A Cidade Sentida: entendendo o Espaço Urbano para gerar Políticas Públicas mais efetivas

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE DIREITO

A CIDADE SENTIDA: ENTENDENDO O ESPAÇO URBANO PARA GERAR POLÍTICAS PÚBLICAS MAIS EFETIVAS

BOLSISTA: LUCAS BERDAGUE CORRÊA ORIENTADORA: PATRÍCIA AURÉLIA DEL NERO

Relatório Final, referente ao período de agosto/2013 a julho/2014, apresentado à Universidade Federal de Viçosa, como parte das exigências do Programa Jovens Talentos para a Ciência/CAPES.

VIÇOSA MINAS GERAIS – AGOSTO DE 2014

UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE DIREITO

RESUMO A CIDADE SENTIDA: ENTENDENDO O ESPAÇO URBANO PARA GERAR POLÍTICAS PÚBLICAS MAIS EFETIVAS

A partir da realização de levantamento bibliográfico e audiovisual de diversas áreas das Ciências Humanas, desenvolveu-se a pesquisa em uma acepção ampla quanto ao processo de formação do espaço urbano, as relações de poder entre os grupos humanos – em suas diversas esferas –, comunicação e cultura, bem como da própria organização destes meios e de seus povos. Esta pesquisa visou a compreender como os grupos sociais se organizam em relação ao espaço urbano e sua gestão, quem tem acesso aos serviços e as políticas públicas, para quem estes são voltados, de que forma estão concentradas as categorias de poder (social, econômico, político e comunicacional), bem como se estas estão estampadas nos próprios territórios onde se encontram cada um destes grupos detentores de poder, além de apresentar uma nova perspectiva de transformação da realidade a partir da retomada do conceito de cidadania e da formação cultural do meio em que o cidadão vive através da participação (principalmente comunicativa e integrativa) no processo de desenvolvimento urbano e nos debates políticos quanto à administração daquilo que é coletivo. Da mesma forma, a pesquisa buscou investigar o espaço urbano como sistema e como produto da cultura, tendo seus produtos, como as cidades, papel importante nas mudanças de paradigmas ao longo da História, além de possuírem condições de organização e existência que transcendem a esfera estatal, por isso são autopoiéticos e entendidos enquanto sistemas sociais, sendo necessário um método compreensivo, e não de mera descrição dos fatos. É buscado mostrar brevemente conceitos e campos de possibilidades em relação ao papel do cidadão, ao espaço urbano, à cultura (enquanto produção diversificada da humanidade), à comunicação como esfera de poder, ao processo globalizatório e sua característica de hegemonização cultural, bem como a necessidade de resistência dos grupos locais a ele, visando a fuga de movimentos de mudança e estagnação negativos que aparecem gerando ainda mais problemas para a sociedade e sem que sejam saciadas as necessidades destes grupos. Palavras-chave: Espaço Urbano; Cidadania; Cultura.

Data: ___/___/____

Prof.ª PATRÍCIA AURÉLIA DEL NERO ORIENTADORA

LUCAS BERDAGUE CORRÊA BOLSISTA PJTC/CAPES

“Sempre que houver alternativas, tenha cuidado. Não opte pelo conveniente, pelo confortável, pelo respeitável, pelo socialmente aceitável, pelo honroso. Opte pelo que faz o seu coração vibrar. Opte pelo que gostaria de fazer, apesar de todas as consequências.” “Envelhecer, qualquer animal é capaz. Desenvolverse é prerrogativa dos seres humanos. Somente uns poucos reivindicam esse direito.” Osho

Dedico o trabalho realizado, este relatório, todas as boas leituras e momentos de aprendizado contínuo à minha tia, Camila Berdague (in memorian), por ter me ensinado “o caminho das pedras” para desenvolver este projeto de pesquisa, por sua vida de luta (e de ação transformadora) e por ter me deixado (além de uma vasta biblioteca para a pesquisa) duas mensagens de amor e energia para seguir na caminhada: "somos como o sal ou a luz, somos feitos para mudar os sabores e intensificar as cores!" e o seu lema, eternizado na peixinha Dory, de “Procurando Nemo”, “Continue a nadar”.

Índice 1.Introdução ...................................................................................................... 6 2.Objetivos ........................................................................................................ 8 3.Materiais e Métodos ...................................................................................... 9 4.Referencial Teórico ..................................................................................... 10 4.1. Sociedade e Poder ............................................................................... 10 4.2. Cultura e Espaço Urbano..................................................................... 12 4.3. A Revolução começa pela comunicação e integração ......................18 5. Conclusão.....................................................................................................30 Referências.......................................................................................................33 Apêndice (artigo-base) ...................................................................................35

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1. INTRODUÇÃO

Num certo dia o cidadão acordou irritado. Estava ali calculando seu imposto de renda, pois era o último dia para pagá-lo. Pegou o jornal e na primeira página havia uma notícia sobre um acidente de carro, causado por um desvio feito pelo motorista enquanto tentava fugir de um buraco na estrada. O cidadão ficou ainda mais indignado. Em seguida, ligou o computador e, enquanto acessava uma rede social, viu uma imagem com um gráfico que mostrava os valores percentuais do Produto Interno Bruto (PIB) que são gastos em cada área, surpreendendo-se que cerca de 42% (quarenta e dois por cento) eram gastos com juros e amortização da dívida pública, enquanto meros 3% (três por cento) eram destinados para a educação e menos de 2% (dois por cento) em urbanismo. Daí para frente tudo isso começou a se encaixar. A alegoria acima apresenta uma situação em que a comunicação foi utilizada para apresentar a realidade vivida por milhares de pessoas. Pessoas que trabalham, pagam seus impostos, esperam para pegar ônibus ou dentro do carro durante um engarrafamento; pessoas que, apesar de pagarem os tributos, não têm acesso aos serviços e políticas públicas ou estes não possuem a qualidade equivalente ao que pagam por eles para o Governo. Cidadão como qualquer outra pessoa. Mas não é para ele que “o time joga”, numa alusão à campanha publicitária da Copa do Mundo de 2014, em que as crianças pediam para que os jogadores jogassem por elas, por nunca terem visto o Brasil ser campeão mundial. O cidadão descrito na situação inicial provavelmente também não viu, mas por outros motivos. Partindo destas condições, do cidadão que não recebe dos representantes o que foi prometido durante as campanhas, das dificuldades que se tem no dia-a-dia da vida urbana e de onde eles surgem, este trabalho visa a compreender as relações entre sociedade, poder, cultura, espaço urbano e a comunicação, bem como buscar o papel do cidadão neste contexto complexo e extremamente multável. Seria ele um mero eleitor ou um agente de transformação?

7

Primeiramente é feito um apanhado sobre as relações de poder na sociedade,

as

quatro

esferas

(econômica,

social,

política

e

comunicacional) deste poder que serão enfatizadas ao longo da pesquisa e como se dá a concentração destes poderes. Em seguida, o espaço urbano é contextualizado no plano da cultura, bem como a própria sociedade é colocada nesta conjuntura. Por fim, integram-se os conteúdos, juntamente com um panorama de globalização cultural e das mudanças nos meios comunicacionais, permitindo uma retomada do debate quanto ao papel do cidadão e de efetivação e reconfiguração dos poderes distribuídos em sociedade.

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2. OBJETIVOS Os objetivos iniciais do projeto encontravam-se na questão da análise das políticas públicas e nas formas de gestão do meio urbano. Porém, no decorrer dos estudos, principalmente tendo em vista uma nova perspectiva de formação cultural do espaço urbano e da efetiva variação a partir das relações interpessoais, culturais e comunicacionais dos sujeitos que nele habitam, houve uma mudança considerável nos objetivos do trabalho e na rota de seu desenvolvimento. Sendo assim, esta pesquisa intitulada “A Cidade Sentida” tem como objetivo geral entender a construção e o processo de formação do espaço urbano a partir das relações de poder, comunicação e cultura. Os objetivos específicos são a busca por um modelo de gestão a partir da participação mais efetiva do povo, a retomada do conceito de cidadão como algo mais abrangente, o debate quanto à distribuição e concentração de poderes e à falência da ordem baseada em ideias do século XVIII e XIX.

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3. MATERIAIS E MÉTODOS Durante o período de pesquisa, foram realizados levantamentos bibliográficos, audiovisuais (entrevistas e documentários) e por meio de observação de eventos, que contribuíram para a construção de um raciocínio conciso quanto à temática que se mostrou ampla e passível de várias ramificações interessantes. Para ajudar a delimitar qual o rumo que seguiria o projeto, foi elaborado um artigo-base, construído como um resumo do contexto que se tem até agora nas relações entre poderes, cidadãos,

cultura,

espaço urbano

e

a história.

Este

artigo

foi

compartilhado com outros acadêmicos para que houvesse discussão e aprimoramento de conceitos, conteúdos e perspectivas, bem como receber críticas e sugestões quanto ao que poderia ser enfatizado no trabalho. Além disso, buscaram-se formas de efetivação da participação popular na melhoria do espaço urbano a partir da ação cultural, comunicacional e/ou educacional, tendo conhecido alguns exemplos dentro e fora do Brasil, o que demonstra a viabilidade de outra forma de gestão do espaço urbano em sintonia com as pessoas que nele habitam.

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4. REFERENCIAL TEÓRICO

4.1.

Sociedade e poder Max Weber, em sua obra “Política como Vocação” apresenta uma

noção de Estado relacionada a uma organização dos grupos humanos a partir da esfera de poder, de quem possui e exerce o poder (sendo este legitimador de atos) de violentar, de exercer a força contra os demais. Este poder de coerção do Estado está diretamente relacionado ao fato de que há grupos que detêm maior influência nos contextos político, social, econômico e (este ainda enfatizado a partir da revolução dos meios de comunicação) comunicacional. Quem concentra estas formas de poder tem em mãos ferramentas extremamente poderosas para submeter os demais a seus interesses, sendo, muitas vezes, desvirtuado o motivo de existência do Estado nos moldes de uma ferramenta de equilíbrio e gerenciamento do bem comum. Assim como todos os agrupamentos políticos que o precederam no tempo, o Estado consiste em uma relação de dominação do homem pelo homem, com base no instrumento da violência legítima – ou seja, da violência considerada como legítima. Por conseguinte, o Estado pode existir somente sob condição de que os homens dominados se submetam à autoridade continuamente reivindicada pelos dominadores. Consequentemente, formulam-se as seguintes indagações: Em que condições eles se submetem e por quê? Essa dominação se apoia em que justificações internas e em que meios externos?1

Tendo em vista a situação exposta por Weber e ampliada acima, surge a figura de um Estado que é, então, figura de representação do povo, mas que, em sua composição não são todos aqueles que conseguem exercer o seu poder representativo e/ ou fazer-se ver ou ouvir (mesmo que a Constituição, em seu artigo 5º, determine que deva haver pluralidade) para que seus problemas e anseios sejam atendidos. Há uma polarização de figuras na vida pública que representam, principalmente, os interesses daqueles que possuem os poderes concentrados em si, 1

WEBER, Max. A política como vocação (1918). In Ciência e Política: Duas Vocações. 2. ed. São Paulo: Martin Claret, 2010.

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adquirindo também o poder político, que permite realizar, chamando de bem comum, o que bem entende. Isto provoca verdadeiras aberrações, como por exemplo, os diversos escândalos de superfaturamentos de obras públicas, a criação de certos serviços onde não há tanta necessidade quanto em outro lugar, pagamentos de propina, relações entre políticos e empreiteiros, com direito a viagens em jatinhos privados e doações milionárias para as campanhas eleitorais, entre outras situações que envolvem o mundo da política desvirtuada, que são denunciadas todos os dias pelas revistas, jornais e demais meios de comunicação. A impopularidade do processo político de formulação de leis e administração daquilo que é público, bem como a confusão que se gera entre as esferas do público e do privado fazem com que a população, em sua maioria, queira distanciar-se deste processo, o que a enfraquece enquanto aquela que deveria receber e cobrar do Estado que fossem atendidos seus anseios; bem como fortalece, cada vez mais, a manutenção da grande parcela de poder concentrada nas mãos de poucos, que se aproveitam deste estado catastrófico de alienação desejada e intensificam a despolitização dos demais, inclusive dos semelhantes

que

tem

menos

influência,

gerando

um

ciclo

de

“imobilização”, “estagnação” e conformismo com o que se tem ou com o pouco que é feito. Mas estes poderes não são meramente instituídos por lei, muito menos surgidos de um “contrato social”. Eles vêm da intensa relação entre os sujeitos, o espaço e suas construções histórico-culturais. Não há forma de poder que se mantenha estanque e imutável no processo histórico, nem que se dê de forma hegemônica em todos os agrupamentos humanos (inclusive nas formas de violência), pois certas práticas, formas, símbolos e demais signos podem variar seu sentido ou valor a partir de deslocamentos no tempo e espaço.

