A emergência da sociolinguística soviética das cinzas da psicologia do povo (2012)

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Ana Zandwais (Org.)

HISTÓRIA DAS IDEIAS diálogos entre linguagem, cultura e história

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2012

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Copyright © Editora Universitária Cinara Sabadin Dagneze Sabino Gallon Revisão de Texto e Revisão de Emendas

Sirlete Regina da Silva Projeto Gráfico, Diagramação e Produção da Capa

Este livro no todo ou em parte, conforme determinação legal, não pode ser reprodu­ zido por qualquer meio sem autorização expressa e por escrito do autor ou da editora. A exatidão das informações e dos conceitos e opiniões emitidos, as imagens, tabelas, quadros e figuras são de exclusiva responsabilidade dos autores.

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H673

História das idéias : diálogos entre linguagem, cultura e história / Ana Zandwais (org.). - Passo Fundo: Ed. Universidade de Passo Fundo, 2012. 312 p. : il.; 21 cm. Inclui bibliografia. ISBN 978-857515-790-9 1. Linguagem e línguas - Filosofia. 2. Identidade. 3. Cultura. 4. História - Filosofia. I. Zandwais, Ana, coord. CDU: 800.1

Bibliotecária responsável Jucelei Rodrigues Domingues - CRB 10/1569

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A emergência da sociolinguística soviética das cinzas da psicologia do povo1 Craig Brandist A filologia russa do século XIX foi dominada por uma abordagem derivada da Võlkerpsychologie.2 A lín­ gua e a consciência social eram vistas com o corporificações da "psicologia popular-nacional". As falhas desta abordagem já se tornavam evidentes durante o período pré-revolucionário, mas foi apenas nos anos 1920 que a hegemonia da Võlkerpsychologie foi de­ safiada de forma decisiva. A Võlkerpsychologie foi atacada em nome da "psi­ cologia objetiva" e os estudos concretos da relação entre a língua e a estrutura social foram levados a cabo. Ao redor do fim dos anos 1920, as idéias da Võlkerpsychologie foram agrupadas em uma forma de lingüística sociológica nova e progressista.

ntre as inúmeras conseqüências, pouco es­ tudadas, mas de grande significância in­ telectual, da Revolução Bolchevique, está a ascensão de uma forma incipiente, em­ bora teoricamente sofisticada de sociolinguística,

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1 Nota de pesquisa - A pesquisa para a elaboração deste artigo foi desenvolvida como parte do projeto “A emergência da lingüística sociológica na União Soviética, 1917-1938: instituições, idéias e agendas” desenvolvido no Bakhtin Centre e no Departamento de russo e estudos eslavônicos na Universidade de Sheffield - United Kingdom University - e subsidiada pelo Conselho de Pesquisa Bri­ tânico de Artes e Humanidades. O texto “The Rise of Soviet Socio­ linguistics from the Ashes of Võlkerpsychologie” foi originalmente publicado em Journal o f the History o f the Behavioral Sciences, v. 42, n. 3, p. 261-277, 2006. 2 Nota do tradutor: o termo “Võlkerpsychologie”, referido em língua alemã, pode ser traduzido como “a psicologia do povo”.

na Rússia, muitas décadas antes do aparecimento de um movimento similar no Ocidente. Ainda que a importação de conceitos sociológicos para dentro do campo da ciência da linguagem não fosse exclusividade da Rússia, as condições específicas permitidas pela revolução dotaram a fusão da lingüística com as ciências sociais de uma inflexão parti­ cularmente aguçada nesse país, e as perspectivas socioló­ gicas do resto da Europa foram rápida e criticamente assi­ miladas à luz das tradições lingüísticas nativas da Rússia. Como argumenta Denitskaya (1981), essas tradições tinham emergido de acalorados debates sobre a formação da língua nacional “literária” russa, a partir do eslavo ecle­ siástico, do linguajar comum e de empréstimos lingüísticos (estrangeirismos) que dominavam grande parte da vida in­ telectual a partir da metade do século XVIII até meados do XIX. A medida que a ciência lingüística surgia na Rússia do século XIX, a origem social dos elementos da língua “literá­ ria” foi colocada na vanguarda da atenção dos acadêmicos, e a essa questão foi dada uma acuidade ideológica bastante particular nos artigos dos “críticos cívicos” da metade do século. Assim, Vissarion Belinsky pode escrever nos idos de 1840 que cada estrato social possui suas características lingüísticas e que o espírito de desunião na Rússia era tal que se alguém se encontrasse “por acaso na companhia” de vários grupos sociais, “você acreditaria ter estado presente na grande distribuição das línguas” (1963, p. 63). A novela russa também focou sua atenção na variedade estilística e ideológica da linguagem extraliterária, ligando essa variedade àquela dos grupos sociais em particular, e a posição ideológica do próprio autor frequentemente emer­ gia a partir desses estilos.

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Com os estudos acadêmicos lingüísticos e literários ainda fundidos numa disciplina unitária de filologia, era impossível que os linguistas não estivessem profundamen­ te conscientes das dimensões sociais da linguagem. À lin­ güística pré-revolucionária faltava, contudo, uma teoria social desenvolvida, de forma que este protossociologismo dominante estava encerrado dentro de uma perspectiva go­ vernada pelo conceito da Võlkerpsychologie.3 O presente artigo examina como a lingüística soviética se desenredou da Võlkerpsychologie, tendo sido marcada, não obstante, pelas inquietudes e orientações desta linha de pensamento.

0 estabelecimento da Võlkerpsychologie na Rússia A primeira geração de linguistas soviéticos tinha sido educada em geral por filólogos e linguistas que estavam imersos na psicologia de Moritz Lazarus (1824-1903) e Haymann Steinthal (1823-1899), ou de seu sucessor, Whilhelm Wundt (1823-1920). Como este termo fora cunhado apenas em 1851 (Lazarus, 1851) e o conceito teoricamente elaborado em 1860 (Lazarus; Steinthal, 1860), a Võlkerpsychologie encontrou uma audiência de prontidão entre os filólogos russos quase que imediatamente. Ao aceitar a noção da Võlkerpsychologie de que a lin­ guagem é uma “atividade psico-social”, um “continuum 3 Este termo em geral era traduzido em russo como “pskologiia narodov” (a psi­ cologia das nações, ou dos povos, uma vez que a palavra russa narod significa o povo/a nação, em oposição à natsiia, a nação estado), embora o influente filósofo Gustav Shpet (1927/1989) subsequentemente sugerisse que o termo “etnichesakaia psikhologiia” (a psicologia étnica) fosse mais apropriado. As traduções em língua inglesa são igualmente problemáticas, com o costumeiro e inapropriado “folk psychology” (psicologia do povo), e a obviamente mais apropriada expressão “cultural psychology” (psicologia cultural) não logrou atingir grande aceitação. No presente artigo, manteremos o termo alemão original. A emergência da sociolinguistica soviética das cinzas da psicologia do povo

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lingüístico, desdobrando-se no tempo e no espaço através da atividade lingüística da totalidade dos indivíduos que compõem a sociedade” (Amirova; Ol’khovikov; Rozhdes­ tvenskii, 1975, p. 373). O proeminente filólogo russo Alexsandr Potebnia (1835-1891) referia-se entusiasmadamente ao livro de Stenthal sobre as origens da linguagem, no qual as leis tanto da psicologia individual quanto da Vòlkerpsychologie demonstram governar a relação entre pensa­ mento e linguagem. A influência desse livro, já em 1862, está claramente presente no livro de Potebnia, Pensamento e linguagem (Potebnia, 1862/1993). Potebnia e outro importante filólogo russo, Alexsandr Veselovski (1863-1906), assistiram às palestras de Steinthal em Berlin em 1862-1863, e um ano mais tarde, uma tradução russa de Seinthal e Lazarus (1860) apareceu no periódico Notas Filológicas (Filologicheskie zapiski) (Steinthal; Latsarus, 1864). Potebnia e Veselovski ainda publi­ caram, no órgão do movimento da Vòlkerpsychologie, o Periódico da Vòlkerpsychologie e Lingüística (Zeitschrift fur Vòlkerpsychologie und Sprachwissenschaft) (Toporkov, 1997, p. 338-339) e aplicaram os princípios da nova disci­ plina em seus trabalhos (ver especialmente Berezin, 1976, p. 9-39; Potebnia, 1895/1993: Veselovski, 1959, Zhirmunskii, 1939). Essa versão inicial da Vòlkerpsychologie recebeu uma exposição ainda mais ampla na Rússia em 1867, quando os censores tzaristas travaram uma batalha sem êxito para impedir a publicação da tradução de um manuscrito de Wundt datado de 1863, Palestras sobre a alma humana e a animal (Vorlesungen über die Menschen und Tierseele), onde o livro de Lazarus e Steinthal é destacado, e a maior parte da segunda metade do livro é dedicada a “tópicos que

