A CONSTRUÇÃO DEMOCRÁTICA DOS ESPAÇOS PÚBLICOS NOTURNOS

October 11, 2017 | Autor: Marcos Gois | Categoria: Night Time Economy, Public Policy
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O Jornal O Globo tem publicado nos últimos trinta anos um grande número de notícias sobre novas áreas de lazer noturno ou centros de vida noturna na cidade do Rio de Janeiro. Ao longo do texto citaremos algumas dessas notícias.
Há na cidade do Rio de Janeiro um grande debate sobre o uso ilegal dos espaços públicos. Ao longo dos anos 1990 uma campanha política radical do prefeito Cesar Maia previa expulsar moradores de rua e camelôs (vendedores ambulantes) dos centros comerciais da cidade. Algo que não foi alcançado sem conflito com estes atores sociais.
A Reforma Passos foi um grande projeto de renovação da área central da cidade que promoveu a derrubada de casarios coloniais e a construção de prédios monumentais na Avenida Central. O projeto é até hoje considerado paradigmático, pois foi o primeiro a produzir grandes transformações urbanas na cidade.
A regulamentação do jogo na década de 1930 previa "promover o desenvolvimento da vida noturna na cidade" [Jornal O Globo, 8 de Agosto de 1932].
Alguns artigos parecem demonstrar a preocupação da sociedade carioca dos anos 1940 com a falta de atividades noturnas disponíveis para a população [Jornal O Globo, O pyjama na história da cidade, 21 de Maio de 1938].
Jornal O Globo, Enriquecida a vida noturna da cidade, 28 de Maio de 1947.
Uma portaria proibia a instalação de bares e boates em áreas residenciais [Jornal O Globo, Dada como prejudicial ao turismo a portaria sobre bares e restaurantes, 02 de Agosto de 1965].
A iluminação, por exemplo, é mencionada em cinco momentos dentro do Plano Diretor de 1992: (Art. 62-II); (Art.71- § 1º); (Art.108- § 3º); (Art. 152- § 3º); e (Art. 189-X).
Alguns pontos do Estatuto da Cidade são fundamentais para compreender o novo papel que os planos diretores adquirem na gestão da cidade: maior participação da população nos processos decisórios e gestão democrática da cidade; viabilização das operações urbanas consorciadas (intervenções coordenadas pelo poder público com a participação de proprietários e investidores privados); criação de estudo de impacto de vizinhança (EIV) – licenças de construção e operação; e a centralidade do plano diretor na definição dos outros instrumentos de política urbana.
Se obsessivamente procurarmos algo sobre o tema, veríamos que a proteção patrimonial e o incentivo ao turismo podem ser elementos passíveis de serem relacionados à vida noturna, assim como as diretrizes de estímulo a funções comerciais em certas áreas ou a instituição de Polos de Atração de Investimentos e Desenvolvimento Sustentável – PADES, especialmente quando relacionados a espaços públicos.
Jornal O Globo, Um Rio nasce na velha cidade, 4 de Setembro de 1988, p. 20.
A divisão político-administrativa do município do Rio de Janeiro é organizada segundo Áreas de Planejamento. O Rio de Janeiro possui cinco Áreas de Planejamento. Hierarquicamente inferiores estão as Regiões Administrativas e, por fim, os bairros.
Em geral, podemos dizer que a Zona Sul e a área da Barra da Tijuca parecem concentrar a população de classe média, enquanto que a Zona Norte e a Zona Oeste concentram setores da classe média e a maioria dos trabalhadores de baixa renda da cidade. Obviamente, trata-se de uma visão esquemática sobre uma cidade que possui uma história muito mais complicada em termos de sua organização sócio-espacial.
A Companhia Municipal de Energia e Iluminação do Município do Rio de Janeiro é a autarquia responsável pela gestão da iluminação pública no município.
Sobre esta estratégia, ver o livro de ALMEIDA, Maria Isabel; e TRACY, Kátia Maria. Noites Nômades: espaço e subjetividade nas culturas jovens contemporâneas. Rio de Janeiro: Rocco, 2003.
ESPAÇOS PÚBLICOS NOTURNOS: VISIBILIDADE, CENTRALIDADE E MOBILIDADE NOTURNAS NA NOITE DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO, BRASIL.


Marcos Paulo Ferreira de Gois
Universidade Federal do Rio de Janeiro


Prepared for delivery at the 2014 Congress of the Latin American Studies Association, Chicago, IL May 21 - 24, 2014.


Introdução
Grandes cidades como o Rio de Janeiro têm, nos últimos anos, criado cada vez mais ações para o desenvolvimento de atividades de lazer e entretenimento. Uma das razões para o avanço deste processo é o investimento político e econômico em áreas deprimidas pela crise econômica dos anos 1960 e 70. O retorno ao centro e as medidas de criação de polos econômicos encontram-se dentro deste contexto e representam, em boa medida, um conjunto de iniciativas para a recuperação da economia urbana ao longo das últimas três décadas. Contudo, esta explicação possui limitações, especialmente se lidarmos com os casos particulares de cidades como o Rio de Janeiro, o qual sofreu influências de modelos externos em meio a soluções locais.
A vida noturna é um aspecto que pode ser extraído das ações políticas ligadas ao lazer na cidade. Nos últimos anos, o lazer noturno recebeu uma renovada atenção por parte dos agentes locais, especialmente no que se refere ao uso dos espaços públicos como arenas de entretenimento e sociabilidade. A visibilidade da intersecção entre o uso público e o consumo de bens privados teve grande repercussão midiática, especialmente em se tratando da vida noturna e da ampliação do lazer do centro para as áreas periféricas. A ideia de um espaço público noturno aparece então como uma nova versão sobre a história urbana, um processo de apropriação social através de atividades de lazer que foi propiciado pela adaptação física dos lugares às necessidades noturnas (GWIAZDZINSKI, 2000). Neste sentido, a iluminação artificial foi um elemento tecnológico adicionado às características locais, permitindo que as ações noturnas ganhassem maior visibilidade. Alguns autores definem este processo segundo a metáfora da fronteira (MELBIN, 1978); outros preferem contextualizar o processo em relação à redução da jornada de trabalho e a separação entre tempos de trabalho e tempos de lazer (THOMAS, 1965). O importante, no entanto, é entender como o espaço público passa a encerrar uma discussão que também inclui a temporalidade e a centralidade dos lugares dentro das atividades noturnas.
A cidade do Rio de Janeiro parece guardar elementos especialmente problemáticos para o tratamento do tema. Neste caso, achamos que a especificidade pode ser esmiuçada segundo três elementos principais: a visibilidade do espaço construído; a centralidade das atividades econômicas; e a mobilidade da população. Cada um desses elementos inseridos na discussão sobre os espaços públicos constrói aspectos relacionados à temporalidade e à espacialidade, ou seja, articulam apropriações, centralidades e visibilidades segundo momentos e lugares. Os momentos e os lugares em que os espaços públicos se tornam ativos seriam, portanto, de forma bastante simplificada, variações a partir dos três elementos principais. Isto também sugere que não há um tipo-ideal de espaço físico (a praça, a rua, o fórum), uma dimensão privilegiada de observação (política, econômica ou social), uma localização na cidade (o centro, o subúrbio, a área nobre), ou mesmo um momento de explosão de centralidade único (hora do rush, happy hour, alta madrugada). As centralidades, as formas de apropriação e os padrões de mobilidade parecem possuir variações espaciais e mudanças ao longo do dia que ajudam a compor as características singulares de alguns espaços públicos da cidade.
