A CRISE MUNDIAL DE 2008 E SUAS CONSEQUÊNCIAS ECONÔMICAS, SOCIAIS E GEOPOLÍTICAS

September 10, 2017 | Autor: Fernando Alcoforado | Categoria: Sociology, Economics, Political Economy, Geopolitics, Political Science
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A CRISE MUNDIAL DE 2008 E SUAS CONSEQUÊNCIAS ECONÔMICAS, SOCIAIS E GEOPOLÍTICAS Fernando Alcoforado1

RESUMO Este artigo tem por objetivo identificar as causas da crise econômica e financeira mundial de 2008, traçar os cenários econômicos e sociais e as mudanças geopolíticas globais resultantes da crise. A metodologia adotada consistiu na análise de publicações relacionadas com a crise econômica e financeira mundial e seus desdobramentos. O resultado dos estudos indicou que a crise econômica e financeira mundial de 2008 será prolongada e que dela poderá resultar o advento de uma nova ordem mundial , o declínio dos Estados Unidos e a ascensão da China como a maior potência econômica do planeta. ABSTRACT This article aims to identify the causes of the global economic and financial crisis of 2008, tracing the economic and social scenarios and global geopolitical changes resulting from the crisis. The methodology consisted in the analysis of publications related to the global economic and financial crisis and its consequences. The result of the studies indicated that the global economic and financial crisis of 2008 will be prolonged and that it may result in the advent of a new world order, the decline of the US and the rise of China as a major economic power in the world. Palavras chaves: Origens da crise econômica e financeira mundial de 2008. Cenários da economia mundial. Cenários mundiais no campo social. Mudanças geopolíticas futuras. Keywords: Origins of the economic and financial crisis of 2008. Scenarios of the world economy. Scenarios in the social world. Geopolitical changes in the future. 1

FERNANDO ANTONIO GONÇALVES ALCOFORADO é doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, Espanha, em 2003, especialista em Engenharia Econômica e Administração Industrial pela UFRJ- Universidade Federal de Rio de Janeiro em 1971, graduado em Engenharia Elétrica pela UFBA - Universidade Federal de Bahia em 1966, professor universitário, consultor de organizações públicas e privadas nacionais e internacionais nas áreas de planejamento econômico, planejamento e desenvolvimento regional, planejamento de sistemas de energia e planejamento estratégico. Exerceu os cargos de Secretário do Planejamento de Salvador (1986/1987), Subsecretário de Energia do Estado da Bahia (1988/1991), Diretor de Relações Internacionais da Associação Brasileira de Empresas Estaduais de Gás Canalizado (1990/1991), Presidente do Clube de Engenharia da Bahia (1992/1993), Diretor do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (1990/1993), Presidente do Instituto Rômulo Almeida de Altos Estudos (1999/2000) e Diretor da Faculdade de Administração das Faculdades Integradas Olga Mettig (2005/2007). É autor dos livros Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (Empresa Gráfica da Bahia, Salvador, 2007), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2007), Um projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), De Collor a FHC- o Brasil e a nova (des)ordem mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998) e Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), entre outros. Há muitos anos é articulista de diversos jornais da imprensa brasileira (Folha de São Paulo, Gazeta Mercantil, A Tarde e Tribuna da Bahia), publicando artigos versando sobre economia e política mundial e brasileira, questão urbana, energia, meio ambiente e desenvolvimento, ciência e tecnologia, administração, entre outros temas. Endereço: Rua do Benjoim, 209/1101, Caminho das Árvores, CEP 41820340, Salvador, Bahia. Telefone: (71) 33542967. E-mail: [email protected]. 1

1. Origens da crise econômica e financeira mundial de 2008

No início de agosto de 2008, surgiu uma crise financeira no setor dos empréstimos hipotecários nos Estados Unidos que, imediatamente, se propagou para outras partes do sistema financeiro mundial, com uma rapidez e uma amplitude que surpreenderam o mercado. Segundo Gillian Tett2 (2009), os grandes bancos ocidentais jogaram o mundo em uma recessão. O Banco da Inglaterra disse que os prejuízos dos bancos que tiveram que reajustar os seus investimentos para preços de mercado são de US$ 3 trilhões, o equivalente a cerca de um ano de produção econômica do Reino Unido. O Banco de Desenvolvimento Asiático, por sua vez, estimou que os ativos financeiros em todo o mundo podem ter sofrido uma queda, até 2009, de mais de US$ 50 trilhões - um número equivalente à produção global anual.

Segundo Gillian Tett (2009), a atual crise é um produto de mudanças que vêm se enraizando silenciosamente no Ocidente há vários anos. Há meio século, a atividade bancária parecia ser uma arte relativamente simples. Quando os bancos comerciais estendiam os empréstimos, eles tipicamente mantinham essas operações dentro de seus próprios sistemas contábeis - e utilizavam cálculos rudimentares (combinados com as informações sobre os seus clientes) quando decidiam se emprestariam ou não. Porém, da década de setenta em diante, duas revoluções ocorreram: os bancos passaram a vender o seu risco de crédito a outros investidores nos prósperos mercados de capital e adotaram complexos sistemas baseados em computadores para mensurar o risco de crédito que eram frequentemente importados do setor de ciências puras - e elaborados por luminares da estatística, como Den Braber do RBS.

Não só o sistema financeiro está amargando prejuízos em uma escala que ninguém jamais previu, mas os pilares da fé sobre os quais o novo capitalismo financeiro foi construído também praticamente desmoronaram. Isso fez com que todos, dos ministros das finanças aos banqueiros centrais, dos pequenos investidores aos pensionistas, ficassem destituídos de uma bússola intelectual, desnorteados e confusos. "O nosso mundo está quebrado - e eu honestamente não sei o que irá substituí-lo. A bússola segundo a qual conduzíamos os Estados Unidos desapareceu", afirma Bernie Sucher, diretor de operações em Moscou do Merrill Lynch. "A última vez em que vi algo desse tipo, em termos de sensação de desorientação e prejuízos, foi entre os meus amigos na Rússia, quando a União Soviética desmoronou".

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Gillian Tett, PhD em antropologia social pela Universidade de Cambridge, é editor assistente do Financial Times onde faz a cobertura global dos mercados financeiros. 2

Até o verão de 2007, a maioria dos investidores, banqueiros e governos acreditava que essas revoluções representavam "progresso" real que beneficiava a economia como um todo. Os reguladores adoravam o fato de os bancos estarem ampliando as exposições de crédito, já que crises como a de poupanças e empréstimos nos Estados Unidos, na década de oitenta, demonstraram os perigos de os bancos serem expostos a um tipo concentrado de empréstimo. "A dispersão do risco de crédito ajudou a tornar o sistema bancário e financeiro mais resistente", proclamou em abril de 2006 o Fundo Monetário Internacional (FMI), expressando uma crença ocidental generalizada.

À medida que a inovação no setor financeiro tornou-se mais intensa, ela também passou a ficar permeada de uma terrível ironia. Em público, os técnicos financeiros na vanguarda da revolução retratavam as mudanças como medidas que promoveriam uma forma superior de capitalismo de livre mercado. Quando uma equipe do JPMorgan criou derivativos de crédito na década de 1990 (um contrato definido entre duas partes no qual se definem pagamentos futuros baseados no comportamento dos preços de um ativo de mercado, normalmente as chamadas “commodities”), uma palavra-chave favorita na sua literatura de mercado era a afirmação de que tais derivativos promoveriam "completitude de mercado" - ou mercados livres mais perfeitos.

Em julho de 2007, a fé cega começou a sofrer rachaduras. Nos Estados Unidos a inadimplência passou a aumentar no setor de hipotecas “subprime” que é um crédito de risco, concedido a um tomador que não oferece garantias suficientes para se beneficiar da taxa de juros mais vantajosa (prime rate) ou para designar uma forma de crédito hipotecário (mortgage) para o setor imobiliário destinada a tomadores de empréstimos que representam maior risco. Esse crédito imobiliário tinha como garantia a residência do tomador e muitas vezes era acoplado à emissão de cartões de crédito ou a aluguel de carros. Agências como a Standard & Poor's reduziram as classificações de produtos vinculados a hipotecas e admitiram que os seus modelos matemáticos estavam apresentando defeitos.

Mas quando o índice de inadimplência das “subprime” aumentou, os contadores exigiram que os bancos reavaliassem os instrumentos utilizados. Por volta da primavera de 2008, o Citi, o Merrill e o UBS haviam amargado coletivamente um prejuízo de US$ 53 bilhões. Gillian Tett (2009) afirma que os bancos tentaram tapar este buraco com a obtenção de mais de US$ 200 bilhões em capital novo. Mas o buraco continuou aumentando. Como resultado, a fé na capacidade dos reguladores de monitorar os bancos desmoronou. A fé nos bancos também acabou. A seguir, quando os modelos matemáticos perderam a credibilidade, os investidores desprezaram todas as formas de finanças complexas.

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Em setembro de 2008, o último pilar da fé veio abaixo. A maioria dos investidores admitia que o governo dos Estados Unidos jamais deixaria um grande grupo financeiro fracassar. Mas quando o Lehman Brothers faliu, a desconfiança e a perplexidade aumentaram exponencialmente. A maior parte dos mercados de crédito desmoronou. Os preços enlouqueceram. Os bancos e analistas de ativos descobriram que todos os seus modelos financeiros fragmentaram-se. "Nos mercados de capital, nada mais funcionava", disse o principal analista de riscos de um grande banco ocidental. Conforme observou algumas semanas mais tarde Mervyn King, diretor do Banco da Inglaterra, "o sistema estava no precipício".

Segundo Gillian Tett (2009), enquanto buscam atualmente novos pilares de confiança para as finanças, os governos estão intervindo para substituir muitas funções do mercado. O Tesouro dos Estados Unidos está realizando "testes de estresse" nos bancos, a fim de aumentar a confiança dos investidores. No Reino Unido o governo está fornecendo aos bancos garantias contra os ativos "tóxicos". Os bancos e as agências de crédito estão - tardiamente - reformulando os seus modelos. As financeiras e os reguladores também prometeram tornar a indústria mais transparente e padronizada.

Gillian Tett (2009) pergunta como o mundo chegou aqui? Uma grande parte da resposta é de que a era da liberalização continha as sementes de sua própria queda: esse também foi um período de enorme crescimento na escala e lucratividade do setor financeiro, de inovação financeira frenética, de crescentes desequilíbrios macroeconômicos globais, de grande endividamento dos lares e de bolhas de preços de ativos, isto é, um desvio no preço justo do mesmo ou um exagero por parte dos investidores que estariam dispostos a adquirir ativos por preços incompatíveis com o fluxo de caixa que estes ativos prometem gerar. Ao intervir para manter suas taxas cambiais baixas e acumular reservas de moeda estrangeira, os governos das economias emergentes geraram imensos superávits em conta corrente, que reciclaram, juntamente com os afluxos de capital privado, em fluxos de saída de capital oficial. Entre o final dos anos 90 e o pico em julho de 2008, apenas as reservas de moeda dos países emergentes cresceram em US$ 5,3 trilhão.

Estes fluxos imensos de capital, somados aos superávits tradicionais de vários países ricos e os crescentes superávits dos exportadores de petróleo, foram parar em grande parte em um pequeno número de países ricos e particularmente nos Estados Unidos. No pico, os Estados Unidos absorveram cerca de 70% do superávit poupado do restante do mundo. Enquanto isso, 4

dentro dos Estados Unidos, a razão de endividamento dos lares em relação ao PIB saltou de 66%, em 1997, para 100% uma década depois. Saltos ainda maiores no endividamento dos lares ocorreram no Reino Unido. Estes aumentos nas dívidas dos lares foram apoiados, por sua vez, por sistemas financeiros altamente elásticos e inovadores e, nos Estados Unidos, por programas do governo.

Gillian Tett (2009) afirma que estamos testemunhando a crise financeira mais profunda, ampla e perigosa desde os anos 1930. Como os professores Reinhart e Rogoff argumentam em outro trabalho, "as crises bancárias estão associadas a profundos declínios na produção e emprego". Isto se deve em parte aos balancetes estendidos além do limite: nos Estados Unidos, a dívida geral atingiu o pico recorde de pouco menos de 350% do PIB - 85% dela privada. Isto em comparação a pouco mais de 160% em 1980. Entre os resultados possíveis deste choque estão déficits fiscais imensos e prolongados nos países com grandes déficits externos, à medida que tentam manter a demanda, uma recessão mundial prolongada, um ajuste brutal da balança global de pagamentos, um colapso do dólar, alta da inflação e protecionismo. A transformação certamente será mais profunda no próprio setor financeiro.

Segundo Gillian Tett (2009), o brilhante novo sistema financeiro - apesar de todos seus participantes talentosos, apesar de todas as suas ricas recompensas - fracassou no teste de mercado. Em um recente trabalho, Andrew Haldane, o diretor executivo de estabilidade financeira do Banco da Inglaterra, mostra quão pouco os bancos entendiam os riscos que supostamente deveriam administrar. Ele atribui estes fracassos a uma "miopia de desastre" (a tendência de subestimar os riscos), uma falta de consciência da "rede de externalidades" (contaminações de uma instituição para outras) e "incentivos desalinhados" (o lado positivo para os empregados e o lado negativo para os acionistas e contribuintes).