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foram tratados nas páginas do novo Zeitschrift für Vôlkerpsychologie naquela época” (Danziger, 1983, p. 306).4 Nas décadas de 1870 e 1880, o maior propulsor dos es­ tudos filológicos nas instituições acadêmicas russas estava dentro da história etnográfica e cultural, com a pesquisa lingüística frequentemente sendo tratada como um produ­ to derivado. Inspirados pelo sucesso de pesquisadores do romantis­ mo alemão, tais como os irmãos Grimm, os filólogos russos combinavam investigações acerca do folclore e da literatura oral com reflexões teóricas acerca do mito, e com o princí­ pio central da Volkerpsychologie, o qual diz que a atividade comum dos indivíduos dá origem às formas objetivas cul­ turais, as quais, por sua vez, produzem os sujeitos psico­ lógicos individuais que estão envolvidos em uma atividade comum - o que encontrou uma audiência pronta entre os filólogos. Esses trabalhos de base da filologia russa elege­ ram o movimento alemão como embasamento metodológico do pensamento lingüístico russo.

Volkerpsychologie n° 1 e n° 2 Em 1865, Lazarus salientou que o princípio fundamen­ tal da Volkerpsychologie é de que “no lugar onde quer que várias pessoas convivam, necessariamente, resultará de sua coexistência que um conteúdo mental objetivo desenvolva-se, o qual, por sua vez, se tornou o conteúdo, norma e órgão de sua atividade subjetiva ulterior” (Danziger, 1983, p. 305).

4 A respeito da batalha pelo livro de Wundt e suas conseqüências, ver Joravski (1989, p. 92-104). A respeito da versão inicial de Volkerpsychologie, defendida aqui por Wundt, e repudiada mais tarde, ver Jahoda (1993, p. 172-174). A emergência da sociolinguística soviética das cinzas da psicologia do povo

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A relação entre a atividade psicológica individual e os artefatos culturais produzidos por meio dela era apresenta­ da como um processo dialético, mas havia diversos limites no que tange o ponto até onde esse relato poderia tornar-se um estudo de uma interação sociológica dos indivíduos e dos grupos sociais, uma vez que a língua, a mitologia e os costumes eram entrelaçados de forma a originar um Volksgeist, ou “espírito objetivo” do Volk, “(povo), uma atividade interior comum a todos os indivíduos” (Lazarus; Steinthal, 1860, p. 29). No pior dos casos, o Volksgeist tornou-se uma substância mística, uma Volksseele5 hipostasiada, a qual barrava o caminho para uma análise sociológica mais pro­ funda da língua e da cultura,6 mas tendências compensadoras levantaram ao menos repetidamente a questão das relações entre os grupos sociais dentro de uma única nação. Esta inabilidade para teorizar uma interação pode ser um reflexo da influência da psicologia associativa de Johann Herbart (1776-1841), a qual via a psicologia como “a mecânica da mente”. As idéias, aqui, interagem de for­ ma muito próxima de partículas físicas na física, formando substâncias independentes, através da “apercepção” - “o processo através do qual uma massa de apresentação assi­ mila um material novo ou insere um material menor dentro de sistemas maiores” (Nerlich, 1992, p. 57). No trabalho de Lazarus e Steinthal, esse processo de “apercepção” operava na linguagem, e especialmente no mito; a “forma verbal que é a apercepção da natureza e do homem, a imagem da contemplação em um certo estágio no desenvolvimento da Volkseele” (Steinthal; Lazarus, 1864, p. 35). 6 Nota do tradutor: a expressão pode ser traduzida por “alma do povo”. 6 Ao que parece, Lazarus era o principal responsável por este modo de pensar, ao passo que Steinthal era muito mais cuidadoso ao rechaçar tal hipostatização. A este respeito, ver Kalmar (1987, p. 681). Craig Brandist -

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Foi a rejeição dessa base herbartiana da Vòlkerpsychologie que distinguiu mais claramente o pensamento de Wundt do de seus predecessores. Na medida em que Wundt mantinha o termo de Herbart, “apercepção”, ele o dotava de um sentido diferente, usando-o para denotar o elo en­ tre a percepção e Volkseele. A apercepção agora se torna­ va um “ato voluntário” no qual antigos conteúdos mentais eram levados a uma nova síntese. A Volkseele no trabalho de Wundt não era mais do que “uma maneira convencional de se referir, por um lado, aos processos psicológicos gerais que emergem da reciprocidade (Wechselwirkung) entre os indivíduos e, por outro, aos produtos mentais que resultam dessa reciprocidade, tais como a linguagem e o mito” (Nerlich; Clarke, 1998, p. 182).7 A autonomia relativa de tais “produtos” das vidas fisio­ lógicas individuais que podem ser investigadas experimen­ talmente e o fato de que os produtos são encontrados pelos indivíduos como prontos para a sua participação, significa­ va que havia uma distinção de princípios entre a psicologia fisiológica e a Võlkerpsychologie. Steinthal combinou as idéias de Wilhelm Von Hum­ boldt e Herbart numa tentativa de classificar as línguas e os mitos de acordo com as suas estruturas e correlacionou os mesmos com variados níveis de civilização. Essa corre­ lação foi prontamente aceita pelos filólogos russos, embora Potebnia e outros filólogos demonstrassem um interesse nos detalhes das mutações históricas da forma gramatical e dos modos ocultos de pensar dentro destas, os quais eram bastante distintos da subordinação da gramática à (psico) lógica de Steinthal (Katsnel’son, 1985/2001, p. 797). 7 Wundt, com certeza, não foi claro, ou de todo isento de ambigüidade acerca deste assunto, contudo. A respeito da controvérsia acerca do status da Volkseele, ver Jahoda (1993, p. 182). A emergência da sociolinguística soviética das cinzas da psicologia do povo

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A abordagem de Wundt deixou os linguistas muito mais desconfortáveis, e alguns contestaram as suas idéias lingüísticas. Enquanto Steinthal tinha imposto uma inter­ pretação psicológica de dados lingüísticos a partir do lado de fora, deixando a prática da lingüística relativamente intocada, Wundt, ao mesmo tempo em que fornecia um su­ porte teórico para as suas observações empíricas, interviu diretamente nos típicos debates lingüísticos sobre assun­ tos, tais como mudanças semânticas e a definição de frase (Nerlich; Clarke, 1998, p. 187-188), com o objetivo de subor­ dinar a lingüística à psicologia. Na essência, Wundt tomou ao extremo a visão, àquela época muito difundida, de linguagem “como uma ativida­ de psico-social”, focando-se “nos vários tipos e formas de idéias que a linguagem poderia expressar, dada a compo­ sição psicológica do homem” e diminuindo a significância “dos meios reais dos quais várias linguagens se utilizam para expressar suas idéias” (Amsterdanska, 1987, p. 224). Dessa forma, mesmo aqueles linguistas que não estavam preparados para desafiar a definição de linguagem como uma atividade psicossocial foram compelidos a resistir à redução Wundtiana de lingüística como um suporte técnico da psicologia. A Võlkerpsychologie, destarte, tanto estimulava quan­ to limitava a perspectiva sociológica dos fenômenos lingüís­ ticos. Pelo lado positivo, via a linguagem como uma parte crucial e inseparável da vida social, especificamente da cul­ tura, do Volksgeist. Este Volksgeist é um “comportamento regido por normas e o desenvolvimento da atividade inte­ rior” de um Volk, e este não é mais do que uma variedade de um “espírito de grupo”. Gestamtheitgeist, por sua vez, é o “espírito objetivo”, objektive Geist. Pode existir um tal Geister de “comunidades religiosas, de estados sociais, de escoCraig Brandist

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Ias científicas e artísticas e de outras, certamente” (Kal­ mar, 1987, p. 675). Essa abordagem claramente prometia facilitar a investigação do princípio de unidade por detrás de dialetos específicos e sociais, e, no mínimo, levantava o problema do relacionamento entre esses dialetos e a língua nacional. Pelo lado negativo, contudo, esse potencial foi minado pela incapacidade dos teóricos de sujeitar a interação social à investigação, e por uma relativa inclinação a ver o Geist do grupo nacional como um protótipo para todos os outros (Danzingler, 1983, p. 310-311). Essas características nega­ tivas seriam suplantadas apenas após a revolução.

