A determinação ocidental

June 14, 2017 | Autor: João Pedro Dias | Categoria: Terrorism, International Terrorism, Terrorismo, Crise Do Ocidente
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A determinação ocidental João Pedro Simões Dias - 2015.11.24

Continuamos a viver dias que são marcados tanto pela carnificina levada a cabo por radicais islâmicos em Paris quanto pela aparente dificuldade em que os Estados europeus consigam um grau concertação que lhes permitam um combate coordenado contra esse mesmo terrorismo. Talvez por ter sido diretamente atacada no coração da sua capital, é a França que tem tentado unir as diversas pontas e ligar os diferentes Estados, construindo uma aliança internacional contra o islamismo radical. O problema é que, sem qualquer preconceito, olhamos para o Palácio do Eliseu e suscitam-se-nos as maiores dúvidas sobre se o impreparado François Hollande terá a necessária arte e o suficiente engenho para lograr alcançar tamanho desiderato. Os indícios não são propriamente os mais recomendáveis – embora o esforço público destes dias recentes mereçam que, pelo menos, lhe seja concedido o benefício da dúvida. Para já, Hollande surpreendeu a Europa da União quando, inesperadamente, pela primeira vez na história, decidiu invocar o artigo 42º nº 7 do Tratado da União Europeia que consagra a cláusula de solidariedade em matéria de segurança e defesa, “obrigando” os restantes Estados da União a prestarem a França todo o auxílio que lhes seja pedido e solicitado. E foi uma decisão surpreendente porquanto, enquanto membro da Aliança Atlântica, e já da sua estrutura militar, a França teria tido a possibilidade de acionar o artigo 5° do Tratado de Washington que fundou a NATO, e que dispõe que um ataque militar contra um Estado-Membro constitui um ataque contra todos os aliados – à semelhança, aliás, do que fez o Presidente George W. Bush a seguir ao 11/setembro. Desta vez, Hollande não o fez. Preferiu optar pela cláusula de solidariedade europeia em detrimento da solidarie-

dade atlântica. Veio, depois, nesse mesmo dia, a perceber-se porquê: anunciou uma concertação militar com Putin no ataque ao Daesh na Síria. Dispensando Washington e prescindindo de Obama. Isto é, cinquenta anos depois da sua morte, De Gaulle e o seu anti-americanismo continuam a fazer escola em Paris e a ter discípulos ainda que alguns deveras improváveis.... De passagem, e enquanto o Presidente francês insiste na necessidade de ser criada a já referida coligação internacional contra o terrorismo, vamos escutando o novo líder trabalhista inglês, Jeremy Corobyn, a sustentar a necessidade de se dialogar e negociar com os membros do Estado islâmico – nada de muito novo, para quem tiver memória. Entre nós, após os ataques da Al Qaeda, também houve quem defendesse a tese capitulacionista, defendendo que se dialogasse com os terroristas. “Pétains”, sempre os houve em todos os lados e em todos os tempos... Este é, de facto, o desafio do presente. Desafio de tal amplitude e magnitude que coloca em segundo plano outras questões que, até há bem pouco tempo, estavam na primeira linha das preocupações da Europa. Por um lado, a decisão do primeiro-ministro David Cameron de pressionar a União Europeia para conseguir uma série de vantagens e derrogações a normas previstas nos Tratados, ameaçando com a realização de um referendo sobre a permanência do Reino na União já em 2016 ou, no limite, em 2017. As reivindicações de Cameron assumem uma natureza de quase completa inaceitabilidade – quer pelas instituições europeias quer pelos restantes Estados Membros da União. A pressão sobre a que pode vir a ser a postura de Cameron no referido referendo é argumento político de peso. Mas o sucesso do

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reivindicado equivaleria, definitivamente, à morte da União tal qual a conhecemos. Em segundo lugar, também parece ter sido secundarizado nos nossos blocos informativos o muito de controverso que se vai passando e acontecendo aqui bem ao lado, na nossa vizinha Catalunha. Não só o Presidente da Generalitat, Artur Mas, reincide em não conseguir maioria parlamentar que possibilite a sua investidura para novo mandato como, sobretudo, o Parlamento autonómico de Barcelona aprovou formalmente a Declaração que visa iniciar o processo independentista e secessionista, “desconectando” os vínculos e laços que unem a autonomia a Espanha. O governo de Mariano Rajoy não tardou a reagir e a anunciar a utilização de todos os expedientes legais ao seu dispor para reverter os efeitos da aprovação desta Declaração – que poderão, no limite, chegar à suspensão do próprio estatuto autonómico. Para já, ainda estamos na fase do estrangulamento financeiro, com a suspensão de transferências financeiras do Estado central para a Catalunha. Mas nada nos permite dizer que a escalada de conflito não suba a novos e indesejáveis patamares. Todas estas questões, politicamente relevantes e da máxima importância, acabaram secundarizadas em detrimento do desafio do momento – e esse é o combate sem tréguas ao Estado islâmico e ao islamismo radical. Combate que nenhum Estado por si só conseguirá travar e, muito menos, ganhar. Como já tenho escrito recorrentemente, o combate dos Estados democráticos de direito ao terrorismo assemelha-se em muito a um jogo de xadrez em que os terroristas jogam sempre com as peças brancas (têm, portanto, sempre a iniciativa), e não estão obrigados a respeitar as regras do jogo (só os Estados democráticos de direito têm regras a respeitar e a cumprir). Num jogo tão assimétrico e tão desigual, é fácil adivinhar para que lado tende a pender a vantagem. Mas a vantagem não tem, necessaria-

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mente, de equivaler a vitória. Cabe às democracias ocidentais – incluindo aquelas que constituem desviacionismos do modelo ocidental que, todavia, continua a estar na sua génese, como é o caso da Federação Russa – darem provas da sua determinação e do seu empenho na vitória contra um inimigo que lhes é comum. Não seria a primeira vez que isso sucederia. Há setenta anos ocorreu algo de semelhante.

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