Gillian Tett (2009) afirma ainda que após a crise, nós certamente "veremos um setor financeiro menos orgulhoso". Os mercados imporão uma disciplina brutal, mesmo que temporária. A regulamentação governamental também endurecerá. Menos claro é se os autores de políticas contemplarão soluções estruturais com uma separação do sistema bancário comercial do sistema bancário de investimento ou uma redução forçada do tamanho e complexidade das instituições consideradas grandes demais ou interconectadas demais para falirem. Também é possível imaginar um retorno de grande parte da

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atividade bancária ao mercado doméstico, à medida que os governos cada vez mais dêem as cartas. Neste caso, haveria uma "desglobalização".

Outra conclusão de Gillian Tett (2009) é o de que o colapso financeiro provocaria uma desaceleração industrial mundial. Ela também está se espalhando por todo setor significativo da economia real, grande parte da qual está clamando por assistência e que a busca por segurança fortalecerá o controle político sobre os mercados. Uma mudança das políticas significa privilegiar uma mudança para o nacional e longe do global. Isto já está evidente nas finanças. Também é visto na determinação de resgatar os produtores nacionais. Mas a intervenção protecionista provavelmente se estenderá muito além dos casos vistos até agora que é só o começo. Paul Krugman3 (2009) afirma que, o fato é que os recentes números econômicos são assustadores, não apenas nos Estados Unidos, mas ao redor do mundo. O setor manufatureiro, em particular, está despencando em toda parte. Os bancos não estão emprestando, as empresas e os consumidores não estão gastando. Não vamos medir palavras: isto se parece muito com o início da segunda Grande Depressão.

O economista francês François Chesnais4 (2008) afirma que o efeito da crise financeira sobre a economia real atingiu os mercados emergentes mais duramente do que as economias desenvolvidas, com o colapso dos fluxos de comércio e uma queda dramática nos preços das “commodities”. Está claro que aqueles mais duramente atingidos serão os mais pobres especialmente na África- que possuem menos com que contar. Depois desses, os mais duramente atingidos serão os produtores de “commodities” que sempre enfrentaram grandes problemas sociais e demográficos, como os ricos em energia (Rússia, Irã, Nigéria e Venezuela). Até mesmo os produtores de petróleo do Golfo foram afetados. Todos se acostumaram à exportação e receitas inchadas e estão enfrentando ajustes.

Gillian Tett (2009) afirma que

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Paul Krugman, economista, colunista do The New York Times, professor de Economia e Assuntos Internacionais da Universidade Princeton, é detentor do Nobel de Economia de 2008. 4 François Chesnais, especialista em economia industrial e economia da inovação tecnológica, membro do Laboratório de Pesquisa Larea-Cere na Universidade de Paris-X Nanterre e professor da Universidade de ParisXIII Villetaneuse, foi economista da Direção de Ciência, Tecnologia e Indústria (DSTI) da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). 6

a capacidade do Ocidente em geral e dos Estados Unidos em particular de influenciar o curso dos eventos futuros será também comprometida. O colapso do sistema financeiro ocidental, enquanto a China floresce, marca um fim humilhante para o "momento unipolar", isto é, de dominação dos Estados Unidos. Enquanto os autores de políticas ocidentais enfrentam dificuldades, a credibilidade deles está arruinada. Quem ainda confia nos professores? Estas mudanças colocarão em risco a capacidade do mundo não apenas de administrar a economia global, mas também de lidar com os desafios estratégicos representado por Estados frágeis, terrorismo, mudança climática e a ascensão de novas grandes potências. No extremo, a integração da economia global da qual quase todos agora dependem pode ser revertida.

Gillian Tett (2009) afirma que a era da liberalização financeira acabou. Mas, diferente dos anos 1930, não existe nenhuma alternativa à vista para a economia de mercado. Segundo Tett (2009), para saber para onde o capitalismo está rumando, é imperativo entender mais claramente o que ocorreu de tão errado com o sistema financeiro do século 21. Sem dúvida o que não falta são potenciais culpados: ganância desbragada, regulações destituídas de rigor, políticas monetárias excessivamente flexíveis, empréstimos fraudulentos e fracasso gerencial.

Tudo isso desempenhou um papel - conforme ocorreu em períodos anteriores de prosperidade e crise. Um outro problema que influiu na crise foi a extraordinária complexidade e opacidade do sistema financeiro moderno. Nas duas últimas décadas, uma onda de inovação remodelou a forma como os mercados funcionam, de uma maneira que dava a impressão de resultar em grandes benefícios para todas as partes. Mas essa inovação tornou-se tão intensa que atropelou a capacidade de compreensão dos banqueiros mais comuns - isso para não mencionar os reguladores. Michel Chossudovsky5 (2009) afirma que a leitura conjunta dos livros de Paul Jorion — Vers la crise du capitalisme américain? — e de Aglietta e Berrebi (Désordres dans le capitalisme mondial. Paris: Odile Jacob, 2007) é muito útil. O primeiro permite compreender por que era quase inevitável que o choque ocorresse no setor hipotecário norte-americano.

Paul Jorion lança um olhar bem severo sobre práticas financeiras que ele não hesita em caracterizar como quase permanente e intrinsecamente fraudulentas, mesmo nos casos em que, como no da Enron, não se abriu nenhum processo penal. Aglietta e Berrebi, por seu turno, explicam de que 5

Michel Chossudovsky, economista canadense, professor visitante de instituições acadêmicas na Europa, América Latina e Sudeste da Ásia, tem atuado como assessor econômico de países em desenvolvimento e como consultor de organizações internacionais. 7

modo a atual fase do capitalismo só pode gerar, em intervalos próximos, crises financeiras cujo epicentro é os Estados Unidos.

Um dos grandes problemas enfrentados pelo sistema capitalista mundial é o da necessidade de expansão da demanda para dar sustentação à produção de bens e serviços. Chossudovsky (2009) afirma que para manter um nível de atividade elevado no planeta, “é necessária uma demanda dinâmica”. Ao menos por enquanto, ela não provém dos países emergentes (China, Índia, Brasil), onde a distribuição de renda e as relações entre cidade e campo freiam o crescimento do consumo interno e onde os excedentes externos asseguram o financiamento dos déficits dos Estados Unidos. A demanda também não pode ter como origem as rendas salariais, cujo crescimento é fraco. Ela provém das rendas distribuídas aos acionistas e à elite dirigente, mas sua massa global é insuficiente para sustentar uma demanda agregada em crescimento rápido. A resposta a esse dilema encontra-se no poder de expansão do crédito. É aí que o capitalismo contemporâneo encontra a demanda que permite realizar as exigências do valor acionário.

O economista francês François Chesnais (2008) afirma que um dos meios utilizados para superar os limites do capital das economias centrais foi que todas elas recorreram a criação de formas totalmente artificiais de ampliação da demanda efetiva, que, somando-se a outras formas de criação de capital fictício, geraram as condições para a crise financeira que está se desenvolvendo hoje.

Para Marx, o capital fictício é a acumulação de títulos que são “sombra de investimentos” já feitos, mas que, como títulos de bônus e de ações aparecem com o aspecto de capital aos seus possuidores. Não o são para o sistema como um todo, para o processo de acumulação, mas o são para os seus possuidores e, em condições normais de fechamento dos processos de valorização do capital, rendem aos seus donos dividendos e rendimentos. Mas seu caráter fictício se revela em situações de crise. Quando sobrevêm crises de superprodução, quebra de empresas, etc, se adverte que esse capital não existia.

É devido ao capital fictício que se pode ler às vezes nos jornais que tal ou qual a quantidade de capital desapareceu em alguma “sacudida do mercado”. Essas somas nunca haviam existido como capital propriamente dito, apesar de que, para os donos dessas ações, representavam títulos que davam direito a dividendos. Um dos grandes problemas de hoje é que em muitos países os sistemas de aposentadoria estão baseados no capital fictício, com pretensões de participação nos resultados de uma produção capitalista que pode desaparecer em momentos de crise.

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O processo de liberalização e globalização financeira dos anos 1980 e 1990 esteve baseado na acumulação de capital fictício, sobretudo nas mãos de fundos de investimentos, fundo de pensões, fundos financeiros. E a grande novidade desde finais ou meados dos anos 1990 e ao longo dos anos 2000 foi, nos Estados Unidos e na Grã Bretanha em particular, o impulso extraordinário que se deu à criação do capital fictício na forma de crédito. De crédito a empresas, mas também e, sobretudo, de crédito habitacional, créditos ao consumo e a maior parte em créditos hipotecários. Isso contribuiu para dar um salto na massa de capital fictício criado, originando formas ainda mais agudas de vulnerabilidade e fragilidade, inclusive frente a choques menores, inclusive frente a episódios absolutamente previsíveis. Por exemplo, se sabia que um “boom” imobiliário termina inexoravelmente e que no mercado acionário existia a ilusão de que não havia limites para a alta no preço das ações. Com base em toda a história prévia se sabia que a expansão não seria sustentável nem no setor imobiliário nem no mercado de ações. Quando se trata de edifícios e casas e mercado de ações é inevitável que chegue o momento em que o “boom” acaba. O fim da prosperidade, que era um fato normal e previsível, se transformou numa crise tremenda. Acrescenta-se a tudo isto, o fato de que, durante os últimos dois anos, os empréstimos foram feitos nos Estados Unidos a famílias sem a menor capacidade de pagamento. E, além disso, tudo se combinou com as novas “técnicas” financeiras permitindo-se assim que os bancos vendessem bônus em condições tais que ninguém podia saber exatamente o que estava comprando até a forte explosão dos “subprime”em 2007.

François Chesnais (2008) levanta uma grande indagação se, a curto prazo, a demanda interna da China poderá passar a ser o lugar que garanta esse momento de realização da mais-valia (taxa de exploração, segundo Marx, que corresponde à diferença entre o valor produzido pelo trabalho e o salário pago ao trabalhador) que se dava nos Estados Unidos. A acumulação de capital na China se fez com base em processos internos, mas também com base em algo que está perfeitamente documentado, mas pouco comentado: o deslocamento de uma parte importantíssima do Setor II da economia, o setor da produção de bens de consumo, dos Estados Unidos para a China. E isto tem muito a ver com o volume dos déficits americanos (o comercial e o fiscal), que só poderiam reverter-se por meio de uma reindustrialização dos Estados Unidos.

Isto significa dizer que se estabeleceram novas relações entre os Estados Unidos e China. Não se trata já mais das relações de uma potência imperialista com um país semicolonial. Os Estados Unidos criaram relações de novo tipo, que agora têm dificuldades de reconhecer e assumir. Com base no superávit comercial, a China acumula milhões e milhões de dólares,

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que logo empresta aos Estados Unidos. São relações internacionais de um tipo totalmente novo.

Na Europa é evidente a tendência a uma aceleração da destruição de forças produtivas e de postos de trabalho para deslocar-se para o único paraíso do mundo capitalista hoje que é a China. Na China se deu internamente um processo de competição entre capitais, que se combinou com processos de competição no aparato político chinês, e de competição para atrair empresas estrangeiras, o que resultou num processo de criação de imensas capacidades de produção. Além da capacidade de violentar a natureza em enorme escala, também na China se concentra uma superacumulação de capital que em um dado momento se tornará insustentável.

Segundo Chesnais (2008), as fases desta crise são distintas das de 1929, porque a crise de superprodução dos Estados Unidos se constatou desde os primeiros momentos. Da mesma forma que ocorreu com a crise de 1929 e nos anos 1930, ainda que em condições e formas distintas, a crise se combinará com a necessidade para o capitalismo de realizar uma reorganização total de suas relações de forças econômicas no contexto mundial, marcando o momento em que os Estados Unidos verão que sua superioridade militar é somente um elemento, e um elemento bastante subordinado, para renegociar suas relações com a China e outras partes do mundo. Ou chegará o momento no qual se dará o salto a uma aventura militar de imprevisíveis consequências.

Chesnais (2008) constata também que estamos diante do risco de uma catástrofe, mas já não do capitalismo, e sim de uma catástrofe da humanidade. De certa forma, se levarmos em conta a crise climática, possivelmente já existe algo deste tipo.

Ocorreu em 2008, uma verdadeira ruptura que deixa para trás uma longa fase de expansão da economia capitalista mundial; e que essa ruptura marcou o início de um processo de crise com características que são comparáveis com a crise de 1929, ainda que venha a se desenvolver em um contexto muito distinto. Estamos frente a um destes momentos em que a crise vem expressar os limites históricos do sistema capitalista.

Entramos numa fase onde está colocada a possibilidade real de uma crise da humanidade, dentro de complexas relações onde estão também os acontecimentos bélicos, mas o mais importante é que,

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Mesmo excluindo a possibilidade de uma guerra de grande amplitude que no presente só poderia ser uma guerra atômica, estamos enfrentando um novo tipo de crise, a uma combinação desta crise econômica que se iniciou com uma situação na qual a natureza, tratada sem a menor consideração e golpeada pelo homem no marco do capitalismo, reage agora de forma brutal. Isto é algo quase excluído de nossas discussões, mas que vai se impor como um fato central.

