formas de mediação que asseguram a continuidade de tais abismos sociais, em nosso raio histórico, atende em certa extensão pela alcunha de trabalho. Trabalho é mediação entre superior e inferior, e realiza aquele movimento que aparece para nós como ordenação hierárquica que assegura a continuidade de nossas disparidades sociais, ao passo que a extensão dessa “A política de arrocho fiscal (baseada no aumento de impostos e em cortes de investimentos) e de juros altos”, indica o economista Carlos Eduardo Frickmann Young, “opera como um Robin Hood às avessas: tira recursos dos pobres (via cobrança de impostos e redução de gastos públicos, que afeta a qualidade dos serviços oferecidos às faixas de renda mais baixa) para transferi-los aos mais ricos, por meio do pagamento de juros elevados aos donos do capital, participando da ciranda financeira.” Políticas favorecem os mais ricos. Juros altos e arrocho nos gastos públicos tiram recursos dos mais pobres e concentram ainda mais renda. Lauro Veiga Filho. Jornal Brasil de Fato, ano 2, número 68, São Paulo/SP, de 17 a 23 de junho de 2004. 29

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relação consiste na afirmação da vida de um na medida em que nega a vida de um outro. Nesta direção, trabalho é apoio para a fixidez e afirmação do superior. Sobretudo em perspectiva de Karl Marx, quando pensamos em trabalho no mundo contemporâneo estamos nos referindo basicamente a dois pólos: aos “possuidores de propriedade” (não-trabalhador) e aos “despossuidores de propriedade” (o trabalhador). Este modo de vida mostra-se na relação com o nãotrabalhador não em outra condição senão a de mercadoria, que aparece como sua força de trabalho. Ora, mas como pensar a força de trabalho como mostrando-se nas relações econômicas na condição de mercadoria? Em seus Manuscritos Econômico-Filosóficos, mais precisamente em trecho de nome O trabalho alienado, Marx afirma que o trabalhador “desce até ao nível de mercadoria, e de miserabilíssima mercadoria” 30. Este modo de trabalho que aparece como mercadoria mostra-se como a negação do auto-conhecimento do trabalhador a partir de seu próprio trabalho. Nesta direção, para Marx o trabalho faz de seu sujeito “uma mercadoria tanto mais barata, quanto maior número de bens produz” 31, e por extensão, faz do mundo das coisas, isto é, dos produtos reproduzidos em grande escala pelo seu trabalho, algo que “se opõe a ele como ser estranho, como um poder independente do produtor”. Ora, ao reproduzir em larga escala algo que se separa dele (do trabalhador), a saber, a mercadoria, promove não sua afirmação por mediação do trabalho, ao passo e na medida em que assegura o enrijecimento de um poder estranho a ele, poder este que promove as rédeas de sua própria mediação, a saber, da vida do trabalhador, que se lança ao mundo do trabalho tão somente por sua energia física, que aparece para nós como sua moeda de troca, de sobrevivência, reduzida pois à condição de mercadoria. Segundo Marx, o trabalhador portanto “não se afirma no trabalho, mas nega- se a si mesmo, não se sente bem, mas infeliz, não desenvolve livremente as energias físicas e mentais mas esgota-se fisicamente e arruína o espírito” e sobretudo, “no trabalho se sente fora de si.” 32 É neste sentido que a organização do trabalho no mundo contemporâneo, em sua forma, contribui radicalmente para a continuidade de nossas bizarrices sociais, fazendo dos despossuidores de propriedade uma mera mercadoria. Ao passo que é também este tipo de mercadoria, configurada como a força física do trabalhador, que assegura a mediação e continuidade da relação entre superior e inferior, fundada que é na hierarquia. Neste sentido, temos na posição superior uma vida mais vida, e na posição inferior uma vida menos vida. Ora, subir pode significar afirmação e realização da vida, encontro da vida com a própria vida, descer significa aqui, encobrimento da vida, desencontro da vida com a vida mesma, por extensão, descer significa morrer, e morrer significa negação e des-realização da vida. Nesta direção, se descer é o desencontro da vida com a própria vida, descer é o encontro da vida com a morte. Por descida entendemos o movimento que encurta a distância entre vida e morte. Tomemos como exemplo o sol. O nascer e o viver do sol se dão na aurora e na vigência do dia, sendo a decadência e o obscurecer do sol

30 Marx, Manuscritos Econômico-Filosóficos – p. 110. Trad. Alex Martins. São Paulo: Martin Claret, 2002. 31 Idem - p. 111. 32 Idem – p. 114.

