A dimensão dos espaços marítimos de Portugal

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CDU 341.1/.8+528 Anais do Clube Militar Naval, Vol. CXLIV, janeiro-junho 2014, p. 105-121

A dimensão dos espaços marítimos de Portugal Bessa Pacheco Capitão-de-fragata EH

RESUMO

ABSTRACT

Os espaços marítimos dos países costeiros são um dos potenciais fatores de poder dos Estados. A sua agrimensoria é uma das principais medidas usadas nas análises geoestratégicas, políticas, económicas e sociais. Portugal é um dos maiores países marítimos do mundo, especialmente no que se refere à zona económica exclusiva e à plataforma continental. Num momento em que Portugal redefiniu a sua estratégia nacional para o mar, e que se prepara para contribuir ativamente para a estratégia marítima da União Europeia, é fundamental que os atores políticos, decisores e técnicos se sirvam da mesma base de trabalho, em termos de dimensão e avaliação do potencial marítimo nacional.

The maritime areas of coastal states are one of the countries’ power factors, and the dimension of these areas is one of the main measures used in the geostrategic, political, economic and social analyses. Portugal is one of the world’s largest maritime countries, especially considering its exclusive economic zone and continental shelf. Having recently reformulated the national maritime strategy, and having prepared to actively contribute to the maritime strategy of the European Union, it is essential that Portuguese policy makers and technical stakeholders use the same references, in terms of dimension and evaluation of the national maritime potential.

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Este artigo caracteriza e dimensiona os espaços marítimos sob soberania, jurisdição ou responsabilidade nacional. Para efeitos de avaliação comparativa, as dimensões dos principais espaços marítimos são relativizadas à dimensão de determinados espaços terrestres. Ao nível da comparação entre países, são especificadas ordenações mundiais por tipologia de espaços marítimos. As principais conclusões apontam para que Portugal tenha a 20ª maior ZEE do mundo e a 2ª maior área de extensão de plataforma continental reclamada.

Palavras-chave: Espaços marítimos, mar territorial, ZEE, plataforma continental.

This paper describes the maritime areas under Portuguese sovereignty, jurisdiction or responsibility. For benchmarking purposes, the dimensions of the main maritime areas are compared to the size of common land areas. The main conclusions show that Portugal has the 20th largest EEZ in the world and, up until now, the 2nd largest area of continental shelf beyond the 200 nautical miles.

KEYWORDS Maritime areas, territorial sea, EEZ, continental shelf.

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Introdução De acordo com a teoria já antiga, mas sempre atual, de Mahan, o poder marítimo é uma expressão do poder nacional que depende da localização geográfica, da configuração da costa e da extensão do território, da dimensão da população marítima, do carácter nacional, e do carácter e política dos governos1. Aos dias de hoje, o conceito de extensão do território considerado pelo estrategista americano, tem de incluir os espaços marítimos sob soberania e jurisdição nacional, podendo ainda ser considerados como relevantes, neste âmbito, os espaços marítimos sob responsabilidade nacional. No caso de Portugal, o poder nacional intrínseco tem como principais constituintes geográficos o território emerso e os espaços marítimos sob soberania e jurisdição nacional. A localização geográfica do território, no extremo sudoeste da Europa, e dos arquipélagos dos Açores e da Madeira, no Oceano Atlântico, conjugado com a evolução do Direito Internacional Marítimo ao longo dos anos, permitiu que Portugal reclamasse sob sua soberania e jurisdição um conjunto de espaços marítimos de dimensão significativa. De alguma forma, perspetivando-se a existência de oportunidades de desenvolvimento económico, social e científico associados à exploração sustentada do mar, quanto maior for uma determinada área marítima, maior será a probabilidade de aí existir potencial de riqueza. O conhecimento da nossa geografia marítima e a comparação com a dos restantes países costeiros permite-nos, de uma forma prática, ter uma perceção do nosso potencial marítimo e posicionarmo-nos, nos diferentes âmbitos de relacionamento, face ao dos outros. Encontrando-se o país mergulhado numa profunda crise económicofinanceira, o mar tem sido referenciado como sendo um dos sectores de atividade com potencialidade para ser explorado, por forma a criar riqueza e a gerar emprego. A comparação das suas dimensões com as de outros países costeiros faz frequentemente parte de comunicações técnicas e discursos políticos, justamente como meio de afirmar o potencial nacional através do mar.