Obviamente, alguns dos elementos principais foram posteriormente segmentados em problemas mais pertinentes ao caso do Rio de Janeiro, porém, em termos gerais, as grandes cidades enfrentam situações semelhantes. Os problemas relacionados, por exemplo, ao uso e apropriação do espaço público podem ser delimitados como questões para o zoneamento urbano noturno. Da mesma forma, a mobilidade noturna é um fator crucial na discussão sobre os sistemas de circulação urbana, incluindo subtemas como segurança, acessibilidade e co-presença nos espaços públicos. As formas de apropriação e de uso dos espaços públicos à noite também têm gerado reações e conflitos, implicando em debates sobre o controle dos comportamentos e a inibição de atividades não desejadas como a mendicância, a prostituição, o consumo de drogas e a venda ilegal de produtos por camelôs.
Para compreender a função dos espaços públicos na vida noturna carioca procuramos relacionar as ações públicas e as intervenções privadas em relação ao uso da tecnologia e à apropriação social dos espaços públicos. Neste caso, a composição física e social desse espaço possui variadas formas de aparição, segundo lugares, momentos e formas de relações e práticas sociais. Este artigo contém, assim, indicações acerca da vida noturna carioca, especialmente no que diz respeito à visibilidade pública deste processo nos últimos trinta anos.

Espaços públicos e vida noturna na cidade do Rio de Janeiro
Há poucas evidências sobre a vida noturna nos espaços públicos da cidade do Rio de Janeiro até meados do século XIX. Sabe-se apenas que lampadários e oratórios iluminavam esquinas no período colonial e que o cerimonial religioso no Brasil Imperial animava algumas noites da cidade com festividades noturnas (MENDONÇA, 2004). No entanto, a vida noturna, se existia, era insegura e por hábito as pessoas que se animavam em frequentar alguns locais à noite tinham que se munir de lamparinas ou velas. A cena pública do Rio colonial era composta por um espaço físico precário, com "[...] ruas estreitas, irregulares, cheias de pó ou de lama, conforme o tempo, [que] ficavam à noite quase às escuras, pois as raras lâmpadas de azeite, mortiças, bruxuleantes, pareciam mais destacar a escuridão do que iluminar a cidade" (DUNLOP, 2008, p.30).
O cenário colonial persistiu, mesmo no centro da cidade, até meados do século XIX, quando as inovações tecnológicas parecem ter tornado possível a criação de um sistema de iluminação pública. Isto se deu com o início da construção de um gasômetro e a instalação dos encanamentos de gás em 1853, quando a cidade do Rio de Janeiro experimentou os primeiro benefícios da iluminação a gás (FERREIRA, 2009). A instalação dos bicos de gás nos logradouros públicos permitiu uma evolução na vida noturna da cidade em relação ao período colonial. A partir do final do século XIX, com a descoberta das possibilidades de uso da eletricidade e da lâmpada incandescente de Edison (em 1878), começa a se consolidar o projeto modernista carioca. Novos cafés, restaurantes e teatros são criados, exibindo farta luminosidade e adornos mais ricos, como no caso da Confeitaria Colombo, de 1894, e do teatro Municipal, construído no início do século XX durante a Reforma Passos. Os lugares dotados de infraestrutura luminosa moderna representavam a república e o progresso da nação, enquanto as áreas próximas, relegadas à escuridão, aludiam ao passado colonial (MENDONÇA, 2004).
A ideia de modernização possui grande influência sobre a história da cidade, repercutindo diretamente na visão sobre o papel da noite na vida urbana. A exposição de 1922, a inauguração do Copacabana Palace no ano seguinte e a criação do Cassino da Urca em 1933 são indicadores de uma noite de alta classe (figura 1). Ainda assim, o retrato da noite do Rio de Janeiro nas décadas de 1930 e 40 parecia opaco, principalmente se comparado à cidade de Buenos Aires, histórica rival. O fim da década de 1940 e o início da década de 50 parece ser um período de retorno à vida noturna através de cabarés e casas de espetáculos que fervilhavam com as apresentações de bailarinas. Este período foi, no entanto, prematuramente ceifado pelas intervenções do governo militar a partir de 1964. Nas páginas da extinta revista "O Cruzeiro" (de 4 de abril de 1973, nº 14) deixa-se ver uma geografia da noite em continua transformação ao longo dos anos 1970:
Mas a rotina é quebrada quando chega o fim de semana. A transformação é total. O carioca se solta, desliga-se. Seu único compromisso é viver, estar presente no espírito adolescente e alegre que ronda os bares e boates e se esparrama pelas ruas.
A fisionomia noturna do Rio é peculiar e já foi definida como "um universo inexplicável, porque o que acontece em Ipanema jamais acontece em Madureira". Apesar do exagero da afirmação, a noite carioca tem características distintas em pelo menos três áreas: Norte, Centro e Sul.
No Norte predominaria o silêncio das ruas desertas, na Zona Sul a brisa do mar que afaga os casais de namorados e no Centro restaria a boêmia decadente e a sentença de que está morta a Lapa (bairro na periferia da área central da cidade). Desde então muito parece ter mudado: a democracia ressurgiu, novos projetos foram criados, novas luzes projetaram cenários urbanos, novas atividades cresceram, novos modos de ser e de se apropriar do espaço foram idealizados, modelos e planos se voltaram para a noite urbana.
Ao mesmo tempo em que se opera no início da década de 1980 uma mudança na gestão da cidade em seu período noturno, novos modelos de gestão empresarial surgem como soluções para a crise da economia urbana. Em primeiro lugar, o surgimento de parcerias entre o setor público e a iniciativa privada se torna parte da estratégia dos governos locais para a solução de pequenos entraves na consecução de projetos. Assim, os custos de obras e de organização de projetos passaram a ser parcialmente financiados por instituições privadas. Em segundo lugar, a organização em polos comerciais surge como estratégia para a criação de clusters de lazer e entretenimento. Neste caso, a atuação em torno de potenciais áreas de atratividade comercial é reforçada com o investimento do setor público na recuperação física das áreas dos polos. Por fim, mudanças na legislação em áreas patrimoniais visaram conceder isenções e permissões para a conversão de imóveis residenciais e comerciais em lojas de serviços de entretenimento.
As três estratégias estiveram combinadas com a ação do governo local nos espaços públicos, ou seja, fazem parte de um modelo de gestão urbana que atua em conjunto com instituições privadas no sentido de remodelar e reorganizar setores urbanos. Este modelo de governança urbana foi definido por alguns autores, como Harvey (2005), como empreendedorismo urbano, no qual os governos locais assumem parte do risco relacionado às reformas urbanísticas visando garantir o investimento corporativo. Neste sentido, os governos locais cedem parte do processo de planejamento e de organização espacial para o setor privado, visando reformular áreas e criar zonas de atração de investimentos.

Figura 1: Imagens do interior do Casino Balneário da Urca, Rio de Janeiro, Revista Life, 1941.
Parte do processo de investimento em novas estratégias de ação no espaço urbano teria passado pela criação de áreas de lazer noturno (HOLLANDS and CHATTERTON, 2003). O aproveitamento do tempo livre dos habitantes da cidade e dos períodos de férias dos turistas seria capitado em áreas que criassem uma imagem de cidade festiva (HANNIGAN, 1998). Neste caso, a noite se tornou um momento de transgressão, que no caso do Rio de Janeiro estava associado à imagem de cidade boêmia. Planos e projetos urbanos incorporaram tais estratégias e forneceram as bases sobre as quais os espaços públicos de algumas áreas da cidade se transformaram em centros de lazer noturno.
