A Complexidade das organizações e a Importância da Análise Qualitativa por meio de Cenários Prospectivos

July 12, 2017 | Autor: Flavio Souza | Categoria: Strategic Management, Strategic Planning, Strategy (Business)
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A Complexidade das organizações e a Importância da Análise Qualitativa por meio de Cenários Prospectivos Autoria: Anderson Fernandes Pinto, Flavio Sérgio Rezende Nunes de Souza

RESUMO

A complexidade sempre esteve presente na rotina das organizações e tende a aumentar em intensidade e amplitude por conta da evolução das tecnologias da informação e de comunicações. Desta forma, as organizações têm que estar preparadas para sobreviver e se desenvolver mesmo diante das incertezas e da velocidade das mudanças. Este ensaio tem a finalidade de promover uma discussão sobre cenários prospectivos e sua relação com o planejamento estratégico das organizações, destacando a importância desta ferramenta para planejamento a médio e longo prazos em ambientes complexos, situações em que modelos quantitativos podem não ser os mais adequados.

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1. Introdução Diversas técnicas e modelos de projeção são amplamente utilizados numa tentativa de prever comportamentos futuros, e muitas organizações necessitam de informações geradas por estas técnicas para elaborarem seus planejamentos. Será que estas técnicas são realmente confiáveis? Este procedimento poderia ser mais eficaz num passado não muito distante, quando a realidade era relativamente mais estável. A cada dia os ambientes interno e externo das organizações têm se tornado mais complexos e complicados, com um número maior de conexões e interdependências, mudando de forma cada vez mais rápida. Isto tem sido causado principalmente pela revolução das tecnologias da informação e de comunicações ocorrida nas últimas décadas. Desta forma, planejar e conduzir organizações no longo prazo exige decisões cada vez mais desafiadoras, o que envolve investigar como será o futuro, moldar o ambiente para se atingir objetivos e reagir para adaptar-se ao inesperado. As organizações, mesmo as mais estáveis como as públicas, precisam estar preparadas para encarar rupturas que são cada vez mais frequentes. O primeiro passo é perceber que o futuro não é mero prolongamento do passado e que mesmo pequenas ações realizadas no presente podem resultar em mudanças expressivas em momentos posteriores. Dentro deste contexto, ferramentas de análise prospectiva ganham importância e aplicabilidade, numa forma de se antecipar o futuro racionalmente, no mínimo reduzindo as incertezas. Qualquer organização que busque um planejamento de longo prazo precisa saber analisar as tendências e incertezas envolvidas em suas atividades e identificar aquelas que mais influenciam o seu desempenho. Sendo assim, após a sensibilização apresentada neste tópico, este trabalho discorrerá sobre a complexidade do mundo contemporâneo e sobre a limitação de previsões quantitativas nestes ambientes, apresenta conceitos de cenários prospectivos, e finalmente situa a relação destes com o planejamento estratégico organizacional. 2. Complexidade e as Limitações de Projeções no Médio e Longo Prazos

Os conceitos de complicado e complexo podem ser facilmente confundidos. Sistemas complicados têm diversas partes que se comportam de forma padronizada. Isto faz com que seja possível fazer previsões precisas de como será seu comportamento. Por exemplo, um circuito eletrônico tem diversos componentes interagindo entre si e é possível prever o sinal de saída dependendo do sinal elétrico de entrada. Sistemas complexos, em contrapartida, possuem características e partes que podem ter comportamento previsível individualmente, mas cujas interações mudam continuamente, tornando o resultado final imprevisível para uma mesma entrada. Esta complexidade é proporcional a diversos fatores, dentre os quais pode-se 2   