A lingüística russa às vésperas da revolução Duas escolas importantes de lingüística emergiram na Rússia no final do século XIX, ambas carregando a marca inconfundível da Võlkerpsychologie, a Escola de Moscou, de Filipp Fortunatov (1848-1914) e Aleksei Shakhmatov (1864-1920), e a Escola de Kazan, de Jan Baoudoin de Courtenay (1845-1929) e de Mikolaj Kruszewvski (18511887). A Escola de Moscou esforçou-se por trazer um rigor matemático à lingüística, com uma atenção muito próxima voltada a questões formais; contudo, na parte final de sua carreira, Shakhmatov tornou-se cada vez mais preocupado com fatores psicológicos e sociais e voltou a sua atenção à sintaxe. Para Shakhmatov, a psicologia estuda as leis do pensamento individual, enquanto a sintaxe estuda as nor­ mas da expressão verbal do pensamento; onde a psicologia lida com o pensamento individual e o generaliza a partir das observações da vida espiritual dos indivíduos, a sintaxe lida com as normas trabalhadas através de um meio parti­ cular, as quais são obrigatórias para todos os falantes que querem ser ouvidos e compreendidos. A emergência da sociolinguística soviética das cinzas da psicologia do povo

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O funcionamento da linguagem na sociedade é agora determinado pela interação entre as leis psicológicas e lin­ güísticas, com o “social” limitado aos fatores que são co­ muns a todos os indivíduos envolvidos (Bezlepkin, 2002, p. 125). Como observou Grigorii Vinokur (1925, p. 14), quando Shakhmatov fala sobre a linguagem da sociedade, de um povo, e assim por diante, está falando apenas de “uma com­ binação das linguagens dos indivíduos que encetam certas relações devido à unidade de suas origens em comum”, po­ sição que é típica da Vòlkerpsychologie. Assim como Potebnia, antes dele, Shakhmatov insistia que o estudo da forma lingüística é mais do que um mero suporte técnico da psicologia; este, não obstante, aceitou a ideia de que as estruturas lingüísticas são, e devem ser estudadas como os produtos de normas psicológicas gerais, o reino da Vòlkerpsychologie. Shakhmatov, assim, enaltecia Wundt por revelar “os processos psicológicos que dão origem à linguagem e ao seu desenvolvimento mais aprofundado”, embora o tenha criti­ cado por prestar muito pouca atenção à história concreta das línguas dos “povos cultos”, conforme encontradas em seus “monumentos” culturais, e por basear as suas obser­ vações na linguagem de povos “primitivos” (citado em Be­ rezin, 1976, p. 166). Contudo, a pesquisa lingüística prática logo começou a expor os limites da Vòlkerpsychologie enquanto base teóri­ ca para a teoria da linguagem. Em 1899, Shakhmatov deu início a um projeto em prol da descrição sistemática dos dialetos da Rússia (Shakhmatov, 1899) e foi igualmente a maior força organizadora por detrás do estabelecimento da Comissão Dialetológica Moscovita da Academia Russa de Ciências, a qual iniciou seus trabalhos em 1904 e produCraig Brandist

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ziu o primeiro mapa dialetal da Rússia em 1915 (Durnovo; Sokolov; Ushakov, 1915). A língua como sistema sincrônico passou à vanguarda dessa pesquisa quando os acadêmicos russos começaram recorrer ao trabalho de geógrafos dialetais, tais como Georg Wenker, na Alemanha, e Jules Gilleron, na França. Em tor­ no da mesma época, a influência da lingüística sociológica francesa começou a se fazer sentir na Rússia, e seu princi­ pal representante chegou mesmo a tornar-se um membro correspondente da Academia Russa de Ciências em 1906, no exato momento em que seu famoso trabalho acerca das causas sociais das mudanças semânticas (Meillet, 19051906/1926) estava aparecendo nos Anée Sociologique de Durkheim (Shcherba, 1966, p. 97). Já em 1916, as investigações de Shakhmatov acerca da formação da língua russa e a sua pesquisa dialetológica o tinham levado a várias perspectivas no que toca às dimen­ sões sociológicas da formação lingüística. Ele podia, assim, argumentar que o crescimento e a disseminação do dialeto moscovita que formaria um koiné8urbano, e que, em última instância, iria se tornar a língua russa, devia-se ao cresci­ mento das cidades, ao comércio de mercadorias e à forma­ ção de uma classe dominante estável (Desnitskaia, 1981, p. 80-81). Toda esta análise protossociológica, contudo, per­ maneceu dentro da estrutura de um estudo da formação da língua nacional, enquanto um aspecto da formação de uma psicologia nacional. A escola de Kazan (mais tarde, a escola de São Petersburgo) estava ainda mais intimamente integrada na tra­ dição da Vòlkerpsychologie. Numa pesquisa sobre linguísNota do tradutor: este vocábulo refere-se a “uma língua comum, uma línguafranca”. O koiné era originalmente o grego popular que surgiu no fim do período clássico. A emergência da sociolinguística soviética das cinzas da psicologia do povo

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tica escrita no início do século XX, Baudouin de Courtenay observou que havia um movimento de distanciamento da abordagem filológica da linguagem, e que a lingüística mo­ via-se em direção a “outras ciências que estariam mais in­ timamente relacionadas” (Boduen de Kurtene, 1904/1963, p. 110). A psicologia estava entre uma das mais significa­ tivas dessas ciências e o aluno de Baudouin de Courtenay, Stanisl’aw Szober, observou imediatamente após a morte de seu mestre que Steinthal exercera uma forte influência sobre Baudouin de Courtenay. Vários outros comentários surgiram desde então no que toca ao débito intelectual de Courtenay para com Stheintal. Amirova, Ol’khovikov e Bozhdestvenskii (1975, p. 373) convincentemente argumentam que Baudouin de Courte­ nay adotou a noção de Stheintal de que a linguagem é “um continuum lingüístico” em oposição à noção de Schleicher de linguagem como um organismo. Para Baudouin de Cour­ tenay, assim como para Stheintal, (1864, p. 68-69), “a lin­ guagem existe apenas nos cérebros individuais, apenas nas almas, apenas nas psiques dos indivíduos ou das pessoas individuais que formam uma determinada comunidade lin­ güística” (1904/1963b, p. 71).9 Sharadzenidze (1980, p. 30) chega ao ponto de argumentar que Baudouin de Courtenay permaneceu um seguidor de Stheintal até o fim, adotando as suas “concepções lingüísticas gerais junto com a psicolo­ gia associativa herbartiana e a Võlkerpsychologie”. Certamente, há evidências para corroborar tal fato. O artigo enciclopédico sobre lingüística, de 1903, de Baoudouin de Courtenay, argumenta que “o caráter original­ mente metafísico deste ramo científico tem diminuído cada vez mais em vista do tratamento psicológico da linguagem Para uma lista de referências das críticas de Steinthal à Schleichner, ver Kalimar (1987, p. 282, n. 49). Craig Brandist