A gestão da cidade teria, portanto, sido compartilhada entre diferentes agentes urbanos, ainda que orientada segundo os princípios gerais da política urbana nacional. Neste sentido, a municipalidade adquiriu um papel central, o qual lhe foi atribuído nos artigos 182 e 183 da Constituição Federal Brasileira de 1988. À municipalidade competiria o papel de desenvolver a política urbana e garantir o bem-estar da população através do estímulo às funções sociais da cidade. Isto significa que necessariamente as cidades passaram a criar instrumentos de gestão e de orientação da política urbana. O principal instrumento talvez tenha sido o Plano Diretor, mecanismo pelo qual as diretrizes de zoneamento e de ordenamento urbanos seriam comtempladas.
Apesar de cada vez mais importante, a questão da vida noturna fica praticamente subsumida dentro de um planejamento global da cidade, estabelecendo apenas em alguns momentos o papel da iluminação pública, segundo as áreas de planejamento da cidade. Em nenhum dos casos, entretanto, há qualquer detalhamento ou mesmo caracterização do papel da iluminação para as áreas consideradas, o que é condizente com o modelo mais geral de apresentação das diretrizes no plano.
A partir de 2001, com o decreto do Estatuto da Cidade, algumas diretrizes para a gestão da cidade são modificadas, algo alcançado a partir de um amplo debate nacional sobre os problemas endêmicos da expansão urbana e da desigual partição do território urbano. O Estatuto da Cidade promoveu duas situações cruciais que já vinham sendo construídas no modelo anterior. Em primeiro lugar, ratificou a atuação da iniciativa privada através das operações urbanas consorciadas. Em segundo lugar, a criação dos Estudos de Impacto de Vizinhança permitiu o arbitramento de questões relacionadas aos usos sociais, especialmente vinculados às atividades de lazer. Além disso, promoveu novas diretrizes que serviriam para organizar os projetos setoriais.
O novo Plano Diretor da cidade do Rio de Janeiro - publicado no ano de 2011 após um longo debate em torno de seu conteúdo – recuperou algumas das ideias vinculadas ao Estatuto da Cidade, como a gestão democrática, o desenvolvimento sustentável e a universalização do acesso aos bens urbanos. Além disso, a preocupação com as qualidades paisagísticas da cidade são realçadas e a preservação do patrimônio natural e cultural da cidade recebem maior destaque no plano. Sobre a noite urbana, no entanto, pouco mudou: a cidade não é praticamente percebida em seu aspecto noturno.
Em relação à iluminação pública, notamos que o novo Plano Diretor apresentou um desenvolvimento importante da questão. O termo iluminação aparece relacionado a nove artigos do plano, sendo que um deles, o artigo 229, trata exclusivamente das ações relacionadas à iluminação pública. Neste caso, a cobertura total dos logradouros com iluminação artificial, a manutenção preventiva dos equipamentos, o aprimoramento da iluminação em pontos turísticos e o investimento em iluminação especial em monumentos e áreas patrimoniais se tornam pontos centrais. Assim, a iluminação é incorporada como elemento de valorização do conjunto paisagístico carioca, sendo um elemento de ambientação para a prática do turismo urbano. Ao mesmo tempo, os problemas da poluição luminosa são contemplados pela primeira vez, realçando um caráter muito recente das discussões em torno da iluminação artificial urbana.
Além dos planos diretores e dos instrumentos de gestão urbana, desde o início da década de 1990, o uso dos espaços públicos durante a noite tem sido um tema que percorre também os projetos urbanos da cidade. Nas diretrizes dos projetos notamos a presença de normas específicas dirigidas à iluminação pública e à manutenção da segurança durante a noite. Alguns projetos são referências neste aspecto, já que procuraram desenvolver economicamente regiões que até a década de 1980 estavam em franco processo de decadência ou sem aproveitamento econômico.
O programa Corredor Cultural Carioca teve uma longa duração e passou por diversas fases dentro da gestão local da área central (Praça XV, Saara e Lapa). O programa foi pensado ao longo dos anos 1970 e 80 e visava fornecer benefícios fiscais aos proprietários dos imóveis, em sua maioria casarios do fim do século XIX, com a contrapartida da reforma dos prédios e da valorização da fachada (LIMA, 2007). A ideia central era de que a melhoria estética dos prédios habilitaria a área para o uso social e comercial, incentivando o turismo e estimulando o "retorno ao centro" de jovens trabalhadores da área central. Uma das consequências do processo de reforma arquitetônica e urbanística foi a expansão do número de espaços culturais e serviços de lazer. A ocupação de ruas, calçadas e praças no entorno desses espaços foi um desdobramento do processo de revitalização (MACEDO, 2004). Além disso, o horário de funcionamento e de ativação desses lugares se expandiu para horários que anteriormente não eram comumente utilizados para práticas de lazer. Especialmente às sextas-feiras e sábados à noite, bares, restaurantes, galerias, boates e centros culturais deram centralidade às áreas, transbordando o uso social para as áreas públicas.
A partir das gestões dos prefeitos Cesar Maia e Luiz Paulo Conde, entre 1993 e 2008, a direção dos projetos urbanos se deslocou da área central e teve maior penetrabilidade nas áreas litorânea e de subúrbio da cidade – uma tentativa de reduzir "o silêncio das ruas desertas". A política de acupuntura urbana, com intervenções pontuais nas áreas centrais dos bairros, através do programa Rio Cidade permitiu o surgimento de novas atividades de lazer e de comércio nestes bairros. Isto foi possível devido à visão do programa, o qual previa realizar reformas urbanas com o intuito de desenvolver o comércio local e valorizar o uso dos espaços públicos nestas áreas. No marco dos projetos e nas diretrizes de intervenção em cada área foram idealizados planos de melhoria das condições ambientais dos espaços públicos com novo mobiliário urbano que permitisse o melhor uso da área durante a noite, algo que se relacionava à proposta do Plano Diretor de Iluminação Pública, voltado especialmente para as áreas comerciais dos bairros (PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO, 1993). A associação entre iluminar e ordenar aparece em vários momentos discriminando as ações necessárias para cada área. A partir de 1997, a Prefeitura do Rio de Janeiro criou manuais e instrumentos dedicados exclusivamente ao tratamento de problemas relativos à iluminação, sinalização e paisagismo (PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO, 1997). Estes instrumentos visavam orientar os procedimentos de construção e manutenção das obras da prefeitura e tinham aspectos dedicados exclusivamente ao uso noturno.
Estas preocupações em relação ao ordenamento das atividades noturnas também são encontradas nas linhas mestras do planejamento do projeto Lapa Legal, criado em 2009 para a área do atual bairro da Lapa, na periferia do centro da cidade. As operações da Secretaria Municipal de Ordem Pública (SEOP) através das ações chamadas "Choque de Ordem" sustentaram o projeto Lapa Legal através de intervenções para o controle de atividades, comportamentos e usos dos espaços públicos. Os centros turísticos e as áreas comerciais da área central serão aquelas que mais diretamente sofrerão o impacto das ações, o que coloca a Lapa como um centro vivo no processo de apropriação do espaço público.
As intervenções no espaço físico da Lapa previam um conjunto de mudanças no que se refere a temas como acessibilidade e segurança dos cidadãos, além de garantir ordenamento do uso comercial do espaço público, com a definição de localizações e da abrangência das áreas comerciais no bairro (Decreto Municipal n°30798, de 10 de junho de 2009). O projeto Lapa Legal previa, além disso, mudanças na organização da segurança e do fluxo de transportes, com fechamento de ruas em horários de concentração de usuários. As medidas de fechamento de ruas (entre 22 e 05 horas nas sextas e sábados), de regularização dos comerciantes informais (criação de padrões de barracas e de regras de funcionamento), e de incentivo à abertura de novos estabelecimentos (isenção de imposto em prédios na área do Corredor Cultural) foram ações importantes para manter e até mesmo elevar o uso do local durante a noite, enfatizando a vocação da Lapa como centro de lazer noturno.