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Por exemplo, um padre num país majoritariamente cristão não deve se casar ou constituir família, pois há um entendimento de que isto não é positivo. Já em países majoritariamente mulçumanos ou que estão localizados no Oriente, há padres que se casam, deixam a barba crescer e que até constituem família, pois se compreende de que o homem só é respeitado quando desenvolve tais caracteres, e para que o sigam é necessário ser respeitado2. O poder, ou os signos de poder, são constituídos de acordo com uma construção cultural, variável em termos de tempo, espaço e sujeitos.3 Através deste choque cultural que se evidenciam os poderes e seus portadores. Neste movimento que são produzidas as relações sociais, que, para Weber “é a probabilidade de que uma forma determinada de conduta social tenha, em algum momento, seu sentido partilhado pelos diversos agentes numa sociedade qualquer.”4 Todas se voltam para as relações de poder que se têm entre as pessoas, vez que os tipos de relação são determinados neste jogo de poder. Em suma: as relações sociais são os conteúdos significativos atribuídos por aqueles que agem tomando outro ou outros como referência – conflito, piedade, concorrência, fidelidade, desejo sexual etc. – e as condutas de uns e de outros orientam-se por esse sentido embora não tenham que ter reciprocidade no que diz respeito ao conteúdo.5

É compreensível que as criações humanas também estejam sujeitas a essas noções de conflito, e isto inclui o espaço urbano, a vida política, a

2

O caso se refere aos padres da Igreja Católica Ortodoxa, que está majoritariamente presente no Oriente e que não está associada ao comando do Papa. Sendo assim, os sacerdotes não seguem certos dogmas que são postos aos do Ocidente. 3 Checar o artigo-base (em anexo), onde se encontra uma construção mais profunda quanto às noções de poder, dialética e processo histórico. (BERDAGUE, Lucas. O Cidadão e o Poder: uma história de Direito e Esquerda. Viçosa, MG: UFV, 2014.) 4 QUINTANEIRO, Tania; BARBOSA, Maria Lígia de Oliveira; DE OLIVEIRA, Márcia Gardênia Monteiro. Um Toque de Clássicos: Marx, Durkheim, Weber. 2. ed. rev. e aum. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002. Pg. 118. 5 QUINTANEIRO, Tania; BARBOSA, Maria Lígia de Oliveira; DE OLIVEIRA, Márcia Gardênia Monteiro. Um Toque de Clássicos: Marx, Durkheim, Weber. 2. ed. rev. e aum. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002. Pg. 119.

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pluralidade cultural, de crença, etnia e adequação ideológica como um todo. E estes serão tratados nas seções seguintes.6 4.2. Cultura e Espaço Urbano Na chamada “Era da Informação”, que se consagrou após o desenvolvimento da indústria e posteriormente massificou o processo comunicacional e de êxodo rural, a figura da cidade enquanto palco do cotidiano e cenário para as relações sociais se estabelece como fato. A cidade é a primeira e decisiva esfera cultural do ser humano. E para realçar ainda mais o seu papel está o fato de que hoje, pela primeira vez na história da humanidade, mais da metade da população mundial vive em cidades. A cidade é onde se nasce, se vive, se ama e se morre. É onde se gera o valor econômico e onde se pagam os impostos. Nada mais é preciso para destacar o papel central da cidade na definição das políticas públicas. Num momento de intensas relações globais diretas entre os diferentes atores sociais, o protagonismo da cidade torna-se ainda mais premente e justificado.7

Quando se estuda cidades não pode haver dissociação da ideia de cidadão. Cidadão, para os intérpretes restritivos da Constituição Federal, é aquele que pode votar e ser votado. Cidadão é, para estes, aquele que só exerce sua cidadania a cada 2 (dois) anos ou quando convocados para se manifestar em relação a temas específicos que os representantes venham a necessitar de uma consulta popular, momentos tão raros quanto ganhar na loteria. Estes leitores provavelmente, em épocas passadas, excluiriam do status de cidadão os analfabetos, as mulheres e as crianças (que continuam excluídas quando se analisa ou interpreta apenas a letra da lei), sendo estes sujeitos de direito que também vivem na cidade, compartilham de uma cultura disseminada e que ouvem todos os dias na propaganda da televisão que “com certidão de nascimento, sou cidadão”. A cidadania está então condicionada a um aspecto ao mesmo tempo ativo e passivo. Ativo no sentido de poder escolher quem lhe 6

Convém chegar o artigo-base (em anexo) para um referencial histórico quanto à formação cultural da sociedade industrial e da nova ordem social, política, econômica e comunicacional. (BERDAGUE, Lucas. O Cidadão e o Poder: uma história de Direito e Esquerda. Viçosa, MG: UFV, 2014.) 7 COELHO, Teixeira (org.); RODRIGUEZ, Arantxa; HEINRICH, Bettina; CALIL, Carlos Augusto; BOLÁN, Eduardo Nivón; BELDA, Elisenda; PASCUAL, Jordi; CANCLINI, Néstor García; ABRAMO, Pedro; WILLIAMS, Richard J.; DAVIES, Rita. A Cultura pela Cidade. São Paulo: Iluminuras, 2008. Pg. 9.

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representa e passivo do ponto de vista de ter que consentir com o que lhe for posto a partir daí por aqueles que estiverem no governo. O processo civilizatório impõe então modelos de cidadania, que dividem aqueles que são “civilizados”, “cidadãos”, “cultos”, “racionais”, daqueles que são “irracionais”, “ignorantes”, “rurais” (ou “selvagens”), “sem cultura”, seja no debate corriqueiro, coloquial, até mesmo nas altas cúpulas acadêmicas. Tudo se volta para um debate antropológico clássico entre o que é humano e o que não é, em que são utilizados conceitos de hierarquia e alteridade. Sendo assim, aquilo que não se encaixa nos moldes do que é cidadão, não recebe a carga de direitos (e deveres) que caberia a um. O cidadão se apresenta enquanto uma possibilidade para muitas pessoas, mas que, efetivamente, se dá para poucos indivíduos. O que é necessário entender é que a própria noção de cidadão varia, pois é uma construção cultural. Sendo construção cultural, ela também varia no espaço, tempo e sujeitos. “A ideia de cultura como conjunto de iniciativas que atendem a reivindicações das diferentes linguagens e gêneros clássicos, numa clássica visão de cultura, continua necessária” (COELHO, 2008). A cultura é, portanto, aquilo que diferencia a humanidade do restante dos seres da natureza. Mas não é a cultura enquanto um produto específico da humanidade, mas sim a capacidade de produzi-la, de haver pluralidade, a característica predominante da humanidade é a sua produção de diversidade no conceito daquilo que é humano. Cultura é então a produção humana em si. O próprio processo civilizatório é produto da cultura. Haja vista que alguns grupos não têm a necessidade de conquistar o outro, enquanto outros têm a ânsia de disseminar sua visão de mundo enquanto “a certa” para todos os outros povos.

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Sendo o ser humano um “animal cultural”, e não necessariamente apenas um “animal racional”, como entendiam os socráticos, ele está aí para construir a realidade em que se encontra. Isto inclui as noções de “certo” e “errado”, “feio” e “belo”, “justo” e “injusto”, “urbano” e “rural”, entre outras. A ação humana transforma também o meio de acordo com sua cultura, fazendo-o mais apto a expressá-la e a atender a suas necessidades. As cidades se confirmam como o local onde as relações entre o homem e a natureza são estruturadas. Muito mais complexa do que a simples expansão de uma infraestrutura física, essas relações – pessoais ou sociais – subverteram a ordem ecológica que regula a vida das comunidades com seu entorno, gerando uma nova fenomenologia, a fenomenologia urbana. Abriu-se assim, para os estudiosos dos fenômenos sociais, um imenso campo conceitual e operacional, que exigiu novos paradigmas e a revisão constante das inter-relações que engendram e integram o fenômeno urbano. 8

Camila Berdague, em sua tese “A Autopoiese Urbana”, trabalha com o estudo do espaço urbano enquanto sistema, comparando-o inclusive com uma estrutura cerebral, que possui características de plasticidade e de profunda integração e inter-relação, podendo se transformar e inclusive se auto-organizar, a partir de toda uma série de interações de sentidos, uma vez que o próprio espaço urbano seria um sistema social, que

por

sua

vez “segue

regras

comunicativas

e

autocriativas”

(BERDAGUE, 2004). Nisto surge a distinção entre urbano e cidade: Concebeu-se então o urbano como um subsistema ou semiosfera da sociedade humana total, que gera e é gerado pela cultura urbana, e que tem como diferença diretriz a dicotomia cidade/campo. Esta dicotomia opera como elemento de distinção física, psíquica e social, conformando uma identidade urbana. O urbano é autocriativo (produz continuamente a si próprio), autolimitado (opera distinções que conformam a fronteira) e autoperpetuador (é capaz de desenvolver sua própria filogenia) O seu processo de formação e expansão – urbanização – é um processo autopoiético, um contínuo ser e fazer cujo intermédio distingue-se do meio natural. As cidades, por sua vez, são subsistemas dentro do urbano (constituídos por elementos físicos e simbólicos), criados e selecionados ao longo do tempo pela cultura de modo que sua inter-relação garantisse maior plasticidade ao 8

BERDAGUE, Camila da Silva. A autopoiese urbana: degradação e revitalização da cidade. Viçosa, MG: UFV, 2004.

16 sistema como um todo. Além de subsistemas do urbano, as cidades também são formas físicas de armazenamento e transmissão de linguagem, acopladas sincronicamente com sistemas psíquicos e sociais, conformando uma rede de atualizações (influências) cíclicas e recorrentes. São a manifestação física – através de redes e interações entre a malha viária e espaços públicos e privados – das nossas redes e interações sociais. Assim como o urbano, as cidades são capazes de produzir a si mesmas e especificar seus próprios limites.9

Essa capacidade do espaço urbano, bem como das cidades, de se produzir e inovar é uma característica essencial aos produtos da cultura, que se transforma pela história. Tome como exemplo a evolução de cidades como São Paulo e Salvador, que de acordo com as necessidades de determinado momento, para certos sujeitos que detinham o poder de decidir quanto ao que fazer, tiveram seus cores10 deslocados, pensando, inclusive, na perspectiva da Teoria da Centralidade, em que o core da cidade se desloca do centro para as periferias, até que chega um ponto em que retorna ao centro. Esta perspectiva de mudanças a partir dos novos paradigmas da sociedade se aplica desde a formação de uma pequena vizinhança ao mais alto grau de organização nacional. Henri Lefebvre, em “A Revolução Urbana”, escreve: “ (...) O problema urbano deixou de ser um problema municipal para tornar-se nacional e mundial.”11 E aparentemente há outros que concordam com esta noção, como é o caso de Milton Santos e seus ricos trabalhos sobre o processo de globalização, seus efeitos em relação às culturas regionais, bem como as formas como os Estados passam a lidar com as questões urbanas a partir da tentativa de hegemonização cultural, sendo que, como visto anteriormente, o que diferencia o ser humano de outros animais é a diversidade de suas produções, a possibilidade de se diferenciar drasticamente do outro em 9

BERDAGUE, Camila da Silva. A autopoiese urbana: degradação e revitalização da cidade. Viçosa, MG: UFV, 2004. (Grifos da autora) 10 Core é entendido enquanto o centro ou localidade que concentra maior atenção na cidade, para onde os “holofotes urbanos” apontam e torna-se mais evidente no contexto daquele território. Pode também ser compreendido em escalas maiores de espaço urbano, como em regiões, Estados e demais. Geralmente é onde se encontram os serviços e mercadorias com maior facilidade e eficiência, além da população mais abastada ou que tem a maior concentração de poder em cada uma de suas esferas anteriormente citadas. 11 LEFEBVRE, Heri. A REVOLUÇÃO URBANA. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002.

