A crítica do iluminismo às ordens religiosas: a influência portuguesa no pensamento europeu

July 6, 2017 | Autor: Christine Vogel | Categoria: Jesuit history, European Enlightenment
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A CRÍTICA DO ILUMINISMO ÀS ORDENS RELIGIOSAS: A INFLUÊNCIA PORTUGUESA NO PENSAMENTO EUROPEU*

I. Os Medos das Luzes Em 1721, o barão de Montesquieu publicou a sua famosa sátira epistolar As Cartas Persas. Os principais personagens desta correspondência fictícia são dois nobres persas, Usbek e Rica, que viajam pela Europa, sobretudo por França, durante os últimos anos do Rei-Sol e o início da Regência. Nas suas cartas, estes dois estrangeiros (ou mesmo exóticos) observadores dos costumes, da moral e da vida política de França iniciam uma discussão em torno de um problema que muito preocupava intelectuais e políticos por toda a Europa: a falta de população. Esta preocupação poderá causar-nos estranheza, tendo em conta que a população europeia cresceu a bom ritmo durante os primeiros tempos da Idade Moderna, crescendo até mais do que o dobro entre 1500 e 1800.1 A França era, aliás, o país europeu mais populoso até finais do séc. XVIII e vira a sua população crescer de 16 milhões em 1500 para cerca de 29 milhões em 1800.2 Contudo, sabemos também que o Estado moderno acreditava que o seu principal recurso eram os seus súbditos, trabalhadores e tributáveis. Pensava-se que um povo industrioso garantia prosperidade e riqueza. Por esta razão, o eleitorado da Saxónia acolheu cerca de 80 000 refugiados protestantes que foram forçados a sair da Boémia e do Palatinato em processo de recatolicização em meados do séc. XVII. Pela mesma ordem de ideias, Frederico Guilherme, rei da Prússia-Brandenburgo, permitiu, em 1685, a imigração de huguenotes franceses e de outros refugiados religiosos. A tolerância religiosa respondia a um mero interesse político e económico.3 Como pensador político iluminista, Montesquieu ocupou-se da questão demográfica. Do mesmo modo, os seus dois nobres persas mostram-se preocupados com a alegada falta de população mundial, comparando as culturas muçulmana e cristã em busca de razões e soluções para este problema. Depois de apontar a proibição cristã do divórcio como uma causa para o despovoamento do mundo cristão, Usbek alude ainda a outra razão:

*

Texto traduzido do inglês. Manteve-se o original nas citações [nota do editor]

1

Günter Vogler, Europas Aufbruch in die Neuzeit 1500-1650, Estugarda, Ulmer, 2003, p. 262.; Christian Pfister, Bevölkerungsgeschichte

und historische Demographie, Munique, Oldenbourg, 1994. 2

Cf. Jacques Dupaquier (dir.), Histoire de la population français, tome 2, De la Renaissance à 1789, Paris, P.U.F., 1988; Jacques Dupaquier

& Jean-Pierre Bardet, Histoire de la population européenne, Paris, Fayard, 1996, t. I et II. 3

Cf., for instance, Stefan Volk, “Peuplierung und religiöse Toleranz. Neuwied von der Mitte des 17. bis zur Mitte des 18. Jahrhunderts”,

in Rheinische Vierteljahresblätter, n.º 5 , 1991, pp. 205-231. Os traços historiográficos desta questão podem ser vistos em Winfried Müller, Die Aufklärung, München, Oldenbourg, 2002, pp. 58-59; Andrea Borgstedt, Das Zeitalter der Aufklärung, Darmstadt, Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 2004, pp. 26-27.