Em resumo, podemos considerar que no momento atual tenta-se recuperar o passado através da conversão de casarios em centros de lazer e entretenimento. O conceito de modernidade é restaurado através de transformações físicas nos espaços públicos e de um reordenamento das atividades noturnas. As limitações de ordem política como, por exemplo, a intervenção do governo ditatorial e a transferência da capital para Brasília tiveram repercussões na economia urbana da cidade. A década perdida de 1980 e a crise econômica do início dos anos 1990 levaram também a uma redução da vida noturna. Os planos diretores, os projetos urbanos e as iniciativas do setor privado nos últimos vinte anos transformaram o panorama, criando uma paisagem noturna mais diversificada e intensa, o que insere a cidade do Rio de Janeiro em um amplo processo com marcas globais associadas a um novo papel do setor público como empreendedor no setor terciário da economia.

Centralidades
O processo que descrevemos muito brevemente até aqui deixou, no entanto, marcas na distribuição dos espaços públicos noturnos e na forma de apropriação pela população. Acreditamos que três elementos poderiam descrever a situação atual desses espaços em termos de sua oferta no tecido urbano carioca. Cada um desses elementos nos fornecem pistas sobre os significados atribuídos aos espaços públicos durante a noite. Eles poderiam ser também descritos como indicadores de centralidade ou direções para a compreensão de um complexo esquema que envolve a identidade da cidade e a participação dos cidadãos na criação e organização de espaços públicos noturnos. Neste caso, aludimos ao conceito de centralidade para entender a dispersão de três elementos que correspondem à visibilidade espacial, às atividades culturais e comerciais e à mobilidade noturna.
Não se trata claramente de indicadores de centralidade, visto que a complexidade das relações não foram organizadas em categorias, mas apenas discriminadas enquanto sua dispersão espacial. Tampouco se pretende com isso estabelecer critérios para a criação de políticas públicas para a noite na cidade. A tentativa é, na verdade, de estabelecer uma interpretação sobre a forma pela qual os projetos podem ter contribuído para a composição da paisagem noturna da cidade nos últimos anos. Modelos de centralidade foram inspiradores durante o processo, como a Teoria das Localidades Centrais de Walter Christaller, de 1933. Aplicado aos problemas de mobilidade em relação à disponibilidade de serviços, o texto clássico ajuda a compreender a atratividade de certas áreas, especialmente se articulado ao problema do investimento público em obras de valorização física dos espaços públicos. No entanto, os modelos da economia são apenas inspirações para a criação de uma visão espacial da vida noturna na cidade do Rio de Janeiro. A forma de articulação dos dados e até mesmo os resultados da pesquisa empírica não reproduz de forma alguma a visão dos autores da economia espacial.
Centralidade do consumo e do investimento em iluminação pública
A iluminação artificial é uma tecnologia que gera visibilidade em locais que a luz natural não consegue penetrar com eficácia. O seu uso depende de uma intencionalidade, de escolhas realizadas pelo ser humano. A iluminação artificial é, portanto, seletiva. Escolher onde e como se iluminará é um problema que afeta a própria construção da paisagem noturna de uma cidade, pois dar visibilidade a algo é informar ao observador de que este algo possui algum valor social. A forma de iluminar também define a percepção que teremos sobre um objeto ou ação.
A noite urbana e pública parece ter, assim, uma espacialidade da visibilidade. A prefeitura do Rio de Janeiro, em 1993, se preocupou em diagnosticar este aspecto da noite urbana, criando um Plano Diretor de Iluminação Pública. O diagnóstico da situação da iluminação pública na cidade demonstrou que havia uma desigual distribuição espacial do serviço de iluminação na cidade. As Áreas de Planejamento 1 (AP1 - Centro) e 2 (AP2 - Zona Sul) apresentavam em 1993 uma demanda constante por iluminação, resultado do pouco crescimento populacional das áreas no período. A Área de Planejamento 3 (AP3 - Zona Norte) possuía uma demanda reprimida, especialmente vinculada à manutenção dos pontos de luz. As áreas de expansão da cidade – Áreas de Planejamento 4 (AP4 - Barra da Tijuca) e 5 (AP5 - Zona Oeste) – sofriam com a carência de equipamentos de iluminação nos seus principais bairros. Ao mesmo tempo, na AP1, especialmente na zona portuária, bairros da Gamboa, Caju e Saúde, os problemas no serviço de iluminação pública eram considerados graves. Estas três áreas (AP's 1, 4 e 5) deveriam estar sob o foco dos investimentos entre 1993 e 2003, concentrando cerca de 70% do capital.
No entanto, durante os últimos vinte anos houve um incremento populacional em toda Zona Oeste, o que superou as estimativas traçadas pelos criadores do Plano Diretor de Iluminação Pública do município. Entre 1991 e 2010 a população das AP4 e AP5, juntas, aumentou em cerca de 45%. Esta ampliação da demanda deve ter tido impacto na qualidade do serviço e deve ter gerado, ao mesmo tempo, uma expansão do problema da iluminação para toda a cidade. Ao observarmos a distribuição do consumo de energia elétrica na cidade, notamos que nas áreas de ocupação consolidada (AP1 e AP2) o processo de verticalização e de ampliação dos serviços tende a concentrar o consumo de energia elétrica (figura 2).
O diagnóstico presente no Plano Diretor de Iluminação Pública de 1993 demonstrou, no entanto, um problema social que vinha sendo construído desde os anos 1970, em virtude da expansão urbana e da decadência da vida noturna nas áreas de ocupação mais antiga da cidade, como a AP1 – Centro (MENDONÇA, 2004). Aparentemente dois caminhos foram tomados: para as áreas de expansão da cidade foram criadas iniciativas para resolver o problema das noites através da instalação de material iluminante novo, produzido pela empresa RioLuz e seguindo um rígido modelo de construção e de manutenção que deveria ser garantido pela municipalidade (PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO, 1993); para as áreas de ocupação consolidada, optou-se pelo modelo de urbanismo luminoso, com a substituição de antigos postes e sistemas elétricos da companhia LIGHT S.A. por modelos mais modernos e esteticamente mais belos, incorporados aos projetos de reurbanização que foram criados pela prefeitura da cidade (MIGUEZ, 2001). Em ambos os casos, o estímulo à vida noturna e à utilização dos espaços públicos foram reforçados pela criação de projetos que valorizaram os centros de bairro como locais comerciais, o que remete aos programas criados na gestão do prefeito César Maia (1993-1996 e 2001-2008).

Figura 2: Consumo de Energia Elétrica no Município do Rio de Janeiro (2009). Elaboração própria a partir de dados da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro (2013).
Como um dos pontos centrais das obras da prefeitura, a iluminação pública foi um dos problemas que recebeu maior atenção no período. Esta afirmação pode ser verificada ao observamos os dados de crescimento dos pontos de luz nos últimos vinte anos (figura 3), os quais nos indicam um aumento considerável das áreas atendidas por iluminação pública na cidade e uma melhoria da eficiência energética por ponto de luz, resultado da modernização de todo o sistema de iluminação pública do município entre 1992 e 2010.