 

destacar: o número de elementos interagindo; grau de conexão entre os elementos; e o grau de heterogeneidade dos elementos (Sargut & McGrath, 2011). Um navio pode ser considerado um sistema complicado devido à grande quantidade e variedade de equipamentos e sua operação envolve ações complicadas. Por outro lado, quando se considera que um navio pode ter centenas de tripulantes, chegando a ser comparado a uma pequena cidade, podemos considerá-lo um sistema complexo, uma vez que cada indivíduo tem a ter um comportamento autônomo. O que faz um navio funcionar corretamente é o treinamento dos indivíduos que busca melhorar o grau de conexão entre os tripulantes e passageiros e reduzir a heterogeneidade dos indivíduos, de forma a se reduzir a complexidade de sua operação. Explicando de uma forma mais prática, num sistema complicado é possível se prever o resultado dado um determinado ponto de partida, enquanto que num sistema complexo, o mesmo ponto de partida pode resultar em diferentes saídas, dependendo das interações das partes do sistema. Então, girar o timão de um navio irá levá-lo a guinar para um determinado bordo (complicado), mas o mesmo grau de leme pode levar a diferentes guinadas dependendo da interação do navio com o vento e com as correntes marítimas (complexo). A navegação tende a ser precisa e ter resultados repetidos porque ajustes são feitos continuamente à medida que a interação entre os diversos fatores que a influenciam muda. Mesmo no contexto de um sistema complicado, pequenas mudanças podem ter resultados surpreendentes. Isto pode ser demonstrado em modelos matemáticos usados para previsão de demanda, por exemplo. Um determinado modelo usado para projeção futura com os dados históricos poderá apresentar resultados completamente diferentes se pequenas alterações forem inseridas nos dados de entrada. Estas alterações tendem a se ampliar com o passar do tempo, à medida que mais interações ocorram. Seres humanos são complexos por natureza, bem como seu comportamento. Assim, sistemas que envolvem a interação humana são tão imprevisíveis, que fazer extrapolações baseadas em dados históricos nunca serão exatas e mesmo com uma boa margem de segurança, poderão se afastar do resultado real. Desta forma, num sistema complexo, mesmo os outliers precisam ser considerados. Até mesmo porque geralmente os outliers geram impactos muito mais expressivos nos sistemas do que os resultados considerados usuais. Como exemplo disto, pode-se citar pesquisas realizadas com terremotos na Califórnia. Apesar de cientistas identificarem cerca de 16.000 terremotos menores por ano, a cada 150 ou 200 anos ocorre um de grande impacto. Desta forma, o maior problema não é o terremoto “médio”, mas sim o outlier (Sargut & McGrath, 2011). Num curto prazo, uma extrapolação pode se aproximar do resultado real, mas à medida que o tempo passa, que infinitas interações ocorram, o resultado vai se tornando cada vez mais imprevisível. Como Baets (2006) ressalta, Poincaré em 1908 já destacava que mesmo no raciocínio da matemática cartesiana, pequenas mudanças no presente podem causar enormes alterações na saída de um sistema, ou seja, um dado fenômeno observado pode se tornar imprevisível. Tal fato foi confirmado posteriormente em 1964 por Lorenz com seus modelos de previsão do tempo (Baets, 2006).