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formas, cores e costumes e, ainda assim, reconhecer a si e ao outro enquanto humanos. Essa tentativa de formulação de standards, padrões ou, nos termos de Weber, tipos ideais12, acaba por se repetir no espaço urbano, algo extremamente notável quando se percebe, por exemplo, a entrada de franquias multinacionais em cidades do Brasil, mas que mantém o mesmo padrão de construção de outros lugares do mundo. O pensamento industrial é extremamente responsável por este resultado, sendo, inclusive, criticado por Lefebvre. Para tentar vencer as tendências urbanas que se tem hoje, são apresentadas duas estratégias13: Estratégia do conhecimento: a) a crítica radical disso que se chama urbanismo, de sua ambiguidade, de suas contradições, de suas variantes, do que revelam e do que ocultam; b) a elaboração de uma ciência do fenômeno urbano, partindo de sua forma e de seus conteúdos (visando a convergência, tendendo à unidade desses dois caminhos). Estratégia política: a) a introdução da problemática urbana na vida política, colocando-a no primeiro plano; b) a elaboração de um programa cujo primeiro artigo será a autogestão generalizada. Com efeito, a autogestão introduzida, não sem dificuldades, na indústria pode “induzir” a autogestão urbana. Mas esta pode adiantar-se e induzir, por seu turno, a prática da autogestão na indústria. Assim como na indústria, a autogestão na vida urbana não se basta. Tomada à parte, no que concerne a cada unidade isolada, está fadada ao fracasso. Os problemas da autogestão urbana vinculam-se aos da autogestão industrial, ultrapassando-os. Trata-se, também, do mercado, do controle dos investimentos, ou seja, de um programa geral; 12

“Um conceito ideal é normalmente uma simplificação e generalização da realidade. Partindo desse modelo, é possível analisar diversos fatos reais como desvios do ideal: Tais construções (...) permitem-nos ver se, em traços particulares ou em seu caráter total, os fenômenos se aproximam de uma de nossas construções, determinar o grau de aproximação do fenômeno histórico e o tipo construído teoricamente. Sob esse aspecto, a construção é simplesmente um recurso técnico que facilita uma disposição e terminologia mais lúcidas.” Citando Weber em: QUINTANEIRO, Tania; BARBOSA, Maria Lígia de Oliveira; DE OLIVEIRA, Márcia Gardênia Monteiro. Um Toque de Clássicos: Marx, Durkheim, Weber. 2. ed. rev. e aum. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002. 13 LEFEBVRE, Heri. A REVOLUÇÃO URBANA. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002. Pg. 137.

18 c) a introdução, no sistema contratual, ampliado, transformado, concretizado, do direito à cidade (isto é, do direito a não ser excluído da centralidade e de seu movimento).

Com isto, abre-se espaço para uma nova agenda para trabalhar o urbano, uma forma de análise inclusiva e compreensiva, que desloca o pensamento para o espaço urbano enquanto algo que vai além da produção capitalista e da mera moradia. Começa-se a pensar no urbano justamente como um local de interação e de produção cultural entre os seres humanos, mais do que no meio rural, onde as relações se dão de maneira prioritariamente mecânica, de forma menos complexa do que o embaralhado contexto das cidades, por exemplo. O próprio mundo se instala nos lugares, sobretudo as grandes cidades, pela presença maciça de uma humanidade misturada, vinda de todos os quadrantes e trazendo consigo interpretações variadas e múltiplas, que ao mesmo se chocam e colaboram na produção renovada do entendimento e da crítica da existência. Assim, o cotidiano de cada um se enriquece, pela experiência própria e pela do vizinho, tanto pelas realizações atuais como pelas perspectivas de futuro. As dialéticas da vida nos lugares, agora mais enriquecidas, são paralelamente o caldo de cultura necessário à proposição e ao exercício de uma nova política.14

É nesta interação cultural, entre vizinhos, familiares, amigos, do mercado, entre estranhos que pegam o mesmo transporte coletivo ou que presenciam a mesma realidade política todos os dias que a fagulha da mudança causa a combustão necessária para o processo de construção e reprogramação do espaço urbano.

4.3. A Revolução começa pela comunicação e integração Na seção anterior, foi trabalhada uma noção de cidadania com polos ativo e passivo. Cabe agora ampliar a abordagem quanto a este tema e integrá-lo no debate que se segue: A grande ironia é que passa a considerar como nação ativa aquela que obedece cegamente ao desígnio globalitário, enquanto o resto acaba por constituir, desse ponto de vista, a nação passiva. A fazer valer tais postulados, a nação ativa seria a daqueles que aceitam, pregam e conduzem uma modernização que dá preeminência aos ajustes que

14

SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: Do pensamento único à consciência universal. São Paulo: Editora Record, 2000. Pg.84.

19 interessam ao dinheiro, enquanto a nação passiva seria formada por tudo ou mais. Serão mesmo adequadas essas expressões? Ou aquilo a que, desse modo, se está chamado de nação ativa seria, na realidade, a nação passiva, enquanto a nação chamada passiva seria, de fato, a nação ativa?15

Milton Santos apresenta um problema terminológico quanto à subdivisão da nação entre aqueles que se colocam alinhados à conjuntura global de hegemonização cultural e aqueles que não seguem tais tendências. Ora, chamar aqueles que se mostram resistentes ao processo de incorporação cultural de passivos é um equívoco do ponto de vista da pluralidade e da diversidade cultural, ainda mais se for defendido um modelo de democracia global. Uma democracia para iguais padronizados? E de quem seria este padrão? Quem define a cultura a ser hegemonizada? Quem pode definir que é do interesse de todos terem um padrão de consumo de determinadas ideologias ou que determinada forma de comportamento é aceita ou não para todos os homens e mulheres? Quem pode tirar do ser humano, enquanto ser cultural, o que lhe faz peculiar em relação aos demais seres da natureza? E por que aqueles que aceitam que certa cultura se estabeleça são parte da nação ativa se estão meramente recebendo esta carga externa? A nação chamada ativa alimenta sua ação com a prevalência de um sistema ideológico que define as ideias de prosperidade e de riqueza e, paralelamente, a produção da conformidade. A “nação ativa” aparece como fluida, veloz, externamente articulada, internamente desarticuladora, entrópica. Será ela dinâmica? Como essa ideia é muito difundida, cabe lembrar que velocidade não é dinamismo. Esse movimento não é próprio, mas atribuído, tomado emprestado a um motor externo; ele não é genuíno, não tem finalidade, é desprovido de tecnologia. Trata-se de uma agitação cega, um projeto equivocado, um dinamismo do diabo.16

É evidenciada uma questão ainda mais intrigante: a cultura a ser disseminada pelo processo globalizatório tende a reafirmar os problemas levantados na seção em que foi trabalhada a relação de Sociedade e Poder deste trabalho, uma cultura de verdadeira alienação política e 15

Idem. SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: Do pensamento único à consciência universal. São Paulo: Editora Record, 2000. Pg.76. 16

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participativa em relação à vida pública, mantendo as pessoas cada vez mais enjauladas em suas pequenas esferas de individualidade, características encorajadas pela revolução burguesa do pós-absolutismo do século XIX, principalmente.17 A tomada de poder por parte dos grandes proprietários do capital e o estabelecimento de regras para reger as relações, a partir de uma imposição da vontade de determinados grupos dotados de poder, sendo ele econômico, social, comunicacional e agora político, fez com que os demais membros da população ficassem à mercê das promessas feitas no processo de tomada da Coroa (igualdade, liberdade e fraternidade), mas que foram totalmente deturpadas pelo novo governo burguês. A igualdade, ao invés de representar uma ideia de diversidade e de equilíbrio entre os indivíduos, tomou uma forma de padronização e reforço das desigualdades, criando apenas uma fantasia de isonomia perante a lei, mas que nem era tão verídico assim, uma vez que as categorias de abstração e generalidade também se vinculavam ao tipo de sujeito, que em grande parte tratava o cidadão como um tipo ideal que não era o estereótipo de todas as pessoas que existiam naquele local. A liberdade, ao invés de colaborar com as escolhas individuais e fomentar a busca pela felicidade e plenitude dos sujeitos, apareceu enquanto mera liberdade para que os industriais pudessem empregar ou não quem quisessem em seus negócios, fazendo também com as suas propriedades o que bem entendessem. A fraternidade foi a que mais abandonaram: a única que restou foi entre os próprios burgueses e seus amigos

banqueiros

nos

momentos

de

grandes

crises

ou

de

intervencionismo estatal. É problemático (do ponto de vista cultural) que se tenha uma hegemonia de passividade e de um discurso único, algo como uma naturalização da desigualdade e das mazelas decorrentes da má distribuição das parcelas de poder para cada pessoa. Ainda pior que isto 17

Vide artigo-base para melhor compreensão do contexto histórico (em anexo) (BERDAGUE, Lucas. O Cidadão e o Poder: uma história de Direito e Esquerda. Viçosa, MG: UFV, 2014.).

21

é a defesa deste sistema por parte dos desvalorizados (aqueles que não concentram tanto poder), que, por não terem acesso a uma formação ampla e esclarecedora, bem como geradora de uma consciência histórico-crítica, acabam por se agarrar nas crenças limitantes mais do que seus próprios algozes. Salvo a situação de poucos insurgentes desconfiados (que não se contentam com a divisão das parcelas de poder como ela se dá), o discurso único, aquele do “ser normal”, do “comum”, da padronização do trabalhador, da classificação ou da formação de castas por força de uma hierarquia convencionada persiste e tende a se estagnar. Marx apresentava a noção da divisão do trabalho quanto aos que têm os meios de produção e aqueles que não têm, e que por isso vendiam sua força de trabalho para os que têm, em troca de um salário, que representa uma quantia para a subsistência, mas que não reflete todo o valor que ele produz. Ainda persiste essa ideia de divisão, mas ela evoluiu radicalmente, diferente do que pregam pensadores de esquerda que pararam na leitura que Marx fez nos primórdios do processo de industrialização massificada. O filósofo alemão talvez não sonhasse com a possibilidade de um dia a informação e os processos comunicacionais serem mais valiosos do que a mercadoria material em si.18 Em todos os casos, a informação joga um papel parecido àquele que no passado remoto era destinado à energia. Antigamente, sobretudo antes da existência humana, o que reunia as diferentes porções de um território era a energia, oriunda dos próprios processos naturais. Ao longo da história é a informação que vai ganhando essa função, para ser hoje o verdadeiro instrumento de união entre as diversas partes de um território.19

18

Para melhor compreensão da nova divisão do trabalho, vide artigo-base (em anexo) (BERDAGUE, Lucas. O Cidadão e o Poder: uma história de Direito e Esquerda. Viçosa, MG: UFV, 2014.). Vale ainda evidenciar as entrevistas de Massimo Canevacci (ENTRELINHAS – Fetiches Urbanos. Produtor desconhecido. TV Cultura, 2009. Disponível em:. Acesso em: 30 ago. 2013, 18:30:30.) (Massimo Canevacci: Autorrepresentação e multiprotagonismo. Produtor desconhecido. Disponível em:. Acesso em: 30 ago.2013, 18:20:30.) 19 SANTOS, Milton; DE SOUZA, Maria Adélia; SILVEIRA, Maria Laura.(org.) TERRITÓRIO: Globalização e Fragmentação. São Paulo: Editora Hucitec, 1998.Pg. 17.