O processo de liberalização e desregulamentação levadas à cabo em escala mundial, com a incorporação do antigo campo soviético e a incorporação e modificação das relações de produção na China significou o desmantelamento dos poucos elementos regulatórios que se construíram no marco mundial ao sair da Segunda Guerra Mundial, para entrar em um capitalismo totalmente desregulamentado. Não somente desregulamentado, mas também um capitalismo que criou realmente o mercado mundial no sentido pleno da expressão, transformando em realidade o que era para Marx uma intuição ou uma antecipação.

Chesnais (2008) advoga a tese de que durante os últimos quinze anos se desenvolveram, em determinados pontos do sistema, grupos industriais capazes de integrarem-se como sócios de pleno direito aos oligopólios mundiais. Tanto na Índia como na China se conformaram verdadeiros e fortes grupos econômicos capitalistas. E no plano financeiro, como expressão do rentismo e do parasitismo puro, os chamados Fundos Soberanos (instrumento financeiro adotado por alguns países que administram as imensas reservas de divisas dos países exportadores que tiveram suas receitas multiplicadas de maneira formidável nos últimos anos e vem sendo utilizadas, na maioria das vezes, para adquirir participações em empresas estrangeiras, com objetivos financeiros e estratégicos) se converteram em importantes pontos de centralização do capital em forma de dinheiro, que são meros satélites dos Estados Unidos, têm estratégias e dinâmicas próprias e modificam de muitas maneiras as relações geopolíticas dos pontos chave em que a vida do capital se faz e se fará.

Chesnais (2008) opina que estamos diante de um perigo iminente. O fato de que tudo isto ocorra depois de uma tão longa fase, sem paralelos na história do capitalismo, de 50 anos de acumulação ininterrupta (salvo uma pequeníssima ruptura em 1974/1975), assim como também tudo o que os círculos capitalistas dirigentes, e em particular os bancos centrais, aprenderam da crise de 1929, tudo isso faz com que a crise avance de maneira bastante lenta.

Os bancos centrais e os governos podem proclamar que acordarão entre si e colaborarão para impedir a crise, mas Chesnais (2008) não crê que se possa introduzir a cooperação no espaço mundial convertido em cenário de uma tremenda competição entre capitais. E agora, a competição entre capitais vai muito além das relações entre os capitais das partes mais antigas e desenvolvidas do sistema mundial com os setores menos desenvolvidos sob o ponto de vista 11

capitalista. Porque em formas particulares e inclusive muito parasitárias, no cenário mundial se deram processos de centralização do capital por fora do marco tradicional dos centros imperialistas: em relação com eles, mas em condições que também introduzem algo totalmente novo na cena mundial.

2. Cenários da economia mundial

Ocorreu em 2008, uma verdadeira ruptura que deixa para trás uma longa fase de expansão da economia capitalista mundial e que essa ruptura marcou o início de um processo de crise com características que são comparáveis com a crise de 1929, ainda que venha a se desenvolver em um contexto muito distinto. Da mesma forma que em 1929, os bancos estiveram no epicentro da crise, e no início do ano parecia que muitos deles poderiam falir como o Lehman Brothers ou serem estatizados, como de fato ocorreu com alguns deles. Esse quadro se refletiu em forte queda nas bolsas, um aumento recorde nos “spreads” de risco em operações de crédito, inclusive nos empréstimos interbancários, e uma fuga para os títulos públicos.

O ano de 2009 começou sob a ameaça de nova depressão econômica que a economia mundial não enfrentava desde a década de 1930. O sistema capitalista mundial só não entrou em depressão após a crise de 2008 graças às intervenções governamentais realizadas em todo o mundo. Diferentemente do que aconteceu na década de 1930, o setor público reagiu rapidamente à queda na demanda e no crédito privados, expandindo suas atividades com pacotes de gastos, isenções tributárias e farta oferta de crédito, inclusive por meio dos bancos centrais, como nos Estados Unidos, área do euro e Reino Unido. Junto com o Japão, esses países também passaram o ano com taxas de juros próximas a zero. Na China, o governo não só adotou um grande pacote tributário, como expandiu o crédito numa escala nunca antes registrada.

O colapso financeiro do sistema capitalista mundial provocou uma desaceleração industrial mundial em 2009. Ela também está se espalhando por toda a economia real, grande parte da qual ainda está clamando por assistência. A busca por segurança está fortalecendo o controle político dos Estados nacionais sobre os mercados. O mundo termina 2009 com a economia mundial em recessão contabilizando um prejuízo acumulado muito grande. No seu prognóstico, o Fundo Monetário Internacional (FMI) previu que em 2009 o PIB mundial cairia e o comércio internacional contrairia como de fato aconteceu. 12

O ano de 2010 foi um ano com taxas de desemprego ainda altas na economia global e com volatilidade acima do normal no mercado financeiro mundial. Com o PIB mundial crescendo abaixo do potencial, a geração de empregos foi insuficiente para absorver todos os desempregados e os novos ingressantes no mercado de trabalho. As dúvidas sobre a saúde financeira das empresas, em especial dos bancos, e, crescentemente, das contas públicas ainda são muitas. O alto desemprego persistente em todo o mundo e um baixo crescimento da economia mundial poderão até mesmo ameaçar a própria globalização.

As fraquezas fundamentais do setor financeiro mundial ainda não foram solucionadas. Dúvidas também permanecem sobre o funcionamento do sistema monetário internacional baseado no dólar cujo valor se encontra em queda, os alvos corretos para a política monetária, a gestão dos fluxos globais de capital, a vulnerabilidade das economias dos países emergentes, como demonstrado na Europa central e oriental, e, também, a fragilidade financeira demonstrada ao longo das últimas três décadas. Ainda estão à espera de solução os problemas relacionados com a regulação da economia mundial. Sem esta regulação, o sistema capitalista mundial estará sempre sujeito a crises sucessivas.

Há muita especulação quanto à evolução futura da economia mundial. Alguns analistas advogaram a tese de que a economia mundial teria uma evolução em “V”, isto é, apresentaria no primeiro momento recessão com queda no crescimento cuja retomada aconteceria imediatamente após atingir o ponto mais baixo. Outros consideraram o crescimento em “U”, isto é, haveria recessão com a queda no crescimento econômico seguida de um longo período de depressão após a qual ocorreria a retomada do crescimento e os mais pessimistas, defenderam uma evolução em “L”, isto é, haveria recessão seguida de depressão sem perspectiva de crescimento. Neste último caso, a retomada do crescimento só aconteceria com a edificação de uma nova ordem econômica mundial.

Nouriel Roubini (2009) apresentou nova forma de evolução da economia mundial, em “W”, em seu artigo “Cresce o risco de nova contração”. Neste artigo, Roubini afirma que, existem duas razões para que exista risco ascendente de uma recessão de duplo mergulho, em forma de W. Para começar, existem riscos associados às estratégias de saída para o grande relaxamento da política monetária e de estímulo fiscal: as autoridades serão criticadas por agir e também por não agir. Caso decidam levar a sério os grandes déficits fiscais e decretem aumento de impostos, corte de gastos e 13

redução da liquidez excessiva poderão solapar a recuperação e levar a economia a uma estagdeflação (recessão e deflação).

O jornal Folha de São Paulo (2009) informava que o Fundo Monetário Internacional (FMI) afirmava que o mundo já ensaiava sair da pior recessão do pós-Segunda Guerra, mas que uma recuperação mais firme poderá demandar mais tempo do que o previsto. Segundo o FMI a boa notícia é que as forças que vinham empurrando a economia global para baixo estão perdendo força. Mas a má notícia é que ainda é muito fraca a força que nos empurra para cima, disse o economista-chefe do Fundo, Olivier Blanchard, ao anunciar as novas previsões contidas no relatório "Panorama da Economia Mundial". Isto significa dizer que o FMI defendia uma evolução entre “V” e “U” para a economia mundial.

O futuro da economia mundial depende da solução que seja dada às relações econômicas entre os Estados Unidos e a China, à gigantesca dívida pública dos Estados Unidos, à recuperação do sistema financeiro mundial, à regulação da economia mundial e aos potenciais conflitos sociais. O primeiro problema que precisa ser solucionado é o das relações econômicas entre Estados Unidos e a China. Este problema decorre, de um lado, do fato das reservas monetárias chinesas estarem financiando decisivamente o crescimento do déficit dos Estados Unidos e, de outro, o mercado dos Estados Unidos representar o principal destino das exportações chinesas. Com a receita gerada por enormes excedentes comerciais com os Estados Unidos - e as políticas que mantêm sua moeda artificialmente baixa - Pequim é o maior investidor em títulos do Tesouro norte-americano.

O aparente controle financeiro da China sobre os Estados Unidos vem ganhando grande destaque. Ressalte-se que o acúmulo por parte da China de uma enorme reserva em divisas estrangeiras (US$ 2 trilhões) é efeito colateral de um modelo econômico demasiado dependente das exportações. O enorme superávit comercial da China é fruto de um Yuan subvalorizado que vem permitindo que outros países consumam bens chineses às custas da própria população chinesa.

A China não pode vender as reservas de seu Tesouro sem

desencadear o próprio colapso do dólar que supostamente teme. Um aspecto fundamental a considerar é que se os Estados Unidos adotarem a política de reduzir seus déficits levaria o país a comprar menos produtos chineses.

A cúpula entre os governos chinês e norte-americano realizada em 2009 teve por objetivo iniciar conversações para procurar soluções conjuntas, apesar das divergências sobre a moeda, 14

para o déficit orçamentário norte-americano e o fosso comercial (exportações – importações) entre os dois países, entre outros. O governo Obama manteve a intenção de se centrar na diferença na balança comercial frisando que a China não deve contar com os consumidores norte-americanos para fazer a economia global sair da recessão, porque o consumo das famílias norte-americanas estava em contração. Isto significa dizer que a China teria que necessariamente impulsionar o consumo interno para manter seu crescimento econômico e contribuir para uma mais rápida, porém mais equilibrada e sustentável recuperação global.

Os Estados Unidos se defrontam com um pesado déficit em conta corrente, tornando-se o maior detentor de dívida externa do mundo. Se os Estados Unidos não apertarem o cinto, colocando em xeque o “american way of life”, e começarem a perseguir déficits em conta corrente menores e balança comercial superavitária vão ter que decretar moratória. Ressaltese que as obrigações dos Estados Unidos devem somar um montante superior a 3 trilhões de dólares. No entanto, se os Estados Unidos adotarem a política de apertar o cinto, reduzir déficits e tornar superavitária sua balança comercial haveria o comprometimento do comércio internacional dado o peso da economia norte-americana. Isto significa dizer que, qualquer que seja a solução para a economia norte-americana, a crise global atual terá continuidade avançando da recessão em que se encontra à depressão crônica. A evolução da economia mundial seria, portanto, em “L”.

Martin Wolf (2009), articulista do Financial Times, perguntava se “a economia mundial está saindo da crise? O mundo aprendeu as lições certas? A resposta para ambas as perguntas é: até certo ponto. Nós fizemos algumas coisas acertadas e aprendemos algumas das lições certas. Mas nem fizemos o suficiente e nem aprendemos o suficiente”. Wolf afirma ainda que devemos colocar estas notícias, por mais bem-vindas que sejam, em contexto. O pior da crise financeira pode ter ficado para trás, mas o sistema financeiro continua subcapitalizado e carregando um fardo ainda desconhecido de ativos duvidosos. Pelo contrário, ele está escorado por um imenso apoio explícito e implícito dos contribuintes. A probabilidade de prejuízo à frente é próxima de 100%.

A subcapitalização do sistema financeiro impacta negativamente sobre a economia real inibindo o financiamento do setor produtivo e do comércio internacional. Muitos países estão sofrendo quedas acentuadas em suas receitas de exportação devido à redução da demanda mundial resultante da recessão global, mas também em consequência da retração do crédito 15

para exportação. Teme-se que, na tentativa de cada país estimular sua própria economia na conjuntura atual associada à adoção de medidas protecionistas, leve a uma reação em cadeia. Isso reduziria o comércio internacional, aumentaria o desemprego e autoalimentaria a crise em cada país e em escala global. A busca de vantagens em cada país levaria ao pior cenário para todos: a depressão da economia mundial. Muitos analistas temiam que se repetisse o que aconteceu

durante

a

Grande

Depressão,

nos

anos

1930.

A

volta

do

protecionismo representaria um sério risco para a continuidade do processo de globalização.

Martin Wolf (2009) afirmava também que por trás do excesso de capacidade e dos enormes aumentos nos déficits fiscais estava o desaparecimento do consumidor que gasta muito, principalmente nos Estados Unidos. A prudência do setor privado provavelmente perdurará em um mundo pós-bolha caracterizado por montanhas de dívida. Aqueles que esperam um retorno rápido aos negócios de costume de 2006 estão fantasiando. Uma recuperação lenta e difícil, dominada pela desalavancagem e riscos deflacionários, era a perspectiva mais provável. Os déficits fiscais permanecerão imensos por anos. As alternativas -liquidação do excesso de dívida por meio de um aumento da inflação ou falência em massa- não serão permitidas. A alta dependência de uma expansão monetária imensa e déficits fiscais nos países que antes consumiam muito serão insustentáveis no final. A visão de Wolf é a de que a evolução da economia mundial ocorreria em “U”.

