A CRÍTICA POLÍTICO SOCIAL NA ARTE BRASILEIRA DO SÉCULO XX E XXI

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UNIVERSIDADE ESTADUAL JULIO DE MESQUITA FILHO – UNESP INSTITUTO DE ARTES

KELLY CECÍLIA TEIXEIRA

A CRÍTICA POLÍTICO SOCIAL NA ARTE BRASILEIRA DO SÉCULO XX E XXI

SÃO PAULO 2005

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KELLY CECÍLIA TEIXEIRA

A CRÍTICA POLÍTICO SOCIAL NA ARTE BRASILEIRA DO SÉCULO XX E XXI

Trabalho acadêmico apresentado ao curso de Pós-Graduação Lato-Sensu “Fundamentos da Cultura e das Artes” Disciplina: Expressão Plástica Bidimensional Prof.ª Dr.ª Lóris Rampazzo

SÃO PAULO 2005

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“Que tempos são estes em que uma conversa sobre árvores é quase um crime, pois implica o silêncio sobre tantas injustiças?” Bertold Brecht

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ......................................................................................................05

2. O CARÁTER SOCIAL NA ARTE BRASILEIRA NO INÍCIO DO SÉCULO XX ......06

2.1. A construção de uma identidade nacional .................................................06 2.2. Da pintura modernista aos Clubes de Gravura ..........................................07

3. O ENGAJAMENTO POLÍTICO NO FINAL SO SÉCULO XX E INÍCIO DO XXI ....11

3.1. Da Bienal à arte conceitual ........................................................................11 3.2. Da abertura política aos coletivos de arte ..................................................17

4. CONCLUSÃO ........................................................................................................20

REFERÊNCIAS .........................................................................................................21

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1. INTRODUÇÃO

Desde a sociedade primitiva a arte é uma atividade social por excelência, comum a todos e elevando todos os homens, em pé de igualdade, acima da natureza. Como seres inconclusos, a humanidade tem na busca incessante pelo equilíbrio o objeto de arte, que se faz necessário como forma de conhecer a si mesmo e ao mundo. Através da experiência estética/sensível o homem apreende o mundo de maneira total, direta, anterior a qualquer conceituação e tem nela a possibilidade de uma transformação libertadora e crítica. A arte, apesar de pertencer a um campo das ciências humanas extremamente subjetivo, não pode compartilhar da idéia de ser um mero coadjuvante, muitas vezes dispensável em favor de ciências ditas mais “importantes”. As experiências estéticas podem proporcionar a transformação do indivíduo e seu crescimento reflexivo, crítico e analítico. Pelo estudo da história da arte, somos capazes de reconhecer a influência que a produção artística teve em diversos momentos históricos, desde a antiguidade, em que se acreditava em seu poder mágico, passando pela divisão da sociedade em classes e a natural mercantilização da obra de arte, até as rupturas formais e conceituais surgidas no século passado. Temos exemplos de atração e repulsa da arte em relação à política e vice-versa em vários momentos da história mundial, porém, as catástrofes do século XX mudaram para sempre a paisagem moral e eliminaram a possibilidade de a arte existir desvinculada da política. Grandes obras de arte surgiram e surgirão respondendo diretamente aos eventos determinantes de nossa era repleta de angústia. Apesar do forte preconceito em relação à abordagem conceitual ou conteudística na produção artística, existem diversos exemplos na arte brasileira, assim como sempre foi uma forte tendência na América Latina, de artistas e obras que trataram do tema político e/ou social como demanda de uma discussão inevitável, já que influía diretamente na sua vida cotidiana e não obstante, de toda a população. Sofrendo, inclusive muitas vezes, represálias de um governo autoritário. Este é o tema de estudo deste trabalho, que pretende dar um breve panorama, sobretudo no campo das artes visuais, consideradas de caráter social e político no âmbito da história da arte brasileira do século XX e início do XXI.

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2. O CARÁTER SOCIAL NA ARTE BRASILEIRA DO INÍCIO DO SÉCULO XX.