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Mahan, Alfred T. The influence of sea power upon history. Boston, Little Brown, 1949, pp. 28-29

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Este artigo, que beneficia da integração de 3 escritos recentes do autor sobre estas matérias2,3,4, tem como objetivo documentar as medidas dos principais espaços marítimos nacionais, de modo a normalizar os valores das suas dimensões e sustentar, de forma coerente, o argumentário nacional relativamente aos assuntos do mar. Para tal, descreve a evolução do conceito de direitos sobre os espaços marítimos, apresenta a dimensão dos diversos espaços marítimos nacionais e compara-os com a dimensão do território nacional, do território da União Europeia e dos espaços marítimos dos restantes países do Mundo, centralizando o acesso a dados que, no seu conjunto, são um instrumento de base para quem estuda a geoestratégia dos espaços marítimos.

Metodologia A caracterização dos espaços marítimos implica o conhecimento da sua dimensão. As medições de áreas geográficas extensas podem ser realizadas no espaço bidimensional ou no tridimensional. O cálculo no espaço bidimensional recorre à produção e utilização de projeções cartográficas equivalentes. Este tipo de projeções cartográficas conserva propriedades geométricas que asseguram a proporção das áreas representadas. O cálculo no espaço tridimensional recorre a uma figura de referência semelhante à forma da Terra, o elipsoide, e aos conceitos de trigonometria esférica. Neste artigo, algumas das áreas indicadas referem-se a espaços do fundo submarino que, ao contrário da alisada superfície dos oceanos, apresentam variações significativas de profundidade. O valor indicado para estes espaços refere-se à área projetada sobre o elipsoide de referência adotado e não à área da superfície em questão. Atente-se que os valores destes dois tipos de áreas podem diferir significativamente, principalmente nos casos em que o declive orográfico seja elevado. Os valores do comprimento de determinados limites geográficos (p.e. comprimento da linha de costa) estão intimamente associados à 2

Miguel Bessa Pacheco, A Plataforma Continental, Revista da Armada, 2013.

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Idem, Medidas da Terra e do Mar. Apontamento, 2013.

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I dem, A geografia marítima de Portugal, A evolução do conceito de plataforma continental no contexto das relações internacionais, 2014.

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escala de aquisição de dados e de representação cartográfica. Por efeito de técnicas de generalização, usuais na produção cartográfica em suporte de papel, o mesmo limite geográfico pode apresentar valores de comprimento significativamente diferentes conforme a escala a que foram adquiridos e representados os dados geográficos. Neste artigo, os valores de comprimento da linha de costa de Portugal foram obtidos de uma fonte oficial cuja escala de compilação é de 1:25 000. Os valores dos comprimentos, indicados por esta fonte, foram confirmados pelo autor com recurso a técnicas geodésicas de medição de distâncias. Com exceção dos valores apresentados com referências explícitas a outras fontes, todas as áreas apresentadas neste apontamento foram calculadas com recurso ao sistema de informação geográfica ArcGIS, da ESRI, ampliado na sua funcionalidade com a extensão graphics and shapes (geodesic tools), da empresa Jenness Enterprises, e estão referidas ao datum WGS84 (G1150), utilizado pelo sistema de posicionamento global - GPS. Os resultados referem-se, assim, a áreas geodésicas, calculadas no espaço tridimensional sobre o elipsoide de referência e não a áreas calculadas sobre a planificação obtida por uma projeção cartográfica equivalente. A diferença dos valores das áreas calculadas com recurso a técnicas geodésicas e cartográficas, usando uma projeção equivalente de aplicação mundial, varia conforme a zona do globo a medir, não sendo espectável que seja superior a 1,5%.