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ocasionado pelo crepúsculo da tarde e pela caída da noite, que trás consigo a negação da vigência do sol. Na cidade contemporânea brasileira, o que encontramos é um sol eterno para os “de cima” e uma noite eterna para os “de baixo”. Ora, mas o que com isto estamos querendo indicar? Vida o é desde que pensamos em seu oposto, a saber, morte. Para os “de baixo”, habitantes de uma cidade atravessada e afetada por desigualdades sociais radicais, a morte invade com uma violência maior o espaço da vida. Isto significa dizer que aos “de cima”, a morte ocupa em um grau menor o espaço da vida. Neste sentido, sendo o sol vinculado à vigência e aurora da vida, e descida da vida relacionada à decadência do sol e à vigência da noite, podemos afirmar que aquele que desce, encontra-se em uma noite eterna. Assim, encontra-se em um sol eterno aquele que sobe ilimitadamente, afastando assim a morte do espaço da vida em um grau maior. Afasta a morte do espaço da vida em um maior grau aquele que, tal como o sol em sua vigência ao dia, sobe. De todo, sendo o “de cima” aquele que encontra no “de baixo” a sua mediação e apoio, é a vida de quem está “em cima” que perdura e permanece na terra por mediação da morte dos que estão em baixo. Aquele que está em baixo, com a força do de cima, desce abruptamente, diminui-se, abstrai-se forçosamente de suas necessidades e faculdades, ocupando a morte o espaço de sua vida em uma maior intensidade. Isto é, a vida do “de cima” se torna mais vida na medida em que a vida do “de baixo” vai sendo tomada violenta ou sorrateiramente pela morte, tornando-se menos vida. Ora, em relação ao trabalho, é por mediação da morte que ocupa o espaço da vida, através da exploração extrema da energia física do outro, basta lembrarmos das mais recentes denúncias de trabalho escravo no Brasil33, e da morte no sentido estrito do termo, que na experiência histórica brasileira encontramos este perdurar que é a continuidade de nossas bizarrices sociais, que tem como sua mediação universal a negação e barbárie da vida de um na medida em eleva e garante a vida de um outro. Todavia, quando ouvimos ao som de tambores eletrificados de maracatu, guitarras distorcidas e samplers (programações eletrônicas de áudio), Chico Science entoar seus versos em ritmo martelado e funkeado pela Nação Zumbi: “A cidade se encontra prostituída/ Por aqueles que a usaram em busca de saída” 34, encontramos aí a dinâmica que move esta cidade que “não pára,... só cresce” 35 . Por prostituição entendemos ser qualquer tentativa de transformação daquilo que é humano e não tem preço, em mercadoria. É o ser humano, habitante do “centro das ambições” que é a urbe, confundindo-se com a mercadoria, algo não só próprio do comércio do prazer, no qual a prostituta, rentável acolhedora de corações solitários, perturbados ou libertinos, participa. O que vale também dizer, que quando estamos exercendo este ou aquele outro modo de trabalho inscrito na divisão técnica e hiearquizante do trabalho no mundo contemporâneo, estamos em certa medida nos prostituindo (!!?!). É a ambição do ser humano, em certa medida, que o encobre em sua identidade e peculiaridade irrepetível, e o abre e o lança à possibilidade e efetividade histórica do transformar-se em mercadoria, de todo pela mediação de certos modos de trabalho no 33

Jornal Brasil de Fato, número 31, São Paulo/SP, de 2 a 8 de outubro de 2003, Aumentam as denúncias em Tocantins: denúncias envolvem 839 lavradores, a maior parte desempregados aliciados para trabalho em latifúndios, por Lucas Milhomens. 34 35

A cidade, Chico Science & Nação Zumbi, Da lama ao caos. Sony Music. 1994. Idem.