2.1.

A construção de uma identidade nacional

A relação primordial dos artistas e seu contato com o meio social desemboca inevitavelmente na ação de substituir a imagem romântica, como se a arte gravitasse acima da vida real, pelas relações de arte/poder. No século XIX os artistas ainda se relacionavam com uma arte ligada à corte imperial e se submetiam à concessões. Chegavam a cumprir uma agenda a partir dos mandos da corte. Existem hipóteses, que aparecem através de cartas e documentos da época, que havia um projeto, ou seja, uma demanda vinda do núcleo do imperador D. Pedro II, segundo seus interesses. Os temas heróicos sobre a nação são os primeiros indícios da vontade de se criar uma arte nacional, mesmo que esta fosse uma questão política e ideológica por si mesma. Para a Academia Imperial de Belas Artes era uma questão de Estado, e se tornava literalmente um problema político. Por

outro

lado,

havia

um

preconceito sobre todo o trabalho manual, o qual as artes plásticas faziam parte. Os fidalgos (filhos de alguém)

não

tinham

nenhuma

atividade manual, pois não agregava “prestígio”, assim, essas atividades eram

delegadas

aos

negros,

e

algumas vezes, incluía também a produção das mulheres. Suspeita-se, então, que nesse momento surge a idéia do retrato do homem simples, do trabalhador

e

de

seus

afazeres

cotidianos. Por conseqüência, não há como evitar a exposição da cena de uma população pobre e sofrida, porém firme, que não deixa se abater diante das agruras.

(Fig.01) José Ferraz de Almeida Junior Caipira picando fumo (1893) Óleo s/ tela

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Monteiro Lobato recusava a idéia de que o carioca Pedro Américo fosse o grande artista da época, e afirmava que o grande modelo de artista brasileiro era personificado na figura de Almeida Junior, não apenas pelas suas obras que retratavam o homem brasileiro (fig. 1), mas sobretudo por se tornar o ícone máximo de uma projeção de arte nacional. Em decorrência deste início da construção de uma identidade nacional, o que pudemos ver na arte dita de preocupação social na primeira metade do século XX, são temas que remetem a cenas de vida rural e urbana, a situação social do homem/ trabalhador, cenas do trabalho urbano, o drama do homem contemporâneo em conseqüência da guerra e da perseguição, mobilização do trabalhador nas lutas de classe, assembléias, associações de classe, greves etc.

2.2. Da pintura modernista aos Clubes de Gravura

Apesar de rechaçar a arte do século XIX, o modernismo busca no período colonial suas matrizes e a partir dele propõe uma nova arte de caráter nacionalista. Segundo Aracy Amaral (2003): “a primeira manifestação escrita que conhecemos de um artista plástico nacional sobre a problemática social [...], datada de 1933, viria de Di Cavalcanti. Trata-se de texto escrito a propósito da exposição de Tasila, no Palace Hotel do Rio de Janeiro nesse ano de grande efervescência política, e que incluía, já de volta da viagem da artista à URSS com Osório César, as duas telas mais conhecidas de sua significativa fase de preocupação social, Operários e 2ª Classe.”

Apesar dessa primeira afirmativa e reconhecimento de Di Cavalcanti (fig.02) acerca da preocupação social na obra de Tarsila do Amaral (fig. 03), ele mesmo foi um reivindicador de uma arte de caráter revolucionário e um dos mais importantes artistas do país. Contudo, não cabe aqui, menosprezar outros artistas que no começo do século XX também obtiveram significativa participação no processo de rejeição à alienação na produção artística nacional, como é o caso de Quirino Campofiorito e Eugênio Sigaud. Assim, não podemos deixar de destacar a importância de Livio Abramo, considerado por Mário Pedrosa, o primeiro artista a transpor para o trabalho de arte uma posição indiscutivelmente política.