O conceito de soberania sobre os espaços marítimos Sem entrar nos conceitos de soberania e jurisdição marítima dos tempos pré-históricos à idade média, de onde sobressaem os paradigmas do mare nostrum5 e mare clausum6, podemos dizer que o mar territorial foi o primeiro espaço marítimo cuja soberania foi internacionalmente reconhecida e de aplicação geral aos países costeiros. A definição da largura deste espaço marítimo foi adotada no século XVII/XVIII por vários países. Tinha como paradigma o facto de que um Estado costeiro exercer a sua soberania sobre o mar adjacente até ao limite geográfico 5

Império Romano relativamente ao Mar Mediterrâneo.

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Portugal e Espanha relativamente aos espaços marítimos acordados em Tordesilhas.

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em que se consegue fazer obedecer – terrae dominium finitur ubi finitur armorum vis7 (o domínio da terra acaba onde termina o poder das suas armas). Na prática este paradigma foi materializado baseado no alcance do tiro de canhão que seria, na altura, de cerca de três milhas náuticas8). Até ao século XIX, as ambições marítimas dos Estados costeiros estavam concentradas no transporte e comércio marítimo, na pesca, na defesa costeira contra um ataque inimigo e na projeção de força sobre outro Estado costeiro. Com o surgimento de determinadas tecnologias e de novas atividades de exploração subaquática, a coluna de água e o fundo marinho foram ganhando interesse e relevância económica. O desenvolvimento do motor de combustão interna a partir de meados do século XIX foi um fator relevante para a valorização e a necessidade da exploração de crude e respetiva produção petrolífera. Em complemento à exploração terrestre, as necessidades energéticas levaram à instalação, no final do século XIX, da primeira plataforma de exploração de crude no mar territorial dos EUA, na Califórnia. Desta forma ampliava-se o espaço geográfico potencialmente contribuinte para a produção petrolífera. Atendendo ao interesse dos países costeiros sobre os fundos marinhos, no primeiro quartel do século XX, começou a ser internacionalmente discutido o seu eventual estatuto jurídico. Com este enquadramento, em 1924, no âmbito da Liga das Nações, foi tentado o estabelecimento de uma definição consensual de plataforma continental9 e respetivos direitos dos Estados costeiros. O Comité responsável por esta tarefa tomou como referência geológica o facto de que, em termos científicos, nas imediações da zona costeira a variação da profundidade com a distância à costa era relativamente reduzida, surgindo depois uma zona de declive muito acentuado até se chegar a uma planície a grande profundidade. A primeira zona tinha sido designada por plataforma continental, a segunda por talude e a terceira por planície abissal. Todavia, a preocupação principal dos países costeiros relativamente à plataforma continental não era a exploração do solo e subsolo, mas an-

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Fulton, Thomas Wemyss (1911). Sovereignty of the Sea. Edinburgh and London, p. 558.

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Na realidade, nestes séculos, o tiro efetivo de um canhão tinha um alcance muito mais reduzido que as referidas 3 milhas.

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Resolução adotada na 5ª Assembleia da Liga das Nações em 22 de Setembro de 1924.