As mudanças ocorridas nos últimos vinte anos promoveram um zoneamento noturno da cidade, no qual os centros comerciais tiveram seus equipamentos de iluminação e mobiliário urbano, recriados segundo técnicas modernas. As obras vinculadas ao projeto Rio Cidade promoveram o desenvolvimento de subcentros noturnos em áreas de subúrbio e na periferia do centro. Ainda assim, o consumo de energia e a distribuição dos pontos de luz continuam concentrados na AP1 – Centro, em virtude da concentração de equipamentos públicos, instituições do terceiro setor e áreas patrimoniais. Nas outras áreas da cidade prevalece a concentração da luminosidade em polos gastronômicos e clusters de lazer e entretenimento.

Figura 3: Pontos de luz e consumo anual de energia – Rio de Janeiro (1992-2010). Elaboração própria a partir de dados da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro (2013).
A sensibilidade da população em relação ao problema da iluminação pública também ajuda a reforçar a ideia de uma distribuição desequilibrada do serviço. Em pesquisa realizada em 2011 pela organização "Rio Como Vamos" notou-se que 46% da população considerava que houvera melhora nos serviços de iluminação pública, sendo que esta percepção foi mais comum entre os entrevistados que moram na AP4 – Barra da Tijuca e na AP2 – Zona Sul. Em pesquisa realizada no ano de 2012, também pela organização "Rio Como Vamos", a preocupação com a melhoria da iluminação pública foi considerada, junto com o aumento do policiamento, o principal serviço a ser melhorado se considerado a rua como espaço público. Os moradores das Áreas de Planejamento 3 e 5 (Zona Norte e Zona Oeste, respectivamente) foram aqueles mais descontentes com a qualidade da iluminação em suas ruas, citando o problema em 50% e 56% dos casos, respectivamente. Para a AP5, Zona Oeste, a iluminação pública seria, inclusive, o maior problema relacionado ao ambiente urbano da vizinhança. Em 2013, a pesquisa da organização "Rio Como Vamos" ainda situou a falta de iluminação pública como um dos principais problemas relacionados à segurança, com números expressivos nas AP3 e 5 e um crescimento desta preocupação também na AP1 – Centro.
Não há dados suficientes que nos permitam relacionar as ações e as percepções sobre a iluminação pública com o uso dos espaços públicos. Contudo, a concentração de ações e a melhor percepção sobre o serviço nas Áreas de Planejamento 1, 2 e 4 (Centro, Zona Sul e Barra da Tijuca, respectivamente) indicam que nestas áreas o espaço público tende a ter maior visibilidade, em razão principalmente da criação de dispositivos visuais como holofotes, sinalizações e projetores. Enquanto que os espaços públicos das Áreas de Planejamento 3 e 5 (Zona Norte e Zona Oeste, respectivamente) tendem a possui menor visibilidade noturna, ainda que conceitos e tecnologias modernas de iluminação tenham sido instalados nos últimos vinte anos. Em todo caso, a relação entre estabelecimentos de lazer e cultura e uso do espaço público parece ter se fortalecido, especialmente se compararmos com os dados do Plano Diretor de Iluminação Pública de 1993. Esta dispersão espacial da iluminação urbana encontra também razões locais nos espaços públicos e na intersecção com os espaços de lazer privados: no Centro pelo uso das casas de show e de bares; no Subúrbio e no interior dos bairros da Zona Sul pela apropriação dos espaços públicos pelos usuários de bares, restaurantes, barracas e trailers. E na faixa litorânea pelo uso esportivo e gastronômico à beira-mar.
Obviamente, trata-se de um modelo de observação da cidade, limitado pela disponibilidade de dados e pela generalização presente na análise, mas torna-se também um instrumento para a reflexão sobre um objeto negligenciado no cotidiano: a luz artificial. O exame de seu significado deve ser, portanto, incorporado ao estudo da centralidade das atividades noturnas.
Centralidade das atividades noturnas urbanas
Os projetos urbanos tratados anteriormente parecem ter se ocupado em algum momento sobre a vida noturna, especialmente no que diz respeito às transformações que seriam geradas na paisagem urbana. Contudo, os projetos em si nos fornecem apenas um dos elementos indicadores da vida urbana noturna; uma estrutura sobre a qual a política cotidiana se estabelece no espaço; um guia para as observações empíricas. Como a noite raramente esteve dentro dos objetivos centrais dos planos e dos projetos, achamos melhor procurar a espacialidade da vida noturna inicialmente na dispersão das intervenções luminosas e no consumo energético ligado às atividades comerciais. Dessa aproximação inicial surgiram limitações que procuramos superar através de uma análise sobre as atividades culturais e comerciais vinculadas à vida noturna.
O caminho escolhido foi a criação de um Índice de Centralidade das Atividades Noturnas Urbanas, ou seja, um índice composto de indicadores e que se baseia na definição das ofertas de bens e serviços relacionados à vida noturna urbana. Através do índice esperamos compreender as características dos centros em uma classificação segundo as demandas da população. O primeiro passo para a definição do índice foi realizado a partir da revisão da bibliografia sobre a história da noite urbana. Buscamos através deste procedimento, levantar as principais atividades associadas à noite urbana. Realizamos, portanto, uma análise quantitativa através do software ATLAS.ti de alguns artigos científicos disponíveis em meio digital, os quais foram selecionados segundo a temática e o objetivo central de cada autor. Após a análise quantitativa foi realizada uma revisão das associações através do mesmo programa e da análise contextual dos artigos.
Devido ao limitado espaço, optamos por não apresentar os detalhes que se referem à produção do índice, como, por exemplo, os cálculos matemáticos, as operações estatísticas e as análises realizadas em software GIS. Simplificadamente, podemos dizer que a partir da revisão sobre o tema da vida noturna, e das atividades a ela associadas, descobrimos que o espaço público e a rua possuem na descrição da noite urbana um papel central, sendo elementos de discussão em relação ao ordenamento urbano e ao consumo. Além disso, a iluminação é um tema central em alguns casos, evidenciando o interesse pelas formas de controle da violência urbana, pelos mecanismos de orientação da vida noturna e pela criação de uma ambiência para as noites.
A segunda etapa de criação do índice foi produzida através da realização de trabalhos de campo e de pesquisas em sites de empresas em busca dos horários de funcionamento dos estabelecimentos ligados às atividades selecionadas acima: teatros, cinemas, danceterias ou boates, museus, restaurantes, bares, cafés e centros culturais. O resultado final da comparação entre os estabelecimentos de cada atividade foi a produção de cronotopias, ou melhor, relógios com as médias dos horários de funcionamento de cada tipo-ideal de estabelecimento para a cidade do Rio de Janeiro. Logo, podem ocorrer diferenças em termos regionais e mesmo erros no que diz respeito ao efeito dessas atividades em relação à vida noturna em cada área. O grau de generalização, no entanto, é necessário como critério de definição de uma visão sobre a cidade.
Após a descrição dos horários médios de funcionamento, realizamos os cálculos para a definição do índice a partir dos valores absolutos de estabelecimentos por atividades na cidade do Rio de Janeiro. Assim, a partir dos dados que estavam disponíveis, selecionamos os seguintes indicadores: espaços livres, centros culturais e clubes; espaços cênicos, cinemas e motéis; bares e restaurantes e boates e casas de espetáculo. O cálculo do índice se baseou no modelo do Índice de Desenvolvimento Humano, desenvolvido pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento a partir das pesquisas de Mahbub ul Haq (1995) e na revisão produzida por Sudhir Anand e Amartya Sen (1994). Este se baseia na divisão em dimensões para as quais são calculados indicadores para a definição de índices segundo cálculos estatísticos aplicados sobre os indicadores e segundo pesos diferentes.