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mundo moderno em que a impessoalidade é a marca. Ora, é justo neste terreno de vulnerável dissipação da diversidade que é o transformar-se em mercadoria, que submerge à uniformização que a técnica impõe, que o ser humano a ele sujeito é lançado ao risco do tornar-se mais uma mediação e apoio para o movimento ascendente do “de cima”. “I am not a product!! I am not a product!!!” 36 Gritou histericamente Iggy Pop ao final da groove-punk-jazz entorpecente e libertina clássica canção Fun House, em uma de suas mais recentes apresentações com os Stooges. Entretanto, a vida social urbana indica-nos antes que aos “de baixo”, o interesse privilegiado é o de não promover a denúncia ou crítica em relação ao abismo que se impõe fantasmagoricamente em nossa experiência histórica, e que assegura distancias hierárquicas que mediam as relações sociais e políticas entre nossas elites econômicas e as classes populares, e nesta medida, abstrai-se e priva-se daquele outro modo de agir, que realiza sua ação de encontro à lógica na qual se assenta a condição histórica da urbe. Mas de outro modo, deveras curioso, o interesse primeiro para muitos dos “de baixo”, se quisermos os termos da Nação Zumbi em Da lama ao caos, consiste em um perdurar naquele delírio ilusório de que é possível passar para o outro lado do abismo, no qual se encontram os “de cima”, no entanto, de todo sem conflitos ou contradições históricas. Ora, pensa aquele que desce, e que tem sua vida negada a si mesma, que um dia poderá realizar aquele movimento ascendente ao encontro da vida consigo mesma, passando de uma vida menos vida para uma vida mais vida, e justo nesta extensão do agir, e sobretudo para historicizar esta vontade, torna-se sob qualquer pretexto como mediação, mercadoria, ou antes mesmo, carniça para os urubus, se nos inclinarmos à estética um tanto quanto putrefata do álbum Da lama ao caos, que sobretudo se inscreve enquanto demarcando traços históricos da urbe contemporânea e brasileira. Nesta perspectiva, a saída para a sobrevivência encontrada por muitos na cidade contemporânea e sobretudo brasileira, se inscreve naquele submeter-se e submergir à condição uniforme de vulnerável mercadoria, a saber, ser tomado afetado por aquele movimento mudo, repentino e dissimulado, do transitar por entre os limites do mando, fundado que é em hierarquias. De todo, neste movimento este modo de ser vulnerável ao mando, lança ao esquecimento a efetividade e continuidade histórica secular que nos indica aquele abismo que separa violentamente ricos e pobres, abismo no qual sem o saber podem sucumbir, cair, permanecendo, ao contrário do que se promovia ao seu modo, na condição de decadência, barbárie e negação da vida. De todo, é obedecendo ao mandonismo patricarcal que ainda perdura fantasmagoricamente por entre o asfalto sobretudo da urbe brasileira, quase tão moderna ou pós-moderna como o queríamos, movendo-se de maneira passiva, tomados por mudez mecânica ou ressentida, movidos pelas rédeas do mando, agindo e promovendo historicamente o que a ordem do “de cima” exige, que essas vidas prostituídas recolhem as migalhas que caem e sobram dos incansáveis e excessivos banquetes de nossas elites, e permanecem vivendo como o carrapato por entre os pêlos do cachorro, ou antes mesmo como o capim que alimenta o cavalo ou como a carne podre que alimenta o urubu. Ora, o urubu é aquele que vive da carne em decomposição, de matéria putrefata, onde a vida não mais pulsa, dissolveu-se, trata-se da vida que se nutre e se alimenta da morte de um outro aniquilado, que sua mediação 36

Iggy & The Sooges. Ao vivo em Detroit. Indie Records. MVD – Music video distributors.