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Adicionalmente, este mesmo autor destaca que Lorenz em suas simulações concluiu que determinados sistemas são impossíveis de se fazer previsões, porque em determinado momento ele se torna completamente incompreensível demonstrando caos. Tais sistemas são aqueles não-lineares (um estado futuro pode ser mudado radicalmente a partir de pequenas mudanças no presente) e dinâmicos (um estado futuro é função de seu estado atual, como a temperatura atual que é função da temperatura em momento anterior) , características de sistemas complexos. Em gestão, nos confrontamos com inúmeros sistemas complexos, que são a maioria (por exemplo, o comportamento de mercados e consumidores, a colaboração entre membros de equipes e a tomada de decisão). Excetuam-se aqueles que são criados para serem lineares, como as linhas de produção automatizadas, que devem fazer aquilo para que foram idealizadas e existem formas objetivas de verificação e controle. Aqui cabe destacar que, na verdade, em gestão tentamos dirigir e controlar situações sobre as quais é impossível se ter o domínio. Os fenômenos gerenciais são contínuos (não param e estão em constante mudança) e só podemos fazer medições estáticas para subsidiar as decisões. Além disso, o momento da medição nunca é exatamente o correto e mesmo que façamos o melhor para sermos precisos, os dados nunca serão totalmente corretos. Uma característica importante dos sistemas dinâmicos é a de que estados futuros não podem ser extrapolados do passado, como Ilya Prigogine comprovou em seus estudos em dinâmica de fluidos, conclusão que pode ser extrapolada para o pensamento gerencial (Baets, 2006). Assim, qualquer que seja a metodologia utilizada na gestão, sempre haverá momentos em que a ordem será observada e outros com caos e imprevisibilidade. Neste ponto, os cenários prospectivos ganham utilidade, ao criar "futuros prováveis", permitindo que a administração se prepare para diversas situações que têm grande chance de ocorrer, considerando o que é tendência consolidada e quais são as incertezas com grande influência no resultado final. Um bom exemplo para ilustrar isto foi o que ocorreu com a demanda total de derivados de petróleo, conforme apresentado na figura 1. Percebe-se uma clara quebra na tendência de demanda em 1973 com a crise do petróleo. Havia uma tendência de crescimento forte. Apesar disso, a indústria de refino demorou a reagir a esta ruptura porque estava obviamente acostumada ao crescimento intenso de 6 a 7% ao ano. Assim, somente no início dos anos 80 a indústria ajustou sua capacidade de produção. Levaram aproximadamente dois anos para perceber que isto representava uma ruptura na tendência e não apenas uma variação de curto prazo. (Heijden, 2009)

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Figura 1. Demanda total e capacidade de refino de derivados de petróleo Fonte: Heijden, K. Van Der. (2009). Planejamento por Cenários: a arte da conversação estratégica (p.37). Porto Alegre: Bookman.

Na indústria automobilística brasileira pode-se citar um segundo exemplo mais recente das limitações das previsões realizadas por meio de métodos puramente quantitativos. Até 2011 tudo indicava que a demanda de caminhões a diesel tenderia a aumentar no Brasil, mesmo considerando a queda decorrente da crise de 2008. Se as montadoras olhassem friamente para a evolução dos dados históricos, tenderiam a fazer investimentos para incrementar a produção destes veículos. Esta mesma tendência seria seguida pela indústria de produção e distribuição de diesel combustível.

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  Produção de caminhões a diesel 250000 200000 150000 Quantidade produzida

100000 50000 0 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 Figura 2. Produção de Caminhões a Diesel

Fonte: Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores. (2012). Anuário da Indústria Automobilística Brasileira (p.63). São Paulo. Retrieved from http://www.virapagina.com.br/anfavea2012

Entretanto, surgiu um fato que não estava contido nos dados históricos, a criação de uma nova legislação que envolve a adaptação dos motores a diesel para o padrão EURO5. Estas mudanças se tornaram obrigatórias a partir de 2013 conforme o Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores (PROCONVE) aprovado pelo CONAMA em 2009. Será que os setores envolvidos neste exemplo se prepararam para a alteração na legislação? Será que consideraram a reação da demanda a estas alterações? Mesmo com esta antecedência, aparentemente alguns setores envolvidos não estavam preparados. Embora esta tecnologia seja menos poluente, ela gera um aumento de cerca de 15% no preço dos caminhões, além disso tais veículos utilizam o diesel S-50, com preço superior ao diesel convencional. Desta forma, nos quatro primeiros meses de 2012 já se registrava uma queda de 20% em relação a 2011 nas vendas de caminhões , assim como uma queda na produção de 30%. Tais reduções levaram as montadoras a adotarem o regime de quatro dias de trabalho por semana e promovem interrupções na fabricação (Cabral, 2012). 3. Cenários Prospectivos O conceito de cenários é muito antigo e o desejo de conhecer o futuro existe desde o início da humanidade. No Egito, durante o período em que os faraós governavam, seus sacerdotes anunciavam o resultado da colheita antes mesmo do plantio, faziam isto mediante a observação da coloração e volume das àguas do Rio Nilo no início da primavera. Na Grécia antiga haviam os oráculos, locais onde advinhos, sacerdotes e sacerdotisas realizavam a predição (Marcial & Grumbach, 2002). Entretanto, como ferramenta de planejamento estratégico, os cenários foram empregados inicialmente por diversos estrategistas militares no decorrer da história, normalmente por meio de simulações de jogos de guerra (Bradfield, Wright, Burt, Cairns, & Heijden, 2005). 6   

