A Crise Grega no Contexto da UE

June 24, 2017 | Autor: Pedro Viegas | Categoria: International Relations, Geopolitics, Euro-Zone Crisis, Eurozone crisis
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A Crise na Grécia no Contexto Europeu: a diversidade de relações e a geopolítica em análise sobre três conceitos or any of its subsystems, estruturais no estudo das substantially above ‘normal’ Relações Internacionais: o (e.e. average) levels and poder; os actores e o seu increases the likelihood of violence occurring in the relacionamento. system”1. Analisando os conceitos de poder e as relações que se A Grécia saiu da ditadura da estabelecem, tendo este Junta Militar, em 1974, sobe caso de estudo em pressão de uma invasão perspectiva, facilmente se turca do Chipre. O chamado consegue compreender que Regime dos Coronéis foi na o Estado deixou de ser um realidade uma série de juntas actor exclusivo do Sistema militares de direita que Internacional, vendo assim a governaram a Grécia entre “Quem não cumprir, tem de ser importância de outros 1967 e 1974. obrigado a cumprir” actores, nomeadamente das Apôs sucessivos governos organizações internacionais. Chanceler Ângela Merkel democráticos, em 2014, A soberania do Estado grego, formou-se um governo de uma vez enquadrado e A Grécia no Contexto coligação entre os 2 inserido em instituições Europeu principais partidos (Nova supranacionais, perdeu-se Democracia e PASOK). A 27 em parte e passou a sofrer Nas duas últimas décadas a de Janeiro de 2015 tomou de uma dependência para Grécia passou por mudanças posse o Governo de conseguir sair da profunda significativas. Cresceu e coligação do Syriza de Alexi crise onde se encontra. É desenvolveu-se rapidamente, Tsipras com os Gregos interessante verificar que a prara depois entrar numa Independentes - apôs o relação entre alguns destes das piores recessões da anterior Primeiro-ministro actores, embora assente história. Samaras ter convocado numa aparente Em 2008 o mundo inicia a eleições antecipadas. conflitualidade, esta sua pior crise desde a crise carateriza-se por ser uma A actual crise da dívida grega de 1929 cujo início se dá relação de conflitualidade do já leva seis anos consecutivos novamente nos Estados tipo não violenta. de recessão económica, Unidos da América. A crise continuando com números 1 – Contexto da crise financeira começou recorde de desemprego e imadiatamente a afectar o O conceito de crise é um com aproximadamente um Continente Europeu mas a conceito vago e com terço da população a viver diferentes velocidades de múltiplas aplicações abaixo do limiar de pobreza, país para país. No caso da consoante a área de análise. segundo o seu próprio Grécia, este foi, Oran Young trouxe no final Primeiro-ministro Alexis provavelmente o país mais dos anos sessenta uma Tsipras. Esta crise foi afectado até a data. definição de crise provocada pelos mercados internacional; “a set of que passaram a aplicar taxas Pretende-se assentar uma rapidly unfolding events análise ao caso da crise 1 which raises the impact of económica na Grécia no YOUNG, Oran R., The Intermediaries: Third Parties in International Crisis, destabilizing forces in the contexo da União Europeia, Princeton, Princeton University Press, general international system sustentando essa análise 1967, p.10.

ao crédito incomportáveis e que fizeram com que Atenas fosse obrigada a recorrer à Comissão Europeia, ao Banco Central Europeu (BCE) e ao Fundo Monetário Internacional (FMI) para um empréstimo de 240 mil milhões de euros (130 - 1º resgate; 110 – 2º resgate).

Para além dos resgates (dois até a data), os parceiros internacionais ainda conseguiram amortecer a crise grega com perdões de dívida (que no caso dos privados atingiram os 2/3) capacitando-se que a Grécia não seria capaz de cumprir a totalidade das suas obrigações. Houve ainda também, da parte dos ministros da Zona Euro, a aceitação de perdas directas para os Estados, de forma a conferir alguma sustentabilidade ao país. O futuro do país estará dependente da vontade e da paciência dos principais países europeus e do FMI. A saída do Euro e o regresso ao Dracma levaria a uma série de consequências imprevisíveis na Zona Euro e poderia ser uma grave catástrofe para a Grécia em

si. Estima-se que o PIB per capita caísse cerca de 55% e as taxas de juro chegassem aos 40%. A Grécia é o maior desafio à Europa e ao projecto europeu. A Europa deveria considerar a geopolítica e pensar que o país ficaria vulnerável à Rússia que pode pensar que beneficia de uma Europa menos unificada e mais instável. Pretende-se com este trabalho, de certa forma, compreender as posições dos actores chave, bem como de outros actores que poderão se tornar cada vez mais importantes para esta problemática, fazendo desde já o reparo que foram os governos e as instituições europeias que mais se opuseram à restruturação da dívida grega a credores privado, demorando muito mais tempo do que deveria ter demorado na opinião de muitos economistas. A Alemanha, actor central nesta história, como principal poder económico da Europa, esteve sempre numa posição de não tolerância de um resgate “à antiga”. Berlin sempre se quis certificar que seriam empréstimos e não transferências e que portanto as taxas de juro teriam que ser logicamente, relativamente altas.