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Livio Abramo (fig. 04) abordaria em sua obra o tema da luta de classes, assim como o operário na fábrica e em protesto, mas

não

através

de

uma

visão

distanciada dos problemas sociais, e sim dentro de uma perspectiva de militância política, filiando-se ao Partido Comunista em 1930. Sendo expulso em 1931 por recusar-se a fazer uma caricatura de Trotsky, Abramo inicia sua atividade como ilustrador do jornal da oposição de esquerda Luta de Classes, e mantém-se próximo ao Partido Socialista. No campo da crítica de arte, vale (Fig. 02) Di Cavalcanti A realidade brasileira (1930) Álbum c/ série de 12 desenhos. Nanquim s/ papel

ressaltar a grande importância de Mário Pedrosa,

que

com

sua

decidida

preocupação com o papel social da arte nessa época inaugura a crítica de arte contemporânea brasileira, em meio a grandes agitações político-sociais. A primeira exposição dedicada exclusivamente à temática social foi organizada em 1935 pelo Club de Cultura Moderna, que seria “no Rio de Janeiro, uma alternativa, como ação cultural na cidade, [...] com evidente conotação política” (AMARAL, 2003). Teve a participação de artistas como Goeldi, com seus pescadores, os carregadores de Portinari, os operários sólidos de Di Cavalcanti entre outros. Outro artista que teve uma importante contribuição no cenário artístico brasileiro do começo do século XX foi Lasar Segall (fig. 05), radicado em nosso país desde 1923, retratou, através de sua formação expressionista, o drama e a problemática social humana.

(Fig.03) Tarsila do Amaral Operários (1933) Óleo s/ tela

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Juntamente com Portinari, Segall era considerado um dos grandes expoentes de nossa pintura. Portinari (fig. 06) surge efetivamente, de maneira consagratória, em 1935, e é considerado o maior pintor histórico brasileiro do século XX. Por sua origem humilde, por sua identificação com as camadas populares, ele ficaria sensível ás mudanças que ocorreriam no país. Tem sua aproximação com a pintura mural, remetendo aos muralistas mexicanos, Rivera, Orozco, Siqueiros, porém com uma diferença de abordagem formal. Enquanto

(Fig. 04) Livio Abramo Operário (1935) Xilogravura

Portinari, além da temática social, não deixaria a questão

formal de lado, os muralistas preferiam a “mensagem” em detrimento da preocupação plástica. A

década

assistiria

a

de

40

grandes

alterações no meio artístico, que não ficaria alheio, tanto por

conseqüência

agitada

década

da

anterior,

quanto pela movimentação e

inquietantes

mudanças

que vinham ocorrendo no Brasil e no mundo. Em 1942 há

um

mobilização

esforço da

de

opinião

pública para que o Brasil entrasse na guerra, e em

(Fig. 05) Lasar Segall Navio de emigrantes (1939/41) Óleo s/ tela

1945, quando se dá a vitória aliada, de se organizar um concurso de arte pela anistia dos presos políticos. Depois de um apelo de Carlos Lacerda para que os artistas intervissem através de sua produção para conscientização do povo acerca dos perigos do nazismo e de um governo ditatorial, inicia-se um movimento, a princípio liderado pela literatura, de recondução do país a um regime democrático, justo e popular.

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Já na década de 50, haveria duas direções bastante claras, uma voltada ao realismo social, com a abertura dos partidos políticos, e focalizada em ideologias, e outra que seguiria as tendências internacionais em direção ao abstracionismo. Nesta mesma época, Carlos Scliar foi

um

grande

articulador

dos

primeiros álbuns coletivos de gravura que surgem no Brasil, e expressa seu desejo de participar da vida social do país, colocando sua produção plástica a serviço de alterações estruturais. Essas articulações se deram pela facilidade de seu deslocamento pelo país, e sua participação na guerra como pracinha da FEB, o que lhe abriu (Fig. 06) Candido Portinari Retirantes (1945) Óleo s/ tela