Segundo Martin Wolf (2008), o mundo está sem tomadores de empréstimo privados dispostos e dignos de crédito. O colapso espetacular do sistema financeiro ocidental é um sintoma deste grande fato. A curto prazo, os governos substituirão os setores privados como tomadores de empréstimos. Mas isso não pode durar para sempre. A longo prazo, a economia global terá que se reequilibrar. Se os países com superávit não expandirem a demanda doméstica em relação à produção potencial, a economia do mundo aberto poderá até mesmo quebrar. Como nos anos 30, este agora é um risco real.

Analisando a economia mundial, Chesnais (2008) constatou que seria preciso encontrar remédios para a taxa de poupança. Ela é baixa demais em alguns países, alta demais em outros. Os Estados Unidos, onde ela se tornou negativa, e a China representam os polos extremos dessa distorção. A reconstituição de uma taxa de poupança que deixasse de fazer dos Estados Unidos a sede, quando não o transmissor mais imediato, de crises financeiras sucessivas “requer uma consolidação orçamentária incompatível com as orientações políticas da maioria 16

conservadora no poder. Implica, sobretudo, uma recuperação considerável da poupança das famílias. Isso supõe uma revisão dilacerante do consumo a crédito, combinado com o desperdício aterrorizante dos recursos não renováveis, que constitui o modo de vida norte-americano.

Para Wolf (2009), quanto mais forte for o crescimento da demanda nos países com superávit, em relação ao PIB potencial, e mais poderoso for o reequilíbrio global, mais saudável seria a recuperação global. Isso vai acontecer? Wolf duvida. O alto desemprego persistente e um baixo crescimento poderão até mesmo ameaçar a própria globalização. As fraquezas fundamentais do setor financeiro ainda não foram tratadas. Dúvidas também permanecem sobre o funcionamento do sistema monetário internacional baseado no dólar, os alvos corretos para a política monetária, a gestão dos fluxos globais de capital, a vulnerabilidade das economias emergentes, como demonstrado na Europa central e oriental, e, também, a fragilidade financeira demonstrada com tanta frequência e tão dolorosamente ao longo das últimas três décadas.

Paul Krugman, economista, professor da Universidade de Princeton nos Estados Unidos, vencedor do prémio Nobel de economia de 2008 e colunista do The New York Times, afirma que O mundo pode estar nos primeiros estágios de uma terceira depressão com o custo de milhões de vidas arruinadas pela falta de empregos. Para Krugman, esta terceira depressão será o resultado do fracasso das políticas econômicas espantosamente ortodoxas quanto a empréstimos e orçamentos equilibrados (Ver o artigo A terceira depressão no website ). Segundo Krugman, apenas dois períodos da história econômica foram chamados na sua época de "depressões": os anos de deflação e instabilidade após o Pânico de 1873 e os anos de desemprego em massa após a crise de 1929 a 1931. Nem a Longa Depressão do século XIX nem a Grande Depressão do século XX foram períodos de declínio ininterrupto – pelo contrário, ambas tiveram momentos em que a economia cresceu. Mas esses episódios de melhoria nunca foram suficientes para desfazer os danos do choque inicial e foram seguidos de recaídas. Krugman afirma que talvez estejamos nos primeiros estágios de uma terceira depressão. A probabilidade é que ela seja mais parecida com a Longa Depressão do século XIX do que com a Grande Depressão do século XX. Mas o custo – para a economia mundial e, acima de tudo, para os milhões de vidas arruinadas pela falta de empregos – será ainda assim, imenso.

17

Paul Krugman critica a política de austeridade imposta aos países da União Europeia pelo Banco Central Europeu e FMI afirmando que a expansão, não a contração, é o momento certo para a austeridade. Assim declarou John Maynard Keynes 75 anos atrás, e ele tinha razão. Mesmo que você tenha um problema de déficit em longo prazo -e quem não tem?-, cortar gastos em um período de depressão econômica profunda é uma estratégia derrotista, porque só serve para agravar ainda mais a depressão. Assim, o que acontece se todo mundo reduzir gastos simultaneamente a fim de reduzir suas dívidas? A resposta: a renda de todos cai. Quando o setor privado está se esforçando freneticamente para pagar dívidas, o setor público deveria fazer o oposto, gastando quando o setor privado não pode ou não quer fazê-lo (Ver o artigo A agenda da austeridade publicado no jornal Folha de S. Paulo de 02/06/2012). Em entrevista ao jornal Washington Post, o economista norte-americano James K. Galbraith critica a receita ortodoxa que recomenda o corte de gastos públicos como maneira de enfrentar a crise. Para Galbraith, o que está a acontecer na Europa é desolador. A ideia de que as dificuldades de financiamento (do Estado) emanam dos déficites públicos é um argumento apoiado numa metáfora muito potente, mas não nos fatos, não na teoria e não na experiência quotidiana. A receita que se sugere agora, de que é possível cortar o gasto público sem cortar a atividade econômica, é completamente falaciosa. Isso está a ocorrer agora na Europa e é desolador. Exige-se que os gregos cortem 10% do gasto público em poucos anos. E supõe-se que isso não afetará o PIB. É evidente que vai afetar. E afetará de uma maneira tal que eles não terão os ingressos fiscais necessários para financiar sequer um nível mais baixo de gasto público. E estão a obrigar a Espanha a fazer o mesmo. A zona do euro caminha para o abismo (Ver

o

artigo

A

zona

euro

está

um

despenhadeiro

publicado

no

website

). A receita ortodoxa citada por James K. Galbraith é ditada pelo Banco Central Europeu e pelo FMI que junto com os bancos formam o Complexo Financeiro que impõe sua vontade aos governos da União Europeia exigindo uma enorme austeridade de gastos públicos, incluindo gastos públicos sociais o que está a significar um enorme sacrifício para as classes populares dos países integrantes do bloco e, muito em particular, das nações periféricas da União Europeia - Grécia, Portugal, Espanha e Irlanda - a fim de que esses estados possam pagar aos bancos dos países capitalistas centrais a dívida pública com juros exuberantes e confiscatórios. O Complexo Financeiro tem como objetivos debilitar o estado de bem-estar social, diluir e reduzir a dimensão social da Europa e reduzir os direitos sociais e trabalhistas. 18

Estados Unidos, Europa e China apresentam na atualidade desempenho econômico que põe em xeque a recuperação da economia mundial. Além da crise profunda que atinge a União Europeia, os Estados Unidos não apresentam sinais de recuperação com a alta do desemprego que lá está ocorrendo e a China mostra sinais evidentes de desaceleração. Na Europa, o mercado de trabalho da zona do euro está com os piores indicadores desde que surgiu a moeda única. O desemprego nos Estados Unidos cresceu em maio deste ano alcançando 8,2% sinalizando que a recuperação na maior economia do mundo é mais tímida e menos confiável. Na China, o motor da retomada econômica global, a produção industrial exibiu o pior resultado deste ano alimentando dúvidas sobre a capacidade de a segunda economia mundial sustentar seu crescimento. Um fato preocupante na atualidade é agravamento da situação político-institucional com o acirramento das tendências autoritárias na Europa e nos Estados Unidos. Partidos de extrema direita ganham repentino respaldo político das classes dominantes e de amplos segmentos da população com as massas desempregadas e espalham discursos xenófobos nos Estados Unidos e por toda a Europa, com maior intensidade na Áustria, na Finlândia e na Hungria. Paira no ar uma síndrome politicamente desintegradora. Trata-se do atual endividamento insuportável dos Estados soberanos da Europa cujo tratamento pelo Banco Central Europeu e FMI está a exigir mais austeridade e sacrifícios e menos crescimento econômico. A enorme dívida imposta à Alemanha pelo Tratado de Paz de Versalhes em 1919 foi justamente o caldo de cultura que gerou o nazismo e tudo o que veio com ele. Ainda não há um Hitler a caminho na Europa e nos Estados Unidos. O economista francês, Jacques Attali, prognosticou em sua obra Tous ruinés dans dix ans?Dette publique: La dernière chance (Librairie Arthème Fayard, 2010) que em dez anos o modelo econômico que hoje prevalece no mundo estará arruinado. Após a falência do Euro e do Dólar e a ruina da Ásia, o mundo será levado à depressão e à inflação mundial. O sociólogo norte-americano Immanuel Wallerstein

expôs em sua obra Unthinking social

science (Cambridge: Polity Press, 1995) e em outras de suas publicações que a crise sistêmica que vivenciamos atualmente na economia mundial irá até 2050 ou 2075. Por sua vez, o economista russo Nikolai Dimitrievitch Kondratieff apresentou no seu livro Les grands cycles de La conjoncture (Economica, 1992) os chamados superciclos, grandes ondas, ondas longas ou longos ciclos econômicos da economia mundial capitalista moderna, que aplicadas à situação atual, indicam que o fim da atual crise geral do sistema capitalista mundial só acontecerá em 2029 ou 2049. 19

A tese de Kondratieff é a de que os ciclos consistem em períodos alternados de alto crescimento e períodos de crescimento relativamente lento variando de 40 a 60 anos. Kondratieff identificou 3 fases no ciclo: expansão, estagnação, recessão Na sua pesquisa sobre o século XIX, Kondratieff constatou em 1920 a existência de dois ciclos (1790 a 1849 com duração de 54 anos e outro de 1850 a 1896 com duração de 46 anos). No esforço de expandir o ciclo de Kondratieff para o século XX, pode-se considerar o terceiro ciclo iniciando em 1896 e terminando em 1945 (fim da Segunda Guerra Mundial) com uma duração de 49 anos; o quarto ciclo começando em 1945 e terminando em 1989 (queda do Muro de Berlim), com uma duração de 44 anos, e o quinto ciclo iniciando em 1989 e terminando em 2029 ou 2049 com duração de 40 ou 60 anos. No ciclo de 1790- 1849, a expansão da economia ocorreu até seu colapso ou estagnação em 1815 com a queda do Império Napoleônico, quando as estruturas políticas e econômicas do Antigo Regime foram abaladas, seguida da recessão até 1849. De setembro de 1814 a junho de 1815, as grandes potências do big four (Inglaterra, Prússia, Rússia e Áustria) reuniram-se no Congresso de Viena buscando reconstruir a velha ordem europeia e redesenhar o mapa político europeu. No ciclo de 1850- 1896, a expansão da economia aconteceu até seu colapso com a Depressão de 1873, 58 anos após a crise de 1815, seguida da recessão até 1896. Ressalte-se que a depressão de 1873 contribuiu para acirrar a competição entre as potências imperialistas europeias que desembocou na Primeira Guerra Mundial (1914-1918). No ciclo 1896-1945, a expansão da economia aconteceu de 1896 até seu colapso com a Grande Depressão de 1929, 56 anos após a crise de 1873, seguida da recessão até 1945. A depressão mundial de 1929 contribuiu decisivamente para a eclosão da Segunda Guerra Mundial (19391945). No ciclo 1945-1989, a expansão da economia aconteceu até a Crise do Petróleo em 1973 que abalou a economia mundial, 44 anos após a Grande Depressão de 1929, quando houve queda acentuada da lucratividade do capital, as lutas econômicas e políticas em todos os principais países do mundo, destacando-se a rebelião popular de maio de 1968 na França, e a escalada da guerra do Vietnã, seguida de recessão até 1989. O fim deste ciclo coincide com a queda do muro de Berlim em 1989. O ciclo subsequente começou em 1989 com sua expansão até a recente crise mundial de 2008, 35 anos após a crise de 1973, seguida de recessão que se prevê terminando em 2029, após 40 anos, ou 2049 após 60 anos. Em outras palavras, o fim da atual crise geral do sistema capitalista mundial só terá um fim nos próximos 17 ou 37 anos. Pelo 20

exposto, percebe-se que, aplicando os ciclos de Kondratieff seus resultados são convergentes com as opiniões de Wallerstein e Attali. Attali, por sua vez, considera que a economia mundial como opera no momento estará arruinado em 10 anos, isto é, a depressão mundial ocorrerá até 2020. De qualquer maneira, Wallerstein e Attali convergem para a conclusão de que o sistema capitalista como opera hoje desaparecerá. Segundo Wallerstein, durante este período de caos sistêmico em que vivemos teremos poucos momentos de paz, estabilidade e legitimidade dos governos. Wallerstein defende a tese de que o não atendimento das demandas sociais da população e a crise fiscal em cada país levarão a uma luta de massas que poderá tomar a forma de guerra civil ao nível global e de cada Estado. Esta situação já se registra no mundo árabe com a eclosão da primavera árabe que já derrubou várias ditaduras e, também, na União Europeia onde a luta de massas se intensifica contra a política de austeridade do Banco Central Europeu e dos governos europeus para combater a crise. A legitimidade das estruturas do Estado e, portanto, de sua habilidade de manter a ordem está sendo e será colocada em xeque em todo o mundo. Toda esta situação pode abrir caminho para a revolução social e a ascensão do fascismo que, por sinal, em vários países europeus e, até mesmo, nos Estados Unidos, a extrema direita cresce e se fortalece. Segundo Wallerstein, após a “bifurcação” que poderá ocorrer em 2050 ou 2075, não deveremos estar vivendo em uma economia mundial capitalista.

