A conspiração dos astros

July 22, 2017 | Autor: João Silva | Categoria: Creative Writing, Astrosociology & Fermi Paradox
Share Embed


Descrição do Produto

Agora conto eu…
A conspiração dos astros – João Cunha Silva

Um frio que não chegava a ser incomodativo batia-me no rosto, despertando, um a um, todos os meus sentidos, como se desejasse preparar-me para o que viria a suceder. O ar estava leve e limpo e a Lua, mostrando-se ainda a medo, deixava já antever a forma sombreada de todo o seu perímetro e futuro esplendor. Logo por baixo dela, à distância precisa de dois polegares, dois astros capturaram a minha atenção. Pela sua trajetória e tipo de brilho, percebi que eram certamente planetas. Um mais brilhante e vibrante; o outro um pouco mais sóbrio e expectante. A sua posição pouco usual parecia querer dizer-me alguma coisa e o meu olhar nunca mais se desviou daqueles pontos da tela celeste e passou a acompanhar o seu desaparecimento na linha de arvoredo, que no meu caso antecipa a linha do horizonte. Os fenómenos celestes costumam aprisionar a minha atenção, mas por norma, surgem sempre antecipados por grandes notícias ou pesquisas fortuitas na internet. Neste caso, nada disso… apenas olhei na altura certa e no lugar certo e nunca mais fiquei indiferente. Sei identificar os astros e constelações no desenho do céu. Mesmo assim, não sabia ao certo que planetas seriam e por isso, qual astrónomo de trazer por casa, recorri preguiçosamente a uma aplicação no telemóvel e apontei para aqueles dois pontos brilhantes, situados dois polegares abaixo da Lua. Marte e Vénus! Tornei a confirmar… eram mesmo os dois planetas, eternos amantes. Não consegui disfarçar o meu entusiasmo e surpresa, pois a ligação entre estes dois astros não é vazia de significado para os mais atentos. Senti, por isso, que os astros conspiravam para me dizer alguma coisa.
Naqueles minutos em que fiquei a observar aquele bailado de amantes arrebatados, viajei até junto deles e sentei-me a recordar as suas histórias. Lembrei-me das vezes que me cruzei com os seus nomes ao longo da minha vida; lembrei-me como fazem parte do imaginário de todas as verdadeiras histórias de amor; lembrei-me dos poemas e dos textos que lhes foram dedicados; lembrei-me do carinho que, segundo Camões, tinham por todos os portugueses e venturosos; lembrei-me do seu filho Cupido e das datas em que no calendário comemoramos o AMOR e vi que este encontro, afinal, não tinha sido por acaso.
Agora, estavam ali tão perto de mim. Percebi que eu próprio fazia parte do universo presente e passado, pois partilhava o mesmo ar de todos os outros que, ao longo dos séculos, observaram o mesmo céu e se sentiram inspirados para criar os seus poemas, histórias e narrativas. Ao ver a dança apaixonada destes dois eternos amantes, iluminados apenas pela Lua, como sempre deveria ser, sorri maravilhado ao pensar que tinham escolhido o meu horizonte para se encontrarem por aqueles breves momentos. Tive aí a certeza que conspiravam em meu favor.
Para mim, à imagem de Sophia enquanto olhava o mar e as coisas simples, isto é motivo de maravilhamento, de poesia e de inspiração. Sei, no entanto, que para aqueles dotados de um cinismo científico, nada disto é mais do que o aproximar aparente de dois planetas desprovidos de vida, ou para aqueles dotados de um perigoso desinteresse geral, isto não deixa de ser uma mão cheia de nada. No entanto, são estes dois "amantes" e nossos vizinhos imediatos nas viagens à volta do sol, que permitem a existência de condições para haver vida no nosso planeta.
Marte e Vénus não conspiraram apenas para o sucesso dos portugueses na descoberta do caminho marítimo para a Índia, eles conspiraram para que toda a vida no planeta Terra encontrasse o seu caminho.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.