22

É no século XX que as mídias de massa se proliferaram com vigor. Surgiram as mídias audiovisuais, as novelas (que proliferam a hegemonização cultural a todo o tempo nos lares), as conversas por telefone – inclusive celular – , as fotos instantâneas, as câmeras de vídeo, as fitas cassetes, o Photoshop20, as mensagens de texto e os dois marcantes inventos que mudaram completamente a maneira como o ser humano vive e age na atualidade, criando novos vícios, transtornos e condições de relação social: o computador pessoal e a internet. Todos esses meios de comunicação de massa foram criados pela indústria, que é quem possui as técnicas e os meios de produção, mas acabaram se tornando populares conforme passava o tempo. O acesso à informação tornou-se uma moeda de troca, um símbolo de status social e um marco político mais importante do que os bens materiais acumulados. A comunicação tomou as rédeas das relações sociais e apresentou-se como uma questão nevrálgica para filósofos, sociólogos e demais profissionais das áreas das Ciências Humanas, que se evidenciou como uma situação jamais pensada pelos clássicos. Mais teorias e idealizações precisavam ser feitas, e rápido, pois a evolução dos meios de comunicação não esperava ser compreendida para que avançasse. A grande mutação tecnológica é dada com a emergência das técnicas da informação, as quais – ao contrário das técnicas das máquinas – são constitucionalmente divisíveis, flexíveis e dóceis, adaptáveis a todos os meios e culturas, ainda que seu uso perverso atual seja subordinado aos interesses dos grandes capitais. Mas, quando sua utilização for democratizada, essas técnicas doces estarão ao serviço do homem.21

O problema do discurso único é o fim das perspectivas divergentes. Se não há oposição, não há dialética, o que força uma estagnação da situação. O discurso único gera conformismo e naturalidade, sendo assim, é uma erva daninha a ser arrancada para que voltem a florescer as demais formas de pensar o mundo. E quem deve remover este mal pela 20

Software de edição de imagens SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: Do pensamento único à consciência universal. São Paulo: Editora Record, 2000. Pg.85. 21

23

raiz são os revolucionários. Não necessariamente com violência, mas utilizando dos mesmos métodos que os detentores de poder dispõem para a dominação, que no contexto da era da informação, são os meios de comunicação. Quem seriam estes revolucionários? De onde surgiriam? Por que agiriam? E por que não agem? [...] na medida em que as técnicas cada vez mais se dão como normas e a vida se desenrola no interior de um oceano de técnicas, acabamos por viver uma politização generalizada. A rapidez dos processos conduz a uma rapidez nas mudanças e, por conseguinte, aprofunda a necessidade de produção de novos entes organizadores. Isso se dá nos diversos níveis da vida social. Nada de relevante é feito sem normas. Neste fim do século XX, tudo é política. E, graças às técnicas utilizadas no período contemporâneo e ao papel centralizador dos agentes hegemônicos, que são planetários, torna-se ubíqua a presença de processos distorcidos e exigentes de reordenamento. Por isso a política aparece como um dado indispensável e onipresente, abrangendo praticamente a totalidade das ações.22

As respostas para essas questões são diversas, mas todas estão centradas no ponto da divisão de poderes. Há uma noção de que existe gente famosa, influente. Estas pessoas geralmente detêm grande quantidade de poder em pelo menos uma de suas esferas, que neste trabalho está dividido em econômico, social, político e comunicacional. Não são estas pessoas que começarão a revolução, pois os serviços e políticas públicas chegam primeiro para eles por estarem em evidência. Quem deve começar a revolução do direito à cidade é quem não está em evidência, quem não está tendo acesso às condições de vida digna. Em geral, aqueles que estão com a menor concentração de poder no gráfico da divisão entre as pessoas de cada sociedade. As políticas públicas23 e os serviços não chegam a essas pessoas porque não interessa ao Poder Público - que, como mencionado 22

SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: Do pensamento único à consciência universal. São Paulo: Editora Record, 2000. Pg.79. 23 “Políticas públicas são conjuntos de programas, ações e atividades desenvolvidas pelo Estado diretamente ou indiretamente, com a participação de entes públicos ou privados, que visam assegurar determinado direito de cidadania, de forma difusa ou para determinado

24

anteriormente, às vezes se confunde com a ordem privada – que determinadas camadas da sociedade avancem no processo de conquista de dignidade (no sentido de terem as condições para suprir suas necessidades enquanto seres culturais, biológicos e diversos), para que vivam sempre à margem daquilo que necessitam para sobreviver e continuar a vender sua força de trabalho para o sistema. Não chegam porque o sistema precisa da miséria para se sustentar.24 Miséria essa que não é apenas econômica, mas cultural como um todo, pois são retiradas dessas pessoas as condições de se destacarem social e politicamente, além de haver uma censura quanto ao que acontece com estes grupos em relação ao que é feito contra eles por aqueles que detêm maior quantidade de poder. As próprias mídias tradicionais, como a televisão (TV), o rádio, jornais e revistas – que por sinal são concessões do Poder Público, e não propriedade eterna dos interesses privados – divulgam e estimulam o “processo civilizatório”25 todos os dias contra aqueles que não se adaptaram ou não possuem as mesmas convicções massificadas. Mas este movimento se mostra menos efetivo, uma vez que as mídias tradicionais têm sido deixadas em segundo plano e os consumidores têm buscado cada vez mais as mídias alternativas, como os jornais virtuais, as redes sociais, podcasts26 e demais serviços online para ter acesso à informação instantânea e variada, além do contato aproximado das novas

seguimento social, cultural, étnico ou econômico. As políticas públicas correspondem a direitos assegurados constitucionalmente ou que se afirmam graças ao reconhecimento por parte da sociedade e/ou pelos poderes públicos enquanto novos direitos das pessoas, comunidades, coisas ou outros bens materiais ou imateriais.” Definição retirada do site do Ministério de Meio Ambiente. Disponível em:< http://www.meioambiente.pr.gov.br/arquivos/File/coea/pncpr/O_que_sao_PoliticasPublicas.pdf> Acesso em: 12 ago. 2014, 20:50:00. 24

Este tema aparece tanto na obra referenciada acima quanto no documentário baseado na mesma (Encontro com Milton Santos: O mundo global visto do lado de cá. Produção de Sílvio Tendler. Brasil: Caliban Produções Cinematográficas, 2006. Disponível em:< http://youtu.be/Vyw-abhInxw>. Acesso em 30 ago. 2013, 19:00:00.). 25

Entende-se o processo civilizatório, neste momento, como a hegemonização de uma cultura, em que determinado grupo – que supostamente se considera superior, “civilizado” – procura impor a outro os seus ritos e costumes, bem como a sua organização nas esferas de poder. 26 Canais de difusão de conteúdo online.

25

gerações com os produtos derivados da evolução dos meios de comunicação dos períodos que antecederam e sucederam as duas grandes Guerras Mundiais, que foram, além de grandes conflitos bélicos, um grande laboratório de propaganda de massa. Essas

mídias

alternativas

são

acessíveis,

plurais,

autorrepresentativas e permitem o multiprotagonismo27 nas mais diversas camadas da sociedade, situação que, até o final do século XIX, seria impensável, além de muito pouco provável até o início da década de 80, que foi considerada como marco para o início da era da informação, inclusive pela queda de uma das duas potências mundiais e disseminação das técnicas de comunicação pelo mundo, sendo também conhecida

como

a

década

em

que

um

dos

estilos

musicais

revolucionários teve seu momento de auge, com bandas de Hard Rock se destacando no repertório internacional. Dir-se-á, então, que o computador reduz – tendencialmente – o efeito da pretensa lei segundo a qual a inovação técnica conduz paralelamente a uma concentração econômica. Os novos instrumentos, pela sua própria natureza, abrem possibilidades para sua disseminação no corpo social, superando as clivagens socioeconômicas preexistentes. Sob condições políticas favoráveis, a materialidade simbolizada pelo computador é capaz não só de assegurar a liberação da inventividade como torná-la efetiva. A desnecessidade, nas sociedades complexas e socioeconomicamente desiguais, de adotar universalmente computadores de última geração afastará, também, o risco de que distorções e desequilíbrios sejam agravados. E a ideia de distância cultural, subjacente à teoria e à prática do imperialismo, atinge, também, seu limite. As técnicas contemporâneas são mais fáceis de inventar, imitar ou reproduzir que os modos de fazer que as precederam.28

Haja vista estes detalhes são infinitas as possibilidades a partir da tomada do poder comunicacional utilizando as mídias alternativas e a sua 27

Dois conceitos utilizados pelo antropólogo Massimo Canevacci, que refletem a possibilidade do sujeito representar a si mesmo com relação ao que é ou como conceito, isso sem ser ele o único capaz de fazê-lo, e ao mesmo tempo ter mais de um protagonista na história de determinada cultura ou grupo. Em suma, é dizer quem sou e deixar que os outros digam quem são, indo além dos tipos impostos a cada um. É uma forma de construção da identidade. (Massimo Canevacci: Autorrepresentação e multiprotagonismo. Produtor desconhecido. Disponível em:. Acesso em: 30 ago.2013, 18:20:30.) 28 SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: Do pensamento único à consciência universal. São Paulo: Editora Record, 2000. Pg.80.

26

capacidade de integrar as pessoas com interesses em comum. No documentário “Encontro com Milton Santos: O mundo global visto do lado de cá”29, o geógrafo baiano apresenta uma nova condição para a saída de uma situação de inacessibilidade em relação aos serviços e políticas públicas para quem necessita a partir da tomada dos materiais e técnicas da cultura de massa para a cultura popular, uma vez que apenas a cultura popular, regional, artesanal e não industrializada e padronizada, que contrapõe a hegemonia de uma cultura globalizante, que exclui aqueles que não possuem condições de pagar o preço por um espaço de prestígio no panorama global da distribuição de poderes. Estamos convencidos de que a mudança histórica em perspectiva provirá de um movimento de baixo para cima, tendo como atores principais os países subdesenvolvidos e não os países ricos; os deserdados e os pobres e não os opulentos e outras classes obesas; o indivíduo liberado participe das novas massas e não o homem acorrentado; o pensamento livre e não o discurso único. Mas há também – e felizmente – a possibilidade, cada vez mais frequente, de uma revanche da cultura popular sobre a cultura de massa, quando, por exemplo, ela se difunde mediante o uso dos instrumentos que na origem são próprios da cultura de massas. Estamos saindo de um período técnico para entrar no período popular da história [...] 30

Porém, nem Marx, nem Milton Santos concebem e inserem a comunicação

como

uma

esfera

de

poder.

É

na

antropologia

comunicacional urbana que se encontra esta noção de comunicação como poder, e não como mera moeda de troca ou ferramenta para alcançar o poder. Ela é tudo isso, mas também é esfera de poder. Quando Massimo Canevacci, em seu livro “A Cidade Polifônica”31 estudou a cidade de São Paulo, ele se deparou com uma situação intrigante: a Rua Augusta. Nesta rua coexistem escolas, bares, prostíbulos e outras formas e serviços urbanos, todas com seus signos e fetiches urbanos32 que tornam a interação destas construções e de seus usuários ao mesmo 29

Encontro com Milton Santos: O mundo global visto do lado de cá. Produção de Sílvio Tendler. Brasil: Caliban Produções Cinematográficas, 2006. Disponível em:< http://youtu.be/Vyw-abhInxw>. Acesso em 30 ago. 2013, 19:00:00. 30 Idem. 31 CANEVACCI, Massimo. A Cidade Polifônica: Ensaio sobre a Antropologia da Comunicação Urbana. 2. ed.. São Paulo: Studio Nobel, 2004. 32 Ver artigo-base. Seção 3 (em anexo). (BERDAGUE, Lucas. O Cidadão e o Poder: uma história de Direito e Esquerda. Viçosa, MG: UFV, 2014.)

