A \"Era Rio Branco\": As Politicas de Aproximação entre Brasil e Estados Unidos e seus reflexos na América Latina

May 22, 2017 | Autor: Nayara Wiira | Categoria: Republicanism, Panamericanismo, Joaquim Nabuco, Barão do Rio Branco
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A “Era Rio Branco”: As Políticas de Aproximação entre Brasil e Estados Unidos e seus reflexos na América Latina. Nayara de Oliveira Wiira1 Pâmela Cristina Nogueira Benites2

Resumo

O presente artigo tem como objetivo abordar os primeiros anos do republicanismo no Brasil, iniciado em 1889, focando especificamente no período que foi chamado de “Era Rio Branco”. A entrada de Rio Branco como chefe do Ministério das Relações Exteriores em 1902, e a nomeação de Joaquim Nabuco a primeiro Embaixador Brasileiro em Washington em 1905, caracterizaram a estruturação de políticas que tinham como objetivo a aproximação dos interesses brasileiros com os dos Estados Unidos a própria abertura da Embaixada brasileira em 1905 é um acontecimento chave na materialização dessas políticas.. A decisão de aproximar a política externa brasileira com a potência norteamericana teve reflexos na relação do Brasil com os países da América Latina e este é o ponto que o artigo aqui pretende trabalhar, considerando especialmente quais foram as estratégias de Rio Branco e a relação do Brasil com os países da América do Sul. Palavras-chave: Republicanismo, Rio Branco, Joaquim Nabuco, Estados Unidos, Panamericanismo.

1. Introdução

A última década do século XIX - mais especificamente o ano de 1889 - marca na história brasileira o fim do período imperial, vigente desde 1822, e a passagem para o período republicano. A Proclamação da República no Brasil não foi reconhecida de imediato no cenário internacional - foi um processo que apresentou uma evolução gradual. Podemos apontar que, ainda durante os anos finais do século XIX, a República foi reconhecida por países do mundo todo, sendo que os Estados Unidos demoraram mais tempo que certos países latino-americanos, mas ainda assim foram mais rápidos do que os países europeus. “Uruguai e Argentina foram os primeiros países a reconhece-lo; o primeiro em 20 e o segundo em 29 de novembro de 1889. O reconhecimento do Chile ocorreu logo depois, em 13 de dezembro do mesmo ano. A legação do Brasil em Washington, em ofício de 20 de novembro de 1889, deu conta a Quintino Bocaiúva que o secretário de 1

Universidade Estadual Paulista – Faculdade de Filosofia e Ciências – Marília - SP Graduação em Relações Internacionais, 7º período. [email protected] 2 Universidade Estadual Paulista – Faculdade de Filosofia e Ciências – Marília - SP Graduação em Relações Internacionais, 7º período. [email protected]

Estado norte-americano, Blaine, considerava a República fato consumado e manifestava a intenção de reconhecer imediatamente o novo regime (...). Em 29 de janeiro de 1890 o governo dos Estados Unidos reconheceu a República e em 20 de fevereiro foi aprovada unanimemente pelo Congresso daquele país moção de congratulação ao povo brasileiro pela adoção da nova forma de governo (CERVO; BUENO, 2002, pg. 151-153)

A Proclamação da República, e o reconhecimento desta pelos Estados Unidos, representou também para o Brasil um fortalecimento de suas relações bilaterais com norte-americanos, desenvolvendo-se a partir de então entre os dois países uma consolidada parceria comercial, principalmente quando levamos em conta as relações desenvolvidas em torno da venda do café brasileiro. Além de parceiro comercial, os Estados Unidos atuavam política e militarmente no território brasileiro, como ocorreu durante a Revolta da Armada. Esta revolta, ocorrida entre 1893 e 1894, gerou dúvidas aos outros países sobre a capacidade de o Brasil manter o novo regime republicano, mas com a intervenção dos Estados Unidos foi possível que o Marechal Floriano Peixoto (que permaneceu como presidente brasileiro de 1891 a 1894) saísse com a vitória e que fosse consolidada a influência norte-americana sobre o governo brasileiro (CERVO; BUENO, 2002). Entretanto, é necessário mencionar que a Inglaterra não tinha uma imagem muito positiva do Brasil republicano. Segundo Cervo e Bueno (2002), a crise financeira brasileira causada pelos desentendimentos entre o Congresso e Deodoro, em 1891, refletiu diretamente nas relações econômicas do país. “As lutas políticas e a quebra da legalidade tinham péssima repercussão nas principais praças europeias e, como decorrência, provocaram efeitos danosos à cotação dos títulos brasileiros em Londres. Assim, uma das principais tarefas da diplomacia brasileira, no início da vida republicana, consistiu em procurar minimizar no exterior os efeitos negativos das convulsões internas. (CERVO; BUENO, 2002, pg. 159)