Posteriormente, os resultados foram consolidados em uma tabela com dados distribuídos espacialmente segundo Regiões Administrativas da cidade do Rio de Janeiro. O estágio final da construção do índice consistiu na criação de um mapa de centralidade definido a partir do cálculo de quebras naturais (natural breaks), realizado pelo software ArcGis 10 (figura 4). Neste caso, as quebras naturais foram utilizadas para valorizar a separação por tamanho de intervalo, evitando a manutenção de valores em cada classe, na forma de intervalo geométrico.
Aplicado ao município do Rio de Janeiro, o mapa de centralidade das atividades noturnas urbanas apresentou uma concentração maior nas Regiões Administrativas do Centro e de Botafogo, especialmente em virtude da concentração de bares e restaurantes (cerca de 30% em relação ao total do indicador), o que definimos de centros noturnos metropolitanos. Além disso, as RA's localizadas na linha da costa apresentam também valores correspondentes ao que denominamos centros noturnos urbanos, ou seja, centros com alcance urbano, mas de limitado alcance regional. Neste caso, a concentração se deu em razão de outros indicadores como número de boates (40%), salas de cinema (41%) e espaços cênicos (28%). Os centros noturnos de zona são aqueles que possuem grande atratividade para os moradores de bairros próximos, mas poucos elementos atrativos para o conjunto urbano ou para áreas metropolitanas do entorno. Neste caso, a concentração foi mais expressiva nos bairros da Zona Norte, especialmente na intersecção com os bairros litorâneos e o centro. Os centros noturnos locais possuem abrangência limitada, em geral, a demanda tende a ser interna aos bairros, com deslocamentos curtos e serviços básicos. Alguns bairros da Zona Oeste e da Zona Norte compõem este quadro.



Figura 4: Índice de Centralidade das Atividades Noturnas Urbanas. Elaboração própria a partir de dados comerciais e de equipamentos culturais (2013).
A partir do cálculo de análise regressiva, notamos que em relação ao indicador de bares e restaurantes, as RA's de Santa Cruz, Bangu e Campo Grande (Zona Oeste) ficavam abaixo da linha de tendência, enquanto que as RA's do Centro, Botafogo e Lagoa apareceram bem acima da linha. O cálculo da análise regressiva em relação ao indicador de espaços livres revela que, inversamente, as RA's da Zona Oeste tendem a ficar acima da linha de tendência e as RA's da Zona Sul e do Centro tendem a manter-se dentro da tendência esperada.
Os dados ajudam a compreender a dispersão das áreas de lazer e de entretenimento no município do Rio de Janeiro e a forma em que estas atividades se distribuem segundo o padrão espacial. Neste caso, o lazer noturno ligado mais diretamente às atividades em bares, restaurantes e boates se concentra na área central da cidade e na faixa litorânea que liga o bairro de Copacabana (na Zona Sul) ao bairro do Recreio dos Bandeirantes (como prolongamento do bairro da Barra da Tijuca). De outra forma, as atividades recreativas em espaços livres e clubes tendem a se concentrar em áreas da Zona Norte e ainda mais na Zona Oeste. Assim, a oferta de lazer noturno é maior nas áreas acima indicadas e restrita nos bairros da Zona Norte e Zona Oeste da cidade, representando estas zonas como áreas de demanda (assumida) por lazer noturno.
Em relação aos espaços públicos há duas consequências importantes. Em primeiro lugar, a dispersão das atividades de lazer noturno no município revela a concentração da oferta em algumas áreas da cidade, o que as torna atrativas especialmente para os moradores das áreas com demanda crescente por lazer. Há dois desdobramentos dessa constatação: há lugares de centralidade noturna que se ativam neste horário, mantendo a centralidade diurna, porém sob um novo conteúdo social relacionado às atividades praticadas; há lugares que permanecem secundários na apresentação da cidade noturna, relegados a atividades pouco atrativas para o público em geral. Em termos amplos, as áreas com mais atividades noturnas tendem a reter mais pessoas nos espaços públicos, exibindo uma gama mais variada de "públicos" em relação ao seu local de moradia na cidade (figura 5).

Figura 5: A Lapa e o Baixo Méier. Dois centros de lazer noturno, um no centro e outro na periferia da cidade. 2010.
Em segundo lugar, dois fenômenos aparentemente contraditórios parecem ocorrer. De um lado, o aumento e a dispersão dos shopping centers no município parecem reorientar a localização das áreas de lazer e de sociabilidade para estes centros. Neste caso, a ideia que há uma redução dos espaços de publicidade e a migração da população para espaços de consumo é central. Por outro lado, notamos também o crescimento do investimento na criação e manutenção de áreas públicas, da mesma forma que uma maior dispersão dos polos comerciais ligados ao lazer noturno. Aparentemente há mais pessoas frequentando polos de lazer que possuem um espraiamento para espaços públicos recém-reformulados em projetos como o Rio Cidade. Resumidamente, a ampliação das ofertas de lazer em shopping centers não parece ter afetado radicalmente a concentração de atividades em espaços públicos durante a noite. No entanto, o papel desses centros de lazer ainda merece maior atenção, visto que o seu papel pode ser maior nos próximos anos, especialmente se tivermos em conta os problemas de mobilidade dos moradores da Zona Norte e Oeste da cidade.
Mobilidade e Centralidades
Um dos principais problemas sociais discutidos atualmente na cidade do Rio de Janeiro diz respeito à mobilidade urbana. De forma bem simplificada podemos sugerir que este tema tem sido um dos dilemas centrais enfrentados pela população urbana de grandes cidades como o Rio. Há um grande debate sobre o uso de veículos particulares e sobre as estratégias de resolução a partir da importação de modelos de países desenvolvidos (GAKENHEIMER, 1999). Há também discussões em torno das novas atribuições dos transportes públicos e do controle dos governos locais sobre o problema da mobilidade (DOCHERTY, SHAW AND GATHER, 2004), o que acaba por fornecer um desdobramento no que diz respeito ao pedestrianismo e ao uso de veículos não motorizados (LORIMER, 2011).
Pouco, no entanto, tem sido discutido sobre a mobilidade noturna, ou seja, as formas pelas quais as pessoas se deslocam no espaço urbano durante o período noturno. Obviamente, os problemas relacionados aos congestionamentos adquiriram centralidade sobre o tema, muito em razão da precarização das condições de vida nas grandes cidades. Neste caso, as horas de rush se tornaram o tema central dos estudos sobre mobilidade. Ainda assim, acreditamos que há um rebatimento da questão no que se refere ao ciclo diário de atividades urbanas.
Em um recente diagnóstico produzido sobre o problema da mobilidade urbana na Região Metropolitana do Rio de Janeiro (GOVERNO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, 2003) apontou-se que as viagens, segundo os modos de transporte, continuam fortemente baseadas no uso de transporte coletivo, cerca de 70%. Dentro do município do Rio de Janeiro, as viagens em transporte motorizado representam 74% do total, com grande participação do transporte não motorizado (a pé ou de bicicleta), com 26%, sendo, inclusive superior ao uso de transportes motorizados individuais, com apenas 22,8%. O maior motivo de deslocamento em relação ao destino é o trabalho. 22% da população se desloca através de transporte individual para trabalhar, contra apenas 1,3% que usa este meio de transporte para o lazer. Em relação ao transporte coletivo, os dados são semelhantes no que se refere aos motivos: 22% se desloca para trabalhar, 18% para fazer integração com outros transportes e apenas 2,5% utiliza-o para o lazer. O uso do transporte não motorizado apresenta, no entanto, outra situação, já que apenas 10% da população usa este meio de transporte para ir ao trabalho. O motivo de estudo absorve 24% dos motivos para uso do transporte não motorizado e o lazer aumenta para 3,4%.