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(Stheintal, Lazarus et al.), o qual recebe cada vez mais ade­ sões e o qual tornar-se-ia, gradualmente, de acordo com a base psíquica da linguagem humana, o único viés na lin­ güística” (citado em Koerner, 1973, p. 145, n. 8). O aspecto herbartiano do trabalho de Baudouin de Courtenay fica claro em outro artigo enciclopédico do ano seguinte, onde ele argumenta que a linguagem, entendida como “a capacidade de falar, pode ser reduzida à capacida­ de de associar apresentações (predstavleniia) extralinguísticas (exibições de sentido em geral), com apresentações de certos movimentos do próprio organismo, os quais têm um efeito sobre os sentidos de alguém ou de outrem (chuvstva)” (1904/1963, p. 70).10 Baudouin de Courtenay manteve uma amizade e uma longa correspondência com Meillet, assim como correspon­ dia-se com Saussure, e ele ocupava uma posição em algum lugar entre a Võlkerpsychologie e as posições de seus dois interlocutores franceses: a lingüística sociológica e a es­ trutural, respectivamente. A sua proximidade com Meillet fica visível na quantidade significativa de atenção que ele prestou à estratificação social da linguagem de acordo com fatores regionais, socioeconômicos, religiosos, entre outros (Leont’ev, 1966). Por um lado, ele via as línguas como sen­ do estratificadas “horizontalmente”, de acordo com carac­ terísticas nacionais (narodnye), territoriais e etnográficas, e marcadas por diferenças na pronúncia. Por outro lado, as línguas eram estratificadas “verticalmente”, de acordo com a educação, a profissão e a classe social, com a língua sendo usada de diferentes formas, com expressões das dife10 Aqui e em todos os lugares, Baudouin de Courtenay, assim como Krushevskii, usou predstavlenie no sentido do Vorstellung de Herbart. Dessa forma, a asso­ ciação psicológica é repetidamente nomeada “a combinação das associações” [soedinenie predstavlenii], sobre a qual ver Boduen de Kurtene (1988/1963d, p. 184-186). A emergência da sociolinguística soviética das cinzas da psicologia do povo

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rentes visões de mundo (Boduen de Kurtene, 1908/1963a). Baudouin de Courtenay estava adotando aqui os princípios humboldtianos de linguagem, enquanto visão de mundo, para realizar uma investigação sociológica, de um modo que nunca havia sido observado antes. Além disso, argu­ mentava que se olhando para uma determinada língua por certo período de tempo, é possível discernir forças centrípetas e centrífugas em funcionamento e regularidades sociais na mudança da língua. Por ter teorizado a língua desta maneira, ele foi o pen­ sador sociológico sobre a língua mais influente do período pré-revolucionário; não obstante, assim como em Shakhmatov, suas reflexões sociológicas estavam sempre subor­ dinadas à psicologia. Como ele observa, um pouco antes do final de seu artigo de 1904, “a língua não existe ou muda arbitrariamente, obedecendo a algum capricho, e sim de acordo com leis permanentes - não de acordo com as ‘leis dos sons’ [dos neogramáticos], pois tais leis não existem e tampouco poderiam existir na língua, mas unicamente de acordo com leis psicológicas e sociológicas, e é por isso que nós identificamos a sociologia com o que é conhecido como psicologia das nações (Vôlkerpsichologie)” (1904/1963b, p. 94).u Essa preponderância da Vôlkerpsychologie, no pensamento de Baudouin de Courtenay, levou Meillet, um sociólogo um tanto quanto mais ortodoxo, a observar, em uma carta enviada a Baudouin de Courtenay: “Estou in­ clinado à repreendê-lo por prestar atenção excessiva ao lado psicológico em detrimento das questões fisiológicas e1 11 Essa noção da sociologia como a filha da Vôlkerpsychologie era também comum na Alemanha desta época. Lazarus Schweiger ganhou o prêmio Moritz Lazarus de 1899 pelo estudo da Vôlkerpsichologie e sociologia, no qual declarava que a primeira das duas constituía um “estágio inicial” da segunda. Acerca disso e do débito do sociólogo primordial Georg Simmel para com Steinthal e Lazarus, ver Frisby (1984, p. 122). Craig Brandist

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sociológicas, as quais, em minha opinião, são, no mínimo da mesma forma importantes” (Leont’ev, 1966, p. 331). O mesmo recurso à VòIkerpsychologie também impe­ diu Baudouin de Courtenay de desenvolver muitas de suas perspectivas acerca da teoria estrutural do fonema. Já em 1870, Baudoin de Courtenay distinguia entre a língua “in potentia” (iazyk) e a linguagem “in actu” (rech), da mesma maneira que Saussure distinguiria entre langue e parole. Ele explicitamente colocou o fonema na langue. Baudouin de Courtenay e Kruszewski, em seguida, apresentaram um trabalho revolucionário sobre o fonema enquanto um conceito funcional, com o foco firmemente co­ locado sobre as relações entre som e sentido. Contudo, após a morte prematura de Kruszewski, Baudouin de Courtenay desligou-se de seu estudo autônomo sobre fonética e pro­ curou uma ponte entre a fonética e a psicologia, a qual ele chamou de “psicofonética”. A ideia da Võlkerpsychologie de que a língua é uma atividade psicofísica que permeia a perspectiva da língua desenvolvida pelos neogramáticos reafirmou-se em seus trabalhos da maturidade, e “os pro­ cessos psíquicos individuais são considerados como a única realidade da língua, enquanto o seu aspecto social é toma­ do como pura ficção, privado de uma existência objetiva, ou como um produto artificial” (Jakobson, 1971, p. 419; ver também Amsterdamska, 1987, p. 258-259; Loia, 1929, p. 133-138). O desenvolvimento total da sociolinguística exi­ gia uma ruptura com a herança psicológica do século XIX.

A queda da Võlkerpsychologie Logo nos primeiros anos após a revolução, a Volkerpsychologie reteve a sua hegemonia na lingüística soviéti­ ca e na psicologia. À medida que a indústria começava a A emergência da sociolinguística soviética das cinzas da psicologia do povo

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recuperar-se após a devastação da guerra civil, a agenda pré-revolucionária da psicologia da linguagem permanecia a mesma. A republicação dos trabalhos de Potebnia come­ çou em 1922, iniciando por Pensamento e linguagem, e con­ tinuando com a publicação de Ensaios sobre a psicologia da linguagem, um livro potebniano de P. A. Buzuk (Peterson, 1928, p. 207-208).12 A influência de Wundt permaneceu forte na psicologia, especialmente enquanto o seu seguidor e ex-aluno Georgii Chelpanov (1862-1936) permaneceu diretor do primeiro Instituto de Psicologia na Rússia. Chelpanov tinha funda­ do aquele que era talvez o melhor laboratório da Europa daquela época em termos de pessoal e de equipamentos, e procurava manter o elo wundtiano entre a psicologia e a filosofia (Kozulin, 1985). Com certeza, um dos primeiros livros (re)publicados após a revolução foi a sétima edição do livro Introdução à füosofia (1918), de Chelpanov, no qual ele concede a Wundt grande proeminência, e isso tudo não obstante houvesse uma séria falta de recursos materiais, como o papel. O assistente sênior e grande sucessor de Chelpanov, Konstantin Kornilov (1879-1957), também se proclamara seguidor de Wundt e o grande bolchevique Nikolai Bukha­ rin (1888-1938) citara Wundt como autoridade em psico­ logia em sua influente cartilha sobre sociologia marxista em 1921 (Joravsky, 1989, p. 208, 223). Foi a racionalidade wundtiana em torno da Võlkerpsychologie que Bukharin discutiu mais entusiasticamente (Bukharin, 1921-1926, p. 95), mas, enquanto o livro de Bukharin ganhou notorie­ dade aproximadamente ao fim dos anos 1920, a influência 12 Pode ser significativo que a segunda edição “retrabalhada e suplementada” (Bu­ zuk, 1924) fosse reintitulada “Problemas fundamentais da lingüística”, dessa forma, deslocando a atenção do paradigma psicológico. Craig Brandist