 

O uso do planejamento por cenários associado à gestão se deu mais amplamente após o primeiro choque do petróleo em 1973. Tal crescimento está associado ao crescimento do ambiente de incertezas que se instalou na década de 70 no mundo corporativo (Bradfield et al., 2005; Garvin & Levesque, 2005; Malaska, Malmivirta, Meristö, & Hansen, 1984) A análise prospectiva consiste em identificar diversos futuros possíveis, os cenários, dentro de uma janela temporal pré-definida. Trata-se de uma combinação de hipóteses sobre o futuro, feita de forma organizada e estruturada. Sua aplicação não está na previsão do futuro, mas na identificação de situações futuras mais prováveis de ocorrer, gerando subsídios para o planejamento estratégico. Um bom conjunto de cenários consegue organizar e sistematizar incertezas e tendências. Ao contrário do planejamento estratégico tradicional, onde se considera que há apenas uma melhor resposta e se constrói planos contingenciais baseados numa só incerteza, o planejamento por cenários considera uma gama de possibilidades. Adicionalmente, ao contrário da modelagem por simulações que é baseada em números, o planejamento por cenários envolve interpretações subjetivas e qualitativas com análise objetiva e sistematizada. Desta forma, esta técnica é útil em situações em que as mudanças são rápidas e grandes, em ambientes com grandes incertezas (Garvin & Levesque, 2006) Cenários prospectivos são nada mais que descrições coerentes das possíveis evoluções da situação atual, considerando as diversas tendências e incertezas que influenciam de forma significativa esta evolução. Garvin e Levesque (2006, p. 1), citam uma definição para cenários prospectivos que resume bem o conceito, como uma forma de "ensaiar o futuro para evitar surpresas ao vencer a ilusão da certeza" (tradução livre dos autores). Os cenários podem ser gerados de diferentes formas, e o método escolhido depende da intenção de uso do cenário, da natureza da organização e das preferências da equipe envolvida no planejamento. Independente do método, estes devem ter as seguintes características: plausibilidade; auto-consistência; inclusão de todos os fatores relevantes e críticos; e similaridade com outros cenários em forma e escopo (Vanston Jr, Frisbie, Lopreato, & Poston Jr, 1977). O primeiro passo para a elaboração de cenários é, após a identificação de um assunto a ser estudado, a identificação de tendências fortes e consistentes, ou seja, aquelas que são estáveis ou que não têm como sofrer grandes variações no longo prazo, assim como a identificação de incertezas que, dentre as identificadas, têm maior potencial de afetar o aspecto analisado, chamadas de incertezas fundamentais por Heijden (2009) e por Garvin & Levesque (2006) como incertezas críticas. Por exemplo, nas compras públicas, a obrigação de licitar para aquisição de bens e serviços é algo estável, que não deve mudar no longo prazo, entretanto, as modalidades e regras de condução tendem às formas feitas pela internet, ao favorecimento de pequenas empresas e à inclusão de exigências sócio ambientais dos fornecedores. Ainda neste caso, poderíamos considerar como incertezas para uma determinada organização pública: a forma como o crescimento da economia afetaria os resultados das compras (existência de maior quantidade de fornecedores, aumento de preços devido a crescimento da demanda interna do país, ou a melhoria na qualidade do serviço dos fornecedores devido ao aumento da concorrência); além de alterações na política econômica do governo com a finalidade de fomentar o crescimento e a geração de empregos ( aumento de investimentos públicos ou privatizações e concessões de serviços públicos).