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VII | CONFLITOS, EXPULSÕES E REPRESENTAÇÕES

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The prohibition of divorce is not the only cause of the depopulation of Christian countries: the great number of eunuchs which they have among them is another not less important. I mean those priests and dervishes of both sexes who devote themselves to perpetual continence: this is with the Christians the virtue of virtues; in which I fail to understand them, not perceiving how that can be a virtue which results in nothing.4

Chamar eunucos a celibatários e dervixes a sacerdotes terá provocado mais do que uma gargalhada nos salões parisienses e europeus. Mas este processo narrativo de distanciamento, tornando exótico o familiar, servia aqui um outro propósito: mostrar que, no contexto da política demográfica do Século das Luzes, o celibato católico e as tradições monásticas assemelhavam-se cada vez mais a uma estranha e exótica raridade que obstruía o caminho do progresso. Esta ideia tornava-se ainda mais clara com a comparação entre países protestantes e católicos. É o que indica um dos observadores persas de Montesquieu: I am only referring here to Catholic countries. The Protestant religion grants the right of producing children to everybody; it permits neither priests nor dervishes. […] [I]t is certain that their religion gives the Protestants a great advantage over the Catholics. I dare to say that, in the present state of Europe, it is not possible for the Catholic religion to exist there for five hundred years. […] The Protestants will become richer and more powerful, and the Catholics will grow weaker. The Protestant countries ought to be, and are, in fact, more populous than the Catholic ones; from which it follows, firstly, that their revenue is greater, because it increases in proportion to the number of those who pay taxes; secondly, that their lands are better cultivated; lastly, that commerce is more prosperous, because there are more people who have fortunes to make […].

Esta profecia sobre o declínio do catolicismo e o sucesso económico das nações protestantes faz de Montesquieu um percursor da famosa tese de Max Weber sobre A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo.5 Todavia, nas suas Cartas Persas, Montesquieu, mais do que elogiar a eficiência económica dos protestantes, critica os católicos por teimarem nos ideais monásticos e celibatários que indica como a razão principal para o seu suposto declínio: As to Catholic countries, not only is agriculture abandoned, but industry itself is mischievous; it consists only in learning five or six words of a dead language. When a man

4

Charles-Louis de Secondat, barão de La Brède e de Montesquieu, Persian Letters [Lettres persanes, 1721], Carta 118.

5

Max Weber, Die protestantische Ethik und der Geist des Kapitalismus, primeira edição: Gesammelte Aufsätze zur Religionssoziologie I.,

Tübingen, J.C.B. Mohr, 1920, pp. 1-206.

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has made this provision for himself, he need not trouble himself more about his fortune; in the cloister he finds a peaceful life, which would have cost him in the world, care and toil. […] Commerce puts life into all ranks among the Protestants, and celibacy lays its hand of death upon all interests among the Catholics.

Mas como poderia tamanho dano advir de um número relativamente restrito de homens e mulheres? Montesquieu responde dando a palavra a Usbek: O número de pessoas dedicadas ao celibato é muito grande […] A continência tem exterminado mais gente do que as pragas e as mais sanguinárias guerras. Em cada casa religiosa vive uma família que se perpetua sem que ninguém nasça e que depende do resto do mundo para a sua sustentação. Estas casas estão sempre abertas, quais covas onde se sepultam as futuras gerações.

Por outras palavras, as ordens religiosas são estigmatizadas como um veneno perigoso e estéril, inimigo da família e corrosivo para a sociedade, causando a ruína dos Estados católicos. A sátira de Montesquieu é uma obra-prima paradigmática (e claro, bem conhecida) das críticas iluministas às ordens religiosas e à vida regrante e mostra duas características importantes desta crítica: antes de mais, as críticas de Montesquieu têm de ser compreendidas no contexto das tradicionais polémicas confessionais. Quando a ideia de progresso económico e científico se afirmou, pensadores católicos como Montesquieu sentiram que as suas sociedades estavam de alguma forma atrasadas. Este suposto atraso foi interpretado como um resultado da própria tradição religiosa, suscitando uma espécie de complexo de inferioridade católico que levaria a um iluminismo mais anti-religioso e anticlerical do que nos países protestantes.6 Em segundo lugar, Montesquieu representa uma ruptura na crítica à vida monástica. Sem recorrer a uma longa tradição anticlerical que vinha desde a Idade Média e que lhe poderia ter fornecido um arsenal muito mais rico de estereótipos sobre monges e freiras, Montesquieu centrou-se em dois aspectos intimamente relacionados: o celibato e a ociosidade da vida monástica. A sua originalidade não está nos estereótipos antimonásticos (ou na ausência deles), mas no facto de ter feito da economia política o estalão pelo qual a vida monástica, o celibato e todas as instituições religiosas se deviam avaliar. Deste modo, Montesquieu abriu caminho para um raciocínio que se revelaria fatal para algumas ordens religiosas em certos estados europeus, e antes de mais para os Jesuítas em Portugal.