Para compreender como ocorre essa aproximação entre Brasil e Estados Unidos devemos construir na introdução aqui apresentada uma breve apresentação das políticas externas desenvolvidas pelo governo dos Estados Unidos e pelo governo brasileiro, levando em conta o período anterior a 1902 - ano que marca a entrada de Rio Branco como Ministro das Relações Exteriores, e o desenvolvimento de uma estratégia de alinhamento Brasil-Estados Unidos que teve como uma de suas realizações centrais a

abertura da Embaixada Brasileira em Washington - fato que será central para o desenvolvimento do artigo aqui apresentado. Há de se fazer referência ao momento interno e externo pelo qual passava os Estados Unidos já no fim do século XIX, que permitiu que esse país surgisse como uma potência mundial. Eles já podiam ser definidos como o primeiro país industrializado e manufatureiro do mundo, com participação na corrida imperialista que caracterizava o período ao determinarem a América Latina como a sua área lógica de expansão política e comercial (PEREIRA, 2005). Pereira (2006) aponta também que os períodos presidenciais de McKinley (1898-1901) e, posteriormente com maior intensidade, Roosevelt (1901-1909), foram essenciais para mudanças na administração dos Estados Unidos que resultaram em uma maior importância atribuída às questões externas. É válido apontar uma observação que Pereira (2006) realiza, ao analisar o período inicial republicano no Brasil e como era vista a aproximação entre Brasil e Estados Unidos nesse contexto. O autor menciona a atuação de Salvador de Mendonça, que trabalhou primeiramente como cônsul e depois como chefe da Missão Especial do Brasil nos Estados Unidos, no período de 1875 (ainda sob o governo imperial) até 1898. Segundo Salvador de Mendonça, os Estados Unidos estavam alcançando rapidamente um desenvolvimento que se tornava referência mundial, e esse fato resultaria em uma natural expansão voltada para a América Latina - assim, sua influência chegaria no Brasil independentemente da reação brasileira. A posição do Brasil frente a este fato, segundo Mendonça, seria somente a possibilidade de agir para tentar definir os meios segundo os quais essa influência seria recebida: de forma cooperativa, que permitisse ao Brasil buscar benefícios próprios nesse momento, ou de forma hostil, que provocaria uma “inundação” mais “agressiva” do poder norte-americano. Em 1902, Rio Branco assume o Ministério das Relações Exteriores, permanecendo no cargo até 1912, o que fez com que esse período fosse conhecido pela chamada “Era Rio Branco”. O “Barão” foi o diplomata que assumiu o desafio de estruturar e colocar efetivamente em prática uma profunda mudança administrativa e política no Itamaraty. Rio Branco quis mostrar o Brasil no cenário internacional como uma nação forte, não anárquica pela mudança do regime monárquico ao republicanismo, e assim conseguir o reconhecimento internacional como uma grande nação civilizada. A figura do Barão, portanto, ocupou papel fundamental na construção da imagem da república que surgia e fornecia material para o fomento de um

nacionalismo crescente em época de progresso no país. Isto o elevou à categoria de herói nacional (HENRICH, 2011). Considerando este contexto, portanto, o principal objetivo do artigo que aqui é apresentado é demonstrar como durante a “Era Rio Branco” a aproximação e o alinhamento Brasil-Estados Unidos ganhou forma (em especial deveremos trazer a estratégia central da abertura da primeira Embaixada Brasileira em Washington e o papel de Joaquim Nabuco como primeiro Embaixador), e os consequentes reflexos na relação do Brasil com os países latino-americanos. Em 1905, é criada a Embaixada brasileira em Washington com a nomeação de Joaquim Nabuco como primeiro Embaixador, o que possibilitou que o Brasil estreitasse ainda mais as suas relações com os Estados Unidos, o que já era presente desde a proclamação da República. A proximidade do Brasil com os Estados Unidos preocupava os outros líderes dos países da região porque poderia ser um passo para que o gigante americano exercesse ainda mais poder sobre os outros países e/ou auxiliasse o Brasil a fazer o mesmo. A preocupação só aumentou quando, em 1905, a Embaixada brasileira tornou-se a primeira embaixada de um país latino-americano no território norte-americano (CERVO; BUENO, 2002) - este ponto deverá ser abordado de forma devida no decorrer do desenvolvimento deste artigo.