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de Wundt recebeu um golpe decisivo quando Kornilov subs­ tituiu Chelpanov e lançou um movimento em prol de uma “reconstrução marxista” da psicologia em 1924. A ascensão de Kornilov ao poder foi forjada por meio de uma luta contra Chelpanov, cujo subjetivismo idealista ele repetidamente colocava em pauta, o qual ele frequente­ mente elevava à categoria de meta. Nesse processo, Korni­ lov também se distinguiu fortemente de Wundt e estabele­ ceu o padrão de consignar a Võlkerpsychologie à lata de lixo idealista. A psicologia logo se viu dividida entre dois campos: (a) psicologia subjetiva ou psicologia geistswissenscheftliche, associada com Dilthey e Volkerpsychologie, e (b) psicologia objetiva, a qual incluía tais variantes como o behaviourismo americano, a “reflexologia” de Pavlov e psicologia da Ges­ talt. A tão sonhada “psicologia marxista” era geralmente considerada como uma nova variante da segunda corrente, de tal forma que a primeira tornou-se um grupo de propo­ sições contra as quais a nova psicologia soviética deveria se definir.13 Isto afetou a teoria lingüística quando em 1927, em Leningrado, Sorgei Dobrogaev organizou um laborató­ rio de pesquisa sobre a fisiologia da fala no Instituto de Pesquisa Científica de História Comparada da Literatura e Línguas do Ocidente e do Oriente (Nauchno-issledvatel’skii institut sravnitefnoi isrorri literatur i azykov Zapada i Vostoka, ILIaZV), que a partir de 1930 passou a ser conhecido como Instituto Estatal da Cultura Discursiva (Gosudarstvennyi institut rechevoi kul’tury [GIRK]).

13 O resultado direto mais importante desta tendência inaugurada pela as­ censão de Kornilov foi o trabalho de Vygotskii e de seus seguidores Luria e Leont’ev. Acerca desta conexão, ver Van de Veer e Valsiner (1991, p. 112-140). Vygotskii’s O pensar e o discurso (1934) marca a forma mais madu­ ra de sua psicolinguística e a abordagem cultural-histórica à psicologia. A emergência da sociolinguística soviética das cinzas da psicologia do povo

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Um dos objetivos específicos do laboratório era “o es­ tudo experimental de leis básicas da fisiologia do compor­ tamento discursivo humano como fenômeno anatômico-fisiológico e social” (TsGALI f. 288 op. ld. 39.1.80). Em um artigo programático, Dobrogaev (1929) argumentava que, unidas, a lingüística sociológica e fisiologia pavloviana do discurso trariam o fim do reinado do “psicologismo subjeti­ vo”. Dentro dessa abordagem sociológica, o domínio da psi­ cologia das nações (psikhologiia narodov), a versão russa de Volkerpsychologie, iria agora ser substituída pela psicologia das classes, e sob as novas condições, a nação não poderia mais ser considerada o protótipo de outros grupos sociais. Um dos fatores mais importantes nessa mudança de posição da comunidade acadêmica contra as idéias wundtianas, não foi, contudo, a ascensão da teoria sociológica, ou da teoria pavloviana dos reflexos e, sim, a substituição da Volkerpsychologie pela psicologia “antipsicologia” que derivava do ato psicológico de Brentano e da fenomenologia de Husserl como a base das reflexões da linguagem. Fo­ ram cruciais para tais desenvolvimentos os relatos de atos de fala dialógicos desenvolvidos por Anton Marty (1908) e Karl Bühler,14 que foram desenvolvidos em oposição cons­ ciente às teorias “monológicas” de Wundt (e, até certo pon­ to, de Husserl). Foi crucial para esta reorientação a substituição da Volkseele de Wundt pelo “outro” de forma que esta intera­ ção social tornou-se o “assento” dos fenômenos lingüísticos (Nerlich; Clarke, 1998, p. 189). Essa substituição também forneceu uma ponte para a lingüística inter subjetiva de Mi­ chel Bréal, para quem o receptor é a orientação central e de 14 A abordagem de Bühler foi desenvolvida em diversos trabalhos, a começar pela sua crítica a Marty (1908) e culminando em sua elaborada Teoria da linguagem de 1934 (Bühler, 1934/1990). Craig Brandist

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lá para Antoine Meillet, que, como Mounin observa, adotou a orientação sociológica de Bréal, e graças aos seus contatos com Emile Durkheim dotou-a de um “caráter mais formal­ mente teórico” (Mounin, 1972, p. 62). Registros de seminários de pesquisas realizados nas instituições soviéticas iniciais que lidavam com a teoria da linguagem demonstram como os trabalhos de Marty e de Buhler eram regularmente debatidos (Freiberger-Sheikholeslami, 1982; Poleva, 2000; Ushakov, 2001; Rgali f. 941, d. 14, 1.24-5), e muitos trabalhos soviéticos importantes e influentes que emergiram nos anos 1920 resultaram de uma assimilação de novas idéias psicológicas e lingüísti­ cas. Dentre os mais influentes estavam Gustav Shpet e sua tentativa de retomar, de acordo com a sua agenda fenomenológica, a noção humboldtiana de uma forma interna da língua, a qual tinha sido absorvida pela Volkerpsychologie por Steinthal, que fora aluno de Humboldt, e pela lingüísti­ ca russa por Potebnia. A noção de Marty de “uma forma interna da palavra”, resultante da divergência do sentido etimológico e pragmá­ tico, na medida em que o falante almeja evocar o sentido na mente do ouvinte, fora particularmente produtiva aqui. Nesse ínterim, Peterson defendia as idéias de Meillet no Instituto Moscovita de Linguagem e Literatura, o que pode ser exemplificado em seu artigo sobre Meillet e Saussure na Pechat’i Revoliutsiia, um dos periódicos mais influentes de seu tempo (Peterson, 1923). A queda da Volkerpsychologie, de sua posição de au­ toridade, dessa forma, resultou de um ataque tríplice ao legado de Wundt. Em primeiro lugar, a mudança dentro da psicologia, aproximando-se das tendências “objetivistas”, tais como o behaviourismo, a psicologia da Gestalt e a reflexologia da escola de Pavlov desempenhavam um papel A emergência da sociolinguística soviética das cinzas da psicologia do povo

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similar ao “repúdio positivista” presente na obra de Wundt que Kurt Danziger (1979) notou na psicologia ocidental. Em segundo lugar, a Volkerpsychologie sofreu um “repúdio lingüístico”, que surgira dos trabalhos de Marty e Bühler, conforme foi discutido por Nerlich e Clarke (1998). Final­ mente, houve um “repúdio sociológico” que resultou da du­ pla influência da sociologia de Durkheim e do marxismo. Conforme observa Robert Farr (1996, p. 41-44), a di­ visão rígida de Durkheim entre o domínio dos objetos da psicologia e da sociologia, na base da distinção entre as re­ presentações individuais e coletivas, fora particularmente importante para selar o destino da Volkerpsychologie nas ciências sociais. Embora o trabalho do próprio Durkheim, o qual fora baseado claramente em idéias neokantianas, fosse suspeito para a maioria dos marxistas soviéticos, a influência das idéias permeara a vida acadêmica soviética pelo trabalho de dois estudantes, Meillet e Lucien Levy-Bruhl. Outro repúdio sociológico da Volkerpsyhcologie, que foi de particular influência no período soviético inicial, foi o de Georg Simmel (Frisby, 1984), cuja concentração de “for­ mas de associação”, relações entre as culturas subjetiva e objetiva foi prontamente e rapidamente assimilado. Esses desenvolvimentos importantes foram, contudo, ofuscados pela ditadura estridente na lingüística soviética exerci­ da entre 1931 e 1950 pelos seguidores de Nikolai Marr (1864-1934). Combinando noções de Volkerpsychologie sobre a na­ tureza psicofísica da linguagem com o trabalho de Levy-Bruhl acerca da “consciência primitiva” e princípios super­ ficialmente marxistas,15Marr argumentava que os estágios16 16 É importante notar, contudo, que a influência de Wundt é igualmente evidente no trabalho de Marr acerca da ascensão da linguagem verbal a partir de uma “linguagem gestual”. Craig Brandist -