6

Cf. Ernst Cassirer, Die Philosophie der Aufklärung [1932], Hamburg, Felix Meiner Verlag, 2007, pp. 140-143; ver também Horst Möller,

Vernunft und Kritik. Deutsche Aufklärung im 17. und 18. Jahrhundert, Frankfurt am Main, Suhrkamp, 1986, pp. 71-109, com uma revisão crítica do topos do anticlericalismo do Iluminismo francês; Barbara Stollberg-Rilinger, Europa im Jahrhundert der Aufklärung, Stuttgart, Reclam, 2000, pp. 98 et 101.

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ORDENS/CONGREGAÇÕES: IMAGEM E CONTROVÉRSIA

II. O Modelo Português7 A subordinação dos valores, tradições e instituições religiosas a critérios de utilidade social e de bem público permaneceria na agenda iluminista durante décadas a fio, tal como a ideia do declínio do catolicismo e da superioridade protestante. Montesquieu e outros iluministas deram o mote e Sebastião José de Carvalho e Melo, futuro Conde de Oeiras e Marquês de Pombal, absorveu parte destas ideias no decurso das suas viagens por Inglaterra e Áustria, nas décadas de 1730 e 1740.8 Não pretendo retomar aqui a história da recepção do pensamento iluminista em Portugal nem os acontecimentos históricos que culminaram na expulsão dos Jesuítas em 1759 que são, aliás, bem conhecidos.9 Interessa-me antes saber de que forma o modelo português contribuiu para o debate iluminista sobre as ordens religiosas na Europa. Ora, parece-me particularmente interessante que Pombal, apesar de também ter aplicado o critério iluminista do benefício público e utilidade social, não tenha restringido a sua argumentação ao campo da economia política. Recorrendo a toda a gama de estereótipos antijesuíticos e anticlericais, Pombal conseguiu expandir o número e a qualidade dos perigos públicos advenientes de uma ordem religiosa como a Companhia de Jesus. Conseguiu construir um antagonismo radical entre o bem público, por um lado, e a os Jesuítas, por outro. As consequências negativas do celibato não tiveram peso nas representações veiculadas sobre esta ordem. Apesar de ter peso na argumentação pombalina, o argumento económico não era o mais importante nem foi decisivo na recepção europeia do caso dos Jesuítas portugueses. Ao assumir a prevalência dos interesses do Estado sobre os demais em nome da prosperidade pública, Pombal idealizou os Jesuítas como os inimigos públicos inconciliáveis e conseguiu exportar esta imagem para outros países europeus. Foi em parte devido à legislação antijesuítica portuguesa e à campanha de imprensa associada que a Companhia de Jesus se tornou no arqui-inimigo do Iluminismo e da ideia de Estado moderno, uma ideia que foi cultivada durante os debates públicos que tiveram lugar na Europa, desde a década de 1750 até à supressão da ordem em 1773. A crítica iluminista às ordens religiosas elegeu como seu inimigo preferido a figura do Jesuíta tiranicida, hipócrita e conspirador, uma imagem que condensava todos os perigos e males das ordens religiosas.

7

Esta secção é baseada na minha tese de doutoramento, publicada: Der Untergang der Gesellschaft Jesu als europäisches Medienereignis.

Publizistische Debatten im Spannungsfeld von Aufklärung und Gegenaufklärung (1758-1773), Mainz: Zabern, 2006, bem como no meu livro “The Suppression of the Society of Jesus, 1758–1773”, in Ego – Europäische Geschichte online/ European History Online, no prelo (cf. http://www.ieg-mainz.de/likecms/likecms.php?site=site.htm&nav=208&siteid=298). 8

Sobre Pombal e as Luzes, cf. Kenneth Robert Maxwell, Pombal. Paradox of the Enlightenment, Cambridge, Cambridge University Press, 1995.