novas

perspectivas

para

valorização do ser humano. O questionamento de Scliar

sobre o seu público, e o sentido da arte política para conscientização do povo, torna a gravura, por seu caráter de reprodução múltipla, uma importante ferramenta para a transmissão ampla da sua “mensagem”. A partir dos Clubes de Gravura criados em diversas partes do país (Bagé, Porto Alegre, São Paulo, Santos, Rio de Janeiro e Recife) esse tipo de trabalho ganha bastante visibilidade, porém apesar de fundamentar-se na experiência mexicana (que tinha distribuição na cidade e no campo), a sua distribuição era restrita aos próprios membros do clube. Houve também, ainda dentro do propósito de aumentar a circulação da arte com a temática social, a ocupação de vários artistas em cargos de ilustradores de jornais, revistas e publicações da época. O primeiro Clube de Gravura surgiu em Bagé, em 1951, com o agrupamento de artistas que tinham na sua produção uma efervescência da construção política. Juntou-se à Carlos Scliar, José Morais, Glauco Rodrigues, Glênio Bianchetti e Danúbio Villamil Gonçalves. Porém, o grupo dispersou-se, havendo uma nova concentração em Porto Alegre. Lá, o Clube de Gravura surgiu a partir da necessidade do financiamento da revista Horizonte, idealizada por Scliar, e que

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estivesse a serviço de um ideário político definido. O Clube distribuía uma gravura por mês aos seus associados que pagavam uma mensalidade. A partir do recurso arrecadado era possível financiar a revista, que se tornou auto-sustentável a partir do 4º número. A idéia, além da revista, era democratizar o acesso à arte, já que as gravuras eram distribuídas para a população que não tinha a noção do que era, por exemplo, um trabalho original e uma reprodução. O objetivo era que o público se identificasse, através também da qualidade da gravura, pela temática. A partir dessa bem sucedida experiência, Luis Ventura tenta adequar a idéia a São Paulo, e Mário Gruber busca sua implantação em Santos, sua cidade natal, seguidos pela criação do Clube do Rio de Janeiro e do grupo de Recife.

3. O ENGAJAMENTO POLÍTICO NO FINAL DO SÉCULO XX E INÍCIO DO XXI.

3.1. Da Bienal à arte conceitual

Embora tenhamos diversos exemplos de artistas que tiveram forte preocupação social, ainda assim, há um igual número de artistas que se rebelaram contra a idéia de que a arte tenha uma função social, ou que ela deva servir exclusivamente para esse fim. A questão da Bienal, iniciada em 1951, levantaria essa polêmica entre os artistas de preocupação social, mas não encerrava a discussão, já que ela não era uma tendência apenas brasileira, e sim internacional. “A polêmica do realismo versus abstracionismo, desencadeada a partir de 1948, é conseqüência direta da politização do meio artístico, por sua vez em decorrência da abertura propiciada pela redemocratização do País após a queda de Vargas”. (AMARAL, 2003)

A polêmica se intensificaria devido a exposições ocorridas no Rio de Janeiro e em São Paulo, sobretudo pela criação da primeira Bienal Internacional. É a rejeição dos artistas comprometidos a injeções de informações externas. Ou seja, é a preponderância de uma tendência há muito existente em nosso país e na América Latina do nacionalismo versus internacionalismo. Além disso, o caráter dito “apolítico” da Bienal de São Paulo irritaria artistas e escritores. Paulo Mendes de Almeida, comparou o evento com a Bienal de Veneza:

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“Já há uma Bienal em Veneza. Serviu Mussolini, e agora se nega a exibir uma peça teatral sobre a Paz. Diz-se apolítica, não luta pela paz e não luta contra os fazedores de guerra – o que equivale a ser contra a paz, e favor da guerra”.

