A delicadeza do amor (filme francês)

August 21, 2017 | Autor: Rodrigo Contrera | Categoria: French Studies, Movies
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O indizível que É, em "A Delicadeza do Amor" (filme)
Este texto é comentário ao filme francês "A Delicadeza do Amor", de David e Stéphane Foenkinos, com Audrey Tautou.
O romantismo ficou tão clichê no cinema que parece que toda história já foi contada. Ou que toda história é igual.
Arredores
Vivemos numa época antirromântica, bombada à base de esteroides, desempenhos sexuais olímpicos ou brochantes, beijos sem motivo a não ser o próprio desejo, corpos sensuais bêbados com sorrisos inexpressivos, atrações aparentemente impossíveis em vasos que não quebram, conversas intermináveis que – os dois sabem – iriam levar a nada, horas com olhar no horizonte, e entradas triunfantes de corpos tesos que nada dizem. O resultado: uma cama.
Refiro-me a algo que vi. Num bar.
Figuras de Giacometti
Enquanto essas histórias hormonais acontecem a rodo, a torto e a direito, muitos permanecem na entrada dos saguões esperando por algo que nunca vem.
Já outros descansam, lépidos, nas poltronas dos ambientes tentando fingir ausência de esperança. Ao redor, amigas aproximam-se de sujeitos que não se deixam atrair tão facilmente.
Os Casanovas não descansam e se torcem e retorcem, todos querendo chamar a atenção a qualidades que nunca irão ter – porque simplesmente não querem tê-las. Algumas desistem ao notarem a jogada.
Os teóricos levantam a lebre da paixão, que, em relação à raridade do amor, alguns ou mesmo muitos têm a sorte de experimentar. Outros comentam o preço do amor. Ou da paixão, sei lá. O Marião vai lançar livro sobre o Amor. Em março.
Há casais que permanecem juntos. Outros que esperam o tempo passar. Outros que não têm mais tempo a perder. Outros casais fazem-se e desfazem-se ao sabor dos ventos – e dos hormônios.
E o amor?
Desisto de explicá-lo (por enquanto). Ele acontece, é só. Cada vez é única (deve ser). Requer domínio de si (imprescindível). Se aceito, é foda. Se não aceito, também. Os envolvidos se fodem em qualquer caso, muitas vezes. Vivemos num mundo em que todo mundo sempre se fode. Mesmo ou principalmente quando tudo dá certo. Dá?
E os filmes?
Filmar o amor é como engaiolar o ar. Dar sentido a uma brisa que já se foi. Falar sobre o que é melhor calar. Mas o cinema insiste, e tenta. Filmes românticos costumam ser pedida certa (poucos há que não gostem de assisti-los). Cada um pensa o que quer. Cada um sente o que pode. Filme bobinho não é necessariamente bobinho. Filme inteligente, muitos não entendem. A pessoa passa a vida buscando o amor. Não cumpre dizer-nos como fazer para acharmos aquilo que nós vemos de nossa própria forma. Cada um busca o que quer. E consegue muitas vezes o que NÃO quer. Às vezes consegue o que quer.
O filme
Ela é bonita e aparece num café parisiense. O cara dialoga consigo mesmo e aposta que ela irá pedir suco de pêssego. Ela assente e ele a aborda (aborda? A cena não aparece). Porque eles já se conhecem. Comemoram alguma coisa. (Vou ver se peço suco de pêssego um dia)
A graça da cena inicial deste filme francês, típico blockbuster, não pode ser decifrada em seus fatores ou na sua junção, muito respeitosa. Pois embora cada um faça jus a seu aparecimento, cada fator não consegue contar, por si só, para que o todo consiga funcionar. Há um quê de "ludibriar" na cena toda – era uma montagem. Todos fingem – pela ideia de "ludibriar" o espectador. E este termina adorando fazer papel de idiota. Não era uma paquera – e se fosse, não teria a menor graça. Nada de anormal há nas interpretações. E se houvesse seria uma chatice só. O encontro, fortuito mas não casual, expressa haver algo. Como no amor: quando há. Algo.