9

José Eduardo Franco, O Mito dos Jesuítas em Portugal, no Brasil e no Oriente (Séculos XVI a XX), vol. I, Das Origens ao Marquês de Pombal,

Lisboa, Gradiva, 2006; Manuel Antunes, “O Marquês de Pombal e os jesuítas”, in Como interpretar Pombal? No bicentenário da sua morte, Lisboa, Porto 1983, pp. 125-144; Manuel Simões, “Camilo, Pombal e os jesuítas”, ibidem, pp. 147-161; Eduardo Brazão, “Pombal e os Jesuítas”, in Luis Reis Torgal & Isabel Vargues (eds.), O Marquês de Pombal e o seu Tempo, t. I, Coimbra, 1992-1993, pp. 329-365; Stefan Gatzhammer, “Politisch-diplomatische Beziehungen zwischen Portugal und Österreich im 18. Jahrhundert vor dem Hintergrund der Jesuitenfrage”, Mitteilungen des Instituts für Österreichische Geschichtsforschung, n.º 102, 1994, pp. 359-408; Samuel J. Miller, Portugal and Rome c. 1748-1830. An Aspect of the Catholic Enlightenment, Roma, Universidade Gregoriana, 1978.

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Como é que este processo se desenrolou? Quais foram os fundamentos desta construção pombalina da Companhia de Jesus como o inimigo público? D. José I e o seu ministro expulsaram os Jesuítas de Portugal, em Setembro de 1759, acusando-os de terem justificado teologicamente o atentado contra a vida de D. José ou mesmo de terem instigado uma conspiração contra a pessoa do Rei de forma a encobrir a sua rebelião na América do Sul onde, alegadamente, se tinham apropriado de terras do Rei para fundar uma “República Jesuíta” independente. Para justificar o tratamento duríssimo aplicado aos sacerdotes Jesuítas, Pombal fez com que fossem divulgados os documentos oficiais relacionados com os Jesuítas. Entre os documentos estava a sentença do tribunal constituído para investigar o atentado.10 Sem denunciar frontalmente a Companhia de Jesus, acusava com veemência os padres jesuítas Malagrida, Matos e Alexandre. Outros documentos importantes eram o que condenava a ímpia e sediciosa doutrina do tiranicídio, que os padres da Companhia alegadamente ensinavam aos súbditos do rei11, o decreto de 3 de Setembro de 1759 que acusava colectivamente todos os Jesuítas portugueses de alta-traição e ordenava a sua proscrição12, e o acórdão da Inquisição Portuguesa de 1761 contra o jesuíta Gabriel Malagrida, que foi sentenciado como herege e condenado à fogueira em auto-de-fé13. Mal foram publicados estes documentos oficiais, surgiram por toda a Europa, através de incontáveis traduções, reedições e compilações.14 Os editores das gazetas dedicavam números e mais números com relatos do caso dos Jesuítas portugueses e com extractos de diplomas

10

Sentença Que em 12 de Janeiro de 1759 se Proferio na Junta da Inconfidencia para Castigo Dos Réos do barbaro, e execrando dezacato, que na

noite de 3 de Setembro do anno proximo de 1758 se commetteo contra a real, sagrada, e Augustissima Pessoa de ElRey nosso Senhor. Appendix. Sentença de Degradaçam, e Relaxaçam, proferida na Mesa das Ordens, contra os Reos, que eraô Commendadores, e Cavalleiros das Ordens Militares. Sentença de Exautoraçam, e Desnaturalizaçam, que proferio a Suprema Junta de Inconfidencia antes de proceder à sentenca definitiva, s.l.s.d. [1759]. 11

Erros impios e sediciosos que os religiosos da Companhia de Jesus ensinaraão aos reos que forão justiçados, e pertenderão espalhar nos Povos

destes reynos, Lisboa, Na Officina de Miguel Rodrigues, Impressor do Eminentissimo Senhor Cardeal Patriarca, s.d. [1759]. 12

Dom Joseph por graça de Deos Rey de Portugal [...] Declaro os sobreditos Regulares na referida fórma corrummpidos, deploravelmente alianados

do seu Santo Instituto [...] por Notorios Rebeldes, Traidores, Adversarios, e Aggressores [...] Ordenando, que como taes sejaô tidos, havidos, e reputados: E os hei desde logo em effeito desta prezente Ley por desnaturalizados, proscriptos, e exterminados: Mandando que effectivamente sejaô expulsos de todos os meus Reinos, e Dominios, para nelles mais naô poderem entrar [...], s.l.s.d. [1759]. 13

Sentença da Inquisição de Lisboa, contra o Gabriel Malagrida, d. C. d. J., que morreu de garrote, e foi despois queimado, accusado de herege.