Apolítica também se diz a Bienal de São Paulo e pode formar outra geração de artistas desvinculados da preocupação social e da interação da arte com a vida do povo. Nesse mesmo momento das discussões acerca da função da arte, é criado o Museu de Arte Moderna de São Paulo, o qual abriga em 1953, a exposição do Grupo Ruptura, conseqüência do manifesto lançado, no ano anterior por Waldemar Cordeiro, que foi o embrião do grupo concreto em São Paulo. Após a I Bienal e o reconhecimento da importância do evento para o país, e para os artistas, as tendências realistas deixaram de ser radicais e começamos a ter um relativo florescimento do abstracionismo lírico ou informal e do concreto e neoconcreto. Todo um tempo parece emergir, entre 1955-56, para os realistas sociais que também começavam a se despreocupar com o um extremado rigor em seus trabalhos. Nessa época, não havia mais segurança de que seria dessa forma (realista) que se pudesse influir diante de um espectador. O depoimento de Renina Katz influenciou Scliar e Mário Gruber, e falava do seu distanciamento de uma arte efetivamente do povo, mesmo que essa fosse sua temática, e sua aspiração, devido à sua origem burguesa. A partir da década de 60 se cria uma aspiração parecida com a dos Clubes de Gravura, de democratizar o acesso a arte, a partir da sua popularização. Os meios de comunicação de massa seriam o principal veículo para arregimentar um maior número de pessoas com base em sua conscientização. É uma década onde o poder político engole a produção artística nacional, em exaltação a uma política ditatorial. Ainda assim, nesse sentido de uma volta à aproximação da arte com a sociedade, floresce também a idéia de uma arte popular. Ferreira Gullar, recém-saído da experiência neoconcreta do Rio de Janeiro, é o principal teórico desse movimento. É dele o poema “Não há vagas”, publicado em 1980 no livro intitulado “Toda poesia”, pela Editora Civilização Brasileira:

Não há vagas O preço do feijão não cabe no poema. O preço do arroz

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não cabe no poema. Não cabem no poema o gás a luz, o telefone, a sonegação do leite da carne do açúcar do pão O funcionário público não cabe no poema com seu salário de fome sua vida fechada em arquivos. Como não cabe no poema o operário que esmerila seu dia de aço e carvão nas oficinas escuras - porque o poema, senhores, está fechado: “não há vagas” Só cabe no poema o homem sem estômago a mulher de nuvens a fruta sem preço o poema, senhores, não fede nem cheira.

Para Gullar, o caminho viável era o CPC (Centro Popular de Cultura), criado na União Nacional dos Estudantes (UNE), sob o comando de Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha, com a participação do Grupo de Teatro de Arena de São Paulo, sob a perspectiva de “levar a arte ao povo”. Foram criadas várias unidades do CPC em universidades de todo o Brasil, e o desafio era de que forma, aglutinar as questões sociais e políticas dentro de um país com regiões tão disparates. Nesse sentido, estabelece-se, a partir de Pernambuco, através de Aberlardo da Hora o MCP (Movimento Popular de Cultura) como uma extensão do trabalho do Ateliê Coletivo. Com apoio do governo local amplia as atividades de artes e acopla o trabalho educativo. Por ocasião do Congresso da UNE, de 1960, realizado em recife, faz um apelo aos demais dirigentes do CPC do país que adotem a mesma idéia e mecanismo de atuação. Ferreira Gullar foi o segundo presidente do CPC do Rio de Janeiro depois de Carlos Estevam Martins. Em seu texto sobre a função do artista, ele coloca que os

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ditos “descomprometidos” são comprometidos com uma idéia imediata de estética e por conseqüência

futura

com

as

questões

filosóficas e políticas. Segundo ele “o artista exercerá função social na medida em que tenha consciência de sua responsabilidade e compreende que a arte é um meio de comunicação coletiva”. Na década de 60, o número de artistas plásticos que trabalharam com o tema político – social é extremamente tímido se comparado ao

movimento

no

teatro.

