A disputa por vagas na Corte Suprema da Argentina: as indicações do novo presidente Macri (2015) Jota, Brasil

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A disputa por vagas na Corte Suprema da Argentina: as indicações do novo presidente Macri Publicado 28 de Dezembro, 2015

Foto: Casa Rosada

Por Andres Del Rio Roldan

Professor Adjunto de Ciência Política do Bacharelado em Políticas Públicas da Universidade Federal Fluminense (UFF), no Instituto de Educação de Angra dos Reis (IEAR). É pesquisador do Instituto de Ciência e Tecnologia em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento INCTPPED

A

forma de indicação de ministros para uma Alta Corte é um debate vivo na nossa região. Assim como no Brasil, na Argentina

a discussão é intensa, política e permeada por interesses. Nos últimos anos, o Kirchnerismo colocou em debate a legitimidade do poder judiciário em geral e da Corte Suprema em particular. Com as recentes indicações do novo presidente da Argentina, Mauricio Macri, esse debate voltou com força. Em 14 de dezembro, poucos dias após sua vitória no segundo turno, Macri indicou dois novos ministros. A Constituição prevê que a lista com os nomes dos candidatos à mais Alta Corte do país deve ser enviada ao Senado Nacional, enfrentar o processo de impugnações e audiência pública, e, finalmente, obter a aprovação de dois terços do Senado.

Contudo, os dois candidatos escolhidos por Macri (Carlos Fernando Rosenkrantz y Horacio Rosatti) não passaram por esse procedimento. Macri preferiu nomear em comissão, editando o Decreto 83/2015. A base legal para o Decreto está no artigo 99, inciso 19 da Constituição Nacional: compete ao presidente “preencher empregos que exigem o consentimento do Senado e que ocorrem durante seu recesso, por meio de nomeações em comissão que expiram no final da próxima legislatura”. Ou seja, o presidente escolheu os ministros de forma provisória. Só permanecem no cargo até o próximo 30 de novembro de 2016, quando finalizam as sessões do Congresso Nacional, sem necessidade de passar pela aprovação do Senado. Esse dispositivo foi utilizado uma única vez na história argentina: no ano 1852. Não é surpresa, portanto, que o Decreto tenha gerado imediata reação. Mas além das críticas generalizadas pela falta de respeito aos mecanismos vigentes de nomeação de ministros, quebrando um pilar essencial da divisão de poderes na qual se assenta a república, distintos setores insatisfeitos vêem no Decreto uma estratégia para evitar passar pelo Senado (onde a oposição ao presidente, de base peronista, tem maioria), e, desta forma, obter uma composição de ministros capaz de “resolver” questões urgentes perante a Corte (como a Lei da Mídia e a revisão da decisão da coparticipação orçamentária, entre outras). Um claro retrocesso institucional, que quebra o sistema republicano. Por sua parte, o novo ministro da justiça, Germán Garavano, apoiou o Decreto argumentando que se trata de uma forma legal e constitucional para enfrentar a situação de emergência pela qual passa o tribunal, que só conta três membros ativos. Garavano sinaliza que, por não existirem ainda consensos no Parlamento, a escolha de Macri foi a melhor. Já o chefe do bloco de deputados do partido Frente para a Vitoria, Hector Recalde, indicou que se trata de um abuso de prerrogativas presidenciais. De maneira geral, todo o espectro político acordou surpreso pelo Decreto Presidencial. Vários membros do partido União Cívica Radical (UCR), parte da coalizão oficialista, estão em desacordo com a manobra feita pelo presidente. Vozes de peso como Gil Lavedra chamaram a atenção para o erro de não convocar as sessões legislativas extraordinárias para apreciar as indicações. Na mesma linha se posicionou o atual senador nacional por Mendoza pela União Cívica Radical (UCR) e ex vicepresidente Julio Cobos. Margarita Stolbizer, do partido Geração para um Encontro Nacional (GEN), também parte da coalizão governista, também viu no Decreto um retrocesso jurídico institucional. Houve ainda um conjunto importante de organizações saíram a manifestar preocupação com a decisão de Macri. A Associação Civil pela Igualdade e Justiça (ACIJ), a Associação pelos Direitos Civis (ADC), o Centro de Estudos Legais e Sociais (CELS), a Fundação Poder Cidadão, o Instituto de Estudos Comparados em Ciências Penais e Sociais (INECIP), a Fundação Ambiente e Recursos Naturais (FARN) e a União de Usuários e