Em geral, as pessoas que possuem menor renda tendem a se deslocar mais através de veículos não motorizados (74% recebem até 2 salários mínimos) e trabalham informalmente (36%). O trabalho formal é mais comum entre os usuários de transporte público (79%) e a maior concentração de assalariados acima da faixa de cinco salários mínimos encontra-se entre os usuários de transporte individual (40%).
Em relação à flutuação horária, percebemos que há manutenção do grande fluxo entre as seis horas da manhã e dezenove horas da noite, com picos às sete horas (motorizado individual: 9,3%; motorizado coletivo: 7,1%; e não motorizado: 14,5%), ao meio dia (M.I.: 8,2%; M.C.: 9,2%; e N.M.: 18,6%) e às dezessete horas (M.I.: 9,4%; M.C.: 12,7%; e N.M.: 12,9%). O uso de transporte motorizado coletivo cai drasticamente a partir das dezenove horas (4,1%), chegando ao mínimo de 0,1% às duas horas da manhã e voltando a crescer a partir das quatro horas (2,1%), como pode ser observado no gráfico 2 (GOVERNO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, 2013).

Figura 6: Distribuição das viagens por tipo de transporte e hora de início (2011). Fonte: GOVERNO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, 2013.
Em geral, todas as formas de transporte tendem a reduzir o número de viagens durante o período noturno. No entanto, segundo dados totais apresentados pelo Plano Diretor de Transporte Urbano de 2003, o número de pessoas em viagem em transporte motorizado coletivo entre dezenove e quatro horas chega a cerca de um milhão e oitocentas mil pessoas. Ainda que este total represente apenas cerca de 20% do total de viagens, ele é um relevante indicador do montante de pessoas que estão supostamente realizando atividades noturnas. Se observarmos mais atentamente os horários de pico noturno, veremos que às vinte e duas horas, à uma hora e às quatro horas os deslocamentos aumentam sensivelmente, indicando os turnos em que os usuários permanecem realizando atividades.
A queda da frequência durante o período noturno pode estar relacionada a diversos fatores como a reduzida oferta de trabalho noturno; os horários de funcionamento de centros de lazer e entretenimento, os quais, em geral, operam no máximo até às vinte e duas horas, como shopping centers, restaurantes e cinemas; a pequena disponibilidade de transporte coletivo, os quais reservam os horários entre meia-noite e quatro da manhã para realizarem a manutenção do sistema, como é o caso do metrô e dos trens, que não operam neste horário; a flutuação dos picos de atividades de lazer ao longo da semana, que tendem a se concentrar nos fins de semana, especialmente nas sextas-feiras e sábados; a associação com o problema da segurança, muito comentado, mas ainda pouco investigado; ou mesmo a disponibilidade de áreas públicas ou de atividades de lazer e entretenimento noturno, o que poderia criar uma regionalização da mobilidade noturna em torno dos centros noturnos metropolitanos.
A regionalização do transporte coletivo também parece contribuir para algumas centralidades constituídas. As mais de quinhentas linhas de ônibus que operam na cidade tendem, em geral, a captar os fluxos de passageiros em direção à área central da cidade, segundo dados da Rio Ônibus. Da mesma forma, as áreas de entroncamento e de integração do metrô e dos trens se concentram no centro da cidade. À noite, no entanto, ficam limitados os fluxos entre algumas áreas da cidade em virtude da paralisação de alguns sistemas ou da redução do tempo de funcionamento de outros. Como exemplo, podemos indicar que alguns bairros da Zona Oeste contam somente com uma linha que os liga à área central após a meia-noite. As linhas 393 (Bangu [Zona Oeste] x Castelo [Centro]) e 397 (Campo Grande [Zona Oeste] x Largo da Carioca [Centro]), por exemplo, funcionam com poucos veículos em intervalos que variam entre quarenta e sessenta minutos após a meia noite.
Há uma importante implicação para a vida noturna nos espaços públicos que podemos extrair através de evidências empíricas. Em primeiro lugar, os congestionamentos têm motivado o surgimento de atividades de happy hour, após o horário de trabalho. Em segundo lugar, as horas perdidas no trânsito têm impulsionado também o surgimento de escalas de trabalho mais flexíveis, com horários de entrada e saída modificados. Em terceiro lugar, alguma dose de sociabilidade tem sido adicionada a partir da interação entre os usuários dos transportes urbanos, seja através da interação entre passageiros em ônibus, seja entre motoristas de carros interagindo em meio ao trânsito caótico.
De qualquer forma, estas transformações nas relações com o transporte parecem ter produzido efeitos sobre o uso e quem sabe até mesmo sobre a definição dos lugares de sociabilidade. Os problemas de mobilidade parecem ter afetado também a localização de alguns lugares de sociabilidade noturna, deslocando centralidades para áreas anteriormente consideradas de passagem. Isto possui pelo menos dois desdobramentos visíveis. Em primeiro lugar, a espera por horários menos congestionados tem se tornado uma atividade mais rotineira, o que se desdobra em uso noturno de espaços da cidade, como nas áreas no entorno de centrais ferroviárias, terminais de ônibus e estações de metrô. Atividades noturnas mal afamadas, como a prostituição, podem ser encontradas no entorno da Estação de Trem Central do Brasil ou no terminal de ônibus na Praça Mauá, no bairro de Centro. Em segundo lugar, espaços de fluxos têm se tornado espaços de espera ou de conflito, tornando a mobilidade um tema para a discussão da publicidade. Ruas, viadutos, passarelas, vias expressas são redecoradas pela paralisia do automóvel e pela circulação de ambulantes e de ciclistas, em alguns casos a noite é absorvida por esta paralisia.
Além desses desdobramentos relacionados à mobilidade nas grandes cidades, a noite aparece em si como um momento de flexibilização da ideia de mobilidade. Durante o século XX, a noite e a madrugada foram consideradas tempos de preparação e de manutenção dos equipamentos urbanos, incluindo especialmente neste caso os sistemas de transporte. Ainda hoje sistemas de trens e de metrôs utilizam o período entre meia-noite e quatro horas da manhã para realizar reparos e ajustes necessários para o decorrer da manhã. No entanto, temos observado nos últimos anos uma mudança significativa neste processo. As operações mais recentes dos sistemas de circulação preveem a manutenção dos aparatos mesmo durante o dia, incluindo assim a ampliação dos horários de funcionamento dos transportes.
Outra questão que parece ser importante reside na desigual acessibilidade e mobilidade urbanas durante o período noturno, ou seja, a concentração de circulação entre algumas áreas em detrimento de outras rotas, privilegiando trajetórias durante a noite. Este processo tem certamente grande visibilidade na cidade do Rio de Janeiro, como pode ser observado a partir de duas estratégias. A primeira delas está relacionada ao uso das áreas nobres e centrais da cidade. Trata-se de um esquema no qual a qualidade e a quantidade dos deslocamentos é valorizada como um processo de "entrada na noite". Em bairros como Barra da Tijuca, Recreio dos Bandeirantes, Leblon e Ipanema, jovens entre 15 e 25 anos estabelecem circuitos da noite urbana. Estes circuitos costumam incorporam points como bares, postos de gasolina e boates, usualmente acessados através de veículos particulares. Assim, uma "noite fora" pode significar uma trajetória veicular, com paradas rápidas para se alimentar ou para consumir bebidas. O fim da noite normalmente está relacionado a uma última parada em uma lanchonete 24 horas ou padaria que poderá fornecer algum alimento para despertar os indivíduos antes de eles retornarem para as suas casas.