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tes o facto de ser na plataforma que se encontram a maior parte dos recursos piscícolas. No entanto, não foi consensual o estabelecimento legal do limite exterior da plataforma continental. A principal razão do desacordo era que a caracterização deste espaço, com base no declive em cada local, fazia com que os limites variassem para cada país, pelo que alguns países seriam muito beneficiados quando comparados com outros. Durante a II Guerra Mundial verificou-se a primeira intenção de exploração do subsolo marinho além do mar territorial10, num acordo que envolveu a Inglaterra e a Venezuela. No final da guerra, num cenário de grande crescimento económico e consequente necessidade de acesso a fontes energéticas diversas, os EUA proclamaram unilateralmente o direito de soberania sobre o solo e subsolo submarino adjacente ao seu território. Foi argumentado que o solo marinho era a continuação geológica do território, tendo sido limitada a sua soberania às 100 braças de profundidade11, o que corresponde a 182 metros. Foi igualmente estabelecido que este regime em nada devia afetar o estatuto da coluna de água sobrejacente. A profundidade limite de 100 braças foi considerada por diversos autores como sendo arbitrária, não havendo uma razão específica para a sua invocação. Em diversos locais a margem continental poderia atingir profundidades menores e noutros locais maiores. Em 1958, na sequência dos trabalhos da Comissão do Direito Internacional da ONU, foi aprovada, em Genebra, uma Convenção sobre a Plataforma Continental. Esta convenção inclui uma definição jurídica de plataforma continental. Nesta definição a plataforma continental foi materializada para além dos limites do mar territorial, limitada à profundidade dos 200 metros ou, para além desse limite, até à profundidade máxima da capacidade de exploração dos recursos do solo e subsolo marinho. Na prática, esta definição não estabeleceu limites objetivos à plataforma continental, uma vez que a natural e contínua evolução tecnológica ditaria frequentemente uma alteração aos seus limites. Em 1967, na Assembleia Geral das Nações Unidas, o embaixador de Malta, Arvid Pardo, defendeu o fim das reclamações dos países so10

Tratado de Paria entre a Inglaterra e a Venezuela que versou a exploração do subsolo marinho em águas internacionais na zona do protetorado inglês de Trinidad e Tobago e da Venezuela.

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Esta reclamação ficou conhecida como Proclamação Truman.

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bre a plataforma continental, até que o seu conceito fosse claramente definido e aceite. Defendeu, ainda, o princípio de que o leito e subsolo marinho deveriam ser considerados património da Humanidade, sendo a sua exploração realizada em benefício de todos os países, dando preferência aos mais necessitados. Estas propostas foram bem consideradas e tidas em conta pela generalidade dos países. Em 1982, depois de vários anos de negociações e tratados intermédios, foi aprovada a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM). Esta convenção entrou em vigor em 1994, um ano após a 60ª ratificação. A CNUDM identificou e caracterizou diversos espaços marítimos onde os países costeiros têm diferentes competências, tanto ao nível da soberania como da jurisdição. Os espaços referidos foram as águas interiores, o mar territorial, a zona contígua, a zona económica exclusiva (ZEE) e a plataforma continental. Os espaços marítimos que num dado âmbito não estão sob jurisdição ou soberania de qualquer país foram designados por alto mar quando se referem à coluna de água, e por área quando se referem ao solo e subsolo marinho.

Caracterização dos espaços marítimos nacionais No que se refere ao território nacional emerso, a sua área total é de cerca de 92.212 km2, dos quais 89.088 km2 se referem ao Continente, 2.322km2 ao arquipélago dos Açores e 801 km2 ao arquipélago da Madeira. O comprimento total da linha de costa, medida a partir de informação geográfica compilada à escala 1:25.000, é de cerca de 2.586 km, dos quais 1.241 km correspondem ao Continente, 943 km ao arquipélago dos Açores e 402 km ao arquipélago da Madeira. O conjunto dos 28 países da União Europeia ocupa uma área de cerca de 4.350.504 Km2, pelo que a área emersa de Portugal corresponde a 2,1% da área da União Europeia. No que se refere à geografia extraterritorial, os espaços marítimos sob soberania e jurisdição nacional são: as águas interiores, o mar territorial, a zona contígua, a zona económica exclusiva (ZEE) e a plataforma continental. Não decorrente do Direito Internacional mas resultante de acordos internacionais, as regiões de busca e salvamento marítimo relevam pela afirmação de capacidade nacional no seio da comunidade