Datada de 20 de Sept. de 1761, s.l. 1761. 14

Ver, por exemplo, algumas edições e traduções contemporâneas do julgamento de 12 de Janeiro de 1759: Jugement du Conseil Souverain,

chargé par Sa Majesté très-Fidéle d’instruire le procès au sujet de l’Attentat commis sur sa personne Sacrée, Qui contient l’Exposé des Faits principaux qui résultent des Informations, & les noms des principaux Chefs & Complices de la Conspiration; & qui condamne une partie des Coupables à divers supplices. Du douze Janvier 1759. On trouvera le Portugais après la Traduction françoise / Acordam os do conselho, e desembargo de el Rey, nosso senhor, &c., s.l.s.d..; também publicado como Histoire de la dernière conspiration de Lisbonne, Francfort 1759; Criminal-Factum und Bekenntniß, nach welchem die Verschwornen gegen das Leben Sr. Allergetreuesten Majest. des Königs von Portugal, zu Lissabon den 9ten Januar 1759 verurtheilet und den 13ten Janaur hingerichtet worden. Auf Befehl des Königs den 18ten Januar publiciret. Aus dem Portugiesischen übersetzt, Berlim, Decker 1759; Copia autentica della Sentenza e Processo emanati dal Tribunale di Giustizia stabilito da sua Maesta Fedelissima contra i Congiurati, che commisero l’assassinio contra la real sua persona nella notte del 3 Settembre 1758. Fedelmente tradotta dalla portoghese nella italiane favella dall’ abate Bartolommeo Repetto, Lisbona 1759; Ristretto del Processo, e Sentenza emanata contro l’infrascritti rei, per l’orrendo assassinio machinato, ed eseguito contro la sagra persona di S.M. Fedelissima Giuseppe I. Re di Portogallo la Notte del Giorno 3. Settembre 1758, Lugano [= Venezia]: Stamperia privilegiata della suprema superiorità elvetica nelle prefetture italiane [=Giuseppe Bettinelli] 1760.

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régios. Surgiram também gravuras contendo os estereótipos antijesuíticos usados à saciedade pelo ministro de D. José para dar consistência às suas acusações contra a Companhia de Jesus. O assunto era discutido em panfletos anónimos, contra ou a favor dos Jesuítas, em França, Itália, Países Baixos e Alemanha. Novos escritos de teor histórico traziam provas complementares contra a ordem ou, pelo contrário, defendiam a sua acção nas colónias portuguesas. É claro que Pombal recorreu amplamente a velhos estereótipos negativos sobre os Jesuítas para justificar as suas medidas e que recorreu a conhecidos panfletos antijesuíticos na formulação das suas acusações. Nos textos oficiais, Pombal apontava a moral negligente dos padres jesuítas, os seus ensinamentos sediciosos e tiranicidas, o seu desejo de poder, a sua influência nefasta na educação em Portugal, a sua organização interna obscura e o carácter conspirativo da própria ordem. Ora, o que assegurou o sucesso da sua campanha na imprensa não foi tanto a sua originalidade como o facto de estas acusações graves terem adquirido o selo da autoridade real. O carácter oficial dos documentos portugueses conferia aos seus argumentos um peso considerável: não se tratava de alegações levantadas por obscuros panfletistas anónimos, mas por Sua Majestade Fidelíssima. Duvidar das acusações feitas em Portugal equivalia a ofender a pessoa de D. José I. Os inimigos da Companhia de Jesus não deixaram nunca de chamar a atenção para o facto de os apologistas dos Jesuítas serem tão culpados de lesa-majestade como os próprios membros da Companhia. Esta acusação constituiu uma severa dificuldade para os defensores dos Jesuítas e contribuiu para explicar por que razão a campanha de Pombal obteve um sucesso tão grande. III. O papão do Iluminismo O sucesso considerável da campanha de descrédito lançada pelo Governo português contra os Jesuítas tem sido atribuído às acções concertadas de Pombal. No entanto, esta tese sobrestima em grande medida a real influência do Marquês na esfera pública europeia. Mesmo num tempo marcado pelo absolutismo, a imprensa internacional – em contraste com a nacional – não era facilmente manipulada, especialmente em matéria religiosa ou confessional. Pombal impulsionou de facto o debate europeu ao garantir que os documentos oficiais conhecessem uma ampla divulgação e fossem traduzidos para francês. No entanto, a escala que assumiu o debate sobre os Jesuítas portugueses, na Europa, não pode atribuir-se apenas ao seu génio, mas também à existência de uma rede antijesuíta que abarcava França, Itália e os Países Baixos. Esta rede era decerto dominada por Jansenistas, mas incluía também os philosophes radicais e pensadores protestantes e católicos mais moderados. Apesar das grandes diferenças nas ideias, estes autores tinham em comum uma aversão à Companhia de Jesus.15 Por conseguinte, procuraram de uma ou de outra forma reforçar as acusações pombalinas com novos dados