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A amplitude do planejamento deve estar de acordo com as características do ambiente e da indústria analisada. Em contextos mais estáveis, sujeitos a mudanças mais lentas, o planejamento pode ter prazos mais longos e, ao contrário, contextos mais instáveis, necessitam de planejamento para prazos mais curtos e com um maior grau de flexibilidade. O nível de detalhamento também precisa ser ajustado, conforme a previsibilidade do contexto. Algumas atividades têm maior inércia, porém mesmo nas indústrias mais voláteis, as organizações se envolvem em questões com implicações de longo prazo. Heijden (2009) utiliza a indústria da construção civil como exemplo: as empresas deste ramo raramente planejam para mais de 3 anos em virtude da complexidade do seu contexto, entretanto, as empresas frequentemente estão envolvidas com a criação de capacidade institucional, buscando boa reputação e o desenvolvimento de uma cultura voltada para seus clientes. Aspectos demográficos contituem um exemplo claro de tema a ser analisado que é sujeito a mudanças lentas, onde se pode observar tendências claras. Se olharmos a evolução de uma pirâmide demográfica no tempo, facilmente é possível projetar uma situação futura que tem grande possibilidade de se aproximar da realidade (Heijden, 2009). O fato é que o grau de previsibilidade tem relação inversa com o passar do tempo, isto é, à medida que o horizonte de planejamento aumenta, ou seja, quanto mais olhamos para o futuro, a previsibilidade se reduz. Assim no curto prazo, as previsões podem se constituir na melhor maneira de planejar, entretanto, no médio prazo, onde há alguma previsibilidade e muitas incertezas, os cenários podem ser considerados como ótima ferramenta. Por outro lado, no longo prazo, tudo é incerto, ficando o planejamento no campo da esperança (Heijden, 2009). Estes horizontes de tempo são relativos e, desta forma, dependerão do contexto analisado.

Figura 3. O equilíbrio entre previsilidade e incerteza Fonte:Heijden, K. Van Der. (2009). Planejamento por Cenários: a arte da conversação estratégica (p.127). Porto Alegre: Bookman.

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A mais simples e fácil forma de geração de cenários de todas é uma forma incremental: identifica-se a tendência e se extrapola para resultados maiores e menores. Assim, se cria pelo menos três cenários: o primeiro seria resultado da extrapolação dos dados históricos e o segundo e terceiro ao se considerar resultados maiores ou menores. Uma outra abordagem para a construção de cenários envolve a identificação de possíveis acontecimentos que podem ocorrer de forma sequencial e poderão influenciar na alteração da tendência atual. Consideraria-se o ponto de partida como a situação atual e numa sequência de possíveis acontecimentos, vários cenários poderiam ser gerados, numa espécie de árvore de decisão. Por exemplo: uma organização detectou a necessidade de se desenvolver um novo sistema corporativo para controlar a produção. Mediante um estudo verificaria-se que o aumento na produtividade trazido por um novo projeto compensaria um investimento relativamente alto em equipamentos e em desenvolvimento de software. Se este novo projeto fosse aprovado, seria preciso decidir entre o dois fornecedores dos equipamentos: A que já é fornecedor atual e traria vantagem pela manutenção da padronização do hardware e B que oferece uma opção de menor custo inicial com a mesma capacidade, mas de fabricante diferente e que, em contrapartida, acarretará outros custos no longo prazo, como valores mais elevados para os contratos de manutenção e treinamento do pessoal. Neste ponto, se avaliaria se a dificuldade de familiarização do pessoal afetaria negativamente o aumento na produtividade estimada previamente. Este caso imaginado já envolveria seis cenários diferentes, que poderiam se desdobrar em diversos outros, conforme a figura 4.