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internacional. Por esta razão, neste artigo é igualmente incluída a análise dimensional das áreas de busca e salvamento marítimo sob responsabilidade nacional. A caracterização dimensional dos espaços marítimos é realizada com base na sua largura geoespacial. A referência geográfica para medição da largura dos espaços marítimos é a linha de base. Esta linha segue, na generalidade, a orientação e forma da linha de costa, sendo constituída por duas variantes: linhas de base normal e linhas de base reta. As linhas de base normal são coincidentes com a linha de costa na situação correspondente à mais baixa baixa-mar. As linhas de base reta unem pontos conspícuos da costa e ilhas adjacentes, de acordo com regras definidas na CNUDM. Portugal definiu as suas linhas de base no Decreto-Lei nº 495/85, de 29 de Novembro de 1985. As águas interiores situam-se para dentro das linhas de base reta e podem ser classificadas em águas interiores marítimas ou águas interiores fluviais. A área do espaço geográfico correspondente às águas interiores fluviais é de 654 km2. A área correspondente às águas interiores marítimas é de cerca de 6.508 km2. Este valor equivale a cerca de 7% da área do território nacional. O mar territorial situa-se para fora das linhas de base e pode estenderse até 12 milhas a partir das linhas de base. A dimensão da área do mar territorial de Portugal, que se estende até às 12 milhas, é de cerca de 50.957 km2 dos quais 16.460 km2 correspondem à parcela do continente, 23.663 km2 à do arquipélago dos Açores e 10.834 km2 à do arquipélago da Madeira. Este valor equivale a cerca de 55% da área do território nacional. De acordo com a CNUDM, no mar territorial, os países costeiros prolongam, com algumas exceções, a sua total soberania. Esta soberania estende-se ao espaço aéreo sobrejacente, bem como ao leito e ao subsolo deste mar. A zona contígua situa-se para fora do mar territorial e pode estenderse até às 24 milhas a partir das linhas de base. A dimensão da área da zona contígua de Portugal, que se estende até às 24 milhas, é de cerca de 64.313 km2 dos quais 17.286 km2 correspondem à parcela do Continente, 29.653 km2 à do arquipélago dos Açores e 17.374 km2 à do arquipélago da Madeira. Este valor equivale a cerca de 70% da área do território nacional. Em termos legais, de acordo com o artº 33 da CNUDM, na zona contígua o Estado costeiro pode tomar as medidas de fiscalização necessárias para:

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a) Evitar as infrações às leis e regulamentos aduaneiros, fiscais, de imigração ou sanitários no seu território ou no seu mar territorial; b) Reprimir as infrações às leis e regulamentos no seu território ou no seu mar territorial. A ZEE situa-se para fora do mar territorial e pode estender-se até às 200 milhas náuticas a partir das linhas de base. A dimensão da área da ZEE é de cerca de 1.660.456 km2 dos quais 287.521 km2 correspondem à parcela do Continente, 930.687 km2 à do arquipélago dos Açores e 442.248 km2 à do arquipélago da Madeira. A área da ZEE é 18 vezes maior que a área do território nacional e equivale a 38% da área da União Europeia. Numa comparação bilateral com um grande país europeu, a área terrestre da Alemanha é 3,9 vezes maior que a de Portugal, mas a área de ZEE nacional é cerca de 47 vezes maior que a germânica. De acordo com o artº 56 da CNUDM, na ZEE, o Estado costeiro tem: a) Direitos de soberania para fins de exploração e aproveitamento, conservação e gestão dos recursos naturais, vivos ou não vivos das águas sobrejacentes ao leito do mar, do leito do mar e seu subsolo, e no que se refere a outras atividades com vista à exploração e aproveitamento da zona para fins económicos, como a produção de energia a partir da água, das correntes e dos ventos; b) Jurisdição, em conformidade com as disposições pertinentes da convenção, no que se refere a: i) Colocação e utilização de ilhas artificiais, instalações e estruturas; ii) Investigação científica marinha; iii) P  roteção e preservação do meio marinho; c) Outros direitos e deveres previstos na convenção. Quanto à plataforma continental, o seu limite não foi exclusivamente definido com base em valores absolutos de distância a uma qualquer referência. A CNUDM estabeleceu que a plataforma continental de um país compreende o leito e o subsolo das águas submarinas que se estendem além do seu mar territorial até ao bordo exterior da margem continental ou até às 200 milhas náuticas das linhas de base. O processo de estabelecimento dos limites da plataforma continental para além dos limites da ZEE foi denominado de extensão da plataforma continental. A delimitação do bordo exterior da plataforma continental para além das 200 milhas náuticas é função de um conjunto de fatores geo-