A segunda estratégia é um pouco mais comum entre os moradores das áreas periféricas da cidade. Neste caso, a trajetória tende a ser mais linear e dirigida a um local específico no qual a noite irá se realizar. Mesmo quando o deslocamento se faz através de veículos particulares os indivíduos parecem manter a decisão de escolher o point antes mesmo de sair de casa. Ainda assim há uma quantidade muito grande de moradores do subúrbio que se desloca através de transporte público. Esta situação torna as trajetórias mais simples, visto que há uma desigual distribuição dos transportes públicos durante a noite na cidade. Há menos ônibus trafegando após a meia-noite entre a Zona Norte e a Zona Oeste do que entre o Centro e a Zona Sul; o serviço do metrô é descontinuado a partir da meia-noite e só retorna às cinco da manhã, assim como os trens. Esta situação acabou por criar uma prática comum aos usuários, os quais preferem ir para lugares que oferecem maiores possibilidades de circulação interna, como o caso da Lapa. Poder circular pelo bairro garante que a noite pode se estender até o horário em que os meios de transporte público voltem a operar. Estas duas estratégias afetam diretamente o uso dos espaços públicos da cidade, pois incorporam as práticas dos usuários, segundo apropriações diferentes dos espaços públicos.

Conclusões
A relação entre noite urbana e espaços públicos ainda não foi bem discutida nas ciências sociais para que possamos estabelecer parâmetros interpretativos. Como tentativa, podemos supor algumas direções de investigação que nos levem a encontrar respostas para a definição de uma espacialidade noturna da publicidade. Com efeito, esta relação deverá ser procurada respeitando os limites que o conceito de espaço público possui na investigação da vida urbana. Isto não quer dizer, no entanto, que a pluralidade das manifestações da publicidade devam se manter cristalizadas aos tempos e aos lugares nos quais o conceito adquiriu a sua base empírica. Pelo contrário, a transformação das práticas culturais recria o significado dos lugares. Esta mobilidade conceitual é necessária para incorporar situações em que a publicidade se manifesta. Ao observarmos os espaços públicos à noite e dirigirmos nosso olhar para além dos centros, notamos novas formas de sociabilidade, novos esquemas de visibilidade e novos padrões de co-presença e conflito. Material e simbolicamente a noite possui elementos que reconstroem comportamentos, ambientes e significados.
Ao observarmos a política urbana e as ações do governo local da cidade do Rio de Janeiro notamos a dispersão espacial do problema da noite urbana. As dificuldades em consolidar um planejamento integrado, articulando zonas e funções urbanas com horários, fluxos e pontos atrativos, têm lentamente sido consideradas nos planos e nos projetos urbanos. Iluminar, autorizar estabelecimentos comerciais, fechar ruas ou reorganizar o fluxo noturno são efetivas manobras políticas que afetam a organização do tecido urbano. O governo local tem tentado dinamizar as zonas deprimidas e podemos dizer que há certa dose de sucesso, especialmente no centro da cidade. O progresso do lazer noturno não foi adquirido, contudo, sem que outras práticas, comportamentos e lugares fossem relegados a uma importância secundária. Por isso, podemos dizer que o fenômeno do lazer noturno possui uma dispersão espacial e que esta espacialidade noturna cria singularidades espaciais associadas à sociabilidade.
A iluminação do espaço público é outro elemento fundamental para a composição do ambiente ou paisagem. Durante o fim do século XIX e início do XX a iluminação detinha uma centralidade na descrição dos espaços públicos. Com o passar do tempo e a "naturalização da luz artificial" o sentimento pela noite urbana se dissociou da descrição da iluminação. Ainda assim, a iluminação do espaço público continua sendo um dos temas centrais da política urbana e das ações de remodelagem do ambiente urbano. O espaço físico noturno é delineado pelas cores e luzes das lâmpadas. Elas são responsáveis pela visibilidade dos objetos e das ações. As melhores tecnologias luminotécnicas são aplicadas aos lugares que precisam de destaque seja pelo seu valor histórico, econômico ou funcional. A invisibilidade noturna, ao mesmo tempo, garante refúgio dos olhares e dos controles. Em geral, temos mais notícias dos lugares luminosos do que daqueles que estão obscurecidos e esta regra pode ser aplicada a qualquer escala, desde os mapas globais aos croquis de bairros. Parece pouco, mas a iluminação artificial parece ter bons indicadores para entendermos os valores atribuídos aos lugares.
A dissociação entre os tempos de trabalho e de lazer no fim do século XIX aumentou o papel da noite na definição da vida urbana e isto fez também com que o espaço público ganhasse mais cores do que até então. Novas medidas de regulação de atividades, de incentivo econômico e de criação de funções urbanas tiveram que ser inventadas. Atualmente o lazer noturno se tornou uma saída para a crise da desindustrialização, na qual todas as cidades se arriscam em criar espaços de lazer, polos comerciais e centros patrimoniais. Ao mesmo tempo, a renovação do espaço público passou a ser uma obrigatória ação para promover lugares. A imagem de uma cidade vital, limpa e moderna precisava se amparar em ambientes que propunham uma nova forma de lidar com as multidões. No Rio de Janeiro isto passou necessariamente por uma ressignificação de lugares, de atividades e de comportamentos. A boêmia foi coadunada às ideias de democracia, cosmopolitismo e diversidade em um vocabulário que procurava valorizar a associação entre espaços de lazer comercial e espaços públicos. O sucesso do bairro da Lapa está diretamente ligado a esse processo, o qual se espraia como um modelo de lazer noturno para toda a cidade, incorporando os subúrbios, as calçadas das praias e até mesmo as praças de alimentação de shopping centers.
A dispersão das atividades comerciais e culturais no tecido urbano do município do Rio de Janeiro torna, inclusive, a questão da mobilidade mais complexa. Se notarmos que boa parte da população possui muitos problemas para utilizar o transporte público à noite, veremos que certo grau de imobilidade caracteriza a vida noturna de alguns cidadãos. Ao mesmo tempo, a dispersão do fenômeno ajuda a minorar o problema da mobilidade, criando deslocamentos mais curtos para áreas próximas que conseguiram dinamizar um polo comercial ou shopping center. No entanto, as limitações fornecem também elementos para a criação de soluções criativas e novos nichos de mercado. A refuncionalização e a reapropriação de lugares de passagem em espaços de visibilidade, sociabilidade e conflito noturno parece criar novas dimensões para a discussão sobre os espaços públicos. A criatividade estratégica do público noturno adaptou a imobilidade, transformando-a em mecanismo de ampliação do tempo noturno. As atividades comerciais se adaptaram a essa estratégia, esticando o horário de funcionamento até o fim da madrugada, quando o transporte público recomeça a operar normalmente.
Há muitas camadas não decifradas neste breve artigo, mas podemos dizer que a espacialidade da vida noturna é um intricado e desconhecido campo aberto para a pesquisa. Procuramos aqui incentivar estudos que pensem a espacialidade da publicidade durante o período noturno, especialmente com trabalhos que demonstrem empiricamente as minúcias das práticas sociais em área. Outros elementos como a atuação dos agentes sociais na criação de polos da vida noturna, o investimento privado neste processo e o imaginário sobre a vida noturna poderão ser adicionados. Na verdade, há muito a ser debatido sobre o tema e a geografia fornece alguns indicadores de um fenômeno que parece ter uma ordem espacial inegável.

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