Figura 4. Exemplo de elaboração de cenários por meio de àrvore de decisão

Uma terceira abordagem está na montagem de uma série de cenários diferentes, quantos forem necessários, pela identificação e combinação de diversas hipóteses com base nas incertezas e tendências consolidadas. Neste caso o mais comum é identificar as incertezas 9   

 

com maior poder de influência, agrupá-las em dois grupos por similaridade e dispor estes dois grupos em dois eixos ortogonais. Daí seriam criados quatro cenários distintos cujas diferenças são relevantes para decisores.

Figura 5. Exemplo de elaboração de cenários1

É usual nomear os cenários e para cada um pode ser elaborada uma narrativa, logicamente coerente e consistente. Tal narrativa seria como uma estória contada do que se imagina que será o futuro em cada cenário, sem que esta seja vista como ficção científica, isto é, é preciso que haja ligação entre o presente, e como este evoluiria à situação imaginada. Isto aumenta a possibilidade de que os cenários sejam percebidos como realísticos (Garvin & Levesque, 2006). A grande dificuldade reside em identificar as principais tendências e incertezas relacionadas ao tema de estudo e classificá-las em grau de importância e influência. Isto é um processo subjetivo e que normalmente é feito por uma equipe multidisciplinar, com pessoal que tenha conhecimento e experiência no assunto. Constituindo um longo processo que leva meses e envolve pesquisa prévia preparatória. Frequentemente a equipe necessitará consultar especialistas2que possam destacar quais são os aspectos mais importantes e críticos. Esta prática deve ser adotada sempre que não houver alguém dentro da equipe que seja especialista ou que tenha experiência reconhecida no assunto. Cabe ressaltar que as opiniões mais variadas devem ser consideradas, de forma a permitir a inclusão da maior quantidade possível de aspectos na análise.

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4. Relação com o planejamento estratégico Na prática, os cenários podem ser utilizados de duas formas. Primeiramente, por meio de uma postura mais reativa e emergente, a organização identifica o cenário que julga ser mais provável de acontecer e busca estar preparado para ele, se antecipando e criando planos alternativos para o caso de algum dos outros cenários acontecerem, aumentando sua capacidade de reação. Uma segunda aplicação, mais proativa e deliberada, seria a identificação do cenário mais desejado e conveniente, ajudando a criar objetivos a serem buscados e até influenciando a visão da organização. Nesta situação, a organização tenta moldar e influenciar os ambientes internos e externos a fim de atingir o cenário que deseja. Um dos objetivos do planejamento estratégico é desenvolver políticas que orientem o comportamento dos colaboradores de uma organização de forma que suas ações sejam adequadas a um objetivo maior. Isto precisa ser alcançado em uma situação onde incertezas permeiam o ambiente. Segundo Heijden (2009), se tudo for conhecido e determinado, não há espaço para estratégia e por outro lado, se tudo for completamente incerto e nada for previsível, será impossível se formular estratégias: “A ideia de se definir estratégias para o futuro fundamenta-se na imprevisibilidade deste e em alguns aspectos do futuro que pressupomos poderem ser previstos” (p.39). Em situações de incerteza, o planejamento está ligado com aprendizagem continua (Baets, 2006; Heijden, 2009). Segundo Heijden (2009), o planejamento por cenários se destaca das abordagens mais tradicionais do planejamento estratégico por considerar as ambiguidades e incertezas de forma mais explícita na formação das estratégias. Este mesmo autor ressalta que uma estratégia bem sucedida só pode ser desenvolvida se permitir reações dinâmicas e contínuas às incertezas. Isto não quer dizer que a organização precisa usar a construção de cenários de uma ou de outra forma, mas que uma vez que se utiliza esta ferramenta de análise, será possível se antecipar a mudanças e estar preparada para estar na vanguarda de transformações, ou ao menos reagir mais prontamente a elas.