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désicos (distâncias), geológicos (espessura de sedimentos e continuidade geológica do fundo marinho) e hidrográficos (profundidade e declive do fundo), o que faz com que a sua determinação só seja possível após a realização de uma série de estudos marinhos multidisciplinares. Para avaliação da validade técnica dos estudos realizados pelos diversos países costeiros, para delimitação da sua plataforma continental para além das 200 milhas náuticas, foi estabelecida na CNUDM a criação de uma Comissão de Limites da Plataforma Continental. Esta Comissão emite recomendações sobre as delimitações da plataforma continental reclamadas pelos diversos países que, no limite, leva ao reconhecimento internacional do direito de soberania económica de um dado país a fundos marinhos para além das 200 milhas náuticas. Em 2009, Portugal apresentou à Organização das Nações Unidas (ONU), a sua reclamação de delimitação da plataforma continental nacional para além das 200 milhas náuticas, estando a aguardar a sua apreciação por parte da Comissão de Limites da Plataforma Continental. A dimensão da área da plataforma continental nacional é de cerca de 3.769.293 km2, dos quais cerca de 1.660.456 km2 correspondem ao espaço geográfico aquém das 200 milhas náuticas às linhas de base e 2.108.837 km2 correspondem ao espaço geográfico além das 200 milhas náuticas. A área da plataforma continental é 41 vezes maior que a área do território nacional emerso, das quais 18 vezes correspondem ao espaço aquém das 200 milhas náuticas e 23 vezes ao espaço além das 200 milhas náuticas. A área da plataforma continental nacional equivale a 87% da área total da União Europeia, em que 38% corresponde à área de plataforma continental aquém das 200 milhas náuticas e 49% à área além das 200 milhas náuticas. Comparando com a dimensão do Oceano Atlântico, a área da plataforma continental nacional (aquém e além das 200 milhas) corresponde a cerca de 4,4% do seu total. De acordo com a CNUDM, o Estado costeiro tem direitos de soberania sobre a plataforma continental para efeitos de exploração e aproveitamento dos seus recursos naturais, e de jurisdição para efeitos de investigação científica. Todavia, enquanto a plataforma continental até às 200 milhas náuticas da linha de base não carece de justificação científica e é de exploração económica exclusiva do Estado, sem quaisquer direitos de terceiros, o mesmo não acontece para além deste limite. Na plataforma continental além das 200 milhas náuticas, em determinadas circunstâncias e de acordo com o artº 82 da CNUDM, o Estado pode ter de ceder à ONU

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parte dos lucros resultantes da sua exploração económica, num valor que pode chegar aos 7%. A região de busca e salvamento marítimo definida para Portugal decorre da convenção internacional sobre busca e salvamento marítimo (SAR)12. A SRR nacional está dividida em três subáreas. A coordenação das operações de busca e salvamento marítimo é realizada em centros de controlo em Lisboa, em Ponta Delgada e no Funchal. No total, Portugal é responsável por assegurar este serviço num espaço geográfico com cerca de 5.754.848 km2 dos quais 572.914 km2 correspondem à SRR Lisboa (Continente e Madeira) e 5.181.934 km2 à SRR Santa Maria (Açores). A área de busca e salvamento nacional é 62,4 vezes maior que a área do território nacional e equivale a 1,3 vezes a área da União Europeia. A figura 1 mostra a cobertura geográfica dos diversos espaços marítimos sob soberania, jurisdição ou de interesse nacional.