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de desenvolvimento da linguagem correspondem aos do de­ senvolvimento das forças e relações de produção e que, uma vez que as relações de produção gozam de uma primazia explanatória, classes diferentes falam línguas diferentes. Isso foi combinado com idéias estranhas sobre a derivação de todas as línguas a partir de quatro elementos primá­ rios e com a negação da realidade das famílias lingüísticas. Enquanto essa teoria ganhou o reconhecimento oficial, em 1931, como “o marxismo em lingüística” e manteve tal sta­ tus até que Stalin a denunciou em 1950, permaneceu não mais do que uma teoria entre muitas outras nos anos 1920 e, até certo ponto, não recebeu mais do que um crédito par­ cial de muitos linguistas nas décadas de 1930 e 1940. Além disso, áreas inteiras do estudo lingüístico foram deixadas de lado na abordagem unilateral da língua de Marr, a qual concentrava-se num passado muito distante e no futuro inverificável do desenvolvimento da língua. Um estudo explo­ ratório da relação entre a Volkerpsychologie e o marrismo requer um tratamento em separado, e deve ser deixado de lado aqui.16

0 repúdio sociológico da Volkerpsychologie A hostilidade contra o psicologismo era, inicialmente, mais forte entre os herdeiros intelectuais da Escola Mos­ covita de Lingüística do que entre os linguistas de Petrogrado (mais tarde Leningrado). Essa hostilidade devia-se mais, provavelmente, ao maior envolvimento (inicial) dos linguistas de Moscou na pesquisa dialetológica. O Círculo Lingüístico de Moscou (CLM) fora formado em 1915 como16 16 Acerca do marrismo, ver Alpatov (2004); acerca das idéias instáveis de Nicolai Marr, ver Thomas (1957). A respeito da relação do marrismo com a Volkerpsy­ chologie, ver Brandist (2005). A emergência da sociolinguística soviética das cinzas da psicologia do povo

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uma iniciativa de certos estudantes dentre os membros mais proeminentes da Comissão Dialectológica de Moscou (CDM), Ushakov e Durnovo, e os dois grupos permanece­ ram em contato próximo (Barankova, 1999, p. 363). De fato, Grigorii Vinokur esteve, por certo tempo, pessoalmen­ te envolvido com ambos os grupos (Tseitlin, 1965, p. 12-13), ao passo que Roman Jakobson tentou combinar a dialetologia descritiva com a histórica numa análise sobre a ma­ neira como as mudanças lingüísticas na região de Moscou poderiam ser explicadas por seu papel cultural e político. Enquanto Matejka (1987, p. 309) está certamente correto ao observar como a pesquisa dialetológica do CLM levou a preocupações sociais, o trabalho da pré-revolução de seus membros não mostrou um avanço significativo em relação ao trabalho de Shakhmatov de 1916, e pode realmente ter sido amplamente derivado do mesmo. O potencial sociológico da pesquisa dialetológica foi atingido apenas após 1917 quando a avaliação geral favo­ rável mudou decisivamente da Volkerpsychologie para uma explicação sociológica: o trabalho de Saussure foi trazido à atenção dos pesquisadores e tentativas de atualizar o estu­ do da linguagem começaram a ganhar maior seriedade. Foi apenas em 1926/1927 que os membros do Centro de Lin­ güística de Moscou (CLM), agora trabalhando no Instituto Moscovita de Linguagem e Literatura, finalmente começa­ ram a delinear sistematicamente a abordagem sociológica da língua. Em A cultura da língua (1925), Vinokur procurou en­ terrar a herança do psicologismo da lingüística russa do século XIX defendendo a lingüística sincrônica de Saussure como uma precondição necessária para a busca de uma po­ lítica coerente da língua. Os livros A língua e a sociedade (1926), de Rozalia Shor, e A língua como fenômeno social Craig Brandist -

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(1927) foram tentativas similares de atualizar a lingüística soviética absorvendo os ideais de Saussure, Meillet e Vendryes. A popularidade desses linguistas de língua francesa entre os pensadores soviéticos era tal que as traduções em russo desses trabalhos apareceram já em 1930, apesar do marrismo dominante na época.17 Shor apresenta o seu trabalho como uma tentativa de tornar as idéias da Europa Ocidental acerca da língua e da sociedade acessíveis à audiência soviética, embora pro­ curasse ligar os “dialetos sociais” às psicologias de grupo que surgem das complexidades da produção econômica na sociedade contemporânea. As relações de produção finalmente atingem uma primazia explanatória nesta análise, demonstrando que os princípios marxistas já haviam atingido o estudo lin­ güístico. Nessa tentativa de delinear a metodologia para compreender a língua como um fenômeno social, Peterson admitiu que o Círculo Dialetológico de Moscou (CDM) ha­ via reconhecido a dimensão social da língua apenas “por acidente”, por assim dizer, e seguiu Meillet ao conectar a análise funcional da língua com o relato das funções so­ ciais de Durkheim. Como se pode esperar desta abordagem durkheiniana, contudo, aqui nós temos uma análise socio­ lógica geral e a primazia das relações de produção não é invocada. Em cada um dos casos, o foco do estudo havia se distanciado do que Baudouin de Courtenay havia chamado de “estratificações horizontais” para “estratificações verti­ cais” da linguagem. Em Petrogrado (mais tarde Leningrado), onde a influência de Baudoin de Courtenay era mais pronuncia17 Meillet foi inclusive altamente elogiado por Loja (1929, p. 206-209, 211) em uma coleção editada por Marr em 1929. Para uma discussão extraordinária da recepção das idéias lingüísticas francesas entre os acadêmicos soviéticos, ver Denitskaia (1991). A emergência da sociolinguística soviética das cinzas da psicologia do povo

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da, o impacto da revolução saussureana na lingüística foi menos imediato. Nos primeiros anos do pós-revolução, o trabalho dos formalistas de Petrogrado continou a carregar a marca do psicologismo de Baudouin de Courtenay, e, de fato, esses linguistas nunca se liberaram totalmente deste tipo de psicologismo.18 As primeiras aplicações do modelo funcional da linguagem usadas aqui se limitavam a dis­ tinguir entre a linguagem poética e a prosa de uma forma que ainda se sustentava na teoria de Potebnia. Contudo, as funções identificadas da linguagem logo proliferaram e en­ contraram aplicações sociológicas agora que “o outro” havia alcançado o front das preocupações filosóficas. No trabalho de Lev Iakubinskii (1923/1986), um es­ tudante que fora aluno de Baudouin de Courtenay e Shakhmatov e por certo tempo membro do grupo OPOIaZ de formalistas de Petrogrado, a abordagem funcional da língua desenvolve-se de forma a tornar-se uma análise sus­ tentada de diferentes tipos de diálogos e de monólogos, os primeiros sendo considerados como “naturais”, ao passo que os segundos são artificiais e correlacionados com auto­ ridade. Essa concepção foi mais tarde passada a Valentin Voloshinov, que desenvolveu o que conhecemos hoje como modelo de diálogo “bakhtiniano”, ao combinar os princípios de Iakubinskii, fundindo os tipos funcionais de enunciação com o “modelo de organon” do ato de fala desenvolvido por Bühler (Brandist, 2004). O diálogo e a corporificação dis18 Isso pode explicar a abertura relativa dos linguistas de Lenigrado (ao contrário dos de Moscou) às idéias marristas nas quais o estágio do desenvolvimento de uma língua e a mentalidade de seus falantes foram identificados com base no fato de que ambas são superestruturas que surgiram da base econômica. Devese notar que Baoudouin de Courtenay estava entre os muitos linguistas, tais como Hugo Schuchardt, que respeitavam o trabalho do estágio inicial da carrei­ ra de Marr sobre as línguas jaféticas, e que inclusive correspondia-se com ele. Isso pode, contudo, explicar porque é a partir deste quarto de século que a maior oposição de princípios ao marrismo surgiu na pessoa de Polivanov, uma vez que os dois pensadores competiam pelo mesmo território/chão. Craig Brandist