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para a vida por excelência. Não sem propósito, daí a necessidade da violência para a continuidade das desigualdades sociais. Nesta direção, na ótica martelada e funkeada da Nação Zumbi de Chico Science na canção A cidade, a urbe sobretudo se apresenta como “Ilusora de pessoas de outros lugares A cidade e sua fama vai além dos mares No meio da esperteza internacional A cidade até que não está tão mal E a situação sempre mais ou menos Sempre uns com mais e outros com menos “37 É o devaneio de ultrapassar sem conflitos o abismo que separa ricos e pobres, sem que se possa cair, que toma de assalto aos “de baixo” para os quais é fazendo favores para os “de cima”, e obedecendo mudos os mandos de nossas mais arcaicas elites sob a carapaça de modernas, a via e extensão do agir que pretensamente possa ser a mediação outra que não o submergir em noite eterna, a saber, aquele movimento que aproxima a distância entre vida e seu oposto, ao passo e na medida em que aos “de baixo”, a morte invade sorrateira ou violentamente o espaço da vida em uma maior intensidade, sobretudo em relação à apropriação do trabalho alheio não só na experiência contemporânea, como também brasileira. Entretanto, quando empregamos aqui a palavra favor, não estamos tratando tão somente de um modo de tratamento pessoal recíproco e tão corriqueiro entre nós, mas também, de um dos traços mais marcantes embora arcaicos e fantasmagoricamente disseminados na sociedade brasileira, fundada que é em uma hierarquia que permite as mediações que harmonizam desleixadamente a continuidade de nossas disparidades sociais. Ora, se este sistema assentado em desigualdades sociais radicais ainda encontra sua continuidade, é porque a inclusão, predominantemente assentada em laços de dependência que tanto punem quanto abrem para a participação no privilégio, se dá de forma que seja possível perdurar a situação histórica da sociedade brasileira, que mesmo estando diante de tempos modernos, ou mesmo pós-modernos, não se vê de todo a salvo da atuação de forças arcaicas que ainda persistem com todo o seu vigor, maturados violentamente do mesmo modo que dissimuladamente no percurso de nossa experiência histórica. Esta arcaica mediação em nossa experiência histórica e que harmoniza e dissimula desleixadamente aquela intimidade entre inclusão e exclusão, a saber, o favor, realiza-se enquanto mediação hierárquica ao passo e na medida em que por um lado promove com violência desmedida uma megalomaníaca e voraz exclusão, e por outro, também se inclui, esta inclusão via de regra tendo sua abertura por mediação daquela participação no privilégio, que tanto promove o azeitar e o agraciar, como também o punir e o violar. Todavia, a mediação harmoniosa e violenta do favor, promove hierarquias que asseguram a continuidade de nossas desigualdades sociais radicais, sobretudo tendo em seu âmago viciadamente fixado no percurso de nossa experiência histórica, a 37

A cidade, Chico Science & Nação Zumbi, Da lama ao caos. Sony Music. 1994.