15

Na função integradora do antijesuitismo, ver Richard van Dülmen, “Antijesuitismus und katholische Aufklärung in Deutschland”,

Historisches Jahrbuch, n.º 89, 1969, pp. 52-80.

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históricos ou argumentos políticos. Como tal, estes autores fizeram dos Jesuítas o verdadeiro papão do Iluminismo europeu. No seu conjunto, as alegações antijesuíticas apresentavam a Companhia como uma máquina diabólica trabalhando para expandir o seu poder à custa das autoridades seculares e eclesiásticas. Com efeito, muitos escritos antijesuíticos avançam com esta teoria da conspiração. Ainda que o termo “conspiração” raramente tenha ocorrido no debate, a ideia de que a Companha pretendia criar uma “monarquia universal” era muito comum. Por exemplo, de acordo com o filósofo francês d’Alembert, a Companhia de Jesus era caracterizada por um “espírito invasivo” mal disfarçado pela “máscara da religião”. Os Jesuítas tinham desde sempre acalentado o plano de “reinar através da religião”. D’Alembert usava ainda ideias como o orgulho desmesurado dos Jesuítas, os seus hábitos de espionagem mútua e a sua perfeita unidade interna para fundamentar a sua teoria conspirativa segundo a qual “todos se movem por um único mecanismo que um homem em particular pode manobrar segundo a sua vontade e não é sem razão que eles têm sido chamados uma espada viva cujo punho está em Roma.”16 A ideia dos Jesuítas como o “papão” do Iluminismo pode assumir uma forma literal, como se pode observar numa gravura executada cerca de 1762. A campanha antijesuíta das décadas de 1750, 1760 e 1770 tinha de facto uma dimensão visual muito importante. Este é apenas um entre muitos outros exemplos possíveis para demonstrar o poder sugestivo destas representações. Com efeito, esta imagem reúne quase todos os elementos da elaborada teoria da conspiração que aparecia em tantos escritos antijesuíticos. A gravura era vendida separadamente ou, então, como capa de um panfleto intitulado Denonciation des crimes et attentats des soi-disans Jésuites dans toutes les parties du monde [Denúncia dos crimes e atentados dos autoproclamados Jesuítas em todas as partes do mundo]. 17 No centro da gravura está a figura sombria de um jesuíta com os seus atributos típicos: a máscara da dissimulação, dois punhais escondidos num rosário (evocando assassínio e regicídio) e uma balança, em alusão às actividades comerciais da Ordem. O Jesuíta é associado ao Anticristo, ocupando o lugar da meretriz da Babilónia que monta uma besta com sete cabeças e dez chifres, segundo o Apocalipse de João. O monstro é representado a ameaçar um conjunto de livros, a coroa de um rei e a tiara papal, símbolos dos poderes temporal e eclesiástico. Os livros, como indicam os títulos, são tratados de lei natural, civil, divina e eclesiástica, sugerindo que o Jesuíta ofendia toda a forma de direito. Em primeiro plano, fogem da besta um rapaz, bem como um indiano e um chinês, aludindo à actividade dos Jesuítas no campo da missionação e do ensino. Contudo, a imagem não só denuncia a Companhia de Jesus como evoca o poder da Justiça que, no lugar 16