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cursiva da interação subjetiva, agora se tornam a forma interna da linguagem e da cultura. A noção de que a lingua­ gem corporifica uma visão de mundo e que o diálogo é um encontro de visões de mundo no processo criativo da pro­ dução cultural é extrapolada para o trabalho do Círculo de Bakhtin, cujos membros jamais conseguiram estabelecer uma fundação institucional para as suas frequentemente sofisticadas descrições da cultura. Os trabalhos mais iniciais acerca da poesia permane­ ceram enraizados na psicofonética de Baudouin de Courte­ nay, mas gradualmente o imperativo sociológico começou a dominar, e os dois alunos de Courtenay, Iakubinskii e Evgenii Polivanov, separaram-se do grupo e começaram a ligar seu trabalho com a teoria social marxista e com as ta ­ refas práticas da política lingüística soviética.19 Enquanto ambos os pensadores partilhavam de um ponto de parti­ da e de um padrão de desenvolvimento comum, as teorias que eles desenvolveram eram muito distintas. Conforme Leont’ev (1961, p. 117) observa, Polivanov seguiu Baudouin em sua visão da língua como uma função do pensamento lingüístico individual: o fato da existên­ cia de uma língua comum é condicional no aspecto comunal das condições sócio-econômicas. Iakubinskii similarmente susten­ tava que “a linguagem é uma variedade do comportamento hu­ mano”, mas “o comportamento humano é um fato psicológico (biológico), como uma manifestação de um organismo humano, e um fato sociológico, uma vez que tal comportamento depende de uma vida combinada deste organismo com outros organis­ mos em condições de interação.” Contudo, se para Iakubinskii, a bem testada influência da reflexologia [de Pavlov] parece es­ tar presente, como todos os fatores condicionando o processo 19 Deve-se observar que, enquanto membros da OPOIaZ, Polivanov e, igualmente, Viktor Zhirmunskii também participaram de encontros de MLC (Tseitlin, 1965, p. 14), uma experiência a qual sem dúvida contribuiu para o seu interesse tardio em dialetologia. Loja também agradece Iakubinskii pelo seu apoio em um ata­ que frontal aos seguidores do subjetivismo-idealista de Baudouin de Courtenay em um artigo científico apresentado já no ano 1926, em maio (1929, p. 133). A emergência da sociolinguística soviética das cinzas da psicologia do povo

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discursivo de forma igualitária, Polivanov considera o fator so­ cial definitivo e - o mais importante - ele não prende o seu “as­ pecto comunal da massa aperceptiva dentro dos limites de um dado ambiente”: ele vê o discurso [rech’] como um “processo de trabalho (assim como possuidor das mais importantes funções sócio-econômicas),” isto é, uma atividade que é social por força de sua própria natureza.

Em cada caso, então, a visão da linguagem Vôlkerpsychologie de Baudoin de Courtenay como um processo dinâmico e “um continuum espaço-temporal” permanece, mas a potência contínua da psicologia herbartiana varia. O artigo de 1923 de Iakubinskii sobre o discurso dialógico, o qual é a fonte da maioria das citações originais, dentro das quais a citação anterior, ressoa com um tom ti­ picamente herbartiano, embora esse tenha diminuído significantemente à medida que as idéias de Iakubinskii de­ senvolveram-se no decorrer da década. Tanto Iakubisnkii quanto Polivanov, não obstante, permaneceram isolados dos piores excessos do reducionismo sociológico que asso­ lou a lingüística soviética nos anos 1930 pela insistência de Baudouin de Courtenay na distinção fundamental entre as histórias internas e externas da linguagem. Destarte, em torno do início da década de 1930, Iakubinskii tinha classificado a raiz das variadas funções da linguagem em duas primordiais: a linguagem como meio de intercurso e a linguagem como ideologia. No entanto, ele insistia que, enquanto essas são distintas, a linguagem sempre apare­ ce nas duas funções, e a contradição entre estas funções, a qual é determinada por circunstâncias socioeconômicas, age como um “motor interno” do desenvolvimento de uma língua (Ivanov; Iakubinskii, 1932, p. 62). Polivanov, da mesma forma, distinguia entre “as leis técnicas do desenvolvimento lingüístico” e os fatores extralinguísticos econômicos e fatores políticos que interagem e Craig Brandist

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servem exatamente como este “motor interno”. Assim, “a mudança social não afeta a direção (isto é, o resultado fi­ nal) de algum processo histórico-fonético separado. Para os fatores de um caráter social (econômico-político) há uma arena de ação muito mais ampla destes [fatores] que pode depender de uma questão radical: haverá uma dada evolu­ ção na língua de uma dada coletividade ou não?” (Leont’ev, 1961, p. 118). No decorrer da década de 1920, uma série de desen­ volvimentos transformou o trabalho dos linguistas de Petrogrado, com variadas idéias unindo-se para formar, na melhor das hipóteses, uma síntese bem-sucedida e, na pior, um interessante sincretismo das idéias que eles tinham herdado. Uma dimensão importante foi a mudança da poé­ tica considerada de forma mais estrita para a análise do discurso público (‘p ublichnaia rech’) em geral. Essa nova ênfase ficou particularmente aparente em 1924, quando diversos membros da ex-OPOIaZ uniram-se para analisar a linguagem e o estilo dos trabalhos de Lênin no periódico Lef. Já em 1926, Iakubinskii tinha estabelecido um projeto de pesquisa coletivo a partir dessa pesquisa na ILIaZV. O foco agora havia sido ampliado para abarcar “o discurso po­ lítico público contemporâneo russo, tanto do aspecto do ma­ terial dos maiores oradores do Partido Comunista da União Soviética como do discurso público de massa”. Dois proble­ mas foram apresentados para uma atenção particular: “1) a precisão gramatical e a lexical, nas condições do discurso público em massa; e 2) as questões dos mecanismos [priemy\ da dialética do discurso” (TsGALI, f 288, op. 1, d. 39, 1.4).20 20 Este projeto complementou outro liderado por Desnitiskaia, mas foi realizado em colaboração com Iakubinskii et al., para “as enunciações acerca da lingua­ gem e da literatura” a partir dos “clássicos do Marxismo e do materialismo dia­ lético” (TsGALI f.288, op.l, d.39, 1;1, 4.4, 1-6). Os volumes resultantes desses projetos foram subsequentemente publicados diversas vezes. A emergência da sociolinguistics soviética das cinzas da psicologia do povo

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Esses desenvolvimentos aconteceram com a conso­ lidação da política de “socialismo em um único país” e o “Lênin Levy,” através do qual o partido sistematicamente articulava uma burocracia, poderia, em última instância, servir como uma classe dominante dentro de um único es­ tado soviético e exercer a hegemonia sobre nacionalidades dessemelhantes e de grupos sociais que haviam se desgar­ rado da liderança central como resultado da destruição da burocracia imperial. Em torno dos últimos anos da década de 1920, vários linguistas notáveis tinham analisado as conseqüências lin­ güísticas do colapso da autoridade imperial, tendo sido a interrupção na comunicação entre os grupos nacionais e sociais fartamente documentada. Uma variedade de solu­ ções possíveis para este problema foi proposta,21 mas como a burocracia soviética se tornou uma classe dominante que agia de acordo com os seus interesses econômicos e sociais distintos, e em razão da crise econômica que assombrava o perigo da fragmentação lingüística, o problema era cada vez mais visto pela burocracia como um prospecto dos mais aterrorizantes. Os resultados finais do projeto de Iakubinskii incluí­ ram um volume editado sobre a Prática do discurso de ora­ tória \rech\ (Kreps; Erberg, 1931) e uma série de artigos no periódico de Gor kii Literaturnaia Ucheba em 19301931, republicado em forma de livro assinado por Ivanov e Iakubinskii (1932), no qual as convenções emergentes do discurso público burocrático foram apresentadas como o resultado lingüístico factual da revolução. A linguagem da nova liderança política foi apresentada como a linguagem hegemônica da nova sociedade, uma vez que Iakubinskii 21 Isto é particularmente bem documentado em Gorham (2003), onde atenção es­ pecial foi dada aos debates sobre o discurso público soviético. Craig Brandist