Figura 1 - Principais espaços marítimos nacionais

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Esta convenção, do âmbito da IMO, teve uma primeira versão em 1914. Por diversas vezes foi emendada e atualizada. A atual versão é de 1974, tendo sido atualizada por diversas vezes. A mais recente emenda data de maio de 2011.

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Ordenação internacional dos espaços marítimos A dimensão marítima de um país é um indicador de grandeza, potencial e importância marítima desse país relativamente aos outros. A valorização internacional dos espaços marítimos nacionais passa, assim, por uma análise comparativa com os restantes países costeiros. Atendendo às características dos diversos espaços marítimos e que o fator dimensão é dos mais significativos nesta avaliação, foram selecionados para esta análise comparativa a ZEE, a plataforma continental e a região de busca e salvamento marítimo. A ter em conta nesta análise estão vários fatores. Nem todos os países costeiros explicitaram os limites dos seus espaços marítimos perante a comunidade internacional. Nestes casos, foram definidos limites geográficos de acordo com as regras base da CNUDM. Nem todos os países costeiros apresentaram a sua reclamação de delimitação da plataforma continental para além das 200 milhas náuticas. No caso da plataforma continental apenas foram consideradas as reclamações apresentadas até meados de 2013, independentemente de algumas dessas reclamações terem sido alvo de parecer da Comissão de Limites da Plataforma Continental. A área total de ZEE de todos os países ribeirinhos soma cerca de 122 milhões km2. O país do mundo com maior área de ZEE é os Estados Unidos da América (EUA) com cerca de 11,4 milhões de km2, correspondendo a cerca de 9,36% da área de ZEE mundial. A ZEE portuguesa é a 20ª maior do mundo e corresponde a 1,36% da área mundial de ZEE. No âmbito da União Europeia, considerando o território ultramarino dos diversos países (figura 2), a ZEE nacional é a 4ª maior, com uma cobertura correspondendo a 7,29% do total. A França, o Reino Unido e a Dinamarca lideram a ordenação com 42,7%, 28,6% e 10,2%, respetivamente. Se limitarmos esta análise ao território continental, Portugal lidera a ordenação das áreas de ZEE com uma cobertura correspondente a 31%, seguido da Espanha com 16,7% e do Reino Unido com 11,8%. Nesta análise, a Gronelândia (Dinamarca) foi considerada como não pertencendo à placa europeia.

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Figura 2 - Conjunto de áreas de ZEE dos países costeiros da União Europeia

Desde a entrada em vigor da CNUDM em 1994, até meados de 2013, foram apresentadas 64 reclamações de delimitação da plataforma continental, entre as quais constam reclamações completas, reclamações parciais e reclamações conjuntas de vários países costeiros. Algumas das reclamações já apreciadas pela ONU foram alvo de recomendações da Comissão de Limites da Plataforma Continental. Nestes casos, a generalidade dos países em causa indicou a intenção de apresentar novos dados técnico-científicos para justificar de forma mais consolidada as suas pretensões. A dimensão da área de plataforma continental além das 200 milhas náuticas, resultante da delimitação reclamada por Portugal, é a segunda maior do mundo, logo a seguir à da Austrália. Todavia, nesta ordenação não estão contabilizadas as eventuais áreas de reclamação da plataforma continental de vários países, como os EUA e o Canadá. A ordenação mundial da dimensão da plataforma continental total (aquém e além das 200 milhas náuticas) é mais um indicador do potencial valor marítimo dos países costeiros. Nesta ordenação, Portugal ocupa, atualmente, a 9ª posição, logo a seguir ao Brasil. Todavia, tal como atrás referido, existem alguns países com elevado potencial de reclamação da sua plataforma continental além das 200 milhas náuticas, que ainda não submeteram a sua delimitação. No âmbito da União Europeia, considerando os territórios ultramarinos dos diversos países (figura 3), a plataforma continental nacional