Isso

se

deve

principalmente aos meios de circulação de artes plásticas: museus, galerias, bienais etc, (Fig. 07) Hélio Oiticica Nildo veste Parangolé 4 (1964)

bem

como

ao

isolamento do

artista no

momento de sua produção pessoal. Para

romper como esse isolacionismo, surge toda uma produção que tem a cidade como “suporte”. É o artista tentando se articular com o seu entorno coletivo/ urbano e sair de sua interioridade/ ateliê habituais em seu fazer artístico. É desse período trabalhos como o Parangolé de Hélio Oiticica (fig. 07), assim como “Do corpo à terra” organizado por Frederico Morais, em Belo Horizonte com participação de Cildo Meireles entre outros. “É evidente que a década de 60, fervilhante em sua múltipla agitação em nível mundial como nacional e latino-americano (e aqui a revolução cubana e suas conseqüências gozariam de repercussão considerável) fez com que vários artistas se interessassem pelos eventos internacionais e nacionais de maneira excepcional: seja na inspiração das viagens à Lua por astronautas, realidade latinoamericana, morte de Che Guevara, situação do povo brasileiro, autoritarismo militar no Brasil, guerra no Vietnã, fenômenos de massa nos meios urbanos – carnaval, futebol, publicidade, estória em quadrinhos, música popular brasileira, evidentemente estimuladas pela irradiação do pop norte-americano. Essas temáticas são bem visíveis nas obras, dessa década, de Cláudio Tozzi, Antônio Manuel, Antônio Henrique Amaral, Antônio Dias, Vergara, Rubem Gerchman, Geraldo de Barros, Maurício Nogueria Lima, Oiticica, Szpiegel, Carmela Gross, Marcelo Nitsche, Nelson Leirner entre outros [...]”

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No caso de Antônio Henrique Amaral (fig. 08) em 1966, dois anos após a instauração do regime militar no País, já começam surgir em suas xilos, comentários ácidos à ditadura. Apesar

disso,

Frederico

Morais

confirma que o setor de artes plásticas não

produziria

nada

de

muito

significativo em relação à temática social nessa década. A ênfase era dada muito mais às questões de vanguarda

na

arte

suscitadas

principalmente pelos ready mades de

(Fig. 08) Antônio Henrique Amaral De série Bananas (1973) Óleo s/ tela

Marcel Duchamp, salvo por João Câmara (fig. 09), que retoma em Pernambuco uma tradição pela luta social. Esse artista não pertence à hegemonia da arte contemporânea do sul/sudeste, e tampouco rompe com os suportes tradicionais. Ele instiga uma complexidade na arte brasileira até então marginalizada. Esse ritmo de produção artística pouco voltada ao ambiente político continua em meados da década de 70, embora apareça bastante visível nas obras conceituais de Cildo Meirelles (fig. 10). As representações em torno da criação artística a supõem como entidade autônoma, descolada de qualquer contexto social ou político. Mas a ditadura militar e a repressão à liberdade de expressão são sem dúvida, um contexto fértil para os artistas brasileiros e latino-americanos dessa época. Os trabalhos conceituais desenvolvidos nessa época não são como um panfleto partidário/ ideológico e reivindicatório de alguma situação, mas fruto

(Fig. 09) João Câmara Filho Enigma para jovens (1977) Litografia

de um contexto social e político. Em

1974,

o

Museu

de

Arte

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Contemporânea da USP incorpora a seu acervo a quadro S. Sebastião/ Mariguela, criado quatro anos antes, na prisão, pelo artista Sérgio Ferro. O contexto da repressão política e do terror pelo qual o país passava é evidente

nesse

ressaltar

que

trabalho.

diversos

Vale

trabalhos

dessa época, pelo caráter efêmero, transitório e subversivo, bem como devido

a

censura,

sua não

destruição

tiveram

o

pela

mesmo

destino da obra de Sérgio Ferro e não puderam chegar até os nossos dias. (Fig. 10) Cildo Meirelles Inserções em circuitos ideológicos 1. Projeto Coca-cola (1970)

Ainda dentro da proposta de se criar

uma

arte

autônoma

das

instituições e como estratégia de liberdade diante do contexto político opressor, bem como mais próxima da sociedade, surgem então trabalhos de arte postal como uma nova forma de circulação do trabalho artístico. Surgem, por exemplo, a série Brasil Today de Regina Silveira, que vendia cartões postais brasileiros veiculados na época, mas com interferência da artista, a pesquisa da arte em xerox de Paulo Brusky, artista pernambucano, importante expoente do nordeste brasileiro, e os selos de Mário Ishikawa. Também são dessa época a série de fotos p/b de Júlio Plaza, que mostra a imagem da guerra no Vietnã e a figura do então presidente Nixon. O artista chamou esse trabalho de

Evolução/Revolução

(fig.11).