2. A proposta do Barão de Rio Branco: o alinhamento Brasil-Estados Unidos e a atuação de Joaquim Nabuco

Retomando o que foi mencionado no tópico introdutório do artigo aqui apresentado, um dos papéis centrais de Rio Branco durante sua atuação como Ministro das Relações Exteriores (1902-1912) foi a reforma da Política Externa Brasileira, propondo mudanças como a aproximação com Estados Unidos em detrimento dos parceiros históricos europeus, que representavam um novo projeto de determinação da imagem do Brasil no plano internacional (HENRICH, 2011). Um episódio que ocorreu logo no início da Era Rio Branco, e que é considerado por Pereira (2006) como chave para a determinação da política de aproximação entre Brasil e Estados Unidos, foi a questão Acreana em 1902-1903 – segundo o autor, a neutralidade dos Estados Unidos foi determinante para a vitória do Brasil.

“Trabalhando com diplomacia e força Rio Branco atingiu todos os objetivos que poderia querer e viu na neutralidade norte-americana o seu grande trunfo. Na sua opinião, abrir qualquer conflito de interesses com os Estados Unidos nessa questão poderia enfraquecer a posição brasileira perante a Europa.” (PEREIRA, 2006, p. 55).

Assim, no processo de construção de sua política externa, Rio Branco passa então a visualizar o relacionamento existente entre Brasil e Estados Unidos como estrategicamente central - essa aproximação serviria para os interesses brasileiros para viabilização de políticas nos âmbitos subregional e nacional. Segundo Pereira (2006), é importante não deixar de apontar que os chamados interesses nacionais da época representavam, de forma geral, uma contemplação dos interesses que a elite cafeeira defendia. Rio Branco não contestava a então “nova versão” da Doutrina Monroe, o Corolário Roosevelt, segundo a qual os norte-americanos receberiam a atribuição de responsáveis pela orientação dos povos que eram considerados “menos competentes”, se autodenominando “polícia internacional”. Rio Branco via o Corolário Roosevelt como uma medida de proteção da América Latina perante aos interesses europeus, porque algumas nações europeias ainda mantinham colônias no continente americano. Rio Branco não via a possibilidade de formar um grupo continental possível de confrontar os Estados Unidos, porque os países hispânicos apresentavam fraquezas, então a estratégia do Barão foi a aproximação com a grande potência do continente. (CERVO; BUENO, 2002). De tal maneira, utilizando essa aproximação com os Estados Unidos, Rio Branco procurou criar - na medida do possível - um espaço internacional próprio para a atuação do Brasil. Como afirmado por Cervo e Bueno (2002), Pereira (2006) reforça a afirmação de que, para Rio Branco, a Doutrina Monroe não deveria ser compreendida “como um pronunciamento unilateral para a autodefesa dos Estados Unidos” (PEREIRA, 2006, p.61), além de não representar, de forma alguma, um completo afastamento do continente Europeu. “Em conclusão, Rio Branco, um conservador dirigido pelo pragmatismo, buscou nos Estados Unidos um parceiro mais poderoso para viabilizar o que se consideravam os interesses nacionais do momento: adquirir mais autonomia em questões sub-regionais, aumentar o prestígio do Brasil no meio internacional através da assunção da imagem de líder no

continente e garantir a manutenção da dependente economia nacional cafeeira. Essa aproximação nunca representou um descarte dos relacionamentos sul-americanos e europeus (...)” (PEREIRA, 2006, p. 62).

Assim, em 1905, Joaquim Nabuco é nomeado por Rio Branco para assumir o cargo de primeiro Embaixador do Brasil em Washington, no momento em que a legação brasileira nos Estados Unidos recebe a promoção e passa a ser a primeira Embaixada do Brasil naquele país. Em discurso proferido em 2010, em uma Conferência na Academia Brasileira de Letras em homenagem ao centenário do falecimento de Joaquim Nabuco, Celso Amorim destaca em particular que, no início do século XX, as Embaixadas carregavam em si um status de privilégio que somente deveria ser concedido às grandes potências, especialmente porque o cargo de Embaixador recebia o benefício de obter acesso direto ao Presidente do Estado em que está atuando. Levando este atributo em consideração, Amorim aponta que, dessa forma, “O gesto de elevar a legação dos Estados Unidos, portanto, não estava desprovido de simbolismo político: sinalizava que o Brasil republicano passava a atribuir prioridade à agenda continental. Era a materialização da transferência do eixo preferencial da diplomacia brasileira da Europa para as Américas.

No

mesmo

ano,

como

manifestação

de

reciprocidade, foi no Rio de Janeiro que os Estados Unidos também inauguravam sua primeira Embaixada na América do Sul” (AMORIM, 2010, p.22).