O economista francês, Jacques Attali publicou mais de 50 livros traduzidos em vinte linguas, entre os quais Tous ruinés dans dix ans?- Dette publique: La dernière chance (Librairie Arthème Fayard, 2010). Neste livro, Attali prognostica a ocorrência de quatro etapas para o desdobramento da crise econômica que eclodiu em 2008 nos Estados Unidos e que se espraia pelo mundo. Essas etapas são as seguintes:

Etapa 1: As dívidas públicas se tornam mais pesadas

Se nada for feito rapidamente, a dívida pública dos países da OECD (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), considerados países desenvolvidos, continuará a crescer maçicamente sob o efeito da queda das receitas fiscais, da incapacidade de retomar o crescimento econômico, das perdas gigantescas dos bancos e instituições financeiras e do aumento dos gastos sociais. Nesses países, a dívida pública crescerá vertiginosamente. No Japão, a dívida pública bruta deverá passar de 204% do PIB em 2009 para 245% do PIB em 2014 e 300% em 2020. Mesmo que o Japão acumule um estoque elevado de capital, sua 21

capacidade de financiar sua dívida com sua própria poupança se esgota. Os poupadores japoneses deixarão de financiar o estado japonês devido à perda progressiva de confiança. As taxas de juros deverão aumentar, a dívida pública atingirá níveis extremamente elevados e o calote virá inevitavelmente.

A dívida da Itália passará de 115,3% do PIB em 2009 a 128,5% do PIB em 2014, a Alemanha de 78,7% a 89,3% do PIB, a França de 83% a 96,3% do PIB, o Reino Unido de 68,7% a 98,3% do PIB. A dívida pública da Grécia será de 133,7% do PIB em 2014. Portugal, Irlanda e Espanha cujas dívidas públicas dobraram em 4 anos estarão em piores situações. Em 2020, a dívida pública do Reino Unido ultrapassará 200% do PIB e a da Bélgica, França, Irlanda, Grécia e Itália ultrapassará 150% do PIB. Em 2011, a dívida pública dos Estados Unidos representou 80% do PIB devendo alcançar 150% do PIB em 2020. Ao contrário desses países, a maior parte dos países em desenvolvimento se tornam menos devedores. Em 2010, a dívida pública da China ficou nula, o Brasil passou de 68,5% para 58,8% do PIB, a Índia de 84,7% para 78,6% do PIB, o México de 47,8% para 44,3% do PIB e a Rússia ficou inalterada (7,2% do PIB). Esta tendência vai prosseguir e, nos próximos 20 anos, a China se tornará o primeiro credor mundial. Em 2014, a dívida pública dos países mais ricos poderá representar 120% de seu PIB e a dos países ditos emergentes 40% de seu PIB.

Para fazer frente à elevação de suas dívidas públicas, os governos dos países endividados da OECD visam com suas políticas econômicas obter superávites fiscais para pagar a seus credores (bancos) partindo da premissa de que o sistema financeiro não pode ser levado à bancarrota. Neste sentido, adotam-se políticas de elevação dos impostos e de privatização de empresas e órgãos estatais, demissão de funcionários públicos e redução dos gastos públicos em geral as quais estão gerando crescente insatisfação das populações de vários países (Grécia, Espanha e Portugal). Essas políticas contribuem para restringir o crescimento econômico desses países.

Etapa 2: A falência do Euro e a depressão mundial

Para os países da OECD obter em 2060 um nível de endividamento razoável da ordem de 60% do PIB, seria preciso reduzir os gastos públicos a 8% do PIB que exigiria reduzir os gastos públicos em 300 bilhões de Euros ou aumentar substancialmente os impostos que são perspectivas quase impossíveis porque haveria aumento de revoltas sociais e os povos desses 22

países preferirão deixar de pagar as dívidas públicas. Diante deste fato, os mercados financeiros não acreditarão que os governos europeus sejam capazes de restabelecer seu equilíbrio. Os países da União Europeia hesitarão em ser solidários entre eles para salvar as economias da Grécia, Espanha, Portugal e outras em dificuldades. Para retardar o calote contra o sistema financeiro, a União Europeia buscará todas as soluções. Face a esta situação, na ausência de uma solidariedade real entre os países membros da União Europeia, a tendência é a saída de seus integrantes mais vulneráveis, a começar pela Grécia. O Euro e as conquistas obtidas pelos países da União Europeia serão colocadas em xeque. Haverá um aumento do protecionismo e a depressão se estenderá para todo o continente europeu. As democracias europeias não sairão ilesas desta crise profunda.

Etapa 3: Falência do Dólar e retorno da inflação mundial

O governo dos Estados Unidos será obrigado a emitir sempre mais dólares para financiar sua dívida pública fazendo com que o país seja cada vez mais enfraquecido economicamente. Os Estados Unidos serão a próxima vítima da crise de confiança dos credores. A recessão associada à crise profunda da União Europeia afetarão o crescimento econômico norteamericano contribuindo para a queda das receitas fiscais e o aumento dos gastos públicos. A dívida pública dos Estados Unidos que já ultrapassa 11 trilhões de dólares aumentará de forma vertiginosa. O dólar se depreciará em relação às moedas chinesa, russa, indiana e brasileira e, sobretudo,em relação ao ouro e às matérias primas. Durante um certo tempo, os bancos centrais dos países asiáticos que detém títulos do tesouro americano terão interesse em não deixar o dólar se desvalorizar adquirindo-os mesmo a taxas de juros elevadas. Quanto maior é a taxa de remuneração dos títulos do tesouro americano, maiores serão os encargos para o pagamento da dívida pública. Para fazer frente a esta situação, o governo dos Estados Unidos terá de aumentar os impostos e reduzir os gastos públicos que impedirão a retomada do crescimento econômico. Para evitar a depressão, o governo dos Estados Unidos escolherá a inflação como meio para promover o crescimento econômico fazendo com que o dólar se desvalorize cada vez mais. A crise financeira levará à perda de confiança do mundo no Ocidente que será substituído pela Ásia.

Etapa 4: Depressão e ruína da Ásia

23

O governo da China fará tudo para desacreditar o Euro e depois o Dólar. A China evitará ter reservas em dólares cada vez mais desvalorizados, acreditará que seus ativos no exterior se desvalorizarão, suas exportações se esgotarão e não terá bastante recurso para financiar os déficites dos países ocidentais e seus próprios investimentos em infraestruturas físicas e sociais. Em consequência, a China reorientará sua poupança e sua indústria para o mercado interno. Nada disso não impedirá, entretanto, que a depressão se estenda à economia de todo o planeta.

Segundo Jacques Attali, na história da humanidade, salvo em período de guerra total, a dívida pública dos países mais poderosos do mundo nunca atingiram valores tão elevados como os registrados recentemente e projetados para o futuro. Jamais os perigos que possam pesar sobre o nível de vida da população mundial e seus sistemas políticos foram tão ameaçadores. Percebe-se claramente que a crise atual é pior do que a de 1929-1933, porque é absolutamente global. O sistema financeiro internacional já não funciona mais. O modelo neoliberal que regeu o mundo nos últimos 40 anos morreu e haverá depressão que durará muitos anos e não apenas 10 anos como prognostica Jacques Attali. A crise global que começou em 2008 é, para a economia de mercado, equivalente ao que foi a queda do Muro de Berlim em 1989. Para superar a crise econômica global, Attali propõe a criação de uma arquitetura bancária e financeira e política mundial para gestão das dívidas soberanas, entre outras medidas. É preciso não esquecer que, no passado, a depressão de 1870 levou à eclosão da 1ª. Guerra Mundial e a depressão de 1929 fez eclodir a 2ª. Guerra Mundial. Para evitar uma nova guerra mundial como consequência da crise global atual, é urgente a edificação de uma nova ordem mundial que seja capaz de gerir não apenas a dívida pública soberana, mas sobretudo assegurar a cooperação entre os todos os governos na promoção do progresso da humanidade. É sabido por todos os estudiosos da economia mundial que a superação da crise que eclodiu nos Estados Unidos em 2008 dependeria da recuperação das economias dos Estados Unidos e da União Europeia e da expansão da economia chinesa. Segundo Paul Krugman, economista norte-americano vencedor do Prêmio Nobel de Economia de 2008, “no quinto aniversário da queda do Lehman Brothers, a recessão, que já era ruim por si só, se transformou em algo muito mais assustador. De repente, nós estávamos diante de uma possibilidade real de catástrofe econômica. E a catástrofe veio” (Ver o artigo de Paul Krugman Há cinco anos EUA vivem desperdício trágico disponível no website ). O estímulo econômico do governo Obama, por mais inadequado que fosse, segundo Krugman, conteve o declínio econômico dos Estados Unidos em 2009. Apesar disto, “a política econômica americana desde o Lehman Brothers foi um fracasso espantoso, aterrador”. Um fato indiscutível é o de que cinco anos após a quebra do Lehman Brothers, a recuperação dos Estados Unidos ainda é incerta. No artigo de Denise Chrispim Marin do jornal O Estado de S. Paulo, A recuperação dos EUA ainda é incerta, disponível no website , há a afirmativa de que, “passados cinco anos da maior crise financeira desde a grande depressão dos anos 30, o ritmo lento e titubeante da recuperação reflete a dificuldade ainda presente de superação do colapso causado pela falência do Lehman Brothers”. Neste artigo, pode-se constatar que os Estados Unidos não saíram da crise, segundo Otaviano Canuto, conselheiro da Presidência do Banco Mundial, estando distante do seu PIB potencial. A injeção de recursos públicos para salvar bancos chegou a US$ 700 bilhões, dos quais US$ 24,9 bilhões foram canalizados para as três maiores montadoras do país. A taxa básica de juros foi reduzida para a faixa entre 0% a 0,25% em dezembro de 2008 e é mantida até hoje. Como percentual do PIB, a taxa de investimento havia despencado de 20,5%, em 2006, para 14,7%, em 2009. Em 2013, devem alcançar 16,8%, conforme o Banco Mundial. O endividamento das famílias americanas no segundo trimestre de 2013 totalizou US$ 11,15 trilhão. No plano econômico mundial, o ano de 2011 foi marcado pela crise econômica na União Europeia. O endividamento público elevado, principalmente de países como a Grécia, Portugal, Espanha, Itália e Irlanda e a falta de coordenação política, econômica e monetária da União Europeia para resolver questões de endividamento público das nações do bloco foram as principais causas da crise. Da crise da União Europeia resultou a fuga de capitais, a escassez de crédito, o aumento do desemprego, o descontentamento popular contra as medidas de redução de gastos adotadas pelos países como forma de conter a crise, queda no crescimento do PIB dos países da União Europeia em função do desaquecimento da economia dos países do bloco e contaminação da crise para países, fora do bloco, que mantém relações comerciais com a União Europeia. 25

Para enfrentar a crise, as ações da União Europeia consistiram na implementação de um pacote econômico anticrise lançado em 27/10/2011, na maior participação do FMI (Fundo Monetário Internacional) e do Banco Central Europeu na ajuda financeira aos países com mais dificuldades econômicas e na definição de um Pacto Fiscal para garantir o equilíbrio das contas públicas das nações da União Europeia e criar sistemas de punição aos países que desrespeitarem o pacto. O ano de 2013 não começou bem para a União Europeia. O PIB do bloco econômico apresentou retração de 0,2% no primeiro trimestre do ano. Já no segundo trimestre de 2013 a economia do bloco apresentou uma leve recuperação. No artigo O modelo econômico chinês está prestes a bater na Grande Muralha, disponível no website

, Paul Krugman afirma que “os sinais agora são inconfundíveis: a China está em apuros. Nós não estamos falando de algum pequeno revés no caminho, mas de algo mais fundamental. Toda a forma como o país faz negócios, o sistema econômico que promoveu três décadas de crescimento incrível chegou ao limite. Seria possível dizer que o modelo chinês está prestes a colidir com sua Grande Muralha, e a única pergunta agora é quão feia será a batida”. Para Krugman, o que salta imediatamente aos olhos é que, “quando a China é comparada com quase todas as outras economias, salvo seu rápido crescimento, é o desequilíbrio entre consumo e investimento. Todas as economias bem-sucedidas dedicam parte de sua renda para investimento em vez de consumo, visando expandir sua futura capacidade de consumir. A China, entretanto, parece investir apenas para expandir sua futura capacidade de investir ainda mais. Os Estados Unidos, reconhecidamente em seu ponto alto, dedicam 70% de seu produto interno bruto para o consumo; na China, o número é apenas metade disso, enquanto quase metade do PIB é investido”. Esta situação se manteve na China graças aos baixos salários praticados. Agora os salários estão subindo, Finalmente, os chineses comuns estão começando a partilhar os frutos do crescimento. Mas também significa que a economia chinesa se vê repentinamente diante da necessidade, segundo Krugman, de um "reequilíbrio" drástico. O investimento agora apresenta retornos acentuadamente menores e cairá drasticamente e o consumo deve aumentar drasticamente para ocupar seu lugar. A questão é se isso pode acontecer rápido o suficiente para evitar uma desaceleração econômica nefasta como já está acontecendo.