A

crítica

política

também aparece na obra de Artur Barrio, tanto na seqüência de fotografias intitulada Seis

(Fig. 11) Júlio Plaza Evolução/Revolução (1971) Fotografia

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Movimentos,

quanto

na

série

Trouxas Ensangüentadas (fig. 12). O engajamento

político,

nesses

tempos de ditadura se faz através de uma arte conceitual baseada na metáfora e na analogia.

3.2.

Da

abertura

política

aos

coletivos de arte

A vitória do MDB nas eleições em 1978 começa a acelerar o processo de redemocratização do

(Fig. 12) Artur Barrio Trouxa (1969) Tecido, barbante e tinta industrial

Brasil. O general João Baptista Figueiredo decreta a Lei da Anistia, concedendo o direito de retorno ao Brasil para os políticos, artistas e demais brasileiros exilados e condenados por crimes políticos. Em 1984, políticos de oposição, artistas, jogadores de futebol e milhões de brasileiros participam do movimento das Diretas Já que não foi aprovada pela Câmara dos Deputados. No dia 15 de janeiro de 1985, o Colégio Eleitoral escolheria o deputado Tancredo Neves como novo presidente da República. Era o fim do regime militar. Porém Tancredo Neves fica doente antes de assumir e acaba falecendo. Assume o vice-presidente José Sarney. Em 1988 é aprovada uma nova constituição para o Brasil. A Constituição de 1988 apagou os rastros da ditadura militar e estabeleceu princípios democráticos no país. Em 1989 são realizadas eleições diretas e Fernando Collor de Mello se torna, então, presidente da república, sendo deposto, através de um processo de impeachment, por acusações de corrupção. Assume então, Itamar Franco até as próximas eleições que se dariam em 1994 quando Fernando Henrique Cardoso se torna presidente, e se reelege por mais quatro anos. Em 2002, pela primeira vez na história brasileira, é eleito um trabalhador, militante da esquerda brasileira, para o cargo da Presidência da República. Durante todo esse período, a função isolada do artista plástico dá lugar aos Coletivos, grupos de artistas que se juntam, ou por aproximações ideológicas, ou por facilidade financeira de custeio de suas ações, já que estas dificilmente entram no circuito convencional de arte. Muitos desses grupos são baseados na experiência

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dos Situacionistas, que aparecem no bojo dos movimentos contestatórios do pósguerra na França e propõem o trabalho de arte no contexto urbano. “Alheio aos fluxos da cidade, o artista propõe a espetacularização do cotidiano. Opta pela potencialidade da percepção estética, para despertar a consciência sociológico-crítica” (FREIRE, 1999)

Os coletivos do início deste século têm como precursores os grupos de intervenção urbana, que atuaram em São Paulo, no início dos anos 80, como o 3Nós3 e o Viajou sem Passaporte, tornando o contexto urbano como suporte de seus projetos. Atualmente, está em funcionamento a Rede Coro – Coletivos em Rede e Ocupações, fundada pelas artistas Flávia Vivácqua e Sofia Panzarini do núcleo Horizonte Nômade, e agrega mais de 50 coletivos de todo o país, entre eles, Bijari, Esqueleto Coletivo, Grupo Poro, Linha Imaginária, C.D.M. – Centro de Desintoxicação Midiática, Espaço Coringa, Nova Pasta entre tantos outros. Baseado na experiência do CPC da década de 60, porém com uma nova abordagem, é criado em 2001, o CUCA (Centro ou Circuito Universitário de Cultura e Arte) na 2ª Bienal de Arte e Cultura da União Nacional dos Estudantes. Simultaneamente foi criado um programa de artes visuais organizado para

possibilitar

universidades.