O acaso e o não-acaso
Na vida, 1) quando menos se espera algo acontece. Digo isso quase como quem recita uma equação de Newton. Pois não pode "acontecer" um algo (indeterminado) quando "algo (determinado)" é esperado. Pois há coisas que só acontecem quando não há o peso da espera. (Outras coisas, contudo, acontecem por serem esperadas).
Assumindo 1: isso significa que teremos de ficar o tempo todo olhando para o céu para uma maçã cair nas nossas cabeças (qualquer uma)? Nem tanto. Mas é preciso abaixar a guarda, alguns dirão. Ou abrir os olhos, outros acrescentarão. Ou fechá-los, quem sabe. Seguindo essa lógica, quem sai à procura costuma não achar nada.
Mas há 2) algo acontece para quem espera. É como um jogo. Em que as cadeiras estão dispostas ao redor de mesas. E as portas se abrem de forma especial. E os rostos se tocam de leve. E os olhares, também. Mesmo assim, questiono: será essa busca escrachada? Não, isso não. É deselegante. Mesmo para quem espera, a espera é como que casual.
O ajuste das coisas
Também na vida, as coisas se ajustam normalmente quando as ações são aparentemente idiotas. Picar uma cenoura. Chorar com uma cebola. Ouvir uma música banal. Mas é curioso, isso. Porque na hora h são as coisas pormenorizadas que dão o toque final. Uma espécie de cálculo – que, porém, pode botar tudo a perder. Normalmente, contudo, as coisas que acontecem em nossas medulas nada dizem respeito a grandes ações, grandes feitos, grandes nadas. Até nos nadas as coisas grandiosas preferem os pequenos.
Passaram-se, digamos, umas 3 ou 4 cenas completas. O encontro combinado no café. As garotas distribuindo filipetas na saída do teatro. O casal encontrando-se a caminho de casa. A declaração. O encontro dos casais, separando os conceitos de amor e sexo. O momento em que simbolicamente se juntam – e que permanece na tela de apresentação do vídeo. Não diz muito.
O acontecimento
O sujeito morre atropelado – percebemos sua silhueta se esfumar enquanto aproxima-se da câmera. Já sentimos o bafo da morte. Fato é que a beleza e bom mocismo do ator já me davam nos nervos. Melhor morto. E ela nem sabe. Os olhares de Tautou vão de um ratinho com medo ao pavor do buraco morto. Tudo acontece enquanto as coisas promovem um nada que jamais irá acontecer novamente. Ela retorna a um ponto do qual parece no fundo jamais ter saído. Um ponto que iremos ver ao final. Chega a encolher-se na dor de quem por um momento acreditou haver achado alguma coisa. Sei bem o que é isso.
Mas é curioso, porque essa coisa encontrada – o par do começo do filme – remete a um casal feito e consumado, a uma formação perfeita, tradicional em toda sua contradição – e que não convence. Sei lá se porque assim o filme seria chatinho. Ou porque o casal combina ou não combina. Sente-se o esgar do conflito anunciado.
Mas parece tudo bom ou mau demais. Pois ao que parece o que vemos não se refere ao amor. Ao amor de um pelo outro, do outro pelo um, e ao amor dos dois em conluio. Com a morte dele, o que some é a união. Mas o amor parece permanecer. Só isso para entender uma passagem posterior. Bastante posterior – que só agora parece fazer-ME sentido. Uma passagem que diz respeito a ela. Pois ela é o centro da coisa toda.
Ela
Apaga-se. Esfuma-se. O olhar se concentra num buraco negro. Não olha lugar algum. Mas avança. Toca a vida. Concentra o foco no trabalho. Desconsidera – o chefe que singelamente já se deixa atrair – e trair. Cresce. Cuida do jardim (atrás de uma porta de escritório).
A cena inicial
O filme foi-me apresentado com a cena a seguir. Aparece um sujeito alto, forte e sem muito tônus, se apresenta e pede esclarecimentos quanto a um caso em especial (114). Ela, atrás da mesa de chefia. Levanta-se como autômata, avança em direção dele, pega o seu rosto e lhe dá um beijo longo. Ele espanta-se, não reage, colabora mas sem convicção, tenta entender, apalermado. Ela afasta-se, ruma à sua mesa e o dispensa. O esgar que ele dá permanece. Ele sai.