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além das 200 milhas é a maior, com uma cobertura correspondendo a 27,1% do total das áreas das plataformas continentais. Se limitarmos esta análise ao território continental, Portugal lidera a ordenação das áreas de plataforma continental além das 200 milhas com uma cobertura correspondente a 60,4%, seguido da Dinamarca com 18,9% e da Irlanda com 12%. Nesta análise, a Gronelândia (Dinamarca) foi considerada como não pertencendo à placa europeia.

Figura 3 - Áreas de plataforma continental além das 200 milhas reclamadas pelos países da União Europeia

Para efeitos de responsabilidades de busca e salvamento marítimo, os espaços marítimos mundiais estão divididos regiões de busca e salvamento (SRR - Seach and Rescue Region), que se podem dividir em subregiões. As SRR foram voluntariamente assumidas pelos diversos países, podendo existir zonas de alguma sobreposição ou vazio de responsabilidades. Estas zonas de sobreposição resultam do facto de alguns países não terem capacidade para garantir de forma autónoma o serviço SAR (p.e. Kiribati) ou representarem espaços marítimos em que dois ou mais países consideram ser do seu interesse específico (p.e. Chile e Argentina). Existem alguns espaços, de reduzida dimensão, cuja responsabilidade SAR não foi ainda internacionalmente assumida por nenhum país. Em termos de ordenação mundial da dimensão da área SAR sob responsabilidade dos diversos países, Portugal ocupa a 15ª posição. O país com maior área SAR sob sua responsabilidade é os Estados Unidos da América com cerca de 72,6 milhões de km2.

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Conclusões A geografia de Portugal e a evolução do direito internacional marítimo, particularmente durante o século XX, levaram a que o País reclamasse sob sua soberania e jurisdição extensas áreas marítimas. O presente artigo caracteriza a dimensão dos principais espaços marítimos sob soberania, jurisdição ou responsabilidade nacional. Para os espaços de maior significado dimensional, são apresentadas ordenações mundiais que permitem avaliar, de forma primária, o potencial do mar português em comparação com os restantes países costeiros. Diferenciando pelas competências e tipologia dos espaços marítimos verifica-se que, se reconhecida a reclamação nacional de delimitação da plataforma continental tal como submetida, o solo e subsolo marinho sob soberania económica nacional materializam uma área que equivale a 42 vezes a do território nacional. A área de plataforma continental além das 200 milhas, resultante da reclamação nacional de delimitação é, até ao momento, a 2ª maior do mundo, logo a seguir à Austrália. No que se refere à massa de água, a ZEE nacional é delimitada por uma área que equivale a 18 vezes o território nacional. No âmbito restrito do território continental europeu, Portugal tem a maior área de ZEE da União Europeia. Relativamente às regiões de busca e salvamento marítimo, Portugal assumiu a responsabilidade internacional sobre uma área que equivale a 62 vezes o território nacional, e que corresponde à 15ª maior do mundo. A dimensão dos espaços marítimos não é, por si só, convertível em riqueza ou poder. A significativa dimensão dos espaços marítimos nacionais apenas é uma medida de referência do potencial nacional. A criação de benefícios e a valorização do potencial marítimo nacional passam, necessariamente, pela garantia da segurança dos espaços marítimos sob soberania e jurisdição nacional, pelo aproveitamento geopolítico das suas potencialidades em favor do interesse nacional e pela exploração sustentada dos seus recursos em benefício da riqueza e do bem-estar nacional. Para tal é igualmente necessário que a população portuguesa se reveja claramente no ideal e na cultura marítima.

A dimensão dos espaços marítimos de Portugal

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