27

tempo em que conflituosa (por cada um tentar tomar para si uma parcela maior da atenção comunicativa), harmônica (no sentido de coexistirem sem que haja um espanto drástico entre os habitantes da vizinhança). Este aspecto pode ser analisado em escalas micro e macro, desde os indivíduos aos bairros, cidades de uma região metropolitana ou até mesmo Estados. Todos disputam um espaço virtual de atenção. A comunicação aparece como plano de disputa, assim como a economia, o contexto social e a política. Neste sentido, se na formação da pessoa existir uma preocupação com a sua forma de expressar o que sente ou o que necessita, haverá uma retomada do debate quanto ao significado do ser cidadão e qual o seu papel na sociedade. Aparecerá o cidadão enquanto membro ativo da autopoiese urbana, do processo de formação e desenvolvimento do espaço que fora designado para atender às necessidades do coletivo. É a partir da retomada do conceito de cidadania, não mais como mero eleitor e possível eleito, mas como um agente de transformação histórica, aquele que propõe e que critica para que o motor da mudança continue a rodar. Deve o cidadão ser transformado num sujeito histórico-crítico. Se todos, segundo prerrogativa de direitos e deveres, são cidadãos, todos são integrantes do povo, que é detentor originário do poder do Estado e tem, além de a possibilidade, o dever de se fazer ouvir e ser atendido por aqueles que estão como representantes do povo, e não dos interesses particulares (mesmo que seja apenas no papel, é uma convenção válida na conjuntura como um todo, que deve ser aproveitada a todo custo). Se o cidadão se escusa de sua atividade política, se deixa de buscar ser ouvir, não haverá mudança na situação, as concentrações de poderes continuarão como estão, assim como as condições de exploração dos fracos pelos mais fortes.

28

Não há revolução sem barulho. Mesmo que seja o barulho ensurdecido de uma multidão que se faz ver. Não há síntese se a contradição não puder ser percebida pelos sentidos. Se uma proposta for meramente descrita em livros, sem a práxis, não haverá qualquer tipo de mudança, apenas uma manutenção da situação degradante na qual se encontra a maior parte da população nacional, daqueles que contribuem para o Estado esperando que este lhe sirva com serviços e direitos com excelência, mas que acaba pagando mais de duas vezes por tais. Quando se paga a escola particular de um filho, por exemplo, além do valor mensal, está sendo pago o tributo para que o Estado dê uma educação pública de qualidade, sendo que algumas vezes este serviço privado também é incompleto, tendo que desembolsar uma quantia a mais para que o filho faça um curso de língua estrangeira ou pratique alguma atividade física ou mesmo tenha aulas de reforço. Quando faz isso, o cidadão está sendo lesado três vezes em seu direito à educação e à vida digna. Mas não serão os velhos hegemonizadores, ou os próprios políticos que se tem hoje que farão essa revolução urbana. O movimento começará da juventude, que é a parcela da população que nasceu com os meios alternativos, e que por isso são a alternativa. São estes que nasceram muito mais “ligados” no computador - assistindo aos vídeos no Youtube - do que na tela da TV, assistindo ao William Bonner apresentando desastres variados e colapsos econômicos. São estes que aprenderam, desde o berço, a terem os eletrônicos como partes do corpo, que estão a todo o tempo interagindo e se comunicando no espaço virtual da comunicação. Eles que podem se houver uma formação para tal, recuperar aquilo que o espaço urbano, as

29

cidades e suas demais ramificações têm de melhor, bem como a cultura: serem plurais e serem sentidas. Terem sentido. Fazerem sentido.33

33

Quanto a este aspecto, Canevacci afirma: “Esse tipo de movimento – principalmente da juventude urbana e metropolitana – tem a característica, agora e também no passado, de ser baseado no improviso, na explosão espontânea, de não ter uma liderança ou um partido político para dirigir. Essa espontaneidade é, em grande parte, baseada num tipo de qualidade de vida da juventude, da movimentação, do movimentar, do transitar. A possibilidade de se mover no espaço urbano é fundamental para essa juventude.” (DOURADO, Flávia. As manifestações nas ruas em debate. Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo. São Paulo, 27 jun. 2013. Disponível em:. Acesso em 12 ago. 2014, às 20:00:00.)

30

5. CONCLUSÃO Após esta tentativa de compreender a complexidade que integra as relações da sociedade, poder e espaço urbano, torna-se relativamente fácil de entender este conjunto como produtos culturais e que, por isso, seus conteúdos, formas e distribuição variam de acordo com o tempo, o espaço e os sujeitos. Estão todos submetidos à hierarquia e a alteridade, bem como disputam entre si um espaço virtual no contexto global de comunicação. O que pode ser chamado também de “holofotes do mundo”, em alusão à Teoria da Centralidade anteriormente trabalhada, mas em macro escala. Não é de se surpreender que o espaço urbano e seus derivados, como as cidades, tenham um comportamento parecido com as agregações humanas, que se auto-organizam e se autoproduzem num eterno ser e fazer, pois, assim como as pessoas, o espaço urbano só pode ser compreendido quando contextualizado e só se produz (e se renova) se o motor da História estiver rodando no processo dialético de afirmação, contestação e síntese. Bem como os seres humanos, ele também possui características de produção e armazenamento de memórias, produção de linguagens próprias, significados, além de um desejo de expansão e agregação, de ser mais do que uma mera “ferramenta da vontade divina”, sendo o Estado sua representação de divindade34. O espaço urbano vai além do próprio planejamento, pois não se pode ter controle da ação humana na natureza a todo o momento, pois o Estado não consegue (mesmo tendo esta pretensão) estar em todos os lugares ao mesmo tempo (e às vezes em tempo nenhum). Nesta perspectiva, a não possibilidade do Estado tornar a situação no ideal da igualdade, liberdade e fraternidade entre as pessoas em todas as esferas de poder faz com que haja um embate entre aqueles que possuem a atenção para as suas causas, enquanto outros demais são

34

Divino no sentido metafísico, místico, com um propósito definido por um ser superior.

31

deixados às margens da sociedade, sem acesso aos serviços e políticas públicas. Isto também é observado nas relações entre os espaços urbanos, quando, por exemplo, um bairro periférico com a maior concentração populacional não possui acesso ao transporte público, quando se percebe que a polícia só existe por lá quando, à noite, “invade” para caçar os traficantes de drogas, enquanto o centro da mesma cidade, onde fica a maior concentração de poderes e de bens de valor, tem viaturas rondando a todo o momento nos horários de comércio. Quando o processo de deslocamento do centro ocorre, levando consigo a concentração de poderes (arrastando juntamente as luzes do “holofote do poder público”), os serviços e políticas públicas também se deslocam. O acesso a eles começa a ser dificultado aos que precisam, pois o desenvolvimento do urbano trás consigo empecilhos para os que detêm

menos

recursos,

inclusive

deixando

algumas

localidades

inacessíveis para quem não possui veículos, além de perigoso se tentar continuar indo a pé. É o caso de lugares em que existem vias expressas. Grandes são os números de acidentes que ocorrem com pessoas que constroem ao redor destas vias, pois não há condições de se deslocar de forma segura enquanto os automóveis passam em alta velocidade. É a partir dessas constatações que o Estado deve planejar suas políticas públicas e suas medidas administrativas retomando o debate cultural. Não se pode pensar a cidade, ou o urbano como um todo, tendo em vista uma cultura hegemônica e global. As regionalidades, os costumes e os problemas locais devem ser colocados em evidência, em contraponto com a padronização distorcida que a ordem global tenta impor. Não é possível pensar o urbano, assim como não é possível pensar o ser humano, sem contextualizá-lo. E esta contextualização não deve ser feita a partir de elementos puramente teóricos. Essa concepção para atender efetivamente suas finalidades deve ser viva, comunicacional. É através da comunicação com os habitantes que se pode chegar às necessidades e aos interesses que devem ser priorizados.

32

É na retomada do papel do cidadão ativo, aquele que vive e sente o urbano e suas relações todos os dias, que se pode começar a pensar melhorias efetivas na gestão do espaço. O cidadão, antes de qualquer coisa, é quem deve bater às portas do Poder Público e reivindicar todos os desígnios das épocas de campanha eleitoral, bem como exercer seu poder comunicacional, protagonístico e autorepresentativo, para alcançar a satisfação de seus direitos (e deveres). Somente a partir deste sentimento de cidadania enraizado que haverá agentes humanos de transformação e efetiva melhoria da forma como são formuladas e praticadas as políticas públicas no espaço urbano.

33

REFERÊNCIAS BERDAGUE, Camila da Silva. A autopoiese urbana: degradação e revitalização da cidade. Viçosa, MG: UFV, 2004. BERDAGUE, Lucas. O Cidadão e o Poder: uma história de Direito e Esquerda. Viçosa, MG: UFV, 2014. CANEVACCI, Massimo. A Cidade Polifônica: Ensaio sobre a Antropologia da Comunicação Urbana. 2. ed.. São Paulo: Studio Nobel, 2004.

CANEVACCI, Massimo. Metrópole Comunicacional. São Paulo: Revista USP, 2004. Disponível em:. Acesso em: 14 jan. 2014, 20:34:30. COELHO, Teixeira (org.); RODRIGUEZ, Arantxa; HEINRICH, Bettina; CALIL, Carlos Augusto; BOLÁN, Eduardo Nivón; BELDA, Elisenda; PASCUAL, Jordi; CANCLINI, Néstor García; ABRAMO, Pedro; WILLIAMS, Richard J.; DAVIES, Rita. A Cultura pela Cidade. São Paulo: Iluminuras, 2008.

DOURADO, Flávia. As manifestações nas ruas em debate. Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo. São Paulo, 27 jun. 2013. Disponível em:. Acesso em: 12 ago. 2014, 20:00:00.

Encontro com Milton Santos: O mundo global visto do lado de cá. Produção de Sílvio Tendler. Brasil: Caliban Produções Cinematográficas, 2006. Disponível em:< http://youtu.be/Vyw-abhInxw>. Acesso em 30 ago. 2013, 19:00:00.

LEFEBVRE, Heri. A REVOLUÇÃO URBANA. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002.

Massimo Canevacci: Autorrepresentação e multiprotagonismo. Produtor desconhecido. Disponível em:. Acesso em: 30 ago.2013, 18:20:30.

QUINTANEIRO, Tania; BARBOSA, Maria Lígia de Oliveira; DE OLIVEIRA, Márcia Gardênia Monteiro. Um Toque de Clássicos: Marx, Durkheim, Weber. 2. ed. rev. e aum. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002.

34

SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: Do pensamento único à consciência universal. São Paulo: Editora Record, 2000.

SANTOS, Milton; DE SOUZA, Maria Adélia; SILVEIRA, Maria Laura.(org.) TERRITÓRIO: Globalização e Fragmentação. São Paulo: Editora Hucitec, 1998.

WEBER, Max. A política como vocação (1918). In Ciência e Política: Duas Vocações. 2. ed. São Paulo: Martin Claret, 2010.

35

APÊNDICE

UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE DIREITO

CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

LUCAS BERDAGUE CORRÊA – 77803

O CIDADÃO E O PODER: UMA HISTÓRIA DE DIREITO E ESQUERDA

VIÇOSA (MG) 2014

LUCAS BERDAGUE CORRÊA

O CIDADÃO E O PODER: UMA HISTÓRIA DE DIREITO E ESQUERDA

Artigo Científico apresentado para cumprimento das Exigências da Disciplina DIR 297 – Metodologia da Pesquisa Jurídica ministrada pela Professora Patrícia Aurélia Del Nero.

VIÇOSA (MG) 2014

“O mundo é formado não apenas pelo que já existe, mas pelo que pode efetivamente existir.” “A força da alienação vem dessa fragilidade dos indivíduos que apenas conseguem identificar o que os separa e não o que os une.” - Milton Santos

Dedico este trabalho à professora Claudia Mendes, por entender que uma pesquisa de campo tem também o valor de reconhecer, nas outras pessoas, aquilo que nos faz, além de acadêmicos, agentes humanos de transformação.

RESUMO Através de um levantamento bibliográfico e audiovisual de diversas áreas das ciências humanas, foi possível compreender brevemente o processo histórico do desenvolvimento das relações de poder e como elas se dão hoje, na nova era da comunicação massiva, em que os grupos sociais, os indivíduos entre si e até o espaço urbano lutam por uma cota maior no meio comunicacional para verem e serem vistos. Esta luta se dá devido à nova divisão do trabalho, desenvolvida por teóricos contemporâneos como o antropólogo Massimo Canevacci, e fazendo com que o poder informacional se torne uma moeda de troca cada vez mais forte. Para tanto, aqueles que não possuem os recursos para fazerem-se vistos estarão sujeitos a ficar de fora do processo civilizatório, mesmo que o Direito, em tese, determine o contrário. O artigo trata então do retrato dessa nova era comunicacional e de seus reflexos no processo de desenvolvimento urbano e da produção de direitos, sobretudo no acesso às Políticas Públicas e para quem elas são direcionadas, além de indagar novamente o papel do cidadão na produção destes direitos.