2 - Os Actores Relevantes

2.1 - Grécia Em Junho, o país chegará ao final do programa de resgate actual e o Governo será obrigado a tomar uma decisão difícil: ou pede mais dinheiro à zona euro, o que certamente irá trazer um custo acrescido, ou arrisca deixar a União Europeia (EU). O governo de Aléxis Tsipras enfrenta sérias incertezas financeiras, políticas e sociais enquanto tenta chegar a um acordo com a EU para manter a economia grega. Tendo uma das partes que ceder, Atenas está numa posição muito vulnerável. Quem detém o poder? •

Interno:

Governo: Syriza coligado com Gregos Independentes: prometeu manter o país na zona euro ao mesmo tempo que iria para com as medidas de austeridade e com os cortes sociais; •

Externo:

- Euro grupo (Alemanha?): decide se aceita os termos e as reformas propostas por Atenas para libertar a última “tranche” ou permitir outro tipo de ajuda por parte do BCE. Fundo Internacional

Monetário

Gráfico – comparação e evolução da dívida grega: 2

3 – Fugas de depósitos bancários – A eleição do Governo do Syriza e consequentes diálogos com o Euro grupo a correrem mal para o lado de Atenas, fez com que muitos depósitos e fundos fossem retirados dos bancos gregos para colocação no estrangeiro. Estima-se que cerca de 20 biliões de euros tenham “saído” desde Dezembro.4

Grécia (actualmente)

Pretensões: •

A Grécia, actualmente, enfrenta três problemas/desafios chave: 1 – Problemas de liquidez – a colecta fiscal começou a decair logo no ínicio do presente ano. 2 – Pagamentos substanciais a fazer proximamente. Neste momento é mais ou menos aceite que o país não conseguirá fazer o próximo pagamento agendado ao FMI agora no início de Junho: 3

Libertação imediata da última “tranche” do seu resgate;



Que Bruxelas autorize mais emissão de letras do tesouro;



Perdão de parte substancial da dívida.

Para que se compreenda a dívida grega, pode-se observar o seguinte gráfico: 5

“Como se infere do que já se deixou escrito, nesta crise só há verdadeiramente um protagonista de primeira grandeza: a Alemanha. Ou, se se preferir uma visão mais personalizada, a chanceler alemã Angela Merkel. A circunstância de a Alemanha ser a mais robusta economia europeia e consequentemente o principal país contribuinte para as operações de resgate dos países sobre-endividados seria, por si só, suficiente para explicar esta conclusão.”6 Apôs a vitória do partido de esquerda radical, Syriza, Berlin apressou-se a passar a mensagem de que uma possível “Grexit” não teria consequências financeiras substanciais para o resto da zona euro. Recentemente, contudo, alguns sectores do governo alemão têm procurado outra posição sobre a situação e ponderado um possível acordo com Atenas, mesmo que este seja apenas temporário e insatisfatório. Desafios: Nacionalmente

2.2 – Alemanha 2

https://www.stratfor.com/analysis/wha t-expect-greek-elections (02/05/2015 3 https://www.stratfor.com/image/greec e-faces-series-debt-payments (02/05/2015)

4

https://www.stratfor.com/analysis/exp laining-greeces-financial-disarray (02/05/2015) 5 http://www.wsj.com/articles/greeceand-creditors-scramble-for-elusive-deal1432319404 (03/05/2015)

- Membros conservadores do Parlamento defendem que não se deve dar mais dinheiro dos contribuintes à

6

VITORINO António, O que a crise esconde, Desafios Europeus, Relações Internacionais, março 2012

Grécia (falta popular);

de

apoio

- Dificuldade de ratificação de novo empréstimo no Parlamento. Internacionalmente - Economia de exportação – necessita de proteger a unidade monetária, o comércio livre e a União Europeia; - Líder durante a crise – Preservar a integridade da zona euro e provar que liderou bem. 2.3 - Euro grupo Berlim e Bruxelas querem fazer da Grécia um exemplo. Como mencionado, os contribuintes alemães não querem que o Governo de Ângela Merkel “gaste” dinheiro em assistência financeira a este país. Existe o receio, por parte de ambos também, que alguma complacência com Atenas possa motivar outros governos europeus a pedir concessões. O Euro grupo tenta manter o discurso da austeridade e manter todos os países em dificuldades na mesma linha de actuação. A Alemanha, no entanto, como líder da zona euro, necessita de preservar a integridade desta. Como já visto, a sua economia alimentada em exportações, sofreria imensas perdas com o fim do mercado livre europeu.