26

Krugman constata que o excesso de camponeses está se esgotando na China. Esta situação contribuiu para a existência de baixo custo da mão de obra chinesa e assegurar a competitividade dos produtos da China no mercado mundial. Enquanto a economia chinesa desacelera, as economias ocidentais estão com os devedores privados sobrecarregados que os leva a conter os gastos de consumo ao mesmo tempo, e, ao fazê-lo, provocam uma desaceleração econômica geral. Em outras palavras, a crise econômica se apresenta como insolúvel nos marcos do sistema capitalista em vigor.

No artigo, publicado no website , sob o título Economia global: rumo à grande tempestade? de autoria de Jack Rasmus, Ph.D., professor de Economia Política do St. Mary’s College in Moraga, Califórnia e de Economia do Trabalho e da História Econômica dos Estados Unidos na Universidade da Califórnia em Berkeley, seu autor identifica três fases da crise econômica global: A primeira fase da crise econômica global teve como centro a economia dos Estados Unidos de 2007 a 2010. A segunda fase da crise econômica global ficou centrada na Europa, acompanhando o forte declínio norte-americano em 2008-09 além de enfrentarem uma segunda recessão em 2011-12. A terceira fase da crise econômica global teve início em 2014 com a instabilidade financeira e econômica que está surgindo e avançando nos mercados emergentes como o Brasil, inclusive na China cujo crescimento está desacelerando. Dessa forma, o epicentro da crise global, que ocorreu pela primeira vez em 2008 nos Estados Unidos e mudou para a Europa entre 2010 e 2013, agora está se concentrando nas economias dos mercados emergentes, inclusive na China.

Segundo Jack Rasmus, antes da crise financeira global e da recessão de 2008, a economia da China estava crescendo a uma taxa anual de 14%. Hoje, a taxa é de 7,5%, com uma forte possibilidade de uma taxa ainda menor de crescimento em 2014. Desde 2012, a China enfrenta um problema cada vez maior com bancos paralelos globais que desestabilizam o mercado imobiliário e o mercado de dívida pública local. No lado financeiro, a dívida total (pública e privada) na China subiu de 130% do PIB em 2008 para 230% do PIB, com a participação dos bancos paralelos globais subindo de 25% em 2008 para 90% do total em 2013. Assim, a participação dos bancos paralelos globais na dívida total quase quadruplicou e representa praticamente todo o aumento da relação entre dívida total pública e privada e o PIB, desde 2008. Como resultado, os bancos paralelos globais são a força motriz por trás do problema crescente da dívida e da fragilidade financeira chinesa. 27

Grande parte do aumento da dívida chinesa foi direcionada para uma bolha imobiliária, acompanhada de uma bolha de dívida pública local, uma vez que os governos locais levaram ao limite os projetos imobiliários, novos empréstimos empresariais e projetos de infraestrutura. O aumento da dívida do setor privado está se aproximando de proporções críticas na China. Um evento importante de instabilidade global pode facilmente surgir, caso ocorra uma inadimplência de um banco ou produto financeiro. De certa maneira, a situação atual da China parece, segundo Jack Rasmus, cada vez mais com os mercados imobiliário e de dívida pública local e estadual americana de 2006. Em outras palavras, a China pode estar se aproximando de seu momento Lehman Brothers.

Jack Rasmus afirma que a instabilidade financeira crescente dos mercados locais da China é um possível problema grave, também para a economia global, uma vez que a China e a economia mundial começaram a desacelerar em 2014. No início de 2014, a bolha imobiliária pareceu ganhar força novamente, enquanto a economia real chinesa mostrou sinais de desaceleração. Outros fatores que colaboram ainda mais com a desaceleração da economia chinesa em 2014 é o setor industrial, fonte importante de seu crescimento econômico, especificamente a indústria de exportação, que está desacelerando. As causas da desaceleração da economia chinesa são as mudanças internas de sua economia e o aumento de problemas nas economias da zona do euro e dos mercados emergentes cuja demanda vem caindo. Além disso, a China está lidando com um aumento geral de salários e uma taxa de câmbio cada vez mais desfavorável para sua moeda, o Yuan. Esses dois fatores estão elevando os custos de fabricação e, por sua vez, tornando suas exportações menos competitivas. Os custos cada vez maiores de produção estão causando até um êxodo de corporações multinacionais globais da China, rumo a economias com custos ainda menores, como Vietnã, Tailândia e outros locais.

A maioria das exportações da China vai para a Europa e para os mercados emergentes, não apenas para os Estados Unidos. E à medida que as economias dos mercados emergentes desaceleram, a demanda por produtos fabricados pela China e as exportações diminuem. Por outro lado, enquanto a própria China desacelera economicamente, ela reduz suas importações de commodities, produtos semiacabados e matérias-primas dos mercados emergentes (e também de mercados importantes, como Austrália e Coreia). Agora, o fluxo maciço de capital barato que migrou para os mercados emergentes como o Brasil após 2008 (fugindo de taxas 28

de juros próximas de zero no centro do sistema) está voltando rapidamente para os Estados Unidos, Europa, Japão e para o Ocidente. À medida que o capital deixa os mercados emergentes, suas moedas entram cada vez mais em risco de colapso. A partir do final de 2013, em questão de meses, as principais moedas dos países emergentes se desvalorizaram de 10 a 20%. O cenário de declínio das moedas, fuga de capitais e desaceleração das economias emergentes promete tornar-se uma espiral de degradação perigosa e autoamplificadora para a economia mundial.

Jack Rasmus sintetiza, no seu artigo Economia global: rumo à grande tempestade?, afirmando haver três tendências econômicas globais significativas que começaram a se intensificar e a convergir nos últimos meses: (1) uma desaceleração da economia da China junto com uma instabilidade financeira crescente em seu sistema bancário paralelo [shadow banking system]; (2) um colapso das moedas dos mercados emergentes (Índia, Brasil, Turquia, África do Sul, Indonésia etc.) e suas respectivas desacelerações econômicas; (3) um desvio contínuo rumo à deflação nas economias da zona do euro, liderado pelo aumento de problemas na Itália e pela estagnação econômica que atinge até a França, a segunda maior economia da zona do euro.

Este quadro descrito aponta no sentido de que, em 2015, a humanidade continuará a se defrontar com a gigantesca ameaça representada pelo colapso da economia mundial se nada for feito para reestruturar o sistema capitalista mundial. Quando está sujeito a “flutuações”, como ocorreu após a crise que eclodiu em 2008 nos Estados Unidos, um sistema dinâmico como o sistema capitalista mundial o leva inexoravelmente a um ponto de bifurcação a partir do qual o sistema deve se reestruturar em busca de uma nova estabilidade dinâmica ou entra em colapso. Em outras palavras, no ponto de bifurcação, o sistema tem que ser reestruturado ou entrará em colapso. Esta é a situação vivida pela economia mundial e a de muitos países, inclusive a do Brasil, que, após a crise mundial eclodida em 2008, não houve reestruturação do sistema econômico mundial e dos sistemas econômicos nacionais.

Immanuel Wallerstein, sociólogo e professor universitário norte-americano, afirma em seu artigo

Crise

dos

“emergentes”

ou

do

Sistema?,

publicado

no

website

,

que

“poucos parecem admitir que a demanda efetiva global fosse o verdadeiro problema. Mas é nítido que, abaixo da superfície, já o detectaram. É por isso que estão em pânico, porque, 29

então toda sua ênfase no “crescimento” – uma fé crucial – estará minada. Neste caso, a crise deixa de ser cíclica e torna-se estrutural: não pode ser resolvida com paliativos, mas com a invenção de um novo sistema. Esta é a famosa bifurcação, em que há duas saídas possíveis – uma melhor e outra pior que o sistema existente. Um jogo em que todos nós estaremos envolvidos”.

Ao invés da adoção de estratégias coordenadas nacionais e globais objetivando a superação da crise econômica global com a reestruturação do sistema capitalista mundial e de cada país, tudo foi feito para manter a falida estrutura econômica e as políticas ultrapassadas que levaram à eclosão da crise de 2008. O modelo neoliberal que regeu o mundo nos últimos 40 anos morreu e haverá depressão que terá a duração de muitos anos. Diante da existência do caos que domina a economia mundial, é chegada a hora de cada país e a humanidade se dotarem o mais urgentemente possível de instrumentos necessários para terem o controle de seu destino. Para ter o controle de seu destino, a humanidade precisa exercer a governabilidade de seus sistemas econômicos e da economia mundial. Este é o único meio de sobrevivência da espécie humana.

3. Cenários mundiais no campo social

O principal problema social resultante da crise econômica e financeira mundial de 2008 é o desemprego que já está assumindo proporções gigantescas. O Diário da Manhã publicou artigo de Marcos Cintra6 (2009) sob o título Desemprego no mundo e no Brasil. O texto do artigo é o seguinte: A Organização Internacional do Trabalho (OIT) produziu o relatório “Global Employment Trends” e nele estima que a recessão global pode gerar em 2009, relativamente a 2007, um contingente adicional de desempregados entre 18 milhões e 30 milhões de pessoas, mas esse número pode chegar a 50 milhões caso o quadro continue se deteriorando.

O relatório da OIT aponta que em economias ricas como os Estados Unidos, Canadá, União Europeia, Japão, entre outras, os desempregados adicionais poderão variar entre 4 milhões e 11 milhões de pessoas. No Leste e Sul da Ásia o desemprego pode atingir entre 8 milhões e 26 milhões de trabalhadores. Na Europa Oriental, Oriente Médio e África esse contingente ficaria entre 3 milhões e 10 milhões.

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Marcos Cintra, doutor em Economia pela Universidade Harvard, é professor e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas. 30

A OIT não disponibiliza no relatório dados referentes a países, fazendo-o apenas para regiões. No caso dos Brasil as informações estão contidas na América Latina e Caribe, onde a estimativa é que os desempregados poderão variar entre 2 milhões e 4 milhões de trabalhadores nos quase 50 países que compõem a região.

Os dados da OIT revelam que a turbulência econômica mundial iniciada nos Estados Unidos terá um impacto mais devastador sobre o mercado de trabalho nos países ricos. Nos Estados Unidos, por exemplo, o número de desempregados hoje já é de 12,5 milhões de pessoas, sendo que esse contingente era de pouco mais de 7 milhões em 2007.

Na Europa o desemprego atingiu 8% em dezembro do ano passado, a mais alta dos últimos dois anos, e no Japão a indústria anuncia com frequência cortes de funcionários e a estimativa é que cerca de 30 mil dekasseguis voltem ao Brasil por conta disso. A situação do mercado de trabalho no Brasil em função da crise global é relativamente boa quando comparada com a dos países ricos da Europa, América do Norte e Japão. O desemprego preocupa por aqui, mas a situação é mais dramática lá fora, como projeta a OIT.

O governo federal vem reorientando as diretrizes da política macroeconômica fortalecendo o mercado interno para compensar a retração mundial. Mas é preciso dissipar o ambiente extremamente ruim que se criou, e que aumenta o drama dos trabalhadores brasileiros, e buscar alternativas que evitem cortes de funcionários.

Uma alternativa que coloco em debate poderia distribuir melhor o impacto da crise sobre o setor produtivo. Em vez de simplesmente cortar postos de trabalho as empresas poderiam negociar com os sindicatos uma redução nos salários na exata proporção das pretendidas demissões. Se uma empresa concluísse que teria que cortar, por exemplo, 20% de sua folha salarial, essa redução se daria não com cortes de pessoal, mas através da diminuição de salários nessa mesma proporção.

Certamente, haveria um consenso dentre os trabalhadores, que prefeririam manter seus empregos, mesmo que recebendo menos, do que perder o emprego e conviver com rendimento zero. Além disso, a tendência é que mesmo que encontre outro trabalho, numa situação de crise, sua remuneração para o mesmo cargo provavelmente seja reduzida.

O presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick, declarou ao jornal El País (2009) da Espanha que havia o risco de uma "grave crise humana e social", por causa da crise econômica atual, se não forem tomadas as medidas adequadas a tempo. O titular do Banco Mundial alertou que o cenário atual ainda era imprevisível e que é melhor "estar preparado". "O que começou como uma grande crise financeira e se converteu em profunda crise 31

econômica, agora está derivando para uma grande crise de desemprego". O titular do Banco Mundial não rechaçou a hipótese de uma retomada da economia mundial, como várias autoridades dos países mais desenvolvidos têm sugerido. Mas advertiu que "será uma recuperação de baixa intensidade, durante um tempo prolongado", e acrescentou: "o desemprego vai continuar crescendo". "A probabilidade de uma grande depressão é baixa, porém nunca nula", afirmou. O Jornal de Notícias (2009) publicou texto em 04/05/2009 sob o título Aumento do desemprego pode provocar crise social. Este texto informava o seguinte: O presidente do Eurogrupo, o também primeiro-ministro do Luxemburgo, Jean-Claude Juncker, afirmou que o desemprego está a crescer até "níveis inquietantes". Os ministros das Finanças da zona euro (Eurogrupo) alertaram para o risco de que a crise econômica e financeira que afeta a Europa traga consigo uma "crise social", provocada pelo aumento acentuado do desemprego.

No final da reunião mensal do Eurogrupo, o seu presidente, o também primeiro-ministro do Luxemburgo, Jean-Claude Juncker, afirmou que o desemprego está a crescer até "níveis inquietantes" e considerou que os governos da região devem dirigir "todos os seus esforços" para combater a situação.