Devemos destacar, também, o papel assumido por Joaquim Nabuco - quem, em um primeiro momento, não acreditava na República como forma de governo, e ainda assim assumiu um cargo de extrema importância para os interesses da então política externa republicana. Após a Proclamação da República, em 1889, Nabuco ficou dez anos afastado da vida pública política, até receber de Rio Branco o convite para defender os direitos brasileiros no arbitramento internacional envolvendo as questões fronteiriças na divisa com a Guiana, enfrentando a Inglaterra. Segundo Heinsfeld (2010), Nabuco aceita finalmente trabalhar a serviço da República brasileira porque, após uma década, não havia perspectiva de uma restauração monárquica. Este embate entre Brasil e Inglaterra pela região na Guiana acabou conhecida como “Questão do Pirara”, e Nabuco, representando os interesses brasileiros, não saiu vitorioso. O Brasil

perde, então, parte de seu território: entre Inglaterra e Brasil, após a decisão do árbitro internacional (rei Victor Emanuel III da Itália, emitiu o laudo em junho de 1904), 3/5 do território disputado foi para a Inglaterra, enquanto o Brasil ficou com 2/5. “De acordo com Christiane Vieira Laidler, a causa da Guiana, perdida para a Inglaterra, seguramente foi um fator de amadurecimento de suas concepções sobre o perigo do imperialismo e sobre a necessidade da proteção da Doutrina Monroe” (LAIDLER apud HEINSFELD, 2010, p. 10). Heinsfeld utiliza também a opinião do autor Ronald Hill, segundo o qual a decisão do rei Vitor Emanuel III da Itália influenciou na decisão de Nabuco de definitivamente se afastar dos interesses do continente Europeu e concluir um processo de conversão ao Pan-americanismo (e, ainda segundo Heinsfeld, Nabuco já demonstrava tendências ao monroísmo durante o processo de construção da defesa brasileira). Como buscamos, neste artigo, mostrar como Nabuco teve um papel importante na materialização das políticas de Rio Branco que visavam a aproximação entre Brasil e Estados Unidos, é importante destacar que alguns autores apontam para uma possível divergência existente entre os dois políticos, pois Nabuco acreditava que o Ministro não estava dando a devida atenção aos Estados Unidos. Um exemplo deste argumento que podemos mencionar é o caso de Henrich (2011), que aponta “Como Nabuco via o sistema internacional de forma imutavelmente hierarquizada, a associação a Washington seria a única forma de o Brasil obter destaque entre os demais países. Por outro lado, Rio Branco não buscava alinhamento, apenas reconhecia as mudanças no mundo e queria estar ao lado da potência emergente para obter os melhores resultados desta relação. Com o seu apoio o Brasil poderia afirmar-se como um ator relevante na geopolítica mundial e garantir seu lugar como segunda potência na América, onde atuaria mais livremente com a “benção” dos Estados Unidos” (HENRICH, 2011, p.12).

Heinsfeld (2010) menciona que Nabuco via a Doutrina Monroe como um completo desprendimento do Brasil da Europa, enquanto Rio Branco não acreditava que essa

completa

separação

era

necessária.

“(...) a visão que Nabuco tinha do Monroísmo contribuiu para o sucesso da política de aproximação entre os dois países. Pode-se dizer que Nabuco foi um dos primeiros brasileiros a perceber a importância que os Estados Unidos teriam no cenário internacional. Certamente esta faceta monroísta de Nabuco levou Rio Branco a convidá-lo para Embaixador e ser uma peça fundamental no tabuleiro geopolítico do Ministro Brasileiro” (HEINSFELD, 2010, p. 12-3).

Segundo Heinsfeld, Joaquim Nabuco demonstrava em cartas à Graça Aranha que a Doutrina Monroe e a política externa dos Estados Unidos que consolidava-se durante o início do século XX representaria uma “nova era”, e era extremamente importante que o Brasil consolidasse sua aproximação com Washington, e por isso o projeto de promover a delegação brasileira na capital dos Estados Unidos ao status de Embaixada recebeu atenção de todo o continente americano. Apesar de reconhecer a importância do projeto, Pereira (2006) afirma que, em um primeiro momento, Nabuco não reagiu de forma positiva frente à ideia de abertura da Embaixada brasileira em Washington, porque o Brasil não teria assumido relevância suficiente no cenário mundial para sustentar um Embaixador presente nos Estados Unidos - além disso, Nabuco estaria receoso de qual seria a resposta dos outros países da América Latina que não receberam o privilégio de abrirem suas próprias embaixadas. Joaquim Nabuco permaneceu como Embaixador brasileiro nos Estados Unidos no período de 1905 a 1910, e os autores apontam que uma de suas principais realizações foi ter trabalhado (e conquistado com sucesso) para a adoção do Rio de Janeiro como sede para a Terceira Conferência Pan-Americana, em 1906. Segundo Celso Amorim (2010), o trabalho desempenhado por Nabuco foi essencial para que o Secretário de Estado Elihu Root viesse ao Brasil “no que passou à história como a primeira visita do chefe da diplomacia americana ao exterior” (AMORIM, 2010, p. 23). Além disso, Nabuco foi responsável por presidir a Conferência, após ter realizado diversos eventos preparatórios para evitar que as divergências existentes entre os países americanos impedissem que o encontro alcançasse seu sucesso. Por fim, antes de adentrarmos o tópico que tratará especificamente sobre o Pan-americanismo neste contexto, é interessante apontar que, segundo Heinsfeld,