Palavras-chave:

Cultura; Desenvolvimento Relações de Poder; Direito e Cidadania.

Urbano;

Comunicação;

ABSTRACT By reading and watching works from many kind of human sciences, it was possible to have a briefly understanding about the historic developing process of the relations of power and how they are nowadays, in the era of the mass communication when the social groups, the individuals and even the urban space struggle against each other for a place to see and to be seen. This struggle is triggered by the new division of labor, theoretically developed by contemporaneous researchers such as the anthropologist Massimo Canevacci, turning the informational power into a growing powerful currency. In this case, all of those who do not have resources enough to be noticed will have to run on the edge of the civilizational process, even if the Law, by suppose, says the opposite. This article refers to the context of the new era of communicating and the effects of this urban and rights developing process, mainly about the access to the public policies and for whom they are directed to, besides inferring the role of the citizen during the development of these rights.

Key-words: Culture; Urban Development; Communication; Relations of Power; Rights and Citizenship.

SUMÁRIO

1.INTRODUÇÃO ................................................................................................ 7 2.DESENVOLVENDO O TEMA ........................................................................ 9 1. COMPREENDENDO RUMOS HISTÓRICOS...................................... 9 2. DIREITO, PODER E CULTURA: UMA RELAÇÃO ‘EXPLOSIVA’......................................................................................... 11 3. REVOLUÇÃO EM LUZ NEON: A COMUNICAÇÃO COMO FERRAMENTA DE MUDANÇA ............................................................ 15 3.CONCLUSÃO .............................................................................................. 20 4.REFERÊNCIAS ............................................................................................ 22

7

INTRODUÇÃO A noção de cidadão acaba por se transformar ao longo da História: dos gregos que segregavam aqueles que participavam ou não das decisões das pólis, do medievo que entregava aos grandes clãs o controle administrativo dos feudos, além da influência inesgotável da Igreja Católica nos rumos da sociedade, da modernidade e seus regimes absolutistas, em que todos estavam sob a égide do grande leviatã que em seguida é substituído pelo furor da Razão burguesa e sua tomada de poder. O cidadão contemporâneo deve então surgir como um momento sui generis. Um cidadão dotado de individualidades e subjetividades, mas que também é atento à coletividade, às necessidades do seu tempo e do lugar onde vive. Um cidadão que não é de papel, mas de carne, vivo e ativo, que tem anseios e paixões, além de sentidos variados para compreender aquilo que está ao seu redor. Um cidadão que se faz ouvir e ouve por todos e a todos, é visto e vê tudo ao seu redor, que interage com o seu ambiente. É o agente de produção e desenvolvimento cultural, aquele que dá a partida no motor da História e inicia o processo de transformação do seu meio. Partindo dessa noção temática, como metodologia utilizou-se pesquisas e fichamentos bibliográficos, além de ter a oportunidade de contextualizar com produções audiovisuais de autores dos diversos ramos das ciências humanas para tentar compreender o processo de formação do cidadão que se tem hoje, das relações sociais e comunicacionais entre os sujeitos, o espaço urbano e seus prismas de poder, incluindo a relação do Direito como possibilidade de virar o jogo contra as mazelas urbanas que se vê por diversos lugares e momentos por onde passa a humanidade. “O Cidadão e o Poder: uma história de Direito e Esquerda” é, portanto, o pontapé inicial para entender como produzir Políticas Públicas mais efetivas no espaço urbano a partir de uma revolução cultural popular. Na primeira seção, “Compreendendo rumos históricos”, foi desenvolvida uma noção histórica para compreender a situação na qual foi construída uma cultura de passividade cidadã e da fundação dos governos de caráter burguês, impulsionados pelo crescimento do capital, principalmente o decorrente da indústria.

8

Em seguida, em “Direito, poder e cultura: uma relação „explosiva‟”, é abordado o embasamento jusfilosófico utilizado para pensar o Direito enquanto construção cultural, e, portanto, um processo dialético e variável, além de demonstrar a presença imprescindível das relações de poder na construção histórica da humanidade, evidenciando sempre os poderes econômicos, sociais, políticos e comunicacionais, tendo este último destaque no artigo. Na terceira seção “Revolução em luz neon: a comunicação como ferramenta de mudança” buscou-se a fundamentação das ciências sociais para os novos movimentos da contemporaneidade de tomada do poder comunicacional, da importância deste no contexto pós-Revolução Industrial e de como ele pode se fazer como ferramenta de mudança, em todos os outros contextos de poder supracitados. Este artigo é parte integrante do projeto “A Cidade Sentida: Entendendo o Espaço Urbano para gerar Políticas Públicas mais efetivas”, fomentado pela CAPES, no Programa Jovens Talentos Para a Ciência.

9

DESENVOLVENDO O TEMA

I. Compreendendo rumos históricos “Um pouco de esquerda, um pouco de direita, um pouco de individualismo, em suma, total hesitação, eis o cidadão ideal pra ser robotizado.” - Millôr Fernandes

Parafraseando o professor Luiz Filipe Araújo, o Direito, hoje, no Brasil, não vai nada bem. Têm-se cada vez menos produções acadêmicas que visem a colaborar com a melhoria dos institutos presentes no ordenamento ou na doutrina, importando cada vez mais os escritos de além-mar, tentando aplica-los ao tão distinto contexto brasileiro. Tal situação permite uma nova forma de alienação da população, não mais aquela dada pela diferenciação daqueles que possuem ou não os meios de produção, como sugeria Marx1, mas sim uma alienação com relação àqueles que possuem ou não o poder comunicacional e de produzir as leis que regem o Direito que é dado nas mãos de novos e velhos sujeitos do Direito que seguem à risca o modelo da Exegese2. Uma onda de “concurseiros” que se atrelam ao pensamento do ganho econômico por meio de funções magistradas, sem, contudo, pensar como um cientista de uma ciência humana, mas sim agindo como mero técnico. Aqueles que se tornam os produtores das leis (ou os que lhes financiam) se tornam então os grandes mandantes no contexto social, tomando para si os grandes benefícios e lacunas que serão provenientes dessas. Isso faz com que aqueles desprovidos de tal influência, de poder comunicacional, legal (ainda que a Constituição determine que “todo poder emana do povo”) ou econômico fiquem a mercê da boa vontade daqueles que estão no topo das relações de poder do século XXI, a grande Era da Informação.

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QUINTANEIRO, Tania; BARBOSA, Maria Lígia de Oliveira; DE OLIVEIRA, Márcia Gardênia Monteiro. Um Toque de Clássicos: Marx, Durkheim, Weber. 2. ed. rev. e aum. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002. 2 Escola francesa de Direito que pregava, entre outras minúcias, a codificação extensiva do Direito e a aplicação ao pé da letra da lei pelo magistrado.

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Os

mais

antigos

doutos

entendiam

que

o

sistema

democrático

institucionalizado após a “Era das Luzes”, a grande Saga Iluminista em busca de um regimento racional da sociedade e de seus anseios – baseando movimentos revolucionários que destruíram os grandes regimes absolutistas e levantaram bandeiras de “liberdade, igualdade e fraternidade”, como feito na famosa Revolução Francesa – era o mais sólido para se garantir a “mais sublime” expressão política da humanidade, garantindo a todos a participação política (seja na eleição de seus representantes ou no voto direto), a conquista de uma Lei que impera sobre todos aqueles que estão no âmbito do Sistema Jurídico vigente, que acabaria por igualar os que estão no topo da cadeia econômica e social com os que estão na base (estabelecendo assim uma igualdade formal entre os sujeitos), além de fazer com que, devido a essas duas características anteriores, os cidadãos desenvolvessem uma consciência coletiva e fraterna, tendo em vista que a decisão que um fizesse acarreta uma consequência para o grupo social, e vice-versa. Porém, como os princípios burgueses de ganhos e lucros exacerbados também estavam colocados no processo revolucionário que fez deslocar o ponteiro histórico em direção a uma nova era sem os regimes dos Estados absolutistas, os ideais liberais foram corrompidos, como se fossem frutas em uma cesta em que há uma mofada, e que por consequência, acaba por espalhar seus fungos por entre os bons frutos depois de um tempo, tornando-os inapropriados para o consumo. Em verdade, o processo de “apodrecimento” dos movimentos revolucionários fez com que as camadas sociais mais frágeis, que lutaram pelas ideias liberais apresentados pela burguesia como forma de romper com o poder opressor do rei, tornaram-se agressivamente oprimidos pela burguesia que agora detinha, além do poder econômico, o poder político também, tendo em vista a mentalidade fisiocrática que regia os séculos anteriores ao XX. Foram-lhes tiradas a propriedade, mesmo que pequena e servil, a dignidade e até mesmo a cidadania, haja vista que, em grande maioria, os que não tinham posses não podiam exercer seus direitos democráticos, desde a eleição de seus representantes até o cumprimento de penas cruéis, que destoavam daquilo que hoje concebe-se como Direito Penal. A igualdade formal não se converteu em igualdade material (tratar de forma diferente os desiguais na medida de suas desigualdades), mas sim numa desigualdade material amparada pelos artifícios jurídico-políticos, uma vez que estes artifícios estão nas mãos

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daqueles que se tornaram os novos representantes do símbolo da Coroa. A consciência coletiva não se desenvolveu nos pragmáticos burgueses, que viam na exploração do novo proletariado uma forma de dominação institucionalizada e que foi aceita por este, uma vez que ele havia participado da luta contra a arcaica sociedade estamental derivada do modelo feudal, tornando-o um parceiro indispensável nas realizações previstas para o desenvolvimento da era industrial e do desenvolvimento do capital. 3

2. Direito, poder e cultura: uma relação “explosiva” Visto todo o contexto histórico que produz o que se tem hoje como o projeto democrático, que desde os gregos era duramente criticado pelos mais notórios filósofos socráticos – como, por exemplo, Platão4, que defendia que onde todos mandam ninguém mandaria, ou alguém trataria de tomar o mando para si – é importante salientar que a burguesia industrial se estabeleceu como a verdadeira mandatária por não haver um levante massivo contra seus novos éditos exploratórios, mas sim uma cooptação por necessidade daqueles que não eram dotados de condições econômicas sequer para o próprio sustento, por fatores que antecedem até mesmo o momento revolucionário que se deu para que o capital ganhasse seu pulso de vida e pudesse conduzir as vidas e relações dos inseridos no processo de produção material. É a condição de necessidade que faz com que os sujeitos ignorem aquilo que em diversos momentos foi clamado como Direito Natural5 e passem a aceitar aquilo que lhes é imputado na nova ordem estabelecida pelo movimento de mudança na História. 3

QUINTANEIRO, Tania; BARBOSA, Maria Lígia de Oliveira; DE OLIVEIRA, Márcia Gardênia Monteiro. Um Toque de Clássicos: Marx, Durkheim, Weber. 2. ed. rev. e aum. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002. Pgs. 48 – 51. 4

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TOMA, Paulo Shikazu. Platão, 28-31 de out. de 2013. 2 f. Notas de aula.