Segundo as novas previsões econômicas publicadas hoje pela Comissão Europeia, a taxa de desemprego nos países da zona euro deverá crescer até aos 9,9 por cento em 2009, devendo atingir os 11,5 por cento em 2010. Jean-Claude Juncker pediu ainda "responsabilidade social" às empresas, advertindo que no atual contexto devem evitar recorrer às demissões coletivas como medida de redução de custos.

O presidente do Eurogrupo sublinhou que não se pode subestimar o "caráter explosivo" que tem o aumento do desemprego e os problemas que pode gerar, lembrando ainda que os mais prejudicados por este elemento são os estratos sociais mais baixos. No seu encontro de hoje, dedicado quase exclusivamente à análise das novas previsões econômicas de Bruxelas, os responsáveis da política econômica da Zona Euro concordaram ainda que, de momento, não são necessárias mais medidas de impulso conjuntural na Europa.

Jean-Claude Juncker insistiu que o esforço que a Europa realizou para combater a crise é equivalente ao dos Estados Unidos e reiterou que "não se vê necessidade de aumentar o volume" de fundos injetados na economia.

O site Terra.com.br (2009) publicou texto em 22 de abril de 2009

sob o título Crise

financeira pode levar à crise social na Ásia, diz OIT . O texto é o seguinte:

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A Organização Internacional do Trabalho (OIT) disse nesta quarta-feira, em reunião em Manila, nas Filipinas, que a crise econômica e financeira internacional pode trazer o risco de uma crise social na Ásia, onde a agência prevê que haverá mais 23,3 milhões de desempregados e mais de 140 milhões de pobres este ano. "Se enfrentarmos uma crise financeira prolongada, existe o perigo de cairmos em uma crise social na região", disse o economista da OIT Gyorgy Sziraczki, aos participantes de 11 países. A diretora regional da OIT, Sachiko Yamamoto, disse, em seu discurso, que é "um cenário real" que tende a se formar com "uma magnitude e uma rapidez assombrosa", porque o impacto da crise financeira "está sendo sentido profundamente nos países industrializados e emergentes da Ásia". Um estudo desta agência estima que 23,3 milhões de trabalhadores perderão o emprego este ano e se unirão aos 90 milhões de desempregado que havia nessa região do mundo no final de 2008, e prevê "um aumento dramático da pobreza em mais de 140 milhões de pessoas em 2009". O relatório afirma que cerca de 60 milhões de trabalhadores passarão do setor formal ao informal este ano, com o risco de perdas salariais e de proteção social.

O documento destaca que a Ásia gastará 3,9% de seu Produto Interno Bruto (PIB) em planos de estímulo econômico e, no entanto, os governos asiáticos são os que destinam menos dinheiro à proteção social de todo o mundo. O relatório afirma que "o arrefecimento econômico substancial levará ao congelamento ou à diminuição dos salários", e essa situação aumentará potencialmente as disputas trabalhistas.

A OIT pediu que os governos da região atuem agora para enfrentar estes problemas, e o Banco Asiático de Desenvolvimento lembrou que qualquer medida deverá incluir fórmulas para criar trabalhos e infra-estruturas que beneficiem aos pobres. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) disse nesta quarta-feira, em reunião em Manila, nas Filipinas, que a crise econômica e financeira internacional pode trazer o risco de uma crise social na Ásia, onde a agência prevê que haverá mais 23,3 milhões de desempregados e mais de 140 milhões de pobres este ano.

O site Rumo Sustentável (2009) publicou texto sob o título Crise atual pode ser mais intensa do que a de 1929, diz sociólogo. Neste texto, é apresentada entrevista com Ricardo Antunes, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e especialista em temas do mercado de trabalho. Nesta entrevista Ricardo Antunes afirma que as empresas, antes da crise atual, passaram por processos de “liofilização” e enxugaram suas “substâncias vivas”, os trabalhadores, por meio da modernização tecnológica e da reestruturação produtiva. O resultado disso foi o crescimento do chamado desemprego estrutural, que poderá aumentar em muito com a crise econômica mundial de hoje.

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Para Ricardo Antunes a crise econômica e financeira mundial já tem um resultado devastador para a classe trabalhadora. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) fez a previsão de novos 50 milhões de desempregados em 2009, o que elevava o número de desempregados para até 340 milhões de pessoas no mundo. Este número era uma estimativa moderada. Só a China anunciou que 26 milhões de ex-trabalhadores rurais, que estavam ocupados nas cidades, perderam o emprego. A tragédia que se abateu entre os trabalhadores é monumental, a começar pelos imigrantes à cata de trabalho nos países do hemisfério norte, mas também a classe trabalhadora em geral, que estava empregada na indústria metal-mecânica, têxtil, no setor alimentício, etc. A primeira providência que o empresariado toma na eminência de uma crise é o corte nos postos de trabalho. É emblemático que os Estados Unidos, a Inglaterra e o Japão vivem a maior taxa de desemprego das últimas décadas.

Ricardo Antunes afirma que o governo brasileiro tentou nos vender a ideia, completamente falsa, de que estávamos imunes à crise. A verdade, no entanto, é que nós, no final de 2009, tivemos 640 mil novos desempregados. De lá para cá, os dados melhoraram, porque o governo tomou medidas, como a redução do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) dos automóveis e dos produtos de linha branca para impedir que a recessão fosse mais dura. Mas essas medidas teriam fôlego curto. A economia brasileira é muito globalizada. O Brasil depende muito do mercado externo por causa das commodities. O desfecho da crise brasileira está bastante atado ao desfecho da crise internacional. Não podemos ter uma ilusão de que o país é uma ilha rósea em um mar turbulento.

4. Mudanças geopolíticas futuras

Giovanni Arrighi (1996) afirma que existiram quatro ciclos sistêmicos de acumulação de capital durante a evolução do capitalismo como sistema mundial: um ciclo genovês, do Século XV ao início do Século XVII; um ciclo holandês, do fim do Século XVI até decorrida a maior parte do Século XVIII; um ciclo britânico, da segunda metade do Século XVIIII até o início do Século XX; um ciclo norte-americano, iniciado no fim do Século XIX e que prossegue na atual fase de expansão financeira. Ainda segundo o autor, o regime genovês durou 160 anos, o holandês 140 anos, o britânico 160 anos e o norte-americano 100 anos.

Giovanni Arrighi defende a tese de que, em cada um dos ciclos de acumulação do capital, a expansão comercial e da produção ocorrida no início deu lugar no final a uma especialização 34

mais concentrada nas altas finanças, isto é, na especulação e na intermediação financeira. Esta é a situação que prevalece na economia mundial na atualidade. Segundo François Chesnais (2008), a crise do sistema capitalista mundial que eclodiu em 2008 tem como outra de suas dimensões a de marcar o fim da etapa em que os Estados Unidos puderam atuar como potência mundial sem paralelo.

Na opinião de Chesnais (2008), vivenciamos um momento em que os Estados Unidos, estão sendo submetidos à prova. Em um prazo temporal muito curto, todas as relações mundiais dos Estados Unidos se modificaram devendo, na melhor das hipóteses, renegociar e reordenar todas as suas relações com base no fato de que terão de compartilhar o poder em escala mundial. A era em que os Estados Unidos procuravam impor sua vontade no cenário internacional acabou. É o que já está ocorrendo a partir do governo Barack Obama.

Há uma suposição em muitas partes do mundo de que a crise geral do sistema capitalista mundial, representada pelo congelamento do sistema financeiro, acelerará a mudança geopolítica de longo prazo, anunciando o declínio do poder americano e da influência europeia. "A crise enfatiza o fato de a China ser um agente mundial chave", disse Bobo Lo (2008). Segundo Bobo Lo, "ela pode ainda não ser uma superpotência mundial, mas acelerou esta tendência”.

O jornal Estado de São Paulo publicou em 21/11/2008 artigo sob o título Força dos EUA no mundo diminuirá, diz inteligência americana. O texto é o seguinte: O Conselho de Inteligência Nacional dos Estados Unidos, parte do aparato de segurança de Washington, publicou uma previsão impressionante. O sistema internacional como elaborado após a Segunda Guerra Mundial estaria, como previsto, "irreconhecível" em 2025, graças à globalização, a ascensão dos poderes emergentes e "uma transferência histórica de riqueza relativa e poder econômico do Ocidente para o Oriente". Nesta publicação constata-se que "os próximos 20 anos de transição para um novo sistema serão repletos de riscos". "As rivalidades estratégicas provavelmente girarão em torno do comércio, investimentos e inovação e aquisição tecnológica, mas não podemos descartar um cenário do século 19 de corrida armamentista, expansão territorial e rivalidades militares".

Este relatório foi escrito antes da força plena da crise financeira e econômica se tornar real. Todavia, seus autores estavam convencidos de que o momento unipolar da hegemonia não desafiada norte-americana pós-queda do Muro de Berlim já estava chegando ao fim. A futura ordem mundial seria multipolar. A China caminha para se tornar um agente dominante em um 35

Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial fortalecidos. A China é atualmente o país que mais cresce no mundo que, por essa razão, tem se destacado no cenário geopolítico mundial.

A China tem exercido grande influência política, militar e econômica no cenário asiático e internacional graças à grande extensão de seu território (ocupa o terceiro lugar em dimensão territorial no planeta), elevadíssimo número de habitantes (cerca de 1,3 bilhão, o mais populoso do mundo) e o dinamismo de sua economia (atualmente é a economia que apresenta maiores índices de crescimento em todo o planeta).

Nesse ínterim, a velocidade e a ousadia da expansão mundial da China seguem surpreendendo os analistas e os governantes de todo o mundo. O país está se transformando na primeira sociedade não branca e não européia que se transformará em uma superpotência política, econômica e militar global. E tudo indica que não haverá recuo nesta tendência. O século XXI assistirá, certamente, à consolidação do maior Estado nacional do Extremo Oriente, a República Popular da China, como a maior potência econômica, política e militar do mundo.

Tudo leva a crer que, em substituição à hegemonia global norte-americana, haverá no curto prazo a construção de um sistema mundial multipolar sob a liderança conjunta da China e dos Estados Unidos, num quadro de equilíbrio de poder. Isto se deve ao fato de a acumulação de capital na China se fazer com base em processos internos, mas também com base em algo que está perfeitamente documentado que é o deslocamento de uma parte importantíssima do setor da produção de bens de consumo dos Estados Unidos para a China. E isto tem muito a ver com o volume dos déficits comercial e fiscal norte-americanos.

Mas o que ocorre nas entranhas da China? Na China se deu internamente um processo de competição entre capitais, que se combinou com processos de competição no aparato político chinês, e de competição para atrair empresas estrangeiras, o que resultou num processo de criação de imensas capacidades de produção. Isto significa dizer que se estabeleceram novas relações entre os Estados Unidos e China. Não se trata já mais das relações de uma potência imperialista com um país semicolonial. Com base no superávit comercial, a China acumula milhões e milhões de dólares, que logo empresta aos Estados Unidos. São relações internacionais interdependentes de um tipo totalmente novo.

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O impacto econômico da China, e agora da Índia, com a população combinada próxima de 2,4 bilhões de pessoas, já é evidente. Só a população da China já é maior do que a da América Latina e da África Subsaariana juntas. Além disso, os gigantes não estão sozinhos. A ascensão da China e, também, da Índia como potências mundiais é tão significativa quanto à dos Estados Unidos, Alemanha, Japão e Rússia ocorrida no fim do século XIX. Historicamente, a ascensão das potências emergentes contribuiu para o acirramento da competição econômica e das contradições entre as classes dominantes desses países desencadeadores de conflitos internacionais como aconteceu em 1914 com a eclosão da Primeira Guerra Mundial e em 1939 com o advento da Segunda Grande Guerra.

A ascensão da China e da Índia poderá desencadear conflitos internacionais intransponíveis como aconteceu no passado? A resposta a esta questão depende do que possa vir a ocorrer na relação econômica interdependente entre a China e Estados Unidos e da capacidade que ambos os países possuam de administrar o condomínio de poder mundial sob suas lideranças e evitar o desencadeamento de conflitos internacionais. De outro lado, a emergência de conflitos poderá acontecer se, no âmbito das atuais potências dominantes em declínio, ocorrerem desestabilizações políticas resultantes da crise do sistema capitalista mundial e a ascensão ao poder de setores políticos fascistas e belicistas de difícil solução pelo condomínio de poder mundial liderado pela China e Estados Unidos.