um

Nascia,

circuito assim,

dentro o

Projeto

das de

Interferência Ambiental - PIA. Desde então, o PIA (fig. 13) vem atuando de diversas formas, muitas vezes acoplado às ações do movimento estudantil, no intuito de fomentar a discussão em torno da arte

(Fig. 13) Kelly Teixeira Selo de incentivo à cultura (2002) Adesivo

contemporânea, além de viabilizar mostras e publicar matérias relacionados ao projeto. Baseado na experiência do PIA, o GIA – Grupo de Interferência Ambiental, um dos grupos integrantes dessa rede, organizou em maio de 2004, e maio/junho de 2005 o Salão de M.A.I.O., com intervenções públicas na cidade de Salvador. Dando continuidade ao projeto e ampliando a rede, novembro de 2004 foi a vez de São Paulo organizar o seu salão de arte contemporânea. Foi criado então o EIA –

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Experiência Imersiva Ambiental tomando a cidade de intervenções que visavam discutir o espaço público, a relação das pessoas com a cidade e entre si mesmas. A última ação que se tem notícia é a participação de artistas e coletivos de São Paulo, na luta contra a reintegração de posse de apartamentos no centro da cidade, realizada pela atual prefeitura, a fim de retirar famílias que há anos vivem no espaço sem a mínima condição de sobrevivência (fig. 14).

(fig. 14) Diversos Reintegração sem posse (2005) Série de intervenções artísticas e culturais no edifício Prestes Maia

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4. CONCLUSÃO

Diante do exposto, não é possível negar que exista uma forte relação entre arte e política, seja ela em um contexto mundial, seja nacional. Embora tenha se intensificado em momentos de efervescência e agitação política, e se distanciado em momentos de relativas calmarias, a temática social permanece na produção de diversos artistas. A própria relação do ser/ cidadão/ artista com uma linguagem, uma forma de comunicação, pressupõe a sua função social. O artista dirá, sempre, alguma coisa, a alguém, e seria um desperdício se essa comunicação não pudesse levar palavras de luta em tempos difíceis. Como Brecht disse, é quase um crime falar de árvores, em um momento onde as injustiças não cessam. Não proponho aqui, uma arte partidária ou panfletária, de teor radical, já que a própria existência da arte implica em si só, a transformação de um indivíduo. E não acredito que deva existir um só tipo de arte, pois não existe um só tipo de público, ou um só propósito. Mas acredito que enquanto houver fome, violência, intolerância e miséria, a arte não pode ser apática e deve ocupar o seu lugar nessa discussão.

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REFERÊNCIAS AMARAL, Aracy A. Arte para quê? : A preocupação social na arte brasileira 19301970. 3ª ed. São Paulo: Studio Nobel, 2003. ARANTES, Otília (Org.). Política das artes/ Mário Pedrosa. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1995. v.1. CHIARELLI, Tadeu. Arte e política no Brasil: estudos de casos. Curso ministrado dentro da programação do Itaú Cultural, São Paulo, 2003. FISCHER, Ernst. A necessidade da arte. Rio de Janeiro: Zahar editores, 1967. FREIRE, Cristina. Poéticas do processo: arte conceitual no Museu. São Paulo: Ed. Iluminuras, 1999. RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível: estética e política. 1ª ed. São Paulo: Ed. 34, 2005. READ, Herbert. Arte e alienação: o papel do artista na sociedade. Rio de Janeiro: Zahar editores, 1968. SMEE, Sebastian. Arte e política, um caso de atração e repulsa. O Estado de São Paulo. São Paulo, 30 mar. 2003. Caderno 2, p.14. VÁSQUEZ, Adolfo Sanchez. As idéias estéticas de Marx. 2ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.

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