Consumidores, declararam de forma conjunta que a independência, imparcialidade e legitimidade da Corte resultaria gravemente afetada, pedindo aos candidatos Rosenkrantz e Rosatti que rejeitem as indicações e ao governo que reconsidere a forma de nomeação dos ministros ao Alto Tribunal. Parte importante do mundo jurídico considera que os dois nomes são boas indicações. Mesmo assim, muitos argumentam que o mero fato de aceitarem ser nomeados mediante esse procedimento lança dúvidas sobre eles. A oposição kirchnerista salientou que Carlos Rosenkrantz foi representante jurídico da empresa multimídia Clarín, que tem interesse direto na futura decisão da Corte sobre a Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual, conhecida como “Lei da Mídia”. Além disso, também no caso de Carlos Rosenkrantz, alguns lembraram suas divergências com relação às decisões da Corte Suprema (casos Simon e Mazzeo) sobre violações de direitos humanos. Essas duas áreas foram pilares da política Kirchnerista. Por outro lado, quanto a esse último ponto, Roberto Gargarella indica que Rosenkrantz fez críticas meramente técnicas às decisões da Corte, em particular em um debate acadêmico da Revista Jurídica da Universidade de Palermo, sobretudo quanto à forma de utilização do direito internacional no âmbito nacional, mas sem que isso signifique que Rosenkrantz estaria contra os processos de punição de violações de direitos humanos. As reações ao procedimento sumário de indicação por decreto parecem ter gerado efeitos. Após reunião com o presidente da Corte Suprema, Ricardo Lorenzetti, em 16 de dezembro, Macri decidiu postergar para fevereiro a posse dos ministros escolhidos – mas sem cancelar o decreto das designações. Simultaneamente, tentará avançar com a exposição dos antecedentes acadêmicos dos candidatos, o prazo das impugnações e com o prazo de revisão por parte da sociedade civil, como requer o Decreto 222/03, que regulamenta o processo de indicações para a Corte. Foi um passo para acalmar as críticas da oposição, da sociedade e da própria coalizão. O oficialismo espera ter avançado para inicio de 2016 cumprindo as exigências de transparência do Decreto 222/03, contando com aval e apoio social, mas ainda sem a aprovação do Senado conforme previsto na Constituição. Assim, longe de se tratar de uma mudança de atitude, o Decreto 83/2015 ainda está em vigência e, por consequência, seus efeitos também. Como parte das reações, mais de vinte e mil pessoas se mobilizaram em frente ao Congresso Nacional contra o pacote de medidas econômicas, a designação dos ministros da Corte e em apoio da “Lei da Mídia”. Neste cenário, Lilita Carrio, deputada da Coalizão Cívica (CC) e arquiteta da coalizão que levou a Macri à presidência, tentou reparar o erro: anunciou que apresentará um projeto de lei para detalhar as formas de nomeação de ministros da Corte Suprema. Mas, no mesmo dia que o projeto seria apresentado, 21 de dezembro, o magistrado federal Alejo Ramos Padilla concedeu uma liminar suspendendo e invalidando as indicações de Macri e ordenando à Corte Suprema não aceitar a posse dos dois novos

ministros. O juiz esclareceu que, caso os dois ministros designados consigam o acordo do Senado, a liminar automaticamente cessará em seus efeitos. Setores do oficialismo indicam que o juiz é parte dos magistrados que apoiavam os Kirchner, além de ser membro da associação Justiça Legitima — uma entidade da sociedade civil alinhada ao Kirchnerismo, integrada majoritariamente por personalidades do âmbito judiciário, que tem por objetivo a democratização do Poder Judiciário, alinhada ao Kirchnerismo. Nesta catarata de contestações, ainda em estado inicial, diferentes vozes da oposição pedem o impeachment do presidente da Corte Suprema, Ricardo Lorenzetti. Uma frente a mais com que o governo vai ter que lidar. O Decreto 83/2015 foi uma escolha que gerou mais problemas que soluções. Mas a luta política só está começando nos diversos espaços institucionais da República. Nos próximos dois textos, discutiremos em detalhes os antecedentes e os próximos passos desse conflito. ___________________________________________________________________________________________________ *Agradeço a Diego Werneck Arguelhes, Felipe Recondo e Carol Ribeiro pelas sugestões e correções. ** A segunda parte deste artigo será publicada nesta terça-feira (29/12)

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