Na era contemporânea, o xadrez geopolítico internacional aponta a existência de 3 grandes protagonistas: Estados Unidos, China e Rússia. Do confronto que se estabeleça no futuro entre estas 3 grandes potências militares poderão resultar cenários alternativos ao atual que se caracteriza no momento pela hegemonia dos Estados Unidos na cena mundial desde o fim do mundo bipolar em que se confrontaram os Estados Unidos e a União Soviética. Tomando por base os 3 grandes protagonistas do xadrez geopolítico internacional contemporâneo, pode-se afirmar que os Estados Unidos têm por objetivo manter sua hegemonia mundial nos planos econômico e militar. Para alcançar este objetivo, as estratégias do governo norte-americano consistem, fundamentalmente, no seguinte: 1) barrar a ascensão da China como potência hegemônica do planeta; e, 2) impedir a Rússia de alçar à condição de grande potência mundial ou mesmo regional. Na prática, o governo dos Estados Unidos quer evitar o enfrentamento no futuro de dois gigantes: a China como potência hegemônica e a Rússia revigorada. Para barrar a ascensão da China como potência hegemônica do planeta, a estratégia militar norte-americana está centrada na região Ásia-Pacífico, sem descurar do Oriente Médio para 37

combater o terrorismo, defender Israel, salvaguardar seus interesses petrolíferos e fazer frente à ameaça do Irã. Como aliado dos Estados Unidos, o Japão colabora com a estratégia norteamericana de “cerco” da China reforçando seu poder militar até 2020 (Ver o artigo Japão reforça

estratégia

militar

para

reagir

à

China

publicado

no

site

). Outro objetivo da estratégia militar norte-americana é tambem pressionar a aliança da Rússia com a China desenvolvendo as ações da Otan na Europa e com o reforço de suas bases militares no Japão, Coréia do Sul e Diego Garcia e da Frota do Pacífico. (Ver o artigo de

Ruiz

Pereyra

Faget

sob o título Nueva estrategia militar global de Estados Unidos publicado no site ). O século XXI está a marcar uma mudança qualitativa no sistema internacional e na posição nele ocupada pelos Estados Unidos. Sem dúvida que essa mudança está estreitamente associada à emergência da China. Para ascender à condição de potência hegemônica do planeta, a China terá que adotar 6 estratégias: 1) alcançar níveis elevados de crescimento econômico para ultrapassar os Estados Unidos; 2) elevar continuamente sua participação no comércio internacional para liderá-lo; 3) retirar dos Estados Unidos a liderança econômica e militar na Ásia, o que significa atingir o cerne do poder norte-americano na região; 4) impedir a Índia de se constituir como polo autônomo de atração econômica na Ásia, possivelmente em alinhamento com os Estados Unidos; 5) tornar-se potência imprescindível para a paz no golfo Pérsico entre persas (Irã) e árabes (particularmente a Arábia Saudita) com o declínio da influência dos Estados Unidos nesta região; e, 6) reforçar a aliança econômica e militar com a Rússia. A China está construindo uma grande força naval para controlar o Oceano Pacífico tendo como objetivo imediato frear o poderio militar americano no Pacífico ocidental. Os chineses estão construindo uma força defensiva, que inclui armas que podem atingir alvos militares norte-americanos. Os gastos militares chineses vão ultrapassar os orçamentos combinados das doze outras grandes potências da Ásia-Pacífico (Ver o artigo de Michael Wines do New York Times em Pequim sob o título EUA e China procuram acordar estratégia militar publicado no

site

). Segundo a revista The Economist, a China vai ultrapassar os gastos militares dos Estados Unidos até 2025 (Ver o artigo de José Eustáquio Diniz Alves sob o título EUA, China e Índia: disputa de hegemonia e destruição do meio ambiente publicado no 38

site

). Duas grandes potências nucleares, Rússia e Índia, poderão atuar no sentido de reforçar a posição da China e dos Estados Unidos, respectivamente. A estratégia militar da Rússia prevê o rearmamento do Exército e da Marinha com o uso de armas convencionais e nucleares como resposta a um ataque contra o país (Ver o artigo de Bruno Quadros e Quadros sob o título A nova

doutrina

militar

da

Rússia:

mais

do

mesmo?

publicado

no

site

). A expansão da OTAN rumo às fronteiras russas é o principal perigo externo ao país. A Rússia tenderia a apoiar a China em um conflito com os Estados Unidos. A Índia investe nas forças armadas para fazer frente a seus poderosos vizinhos, China e Paquistão, e a questões de segurança interna. (Ver o artigo Índia

é

o

maior

importador

de

armas

do

mundo

publicado

no

).

site A

Índia poderia vir a apoiar a intervenção norte-americana na região no confronto com a China. Sobre a Rússia, é importante destacar que seus objetivos estratégicos são: 1) defender-se da ameaça a seu território representada pelos Estados Unidos e pelas forças da OTAN; 2) reforçar sua posição como fornecedor de gás natural aos países da União Europeia; e, 3) alcançar a condição de potência mundial perdida com o fim da União Soviética. É importante observar que, após o desmantelamento da União Soviética e do sistema socialista do Leste Europeu, o projeto dos Estados Unidos era a ocupação dos territórios fronteiriços da Rússia, que haviam estado sob influência soviética até 1991 (Ver o artigo A Geopolítica das Relações entre a Federação Russa e os EUA: da “Cooperação” ao Conflito de Numa Mazat e Franklin Serrano

publicado

no

).

website Segundo

Mazat

e

Serrano, o movimento de ocupação começou pelo Báltico, atravessou a Europa Central, a Ucrânia e a Bielorússia, passou pela intervenção nos Bálcãs (ex- Iugoslávia) e chegou até a Ásia Central e o Paquistão, ampliando as fronteiras da OTAN. Ao terminar a década de 1990, a distribuição geopolítica das novas bases militares norte-americanas não deixa dúvidas sobre a existência de um novo “cinturão sanitário‟, separando a Alemanha da Rússia e a Rússia da China. A chegada de Vladimir Putin ao poder iria modificar radicalmente esse quadro geopolítico, até então muito desfavorável para a Rússia. Mazat e Serrano afirmam ainda que a intervenção da OTAN na Sérvia em 1999, apesar da forte oposição da Rússia, foi percebida pela população russa e por seus dirigentes como uma 39

ameaça para a segurança do país. O bombardeio da Sérvia mostrou de forma nítida o quanto a estratégia de cerco organizada pelos Estados Unidos e seus aliados, através do avanço programado da OTAN e da União Europeia nas zonas antigamente controladas pela União Soviética, podia representar um perigo para a soberania da Rússia. A chegada de Vladimir Putin ao poder da Rússia em 2000, marcou o início da recuperação geopolítica da Rússia, cuja posição tinha sido muito enfraquecida durante o governo Ieltsin na década de 1990. Putin representa a ascensão ao poder de uma ampla e sólida coalizão de interesses econômicos e políticos que se uniram quanto à necessidade de recompor as bases mínimas de operação de um Estado capitalista moderno que superasse a fase selvagem e predadora da “acumulação primitiva” na Federação Russa.

A recuperação geopolítica da Rússia foi possível graças à afirmação de um projeto nacionalista de recuperação do Estado russo por parte de Putin, segundo Mazat e Serrano. Os dirigentes russos, na última década, decidiram concentrar seus esforços na reconquista de um domínio geopolítico sobre a área da ex-União Soviética. Eles pretendiam fazer com que fossem respeitadas as antigas fronteiras da União Soviética, à exceção dos países Bálticos. Mas a maior preocupação dos russos em termos de segurança provém da atuação da OTAN no ex-bloco soviético. Assim, a Rússia se opôs vigorosamente em 2007 ao projeto de escudo antimíssil que os norte-americanos queriam instalar na Europa Central (Polônia, República Tcheca), por meio da OTAN. Esse escudo antimíssil deveria supostamente proteger os membros europeus da OTAN contra a ameaça iraniana (Ver o artigo A Geopolítica das Relações entre a Federação Russa e os EUA: da “Cooperação” ao Conflito de Numa Mazat e

Franklin

Serrano

publicado

no

website

).

Numa Mazat e Franklin Serrano afirmam que os dirigentes russos, na década de 2000, voltaram a dar prioridade à questão das forças armadas, visando reverter a acelerada decadência do potencial militar do país durante a década de 1990. O objetivo dessa reconstituição parcial do poder militar russo consistia em dar uma base material mais forte à estratégia de afirmação diplomática e geopolítica da Rússia frente às tentativas permanentes de enfraquecimento do país por parte dos Estados Unidos e de seus aliados europeus. Em 2000, pela primeira vez desde 1992, a Federação Russa aumentou seu orçamento de defesa. Em 2003, foram entregues à Força Aérea russa os primeiros caças desde 1992, assim como helicópteros de ataque em 2004. Em 2006, começou, também, o fornecimento à Força Aérea 40

do Sukhoi 34, novo avião voltado ao ataque de longa distância. Num artigo publicado em fevereiro de 2012, Vladimir Putin anunciou que a Rússia ia gastar 580 bilhões de euros em armamento nos próximos dez anos para modernizar seu exército.

Foi a partir do ano 2000 que a Rússia resolveu desenvolver uma parceria estratégica com a China. A Rússia considerou que a China poderia ajudá-la na sua resistência às ambições geopolíticas dos Estados Unidos tanto na Europa Oriental, quanto no Cáucaso ou na Ásia Central. A Organização da Cooperação de Xangai (Shanghai Cooperation Organization – SCO) foi criada em 2001 para estabelecer uma aliança entre a Rússia e a China em termos militares e de combate ao terrorismo, ao fundamentalismo religioso e ao separatismo na região da Ásia. A SCO é uma organização de cooperação política e militar que se propõe explicitamente ser um contrapeso aos Estados Unidos e às forças militares da OTAN. Putin resolveu as últimas disputas territoriais com a China em 2004, tornando segura sua fronteira oriental. Os dois países defendem, em geral, posições convergentes na ONU e nos demais fóruns internacionais, como, por exemplo, o G20 (Ver o artigo A Geopolítica das Relações entre a Federação Russa e os EUA: da “Cooperação” ao Conflito de Numa Mazat e Franklin Serrano

publicado

no

website

).

Numa Mazat e Franklin Serrano afirmam que a parceria entre a China e a Rússia existe, também, no setor do armamento. Ao longo da década de 1990, as vendas de armas para a China foram essenciais para a sobrevivência do complexo militar-industrial russo. A Rússia continuou sendo o maior fornecedor de armas modernas da China nos anos 2000 e houve mais recentemente transferência de tecnologia militar russa para a produção de novas armas chinesas. Além disso, os chineses permanecem grandes clientes de hidrocarbonetos russos. Enfim, a parceria estratégica entre China e Rússia é tão fundamental para os dois países que as diferenças acerca da questão energética, ou outras divergências de interesses, naturais entre duas potências, por mais importantes que sejam, não foram capazes de ameaçar a colaboração entre os dois países no que diz respeito à tentativa de limitar o poder dos Estados Unidos.

Além disso, a Rússia é hoje um grande fornecedor de armas para os países que querem manter sua independência em relação aos Estados Unidos, como a Índia. Da mesma forma, as nações que sofrem de embargo sobre armas por parte dos Estados Unidos como a China, a Venezuela ou o Irã fazem compras militares com a Rússia. Além disso, a Rússia continua sendo a grande 41

potência nuclear mundial ao lado dos Estados Unidos. As sanções unilaterais que os Estados Unidos já impuseram à Rússia devido a seu comportamento na Ucrânia e a ameaça de impor ainda mais sanções apressou o desejo da Rússia de encontrar novas saídas para o seu gás e petróleo. Em 16 de maio de 2014, Rússia e China anunciaram a assinatura de um “tratado de amizade” contemplando um acordo sobre o gás, pelo qual os dois países irão construir um gasoduto para exportar gás russo para a China. A China vai emprestar à Rússia o dinheiro com o qual esta construirá a sua parte do gasoduto. A Gazprom (maior produtora russa de gás e de petróleo) fez algumas concessões de preço à China (Ver o artigo O jogo geopolítico da Rússia e da China de Immanuel

Wallerstein

publicado

no

website

).

Cabe observar que a paulatina queda dos preços do petróleo desde junho passado, acelerada nas últimas semanas até chegar a 69 dólares o barril de Brent coloca em xeque a economia da Rússia e de outros países produtores de petróleo que são dependentes de sua receita de exportação. Os países da OPEP, que passaram mais de dois anos diminuindo sua produção, compensando assim os aumentos na extração de petróleo bruto por parte dos países de fora da OPEP, mudaram de estratégia e desde setembro estão aumentando sua produção contribuindo para a queda no preço do petróleo com o propósito de inviabilizar os substitutos do petróleo como o xisto. A isso é somado o interesse dos Estados Unidos de alcançar a autonomia energética com o xisto graças à aplicação da tecnologia de fracking e a queda na demanda mundial de petróleo.

Uma hipótese que vem sendo aventada é a de que os Estados Unidos estão por trás da queda no preço do petróleo para afetar as economias de países inimigos como a Rússia, Irã e Venezuela. Por conta da queda dos preços do petróleo, a Rússia está enfrentando no momento um violento ataque especulativo com a fuga de capitais do país da qual está resultando uma vertiginosa queda do poder aquisitivo do Rublo. Pode-se afirmar que, a partir de um ponto de vista geopolítico, muito provavelmente, os Estados Unidos não pressionarão para aumentar a oferta do produto. Para agravar a situação, o epicentro da crise econômica global, que ocorreu pela primeira vez em 2008 nos Estados Unidos e mudou para a Europa entre 2010 e 2013, agora está se concentrando nas economias dos mercados emergentes, inclusive na China, que está desacelerando sua economia, pode levar o sistema capitalista mundial à depressão. Desejamos que do confronto entre Estados Unidos, China e Rússia no xadrez geopolítico

42

internacional não haja o acirramento de conflitos que conduzam a uma nova guerra fratricida mundial.

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