5. Conclusão

Na introdução foi colocado em questão a confiabilidade das técnicas de projeção de panoramas futuros. Porém o que o planejador deve se perguntar é até onde os modelos de previsão matemáticos e estatísticos devem ser aplicados sozinhos e para que tipo de planejamento. No curto prazo, um sistema de previsão com base em dados históricos pode ser adequado. Entretanto, no longo prazo e em temas complexos, um modelo matemático necessita ser complementado por análises mais amplas, como o planejamento de cenários, que leva em consideração aspectos mais qualitativos como a percepção de especialistas a respeito das tendências e incertezas. Porém, é importante perceber os limites de nossa visão e não fazer previsões além de nossa capacidade. É preciso aceitar a utilidade da previsão no curto prazo e que esta é decrescente ao olharmos para um futuro mais distante (Heijden, 2009). 11   

 

O objetivo da construção de cenários não é acertar exatamente o que vai acontecer nem eliminar incertezas, mas identificar possíveis situações que podem ocorrer. Além disso, por permitir um maior conhecimento da organização, e como esta se insere no ambiente, esta técnica consiste em um valioso recurso de aprendizagem contínua dos gestores envolvidos. O processo de criação de cenários por si só ajuda na aprendizagem dos gerentes, permitindo que entendam melhor a indústria em que estão inseridos, bem como de sua própria organização, criando uma espécie de "sentimento", de percepção de como funciona os ambientes interno e externo. Isto pode levá-los a perceber melhor e se antecipar a mudanças que não podem ser previstas facilmente. Um desafio embutido na utilização de cenários prospectivos envolve a integração destes à estratégia propriamente dita, na forma de planejamento estratégico. Isto pode ser feito estabelecendo-se sinais que indiquem em que direção o contexto está se movimentando, permitindo o acompanhamento, correções e ajustes na estratégia adotada.

6. Referências  

Baets, W. R. J. (2006). Complexity, Learning and Organizations. New York: Routledge. Bradfield, R., Wright, G., Burt, G., Cairns, G., & Heijden, K. Van Der. (2005). The origins and evolution of scenario techniques in long range business planning. Futures, 37(8), 795–812. doi:10.1016/j.futures.2005.01.003 Cabral, M. (2012). Os caminhões em marcha lenta. Isto é dinheiro. Retrieved from http://www.istoedinheiro.com.br/noticias/83774_OS+CAMINHOES+EM+MARCHA+L ENTA Garvin, D. A., & Levesque, L. C. (2006). A Note on Scenario Planning. Boston. Heijden, K. Van Der. (2009). Planejamento por Cenários: a arte da conversação estratégica. Porto Alegre: Bookman. Malaska, P., Malmivirta, M., Meristö, T., & Hansen, S. (1984). Scenarios in Europe—who uses them and why? Long Range Planning, 17(5), 0–4. Retrieved from http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/0024630184900360 Marcial, E. C., & Grumbach, R. J. S. (2002). Cenários prospectivos: como construir um futuro melhor (p. 148p). Rio de Janeiro: Editora FGV. Sargut, G., & McGrath, R. G. (2011). Learning to live with complexity. Harvard business review, 89(9), 68–76, 136. Retrieved from http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21939129

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Vanston Jr, J., Frisbie, W., Lopreato, S. C., & Poston Jr, D. L. (1977). Alternate scenario planning. Technological Forecasting and Social Change, 10, 159–180. Retrieved from http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/0040162577900439

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 Elaborada com base no caso da produção dos caminhões a diesel, citada na seção 2.   Um conhecido método de consulta a especialistas é o Método Delphi. Este foi empregado pela primeira vez  em 1948 pela Rand Corporation, e a ele foi dado este nome em homenagem ao Oráculo de Delfos. Tal método  consiste em interrogar individualmente, um determinado grupo de peritos. As respostas são analisadas e  questões são apresentadas a eles outra vez para que tenham a oportunidade de rever suas opiniões (Marcial &  Grumbach, 2002).  2

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