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persistência do arcaico mesmo que sob dourados modernos, que se diluem fugazmente, dando lugar a outros modernismos fantasmagoricamente assombrados por outros arcaísmos. Nesta direção, ao precisar melhores contornos para as mediações que promovem a inclusão como participação no privilégio, nos encontraremos com algumas das noções de Bajonas Brito em seu livro Lógica do disparate em relação a este tema, sobretudo em algumas das passagens ao capítulo cinco de nome Liberdade e hierarquia. De todo, Liberdade e hierarquia trata de traços da formação cultural e política brasileira, de modo que a perspectiva desenvolvida consiste em indicar a extensão daqueles traços viciadamente fixados em nossa experiência de cultura política, sobretudo em relação àquele entrelaçamento desmedidamente desleixado e tão corriqueiro e familiar entre as esferas do público e do privado, abrindo-nos a perspectiva de precisar o quanto os vínculos sociais no Brasil fundam-se, promovem-se e se harmonizam hierarquicamente por mediação da ambígua noção da lógica do favor. Neste sentido, a própria mediação do favor consiste na própria hierarquia, que é tanto sua abertura quanto fim último a ser preservado, assim nos indica certa passagem da Lógica do disparate, a saber: “A hierarquia, afirmamos, é pré-condição do favor. Contudo, o fato é que o favor é uma certa relação na hierarquia, a qual, por sua vez, e por isso mesmo, não é uma hierarquia qualquer, mas uma tal que inclui na determinação de sua natureza o favor. O caráter fundamental da liberdade do favor, Schwarz localizará na participação no privilégio.” 38 Desde essa perspectiva, exclusão e inclusão não estão dispostas, necessariamente, desde uma oposição. Deste modo, segundo o autor, “integração e exclusão caminham juntas e, ao invés de se confrontarem, se promovem mutuamente.” 39 Neste sentido, a noção de liberdade em uma sociedade hierárquica funda-se pela participação no privilégio, sendo isto mesmo o que permite a continuidade das desigualdades sociais radicais no Brasil. Assim lemos à Lógica do disparate: “Considerando pois as diversas inserções do favor, devemos concluir que sua extensão cobre todas as relações sociais fundamentais da sociedade escravista brasileira e que, portanto, o modo de liberdade que lhe é próprio possuirá idêntica extensão. O favor atravessa todas as relações sociais: senhores e comissários, senhores e escravos; senhores e senhores, senhores e homens livres pobres (agregados); senhores e funcionários do estado e das instituições privadas. O favor será então, como já afirmou alguém, a mediação universal dessa sociedade hierárquica. Mas deveremos crer que seu domínio desaparece com a extinção da sociedade escravista? De modo algum, em primeiro lugar é fato absolutamente familiar a permanência do favor no modo do coronelismo, do clientelismo e do mandonismo na Primeira República e em todas as repúblicas que a sucederam.” 40

38 Bajonas Brito, Lógica do Disparate. Capítulo V - Liberdade e Hierarquia p. 193. EDUFES CCHN Publicações, 2001, Vitória. 39 Bajonas Brito, p. 178. 40 Bajonas Brito, p. 190-191.

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De todo, por um lado o favor inscreve-se em nossa experiência histórica tal como O abutre de Kafka, a saber, de modo violento, desmedido e abrupto, como também, por outro, o favor perpassa as relações sociais azeitando, apaziguando e encobrindo iras, promovendo deste modo a mediação por excelência de nossas hierarquias, e sobretudo nesta extensão, harmonizando os opostos, inclusão e exclusão, arcaico e moderno, público e privado, progresso e barbárie, o contestar e o engolir silencioso. Ora, lembremos de cena do filme Sábado de Ugo Giorgetti, e citada em artigo de Hudson Ribeiro a partir do filme, em que encontramos este coadunar harmoniosamente os opostos, a saber, o contestar e o calar: “o personagem que ensaia um protesto ao denunciar o projeto modernista como invasão pura e simples, é como a classe média ou a classe subalterna através dos seus representantes mais esclarecidos que, tratados de forma diferenciada, enchem a boca e abdicam do discurso contestatório. Note-se que o personagem em questão é agraciado duas vezes com guloseimas.” 41 Nesta direção, o contestar subitamente cede lugar ao seu oposto, a saber, o calar-se ou o engolir silenciosamente como no caso das guloseimas apaziguadoras do filme Sábado, como nos indica Hudson Ribeiro, de modo que tal mediação entre um e outro se inscreve desde aquele agraciar próprio da dinâmica do favor, que aproxima opostos e perdura hierarquias, ao passo que tal perdurar e harmonizar opostos abre-se desde aquele conluio entre mando e subordinação, na medida em que tal “relação de favor redunda em ganhos reais para aquele que sabe se subordinar de modo eficiente” 42, como nos indica Bajonas Brito, bem como por outro lado, é o próprio favor, aquela mediação e abertura para o punir, que se dirige a todo agir deslocado de uma eficiente subordinação. Ora, se no conto O abutre, de Kafka, os opostos apenas se diluem a partir da anulação de um de seus pólos, ao passo que o tal abutre promove a violência mais desmedida aniquilando abruptamente a vida de seu pretenso quase assassino “Elevou-se com um bater de asas e depois, empinando-se para tomar impulso, como um lançador de dardo, enfiou-me o bico pela boca até ao mais profundo do meu ser. Ao cair senti, com que alívio, que o abutre se engolfava impiedosamente nos abismos infinitos do meu sangue.” 43 -, na experiência histórica brasileira, por outro lado, os opostos se promovem não a partir da tensão inconciliável como no conto de Kafka, mas sobretudo se afirmam e se encobrem um pela mediação do outro, ao passo que a mediação para o perdurar e promover a vida dos urubus, realiza-se pelo alimentar-se e nutrir-se do putrefato, da vida diluída e dissipada, em decomposição e barbárie, na extensão que tais opostos, a saber, urubu e carniça, superior e inferior, perduram desde certa abertura propiciada pelo favor, sobretudo para a ponta inferior da hierarquia, em direção àquele harmonizar entre o mando e a subordinação, o punir e o agraciar, possíveis desde a abertura para certo modo de inclusão, que aparece em nossa experiência histórica senão como participação no privilégio, promovendo deste modo como que dissimuladamente em harmonia, suas hierarquias compensatórias não sem a 41 Hudson Ribeiro, O filme “Sábado” e o que ele nos provoca a pensar - p. 87. In: Idéias com pernas. Flor & Cultura. Vitória, 2004. 42 Bajonas Brito, Lógica do Disparate. Capítulo V - Liberdade e Hierarquia p. 194. EDUFES CCHN Publicações, 2001, Vitória. 43 O abutre. Franz Kafka.