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continuava a ligar-se a um dos objetivos da ILIaZV listados no “plano de produção” do instituto de 1925-1926: “O es­ tudo científico de questões levantadas pelas requisições do estado” (TsGALI f. 288, op.l, d.16, 1,2), ainda que agora es­ treitados em acordo com a política de “socialismo em um só pais”.22 Embora o argumento de Iakubisnkii se articulasse com as prioridades políticas da época, este estava longe de ser um mero exercício de propaganda crua que um estudo superficial possa sugerir.23 O ímpeto de disseminar a alfabetização e de realizar uma pesquisa sobre a crise na comunicação dentro dos gru­ pos da sociedade deu uma nova relevância e inflexão nos estudos da dialetologia social, e os alunos de Baudouin de Courtenay estavam muito bem colocados para realizar tal análise. O aluno mais avançado de Baudouin de Courtenay, Lev Shcherba, havia conduzido uma pesquisa dialetológica desde um curto espaço de tempo antes da revolução, e a sua pesquisa fora continuada por seu assistente Boris Larin, que, embora permanecesse próximo às idéias de Baudou­ in de Courtenay, era particularmente propenso a um olhar externo em sua procura por orientação intelectual. Viktor Zhirmunskii, que trabalhava simultaneamente na seção de filologia Romano-Germânica da ILIaZV e na “comissão do Instituto para o estudo das línguas e culturas éticas das minorias nacionais do sul e do oeste da URSS” (TsGALI f.288, op. 1, d. 39, 1. 6; 1.73), também redirecionou seu foco de atenção da literatura para a dialetologia nessa época.

22 É de se notar também que em 1927-1928 o foco do trabalho do instituto es­ treitou-se ao redor do “estudo das linguagens e das culturas orais da cidade contemporânea, das vilas, e das minorias nacionais da URSS, e também dos povos fronteiriços do Oeste e do Leste com base na sua realidade socioeconômica, e no desenvolvimento político e general-cultural” (TsGALI f.288, op.l, d.39, 1. lb). 23 Para avaliações, ver Desnitskaia (1974) e Brandist (2003). A emergência da sociolinguística soviética das cinzas da psicologia do povo

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Por meio dessas personagens e pelo entrecruzamento com idéias do Circulo Lingüístico de Moscou, a influência da geografia dialetal, especialmente a de Jules Gillierón, na França, e de Ferdinand Wrede, na Alemanha, tornou-se particularmente aparente, e a partir desta pesquisa emergiu um estudo totalmente sociológico da linguagem. Conforme é observado por Denitskaia, “o método de geografia lingüística” levou a dialetologia a adquirir cada vez mais “o caráter de uma disciplina sociológica”, pois tal método exigia uma “explicação histórica das causas extralingüísticas do isolamento de um dialeto e da interpretação concreta das fronteiras e a disseminação de um fenômeno dialetológico projetado sobre o mapa de um território lin­ güístico” (1970, p. 354). Encontramos duas aplicações simultâneas da metodo­ logia da geografia lingüística nessa época quando Larin li­ dera uma pesquisa pioneira a respeito da linguagem da ci­ dade e Zhirmunskii viaja para a Alemanha em 1927 “para familiarizar-se com os últimos métodos de coleta e estudo do material folclórico dialetológico”. Zhirmunskii trabalhou com dois dos mais renomados geógrafos dialetais na Uni­ versidade de Marburg, Wrede e Theodor Frings, tendo o úl­ timo se oferecido para publicar a monografia do russo sobre os dialetos das colônias alemãs na URSS (TsGALI f.288, opl, d.2 91.83). O trabalho de Frings acerca do elo entre as fronteiras dialetais e as fronteiras dos estados feudais fora particularmente atraente para Zhirmunskii: o seu livro de 1936, A língua nacional e os dialetos sociais, claramente es­ tabelecia as implicações sociológicas da geografia dialetal. Após a queda do marrismo, quando os acadêmicos soviéti­ cos mais uma vez abriram-se para os trabalhos dos linguis­ tas ocidentais, Zhirmunskii (1955) conseguiu popularizar o trabalho de seus mentores germânicos ao publicar uma coletânea de traduções. Craig Brandist

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Embora não tenha se envolvido pessoalmente na pes­ quisa dialetológica, Iakubinskii contribuiu com perspecti­ vas teóricas determinantes para os projetos da ILIaZV, e seu trabalho foi uma importante contribuição aos debates tópicos acerca da relação entre dialetos (tanto sociais quan­ to regionais) e a língua nacional, tanto como um fato con­ sumado e como um projeto político. Esses debates foram particularmente tópicos nos anos 1920, quando estavam em curso projetos ambiciosos de construir formas escritas e padrões nacionais para as línguas até então marginaliza­ das e subdesenvolvidas do antigo Império russo, às quais faltavam tanto uma coisa quanto a outra. Propor uma for­ ma padronizada de uma linguagem sem recorrer a métodos imperialistas significava escolher entre dialetos em diálogo com as “inteligentsias nacionais progressivas” de uma re­ gião. Junto com N. F. Iakovlev, Polivanov foi o mais proemi­ nente linguista neste projeto, e foi o mesmo Polivanov que, em 1929, estabeleceu um “programa imediato de lingüísti­ ca sociológica” em sete subdivisões: (1) a definição de linguagem como um fato sócio-histórico. Colocando estritamente a combinação de linguista e mar­ xista numa só pessoa já pressupõe uma solução para este problema. Mas, não obstante, uma formulação ainda é ne­ cessária. Destarte, é este o único passo inicial necessário, e nada mais; (2) a descrição de linguagens e dialetos de um ponto de vista sociológico. Primeiro, é claro, uma metodologia é necessá­ ria (com os novos conceitos de ordem de um grupo social, dialetos etc.); (3) a análise avaliativa de uma dada linguagem enquanto instrumento de intercurso; (4) o estudo das conexões causais entre fenômenos socioeconômicos e lingüísticos; (5) a análise avaliativa da linguagem (e seus aspectos separa­ dos) como uma maneira de lutar pela existência;

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(6) um esquema geral tipológico de evolução da linguagem em conexão com a história da cultura; (7) questões aplicadas de lingüística sociológica: política da linguagem (Polivanov, 1929/1974, p. 177-178).

Polivanov delineou este programa sociolinguístico, ex­ traordinariamente avançado para o seu tempo, às vésperas de uma transformação fundamental da política soviética e de uma batalha malsucedida contra o marrismo, a qual iria custar a sua vida tanto profissional quanto biologicamente. Nesse programa, nós vemos o apogeu do que podemos cha­ mar de a “sublimação” (aufhebung), tomando emprestado um termo hegeliano, da Vôlkerpsychologie, na lingüística sociológica. Através dos vários “repúdios” da Vólkerpsychologie, a ideia fora simultaneamente cancelada, transforma­ da e preservada em uma forma maior. A sociolinguística soviética emergira verdadeiramente das cinzas da Vólkerpsychologie. Há, contudo, uma coda. A consolidação deste progresso científico exigiu a consolidação de ganhos democráticos e anti-imperialistas, aos quais os anos iniciais da revolução tinham permitido. Isso não aconteceria, contudo. Com a im­ plementação prática do “socialismo em um só país” no plano dos cinco anos e o retorno à política de uma língua imperial, a base da instituição do novo paradigma fora comprome­ tida, junto com a relativa autonomia do campo da ciência lingüística. Dessa forma, inicia um regresso condicional da lingüística sociológica soviética, sob a forma da coroação do marrismo como o “marxismo na lingüística” oficialmente sancionado. Com a consolidação da análise genética uni­ lateral de Marr, como a única abordagem da linguagem oficialmente sancionada, vários dos avanços mais impor­ tantes dos anos 1920 foram obscurecidos. As investigações teóricas sobre as funções sociais da linguagem foram subsCraig Brandist

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tituídas por aplicações instrumentais restritas em campos, tais como o treino de gerenciamento, enquanto os apelos da língua tomados na ótica ideológica ofuscaram o estudo das dimensões comunicativas da linguagem. As complexidades dessa regressão condicional na ciência lingüística não são menos significantes ou válidas para um exame histórico, mas estão além do escopo do presente estudo. Tradução de Rodrigo Garcia Garay Revisão de Ana Zandwais

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