2.4 – Fundo Internacional

Monetário

Em 2010, o FMI, em conjunto com o BCE e com os governos europeus, decidiram que não iriam permitir à Grécia atingir o chamado default relativamente à sua imensurável dívida a credores privados, escolhendo emprestar ao país para que este pagasse estas dívidas na totalidade. Não se quis impor perdas avultadas aos bancos europeus e aos investidores privados. O FMI admitiu em 2013 este erro, bem como o erro de impor tão pesadas medidas de austeridade à Grécia. Em 2015 o FMI, seguindo a liderança alemã, passou a impor como garantia por parte da Grécia para a liberação da última tranche (e talvez de um novo resgate) nas chamadas reformas estruturais (alterações no código de trabalho, cortes nas pensões, aumento dos impostos). É também o único organismo que fala de uma nova restruturação da dívida grega. Fase às recusas do governo Grego de “atravessar” estas linhas vermelhas (impostos e pensões), o FMI abandonou Atenas já no presente mês de Junho, referindo as grandes diferenças entre o que o Fundo pretende e o que o Governo está disposto a ceder.

2.5 - Banco Central Europeu Removeu as operações de financiamento ordinário regulares do BCE aos bancos gregos em Fevereiro 2015 mas tem a “carta” mais poderosa quando se discute a crise grega. Se o BCE quiser, pode tirar a Grécia da Zona Euro. Para já os bancos gregos têm conseguido dinheiro emprestado do Banco Central Grego através de um sistema conhecido como Assistência de Liquidez de Emergência proveniente do BCE e se o BCE e portanto sujeito à vontade deste. Os fundos desta Assistência estão previstos para estarem disponíveis para bancos europeus que são solventes mas que enfrentam problemas de liquidez temporários. Basta ao BCE decidir que os bancos gregos não são solventes e o Banco Central Grego fica sem fundos. O BCE lançou em Março do presente ano o programa chamado Quantitative Easing, o programa que prêve a compra de bonds dos países para que estes adquiram uma nova liquidez que fará com que os bancos tenham mais dinheiro para emprestar à economia. 3 - O Poder

Thanos Dokos

O poder, neste momento, ao nível interno, está nas mãos do Governo de Alexi Tsipras e do seu partido de esquerda radical Syriza, aliado com o partido Gregos Independentes. No entanto devido à provável quebra de promessas eleitorais, o governo poderá pretender realizar um referendo para se saber se se deve ou não convocar novas eleições legislativas. Externamente falando, o poder de “aliviar” a Grécia e impedir a sua saída do Euro e consequentemente, até mesmo da União Europeia, está nas mãos do Euro grupo que é claramente liderado ou comandado pela linha de orientação proveniente de Berlin. O FMI, de momento, está fora das negociações e o BCE não tem capacidade de decisão independente. 4 – A Geopolítica Considerando o cenário de uma eventual saída da Grécia do Euro e da própria EU, será um bom exercício analisar algumas possíveis consequências que vão além das consequências económicas tão debatidas e discutidas. Uma perspectiva que se deve considerar, na opinião do autor, deverá ser a perspectiva geostratégica da Grécia devido à sua posição geográfica, fazendo uma lista dos interesses que este país pode representar para os

seus parceiros (actuais) e aliados (actuais).

São cinco os interesses geoestratégicos:7 1. Estabilidade dos Balcãs (mediador entre Albânia e Sérvia); 2.

Vagas de Imigração (Estado Tampão – Primeira linha de defesa da Europa);

3. Segurança Energética Europeia (Plataforma de transporte de gás natural – gasoduto Trana Adriático); 4. Relações com poderes não europeus – China e Rússia têm revelado interesse nos sectores da energia e dos transportes; 5. Situação enigmática no Mediterrâneo Oriental (primaveras árabes; guerra civil na Síria; Estado Islâmico; Turquia). 5 - Outros actores (parceiros) futuros Presentemente, e como forma de pressionar os seus parceiros europeus e até aliados como os Estados Unidos para um maior apoio e tolerância face às 7