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mediação do arcaico, o coronelismo, o patriarcalismo, o clientelismo, etc., que indicanos antes o putrefato infestando e assombrando o que insiste em atender pelo signo de moderno. De todo, se no conto de Kafka a dinâmica da relação funda-se desde o embate frontal e abrupto, movendo-se a partir na aniquilação do outro pelo seu oposto, a saber, O abutre, em nossa experiência histórica, por outro lado e em certa medida, as relações entre os opostos aparecem-nos como que amanteigadas por mediações que se promovem reciprocamente, a saber, urubus e carniça, superior e inferior, “de cima” e “de baixo”, afirmação e decomposição, inclusão e exclusão, público e privado, barbárie e desenvolvimento, investimentos e parasitismo, perfume e azedume, o laico, o fanatismo e a charlatanice religiosa, protesto e apaziguamento. Todavia, em nossa experiência social e política, o urubu é um tanto mais sorrateiro, ardiloso, manhoso e velhaco do que o violentamente desmedido agir do abutre no conto de Kafka, embora igualmente violento quando as circunstâncias históricas assim o exigem, “gás de pimenta para temperar a ordem...” 44, nos indicou certa vez Jorge Du Peixe em canção da Nação Zumbi.

Propaganda (letra: Jorge Du Peixe, Rodrigo Brandão e Gilmar Bola 8/ Música: Nação Zumbi e Marcos Matias). Nação Zumbi. Trama. 2002. São Paulo/ SP. 44