O Direito Natural sempre ressurge em momentos de oposição à ordem estabelecida, como fundamentação de revoltas e revoluções. Não foi diferente na Revolução Francesa, que é o grande marco de contestação do mundo ocidental absolutista do século XVIII. Neste momento em específico, o Direito Natural surge pautado na “razão humana”, sendo esta razão a grande “deusa do Iluminismo” e que será, posteriormente, substituída pela “deusa do Positivismo”, a ciência, que fará com que as coisas tenham de ser explicadas pelos métodos ditos científicos, únicos aceitos pelo conjunto burguês que se desenvolve com mais vigor após as ditas Revoluções Industriais dos séculos XVIII e XIX, uma vez que apenas eles teriam condições técnicas para desenvolver ideias de tal forma, fazendo, mais uma vez, um processo de alienação e segregação do povo. É, mais uma vez, patente a noção de que a comunicação, do “quem pode se comunicar” e do “como se comunicar”, está presente em todas as relações humanas, tendo em vista que isto dá poder, que por sua vez, permite

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Pressupõe-se então que, para haver Direito, deve haver um poder que o instaure. Isto leva a uma análise semelhante a que o doutrinador brasileiro e organizador do Código Civil de 2002, responsável por inserir ao projeto do novo Direito Brasileiro perspectivas mais humanistas e de melhor ajustamento daquilo que se anseia como igualdade material – Miguel Reale – tinha sobre o que é Direito. Norteado pela corrente do Culturalismo, Reale desenvolveu ao longo de sua vasta coletânea de obras um conceito diferente de Direito do que se havia pensado antes. As correntes anteriores, sejam elas jusnaturalistas ou juspositivistas, normativistas ou realistas, kelsenianas ou vindas do próprio Direito Romano – que não cabe ao presente artigo dissertar a respeito destas, sendo apenas um meio ilustrativo –, nenhuma delas desenvolveu de forma a abarcar tão bem a complexidade do que é o Direito enquanto ramo da humanística quanto o Culturalismo realeano. Entendia as noções que eram encontradas nas tantas outras correntes, sempre adicionando ou correlacionando o que havia em uma e outra em sua essência, chegando a um método dialético complementar que permitiu que fossem feitas vastas críticas a cada uma, sem, ao mesmo tempo, descarta-las totalmente. Cada uma teria sua contribuição a dar na formação do Direito como é hoje, pois cada um tinha um foco que admitia como ferramenta de fundamentação daquilo que é ou não Direito. Partindo do Tridimensionalismo de Reale6, aparecem três características básicas para entender o Direito enquanto um processo histórico-cultural, que passa por metamorfoses constantes, assim como qualquer movimento humano que perdura pela linha temporal do Homo sapiens, sendo essas características: o fato (caractere material, daquilo que acontece, das situações vividas. É essencial em culturas empiristas, sendo estudado principalmente pela Sociologia), o valor (caractere formal, que não é palpável como os fatos, mas serve como um molde para a apreciação destes. É abordado principalmente na Filosofia) e a norma (a norma enquanto uma noção de dever-ser, colocada no ordenamento após cumpridos os requisitos formais e materiais, atribuindo a ela poder de coercibilidade perante aqueles inseridos em determinado Ordenamento, além de uma relação de bilateralidade-atributiva entre as partes que se relacionam por entre ela. A Ciência dominar o outro. É como o canto da sereia da mitologia grega, que atrai os navegantes para uma emboscada sem condições de escapatória, a menos que estes estejam devidamente surdos ou cautelosamente protegidos de qualquer ruído que possa impedi-los de navegar até seus objetivos. 6 Pode ser entendido ao longo de toda a obra realeana, mas tem seus fundamentos num livro denominado “Teoria Tridimensional do Direito”, de Miguel Reale.

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do Direito deve tratar da norma), relacionando-as a partir de uma dialética da complementariedade, que as associa sem que sejam descartadas para formar uma nova proposição, mas sim que surge a partir de seu embate e intenso momento de coesão. O Direito é então “uma relação normativa de fatos segundo valores” (REALE). Mas Reale ainda inclui em sua proposição algo de extrema importância, e que, como em toda relação humana, está devidamente presente e atuante para definir o que se “pode ou não”. Ele insere, antes mesmo que surja a norma a partir da relação dos fatos e valores, um prisma para a filtragem do que será normatizado: o prisma do poder. Os indivíduos aos quais é dado o poder de decisão e/ou de construção legislativa definem o que a sociedade anseia e estabelecem a partir daí o que precisa ser feito para se torne realidade. Isso se apresenta em qualquer relação que se possa presenciar, seja ela jurídica, desde um contrato de compra e venda, em que o estabelecimento de preços pode variar de acordo com as relações de poder, sejam elas econômicas, de status social ou até mesmo políticas, que cada parte possui, como também nas relações públicas, como na definição de prioridades administrativas. E é aí que o jogo democrático burguês tem seu “véu” rasgado, mostrando que Caetano, em Podres Poderes, tinha razão: os burgueses não são tão lindos assim e “tudo é muito mais”. 7

O desenvolvimento das cidades e dos grandes complexos urbanos e

industriais pós-modernos se deve a esse movimento correlacionado de quem tem e quem não poderes. Das relações dadas no social que geram eternos sigmoides históricos de realidade, variando conforme as formas, cores, padrões de pensamento, símbolos e significados. É uma constante mutação necessária para o deslocamento da linha do tempo das civilizações humanas. A mudança é então o processo de combustão, o motor as relações sociais e o combustível é a cultura8. A cultura, por sua vez, pode ser entendida pela relação de invariantes axiológicas, como o a priori formal e o a priori material, que podem ser entendidos como, 7

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REALE, Miguel. Filosofia e Teoria Política: Ensaios. São Paulo: Saraiva, 2003.

Num conceito realeano de cultura é entendido que esta seria uma representação correlata da natureza, “tudo o que o homem pensa e realiza ao longo da história, visando alcançar seus fins específicos.” Há também, na noção de cultura, a característica da passagem do conhecimento de forma hereditária através das formas de comunicação disponíveis. (REALE, Miguel. Paradigmas da cultura contemporânea. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.)

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respectivamente, a forma que algo tem num plano ideal (um enquadramento ideológico) e o modo prático como se dão as coisas (como é apresentado ao aspecto dos sentidos). O entrelaçar destes dois pressupostos gera-se o a priori cultural, que se entende como a lente usada para descrever tal situação do plano real conforme os sentidos ideológicos que ordenam tal representação. Para explicar de um modo palpável, pode-se fazer um paralelo com uma pintura. A tela a ser pintada é entendida como o a priori formal, uma vez que é a delimitação inteligível, fronteiriça, para a interpretação daquilo que se está a pintar. O a priori material é aquilo que se está a representar no plano real. É aquilo como os sentidos podem ver, tocar, cheirar, provar ou ouvir. O a priori cultural pode então ser entendida como a pintura que é (ou foi) feita, a partir de uma delimitação dada pela tela, do que se é (ou foi) sentido e representado e da maneira como o pintor resolveu retratar tal pintura, seja ela tal qual o que percebe ou de forma abstrata, cabendo ao autor, a partir das relações que este teve com aquilo que está sendo pintado, com a delimitação da tela e de seus objetivos, além de sua subjetividade (que também é formada por relações sociais e de poder), decidir o que surgirá depois de a obra estar finalizada, sendo ainda passível de outras interpretações a partir de outras a prioris culturais que venham a ver tal pintura. Esta obra de arte não é apenas uma obra de arte, mas sim infinitas, uma vez que para cada um, em cada era diferente, em cada contexto variante, ela poderia ser outra pintura, com outro sentido, fazendo com que o material e o formal acabassem por ser, também, transformados pela cultura, seja de modo prático ou apenas de modo contemplativo. O poder da mudança vem então da forma como as relações sociais ocorrem a partir de um ou mais prismas culturais, e é a partir daí que se pode colocar em xeque

o

pensamento

de

ordens

mundiais

como

a

que

se

instaurou

hegemonicamente no contexto de Globalização. Têm-se cada vez mais revoltas pontuais pelas mesmas questões: pessoas vão às ruas protestar contra seus governos que protegem a velha ordem burguesa que prometeu a saída da condição de servidão e a melhoria da qualidade de vida, em troca da deposição da ordem absolutista, mas que acabou por realizar uma outra forma de escravidão, uma outra forma de pensar o trabalho, de estabelecer quem pode isso ou aquilo e quem não pode. Vão às ruas pedir por Políticas Públicas que atendam ao clamor do que já foi

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possível numa ideia de Estado de Bem-Estar9, após presenciarem um retorno às pretensões liberais preteridas por aqueles que são dotados do capital industrial, financeiro e o agora em evidência, comunicacional. É a demonstração de que a cultura do poder pelo poder e da busca pela saciedade insaciável das instituições financeiras e dos ricos deu seu prazo de validade e é hora de ser substituída por algo mais humano, acessível aos demais membros da humanidade que carecem inclusive de terem suas necessidades fisiológicas atendidas, além de verem cumpridos aqueles direitos que estão presentes nas cartas de Direitos Humanos e Constituições ao redor do mundo. Esta é a faísca que gera a mudança. A queima de uma cultura que se dá na rotatividade das relações sociais, fazendo com que se desloquem os processos ao longo do tempo até que se esgote tal combustível e se tenha a substituição deste por outro.

3. Revolução em luz neon: a comunicação como ferramenta de mudança O que se tem hoje, portanto, é uma situação em que o desenvolvimento cultural, graças às maravilhas tecnológicas que a industrialização nos proporcionou, se dá cada vez mais rápido, além de permitir maior participação popular, que aos poucos tem aprendido a utilizar mais os meios de comunicação alternativos principalmente a internet - que simplesmente se alimentar daquilo que era entregue pronto e apresentado como verídico pelos meios tradicionais, geralmente controlados e censurados por procedimentos ideológicos que não permitem a análise mais aprofundada e ampla (crítica) do que acontece no plano real. O antropólogo comunicacional italiano Massimo Canevacci trabalha com alguns conceitos para tentar entender os novos modos de comunicação que têm sido apropriados pelas massas para projetar suas imagens para o mundo. Destes conceitos é válido destacar o multiprotagonismo e a autorrepresentação. O multiprotagonismo é entendido como a possibilidade de não haver apenas uma visão do fato a ocorrer, bem como não se pode haver mais o foco apenas para tal situação, mas sim de forma multifocal, nas palavras de Canevacci, “(...) uma nova forma de subjetividade que possa desenvolver uma visão do mundo que não seja 9

Enquanto Estado que proporciona condições mínimas para a vida digna e serviços necessários para a manutenção desta.

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baseado sobre esse dualismo bem/mal.” A autorrepresentação, conceito chave que parece não poder ser separado do multiprotagonismo, refere-se à possibilidade do próprio sujeito ou grupo se projetar, se apresentar como se imagina no mundo, no contexto global, o que o insere na luta pelo seu espaço comunicacional no mundo, na nova relação de divisão do trabalho, salientada por Canevacci.10 Nesse sentido, aquele sujeito que antes não era levado em conta como membro efetivo de uma determinada ordem local ou global, sendo ignorado por não ter seu espaço na teia comunicacional, sendo, portanto, marginalizado e ignorado pelos que detêm os poderes (comunicacional, econômico, político e social), agora pode entrar na disputa por um espaço para sua voz, além de começar, mesmo que aos poucos, a “rasgar o véu” que encobre o sistema que lhe despreza e que aliena. Ele agora tem o poder de conhecer os seus direitos, assim como de fazer com que se cumpra o que lhe foi prometido numa ordem posta anteriormente, por pessoas que talvez nem conheça, mas que lhe foi imposta, bem como a todos que compartilham do título de cidadão, mesmo que na prática não tenham alcançado o ápice de suas cidadanias. Isso é o que Durkheim chamava de Fato Social. Um Fato Social é algo coercitivo, generalizado e anterior em relação aos sujeitos. O Fato Social estava ali quando você nasceu. Ele te obriga a algo e está afetando a todos ao seu redor, inclusive você. Mas quando ele se torna algo anômico (uma doença para o corpo social), há de se tomar medidas para sanar tais problemas.11 A tomada do poder comunicacional é então uma forma de denunciar os abusos e faltas que a ordem institucionalizada comete e de chamar para si a atenção, demonstrando a insatisfação e o furor das classes deixadas de lado no momento das produções e aplicações de Projetos Legislativos e de execução. É a forma de questionar a ordem pacífica de que uns devem ser subservientes e calados enquanto outros desfrutam em demasia das possibilidades encontradas no gasto de recursos, recursos estes findáveis, e que devem ser, em tese, repartidos para que todos tenham um grau de paridade maior, conforme suas necessidades (igualdade material). É uma forma de reforçar as palavras de uma Constituição que determina 10

Massimo Canevacci: Autorrepresentação e multiprotagonismo. Produtor desconhecido. Disponível em:. Acesso em: 30 ago. 2013, 18:20:30. 11 QUINTANEIRO, Tania; BARBOSA, Maria Lígia de Oliveira; DE OLIVEIRA, Márcia Gardênia Monteiro. Um Toque de Clássicos: Marx, Durkheim, Weber. 2. ed. rev. e aum. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002. Pgs. 71 – 72.