Explicação
Se há uma explicação, ela está na ausência. Havia algo nela que permanecia – uma busca – que ela lutava para dominar – ou mesmo esconder. Esse algo a "domina" e ela passa ao ataque. Algo nele a cativara. Mas ela disse depois esquecer ou desconhecer o que acontecera. A explicação está nele. Sim. Mas está nela. Sim. O gesto foi natural. Tinha de acontecer. Ela não o faria por meio de ação consciente.
Ele
Um novo mundo aparece no rosto dele. Um mundo sem rosto. Ele não parece olhar para fora quando sai da sala dela. Responde, quando perguntado, qualquer coisa. Pega o rumo para casa. Quando – nova cena antológica – "elas" o vêem. Ele torna-se algo. "Elas" o vêem. Rebolam para ele, mandam-lhe beijos, tiram o cartão e lhe dão. Ele sorri e esquece como entrar em sua própria casa.
Gracinha
Ele busca um repeteco. Ela não reconhece. Ele explica. Ela desconversa – mas lembra. Ele se deixa afetar. Ela também. Mas nada aconteceu. Um algo que precisa ser resolvido. Vão jantar. Num restaurante péssimo.
No frigir dos ovos, sabemos que nada importa. Mas todos nós funcionamos como se tudo precisasse importar. Claro, há o que importa que importe. Mas todo esse algo é inapreensível. Não consiste de fatores. É todo um quê que ninguém sabe o que é – mas que os dois sabem que precisa existir. As coisas precisam acontecer. Do nada.
Quando a indefinição assume caráter de opressão, ele sente. E sai correndo. (Que bonitinho...) Recusa-se a encará-la. Protege-se. Sabe-se alvo de sentir paixão. Ela não aceita. Invade sua sala. Ele olha de lado. Lindo.
Saem
Ele se esconde no mesmo lugar que ela – no teto. Eles vão ao teatro (bárbara a cena em que ele recusa olimpicamente o teatro, que ela lhe diz querer ver, para em seguida ele olimpicamente aceitá-lo como natural). Mas nada acontece.
Tudo se passa como se nada se passasse. Ela mal sabe dizer o que é. A amiga não entende e cria a imagem do sueco loiro. Tudo que acontece é um nada indefinível que assume caráter de todo indescritível.
Chefe
Quando o chefe descobre o rival. E o chama. E o chama. E o encara. A sutileza do embate revela e ao mesmo tempo esconde fatores que poderiam levar a um paroxismo entre amor e poder. Saem. O rival mostra-se tão normal que por isso revela-se indestrutível. Para uma briga seriam necessários dois. Ninguém briga. É um romance de capa e espada sem capas nem espadas. O chefe embarca no táxi desolée.
Ela vai tirar satisfações. O chefe faz com que ela se lembre do primeiro, François, o morto. Ela escapa de si – novamente – e embarca rumo a origens que a levam ao seu jardim do Éden (onde tudo começou, em seu miniuniverso).
Éden
Ele vai lá e brinca de esconde-esconde. Quando a encontra em toda sua história de menina ensimesmada em busca de algo. Do amor que encontra. E que permanece enlutado. Até que ele o pegue para si. O momento do encontro de almas – no seu (dela) interior.
Cenas
Filme de amor sem sexo pode parecer história de Abelardo e Heloísa. Mas, neste filme do indizível que é tudo, o todo do corpo que se espraia pela alma só pode estar subentendido nos gestos mais grotescos. Como no esgar dele quando recebe o beijo. Ou nos olhares mortiços dela perdendo o norte (pela morte).
O encontro, aqui, se dá na antológica cena dos corpos isolados – deles – descansando em poltronas separadas, após uma noite cansativa – sem contato. Uma cumplicidade quase casta que depois irá perder o aspecto de intocabilidade em nome de um contato prenunciado. Quando ele a vê, a imagina, a supõe e deixa que ela o encontre.
Amor se encontra.
Existe um filme norte-americano com o mesmo título (ao menos no You Tube). Não o vi.

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