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Do caos à criação: do encontro da vida consigo mesma Ora, para situarmos de todo o sentido de um dos marcos do Manguebeat, a saber, Da lama ao caos, Chico Science & Nação Zumbi, interessa-nos por agora precisar o sentido de caos, estampado na estética deste álbum de 1994. Neste movimento de tatearmos melhores contornos para o sentido de caos, nos inclinaremos ao diálogo com um artigo do filósofo Emmanuel Carneiro Leão, em que demarca o sentido de caos a partir da cosmovisão grega, este movimento o encontramos em artigo de nome O sentido grego de caos, publicado na Sofia, Revista de filosofia, também em 1994. De acordo com Carneiro Leão, pensar sobre o sentido de caos indica-nos desde já uma incongruência, um deslocamento, um descompasso, de modo que pensar sobre o sentido de caos indica-nos antes precisar um sentido em relação a algo em que o princípio primeiro trata-se justo da ausência de determinação de sentido (!!!). Segundo Carneiro Leão: “Ninguém nunca consegue pensar sobre o caos, por mais que deseje e se empenhe. (...) Pois só é possível pensar sobre o que tem sentido, nunca sobre o princípio de ordem e articulação da possibilidade de haver sentido.” 45 Ora, neste sentido o caos sobretudo diz respeito ao vácuo e desordem do qual toda e qualquer ordem ou sentido se realiza, vem a ser, a saber, trata-se do lugar desde o qual irrompem as possibilidades de sentido e determinação, seja no falar, no agir ou no pensar, de modo que na perspectiva do filósofo: “Na possibilidade de se pensar, de se falar, de se agir, não de certo sobre – o que será sempre impossível - mas a partir do caos. (...) Trata-se da possibilidade que sempre se dá e tem sempre de se dar, para se poder pensar, falar ou agir sobre qualquer coisa que seja. (...) é a impossibilidade de o caos ser alguma coisa e não obstante deixar surgir em e de seu seio toda e qualquer coisa. Sem ele, não se daria nem o real, nem o possível, nem o necessário.” 46 De todo, o caos aparece-nos como aquela mediação por excelência da possibilidade de haver sentido, ordenação, dizer, agir, sobretudo ao passo que o caos não se trata de uma coisa, mas antes a possibilidade de existir qualquer coisa. Nesta direção, o caos aparece-nos como que progenitor de toda e qualquer criação, trata-se do lugar desde o qual toda realidade vem a ser, inaugura-se, mostra-se historicamente, a saber: “Trata-se de uma experiência de ser e de realidade tão rica e inaugural que dela se origina tudo que é e não é, nela se nutre toda criação em qualquer área ou nível, seja do real ou irreal, seja do necessário e ou contingente.” 47 Sobretudo, o caos trata tão somente da mediação de todo criar, determinar, separar, diferenciar ou hierarquizar, ao passo que é a abertura indeterminada de toda determinação e criação. Nesta direção nos indica o filósofo: “... o caos é o poder, em si mesmo, indeterminado e indeterminável, mas determinante de qualquer determinação ou indeterminação. (...) O caos é, ao mesmo tempo (...) criação e aniquilação das 45 Emmanuel Carneiro Leão. O sentido grego do caos (p. 7 – 13). Sofia – Revista de filosofia – Ano 1 – Número 0 – Outubro de 1994. Departamento de Filosofia – Universidade Federal do Espírito Santo. Gráfica da Ufes - Vitória- ES. 46 Carneiro Leão. Idem. 47 Carneiro Leão. Idem.

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realizações.” 48 Ora, não é nesta direção que Hegel nos indica o sentido do movimento do começo do pensar? De acordo com Hegel: “Quando se começa a pensar, não temos outra coisa que o pensamento em sua carência-de-determinação, pois para a determinação já se requer um e outro. O carente-de-determinação, como temos aqui, é o imediato, (...) a imediatez da carência-de-determinação, a carência-de-determinação prévia a toda determinidade, o carente-dedeterminação enquanto o que é o primeiro-de-todos.” 49 A saber, este um e outro indica-nos antes um algo bem como o seu oposto, que é a sua própria mediação, ao passo e tão somente na medida em que se promove e se realiza por mediação da noção de caos, que segundo Carneiro Leão trata-se do princípio do que é e do que não é, de um algo e de seu oposto, criação e inércia, ordem e desordem. Ora, não seria o começo do pensar na ótica de Hegel assim como o sentido de caos, partícipes de um mesmo princípio? A saber, o caos aparece-nos como a ausência de qualquer determinação possível, do mesmo modo que para Hegel o começo do pensar configura-se como carente de determinação, ao passo e na medida em que esta carência de determinação e de definição é também o princípio e mediação através do qual toda determinação e definição se faz possível, e é justo neste sentido que nos aponta Carneiro Leão, indicando-nos que todo cindir, separar, diferenciar ou hierarquizar: “Do caos provém, para o caos remete, no caos se mantém e de volta ao caos retorna toda ordem e toda desordem, (...), tudo que está sendo como tudo que não está sendo.” 50 Neste sentido, passando subitamente do caos à criação, da ausência de determinação a determinação, a saber, juntando eletricidade e caos, plugando guitarras, tambores de maracatu e microfones em caixas de som, Chico Science e Nação Zumbi no percalço do Da lama ao caos, promovem e absorvem energia afrociberdélica e vida onde a morte sorrateira e violentamente tenta invadir o espaço da própria vida. De todo, é não se diminuindo ou se calando diante da situação histórica da cidade brasileira que a Nação Zumbi evoca estilhaços da cultura popular enraizada por nossas terras entrelaçada com os recursos de que a ciência moderna através da tecnologia de áudio dispõe, bem como, antenados estão eles às mutações e maturações da música pop e de suas antenas eternas, que vão do funk ao soul, passando pelo dub, hip hop, até aos martelados baques dos punhos nos tambores. Assim ouvimos na canção A cidade: “Eu vou fazer uma embolada, um samba, um maracatu Tudo bem envenenado, bom pra mim e bom pra tu Pra gente sair da lama e enfrentar os urubu” 51 Carneiro Leão. Idem. F. Hegel – Primeira parte da lógica – A doutrina do ser. 50 Carneiro Leão. O sentido grego do caos (p. 7 – 13). Sofia – Revista de filosofia – Ano 1 – Número 0 – Outubro de 1994. Departamento de Filosofia – Universidade Federal do Espírito Santo. Gráfica da Ufes - Vitória- ES. 51 A cidade, Chico Science & Nação Zumbi, Da lama ao caos. Sony Music. 1994. 48 49