Jean le Rond d’ Alembert, Sur la destruction des Jésuites en France, par un auteur désintéressé, s.l., 1765, pp. 21-22, 50-51, 56 [tradução

minha, C.V.]. 17

Dénonciation des crimes et attentats des soi-disant Jésuites dans toutes les parties du monde, adressée aux empereurs, rois, princes, républiques,

pontifes romains, patriarches, archevêques, évêques, pasteurs, magistrats de l’Europe; ou Abrégé chronologique des stratagèmes, friponneries, conjurations, guerres, tyrannies, révoltes, persécutions, calomnies, impostures, sacrilèges, meurtres de rois etc., commis par les Ignaciens depuis 1540, époque de leur établissement, jusqu’en 1760, 2 vols, s.l., 1762.

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de Deus, dispersa as nuvens escuras, abrindo caminho para os raios de Sol e, através de um anjo, prende o Jesuíta. A gravura torna bem clara a missão da Justiça, ou mais precisamente da justiça temporal, de lidar com a ameaça jesuítica. Como sabemos, a extinção papal dos Jesuítas em 1773 apenas confirmou o que as monarquias católicas tinham já decidido nos seus domínios. Devido às características únicas da Ordem, o caso da Companhia de Jesus era decerto particular. Porém, a ideia de que as instituições religiosas e os seus votos podiam ser anulados por autoridades estatais era agora universalmente aceite entre políticos reformistas. Conclusão Em 1770, meio século volvido após o sucesso editorial das Cartas Persas, Wenzel Anton, príncipe de Kaunitz-Rietberg e chanceler de estado do Império Austríaco, recomendou vivamente à imperatriz Maria Teresa e ao seu filho José II a diminuição do número de monges e freiras. Alegava o chanceler que o seu grande número prejudicava não apenas o Estado como a própria religião.18 Ao afirmar que os Estados católicos definhariam sem a redução das comunidades monásticas, enquanto os não-católicos enriqueceriam e teriam mais poder, o príncipe de Kaunitz-Rietberg estava tão-somente a repetir um lugar-comum do Iluminismo. Para ele, o único critério válido para a presença das ordens religiosas era o da “Nothwendigkeit” (necessidade). Ora, como demonstrou, as ordens não só eram inúteis como perigosas para o Estado e para a Igreja. Na década seguinte, os mosteiros sitos nos domínios de Habsburgo enfrentaram uma sucessão de leis restritivas antes de uma primeira vaga de extinções que, começada em 1782, implicou o encerramento de 700 a 800 mosteiros.19 Este programa reformista radical foi a versão austríaca do despotismo esclarecido, o “Josefismo”. O chanceler repetia quase literalmente os argumentos de Usbek contra “eunucos e dervixes”. No entanto, de forma a implementar as reformas suscitadas pela crítica iluminista às ordens religiosas, era necessário que estas perdessem o prestígio, crédito e reputação que tinham nas potências católicas e na opinião pública católica. O caso dos Jesuítas portugueses e a campanha antijesuíta na imprensa instigada pelo governo de D. José foram essenciais neste processo. Christine Vogel*

18

Promemoria des Staatskanzlers Wenzel Anton Fürst Kaunitz-Rietberg, 21 june 1770, in: Harm Klueting (Hg.), Der Josephinismus.

Ausgewählte Quellen zur Geschichte der theresianisch-josephinischen Reformen, Darmstadt, Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1995, pp. 147-149. 19 *

Elisabeth Kovács (ed.), Katholische Aufklärung und Josephinismus, Viena, Verlag für Geschichte und Politik, 1979.

Universidade de Vechta, Alemanha.

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