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que “Todo poder emana do povo”, mas que é deturpada desde o momento em que alguns políticos perguntam “sabe com quem está falando?” quando são parados em momentos constrangedores. É a possibilidade que o sujeito tem de fazer da ordem estabelecida a sua aliada, torna-la sua arma ao invés de seus grilhões. Isto implica numa nova luta de classes, não mais da apropriação das máquinas da indústria que oprime, mas da tomada dos meios de comunicação desenvolvidos pela classe burguesa industrial para fins de equilíbrio, de concretização das possibilidades afirmadas em texto legal. Da mudança paradigmática. É a faísca que precisava para começar a combustão da ordem, sendo substituída por algo humanista. Não importa: qualquer que seja a opção desse jovem, ele estará se relacionando com aquilo que chamamos de cultura, um conceito que a cada dia ganha mais importância para a questão da cidadania. Isto porque a cultura é hoje parte importante da vida das pessoas. Não dá para imaginar uma atividade da vida moderna que esteja fora da cultura.12

Desta forma, a projeção dessa cultura deve se dar em todas as ordenações humanas (enquanto coletivos humanos organizados). Em todas as suas proposições normativas ou expressões sociais, como já fora apresentado anteriormente nas ideias de Reale e de Canevacci, além dos ensinamentos do geógrafo baiano Milton Santos, que, assim como Canevacci, percebia nas novas formas de produção comunicacional – na massificação das câmeras de vídeo, da disseminação dos celulares que tiram fotos e enviam suas imagens em tempo real, do ataque massivo da rede mundial de computadores ao poderio televisivo e da possibilidade de produção autônoma de conteúdo por outros olhares que não os da grande indústria cultural e de comunicação social – as ferramentas para um processo revolucionário em que as pessoas possam, finalmente, exigir que Políticas Públicas realmente efetivas sejam estendidas e/ou criadas para toda a população global, fazendo com que o processo de globalização ao qual a humanidade está agressivamente inserida se tornasse enfim positivo, e não uma mera faceta para um novo imperialismo.13 Há então uma preocupação com o sentimento de pertencimento das pessoas para com os seus governos e suas políticas públicas. Pertencimento no sentido de 12

DIMENSTEIN, Gilberto. O CIDADÃO DE PAPEL: A infância, a adolescência e os Direitos Humanos no Brasil. 21. ed. São Paulo: Ática, 2006. Pg. 122. 13 Encontro com Milton Santos: O mundo global visto do lado de cá. Produção de Sílvio Tendler. Brasil: Caliban Produções Cinematográficas, 2006. Disponível em:< http://youtu.be/Vyw-abhInxw>. Acesso em 30 ago. 2013, 19:00:00.

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imaginar as políticas públicas como a solução prática para seus anseios dentro daquela perspectiva. Uma pessoa se sente pertencente a uma determinada denominação quando ela consegue se projetar, quando ela se vê espelhada naquele lugar, grupo ou movimento. Essa pode ser uma questão explicada pelo conceito de Fetiches Urbanos, também encontrado na produção de Massimo Canevacci, em que se entende que, diferente dos fetiches clássicos como o marxista, que tratava do não reconhecimento do trabalhador no produto do trabalho, tornando-o alienado, e o de Freud, que se remete à perversão sexual, o fetiche urbano, o fetiche contemporâneo, se remete a relação com a relação de atração e assimilação para com os signos e objetos, ao mesmo tempo em que estes ganham vida e sentido para com o sujeito, sendo também uma relação entre sujeito e objeto, não de forma tão discrepante, mas sim de reconhecimento e dominação entre estes. É então um desejo quase que sexual (erótico) e sensorial (principalmente visual, mas que permite a inserção dos outros sentidos) que a pessoa tem para com o objeto, a eróptica de Canevacci. A pessoa tem, portanto, desejo de se encontrar naquela coisa e vice-versa.14 É nessa relação de desejo mútuo que se pauta o poder de mudança, de quebra de paradigmas, uma vez que, a partir do reconhecimento do novo, daquilo que lhe é importante, lhe é interessante, é o que se deve lutar por, realizando o processo dialético de contestação da ordem que aliena daquilo que se pretende, que se entende como passível de conquista. É na dialética cotidiana, do questionamento e das relações sociais, políticas, econômicas e principalmente culturais que o espaço urbano deve ser construído, valorizando e priorizando aquilo que é mais patente como necessidade da população, para que se faça justiça social e se alcance a igualdade material. É na polifonia15 das cidades, dos grandes centros, onde estão concentradas as riquezas e produção do capital, em que as maiores mazelas da humanidade são encontradas, constantemente caladas e/ou veladas pelos poderes. Exemplos como a “Cracolândia” de São Paulo devem ser denunciados e questionados de uma nova forma: será que algo assim só existe porque não havia entrado em pauta ainda nos

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ENTRELINHAS – Fetiches Urbanos. Produtor desconhecido. TV Cultura, 2009. Disponível em:. Acesso em: 30 ago. 2013, 18:30:30. 15 Polifonia pode ser entendida como o a pluralidade comunicacional do meio, com a coexistência de várias vozes e signos num mesmo espaço. É possível saber mais em “A Cidade Polifônica”, de Massimo Canevacci.

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telejornais? Ou será que só agora houve um despertar para uma “práxis 16 comunicacional”? Segue então um comentário do livro “A Cidade Polifônica”, do Massimo Canevacci: O que já era previsto pelos estudiosos atentos e sensíveis. No seu fundamental ensaio sobre São Paulo, Richard M. Morse fala da emergência de uma nova dimensão para se interpretar a cidade: “Para os grandes filósofos pessimistas, a cidade é o cadinho desta era. Nela, o abstrato e o simbólico se tornam mais imediatos que o visível e o palpável. A arquitetura se transforma em geometria; os padrões, em fluxos; a forma, em função; a sequência, em simultaneidade; os deuses, em forças; a comunhão, em comunicação” (1970: 274) Formidável: o conceito tradicional de comunidade é atravessado e anulado por novos níveis de comunicação, que infringem os controles comunitários. Deste novo conceito de comunidade, da intransigência à ordem posta utilizando os próprios meios utilizados pelos poderosos para oprimir como forma de libertação, constitui-se a revolução da cidadania. É a reconstrução do significado de cidadão, retomando seu sentido material, de fonte de todo o poder, e reafirmação deste poder.

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Segundo Marx, a práxis a ação política e transformadora. Ela se dá quando a alienação é vencida e a classe operária começa a questionar e lutar contra a ordem estabelecida. (QUINTANEIRO, Tania; BARBOSA, Maria Lígia de Oliveira; DE OLIVEIRA, Márcia Gardênia Monteiro. Um Toque de Clássicos: Marx, Durkheim, Weber. 2. ed. rev. e aum. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002.)

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CONCLUSÃO Dadas as análises bibliográficas e os assuntos dissertados ao longo do artigo, é possível concluir a importância que tem o processo de formação cultural no desenvolvimento das humanidades, enquanto ciências humanas, inclusive do próprio Direito, o que faz com que seja indispensável o seu estudo no momento de realização de produção dos direitos e demais derivados das relações humanas. É importante também ressaltar a mudança de paradigmas ocorrida na transição da História moderna para a contemporaneidade, em que as inovações tecnológicas, fruto das revoluções industriais, tiveram avanços imensuráveis, tornando-se de meras ferramentas para melhorar a eficiência do modo de produção industrial em produtos e símbolos de uma nova era de evolução da humanidade, fazendo deixar de lado métodos e meios arcaicos para tomar posse de um conhecimento universal e acessível a partir de um contexto globalizado. Nesse âmbito vale lembrar a diferenciação da divisão do trabalho clássica para a contemporânea, sendo uma relacionada ao sentido material, que quem tem e quem não tem os meios de produção, enquanto que hoje se tem uma divisão complexa e que pode ser estendida não só para as relações humanas, mas também dos espaços urbanos entre si, que é a divisão comunicacional do trabalho, da disputa pela sua cota nos “holofotes dos sentidos”, do ser visto, ouvido, tocado e reconhecido pelo outro. Seguindo essa linha de raciocínio, percebe-se que é no sentimento de pertencimento, de reconhecimento de si pelo outro e vice-versa, que se apresentam os anseios humanos e que, por sua vez, devem ser tratados cuidadosamente por aqueles que detêm o poder de administrar e amparar legalmente essas vidas que se reúnem num povo sob mesma ordem jurídica e administrativa. As Políticas Públicas devem ser reconhecidas pelo seu povo e fazê-lo se sentir cada vez melhor, e não servir como privilégio para aqueles que possuem gozo da maior parte dos recursos existentes em tal Estado ou no contexto global. Os governantes e os juristas não podem se isolar em suas “bolhas de concreto”, sendo observadores distantes e/ou meros gestores de tabelas. Devem, assim como os demais habitantes da localidade, sentir a cidade. O espaço urbano também é vivo. Tem seus fluxos e sentidos. Seus

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signos e suas subjetividades, todas descritas e em constante mudança, e que se não forem interpretados, logo se esvaem de valores e se tornam lugares ignorados, como o citado exemplo da Cracolândia paulista. É algo maior do que dar um “rolezinho” no shopping center, o coração do Capitalismo burguês-liberal. A incisão deve ser mais profunda para que se retire o tumor do consagrado sistema posto. E o melhor instrumento para fazê-lo é o questionamento. O uso da Comunicação. A tomada do poder informacional e o seu devido uso para as causas populares e manifestações de contracultura. Contra a cultura dos séculos passados da dominação econômica, da politicagem (política feita em favor de interesses particulares ou não virtuosos) ao invés da política dos melhores, um momento de recuperar o sentido do título de cidadão e participar efetivamente da concretização dos anseios populares, opinando e exigindo dos representantes que façam a parte deles como devem: governando por todos, e não em favor de alguns.

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REFERÊNCIAS

CANEVACCI, Massimo. A Cidade Polifônica: Ensaio sobre a Antropologia da Comunicação Urbana. 2. ed.. São Paulo: Studio Nobel, 2004.

COELHO, Teixeira (org.); RODRIGUEZ, Arantxa; HEINRICH, Bettina; CALIL, Carlos Augusto; BOLÁN, Eduardo Nivón; BELDA, Elisenda; PASCUAL, Jordi; CANCLINI, Néstor García; ABRAMO, Pedro; WILLIAMS, Richard J.; DAVIES, Rita. A Cultura pela Cidade. São Paulo: Iluminuras, 2008.

DIMENSTEIN, Gilberto. O CIDADÃO DE PAPEL: A infância, a adolescência e os Direitos Humanos no Brasil. 21. ed. São Paulo: Ática, 2006.

Encontro com Milton Santos: O mundo global visto do lado de cá. Produção de Sílvio Tendler. Brasil: Caliban Produções Cinematográficas, 2006. Disponível em:< http://youtu.be/Vyw-abhInxw>. Acesso em 30 ago. 2013, 19:00:00. ENTRELINHAS – Fetiches Urbanos. Produtor desconhecido. TV Cultura, 2009. Disponível em:. Acesso em: 30 ago. 2013, 18:30:30.

Massimo Canevacci: Autorrepresentação e multiprotagonismo. Produtor desconhecido. Disponível em:. Acesso em: 30 ago. 2013, 18:20:30.

QUINTANEIRO, Tania; BARBOSA, Maria Lígia de Oliveira; DE OLIVEIRA, Márcia Gardênia Monteiro. Um Toque de Clássicos: Marx, Durkheim, Weber. 2. ed. rev. e aum. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002.

REALE, Miguel. Filosofia e Teoria Política: Ensaios. São Paulo: Saraiva, 2003.

______. Nova Fase do Direito Moderno. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 1998.

______. Paradigmas da cultura contemporânea. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

______. Teoria Tridimensional do Direito. São Paulo: Saraiva, 2003.

TOMA, Paulo Shikazu. Platão, 28-31 de out. de 2013. 2 f. Notas de aula. Manuscrito.

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