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Nesta direção, só na criação na esfera da cultura é que a vida menos vida materialmente, promovendo aquele movimento do caos à criação, inverte em certa extensão a sua situação sócio-econômica, quando na criação dá o salto de passagem de uma vida menos vida para uma vida mais vida. Daí ouvirmos na ação cultural dos pernambucanos uma recusa, com seus riffs e rufadas, à morte que tenta ocupar sorrateiramente o espaço da vida. Neste sentido, nos indica a Nação Zumbi que não é necessário para viver, calar-se e obedecer aos valores culturais fixados historicamente pelos “de cima”, nestes cinco séculos de exploração extrema do corpo e da terra no Brasil. “Sair da lama e enfrentar os urubu” é o que querem os pernambucanos, a saber, ir de encontro à perspectiva daqueles outros que nos querem como mortos, como alimento putrefato para a sua permanência e enriquecimento fácil no mundo. Tendo a certeza de que a morte é o fim para onde todos nós vamos, a Nação Zumbi com sua antena parabólica fincada na lama, promovendo aquele movimento que vai do caos à criação, encontra na desordem, na barbárie e no caos que é a cidade em que vivemos, assim como na eletricidade transformada em arte, um dos caminhos possíveis de encontro da vida com a própria vida em tempos de miséria social e cultural. Neste sentido, tendo ainda os urubus o seu alimento putrefato e azedume, entoa Chico Science em seus versos martelados: “Num dia de sol Recife acordou/ Com a mesma fedentina do dia anterior”. O sol continua a nascer todos os dias, e a fedentina dos urubus e da carne putrefata e em decomposição que os alimenta, que se deixou levar vulneravelmente pela morte para que os urubus continuem vivendo, permanece mais viva do que possamos pensar, nosso nariz não nos deixa mentir.

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Referências: • • • • • • • • • • • • • • •

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Adrian Alverez Garcia, Adriana Carvalho, Andressa Caldas, Carlos Eduardo Abdo Gaio, Diogo Azevedo Lyra, Emily Schaffer, Flávia Helena de Lima, Gustavo Ierard Goulart, Ivanilda Figueiredo Lyra, James Cavallaro, Mahine Dorea, Marcelo Freixo, Nadejda Marques, Paula Spiller, Sandra Carvalho, Sven Hilbig e Tainá Lopez; Revisão: Fernanda Estima; Apoio: Fundação Ford/ Embaixada da Suíça; Setembro de 2003. Batista, Jurema. Quilombos – A história do povo afro-americano. In: Revista Nação Brasil. Abril de 2003. Dali, Salvador. A persistência da memória. 1931

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