DOKOS Thanos, Greek foreign policy under the Damocles sword of the economic crisis, Konrad-AdenauerStiftun, 3/04/2015

pretensões gregas actuais, o governo grego de Alexis Tsipras tem tentado conduzir uma política externa mais virada para um apoio de possíveis rivais ao mundo ocidental, fazendo pesar as prováveis consequências para os seus parceiros e aliados de uma saída e default grego. 5.1 – Rússia Em Abril, Alexis Tsipras deslocou-se a Moscovo para uma visita oficial a Vladimir Putin. Visita esta que foi vista por muitos como uma tentativa de busca de apoios ou uma forma de pressionar os seus parceiros europeus para um acordo. O resultado, para já, foi um acordo para uma possível ligação por gasoduto que irá trazer o gás natural russo para a Europa com passagem pela Grécia e que traria ao país uma importante renda e consequente liquidez. As próprias receitas futuras, já estimadas, poderão ser fundamentais como garantias para empréstimos que Atenas necessita urgentemente. A Rússia prepara este acordo tendo em vista os seus próprios interesses. A pressão da EU à Bulgária para recusar a passagem do gasoduto pelo país levou a Rússia a procurar uma alternativa de passar ou ultrapassar o problema (actual) da Ucrânia e este da

Bulgária. A Sérvia e Hungria estavam a favor de transportarem o gás russo e a Grécia era assim o elo que faltava nesta cadeia para ligar à plataforma de gás na Áustria e assim servir a Europa a partir daí. Com tudo isto, a Rússia consegue ligar o seu fornecimento de gás até à Áustria, conservando a sua posição dominante sobre o mercado energético europeu e ao mesmo tempo deixando a Ucrânia sem posição para regatear no seu conflito entre ambos. Com este acordo a Rússia consegue também colocar-se numa posição de apoiante anti austeridade para os povos europeus, antagonizando os governos europeus e garantindo assim também o veto grego em possíveis sanções futuras por parte da União Europeia. Projecto do Gasoduto Trans

A Grécia é também dependente de gás russo e seria do seu interesse os melhores preços possíveis neste mercado. 5.2 – China A China é outro actor que se tem estado a colocar para aproveitar as debilidades da Grécia, tentando aproveitar tirar partido da divisão dentro da zona euro e de um país a preço de saldo no que diz respeito a investimentos com boas perspectivas de retorno. Pequim pensa investir nas infraestruturas gregas e comprou recentemente 100 milhões de euros de dívida a curto prazo grega. Pequim também tenta estabelecer um acordo de maior dimensão com Atenas e que viabilize o seu projecto da “nova rota da seda” que estabelecerá a ligação à Europa por parte da China por via terreste e por via Marítima. Esta última será uma ligação pelo Oceano Índico, passando pelo Canal do Suez. Planos de ligação da China

para a Europa: 9 5.3 - Estados Unidos da América Os Estados Unidos tem todo o interesse geopolítico no caso da Grécia e em ter um governo pró ocidental em Atenas. Com a possível assistência por parte da Rússia essa importância para os Estados Unidos subiu de nível. Se se verificar uma saída da Grécia do Euro, as suas importações de energia também se tornam mais caras. OS Estados Unidos apoiaram a entrada da Grécia na NATO no combate à União Soviética no tempo da Guerra Fria. Têm todo o interesse em continuar a prevenir o aumento da influência russa na região. Existe algum receio por parte de Washington de que uma instabilidade política na Grécia, permita o aumento de grupos de extremaesquerda ou de actividade islâmica, especialmente numa altura em que o país tem estado a receber grandes vagas de refugiados do Médio Oriente. 6 – Conclusões A Grécia pode não ter capacidade financeira actualmente mas a sua posição geográfica torna este

Adriático: 8

9 8

http://www.zerohedge.com/news/201 5-04-21/europe-isolated-greece-may-

sign-russia-gas-deal-soontoday(03/05/2015

http://thediplomat.com/2014/05/china s-new-silk-road-vision-revealed (28/04/2015)

país extremamente importante no contexto europeu. A Grécia está localizada no Mediterrâneo Oriental, uma região em tumulto devido aos violentos conflitos em países como a Síria ou a Líbia. Em segundo lugar, é uma porta de entrada para pessoas e bens proveniente do Médio Oriente e do Norte de África. Finalmente, é também um território de trânsito para projectos de gás natural que se competem, como o que já vimos “patrocinado” pela Rússia. A Alemanha mantém-se determinada, os países Bálticos e da Europa Central também se mostram inflexíveis e até mesmo os outros países “socorridos” pediram ortodoxia para a Grécia. Mesmo os seus aliados actuais, França e Itália, têm-se mostrado intransigentes para que Atenas aceite as condições para a libertação da última tranche e de uma nova ajuda. Certezas actuais: Incertezas sobre o resultado e consequência de um ‘default’ grego; Receio de contágio nos mercados internacionais; Poder centrado na decisão do Euro grupo com a Alemanha a ser o actor de peso dentro deste organismo;

Possível refúgio posterior a uma saída do Euro junto de países não aliados da União Europeia (ameaças geopolíticas para o futuro europeu).

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