“quando Nabuco defende o Pan-americanismo, entendido por ele como monroísmo, o faz no sentido de tirar proveito, para utiliza-lo na conquista do objetivo maior: a hegemonia na América do Sul. Esta “aliança informal” com a potência do Continente, tornando-se seu “parceiro preferencial” na América do Sul, tem que ser considerada como uma “prospecção geopolítica”, onde estava presente a previsibilidade dos possíveis cenários onde atuarão os atores das Relações Internacionais.” (HEINSFELD, 2010, p.16)

3. O Pan-americanismo e as relações com os países latino-americanos Como já mencionado anteriormente, os países latino-americanos responderam positivamente desde o início ao Brasil republicano, sendo os primeiros a reconhecerem a república, antes mesmo do que os Estados Unidos. As relações com os países latino-americanos se mostraram muito importantes para o Brasil durante a fase de instabilidade que caracterizou a transição do sistema monárquico à república. Entretanto, segundo Bueno (2003), Rio Branco sabia dos riscos e dos efeitos que a instabilidade política provocava na imagem dos países, então procurava diferenciar o Brasil do grupo latino-americano de nações, em geral identificado com crises políticas e insolvência financeira. Diferenciá-lo, mas não o isolar. Por isso buscou consolidar e ampliar a amizade brasileira com os países da América espanhola, até mesmo com aqueles que não tinham vínculos com o Brasil, como os da América Central. Desde os primeiros anos de sua gestão no Ministério das Relações Exteriores, Rio Branco buscou a aproximação com as duas maiores nações sul-americanas, Argentina e Chile, e também tratou de resolver as questões limítrofes com todos os países vizinhos. Segundo Bueno (2003), Rio Branco e Joaquim Nabuco reconheciam a importância das relações com os países latino-americanos, mas viam o Brasil como um diferencial da região, não concordando com comparações entre esses países e o Brasil. O destaque brasileiro se tornou mais um argumento para que o país defendesse o seu papel de liderança na região, como os Estados Unidos lideram o norte do continente.

Como já mencionado no tópico anterior, apesar de valorizarem as relações com os latino-americanos, o Barão de Rio Branco e Nabuco não concordavam com a criação de um bloco só de nações latino-americanas. Essa posição era justificada pelo fato de que não estaria de acordo com os interesses do governo brasileiro se opor aos Estados Unidos, a maior potência mundial e grande parceiro político, econômico e militar do Brasil. Entretanto, segundo Fonseca Junior (2002), aliar-se aos países do continente, principalmente com os Estados Unidos, era visto positivamente pelas autoridades brasileiras, mas Rio Branco acreditava ser impossível um acordo entre todas as nações americanas. Os possíveis membros de um acordo como esse seriam os Estados Unidos, o México, o Brasil, o Chile e a Argentina. Com isso, os Estados Unidos e o Brasil estariam muito bem no acordo. Por isso, o Brasil não hesitou em apoiar os projetos de solidariedade continental propostos pelos Estados Unidos, o pan-americanismo, e o Corolário Roosevelt, porque não acreditava que o Brasil era um país desestabilizado que poderia ser um “alvo” da intervenção dos Estados Unidos. Apesar do apoio a esses projetos pelo Ministro das Relações Exteriores e pelo Embaixador brasileiro em Washington, havia diferenças nas perspectivas dos mesmos, como já mencionado no tópico anterior. Segundo Henrich (2011), enquanto Joaquim Nabuco via o pan-americanismo como uma paixão crescente, Rio Branco via a situação com olhos mais pragmáticos. Para Nabuco, Rio Branco não estaria priorizando adequadamente as relações com os Estados Unidos. Nabuco acreditava que a associação aos Estados Unidos seria a única forma do Brasil se destacar dos outros países, Rio Branco não queria aliar-se aos norte-americanos, queria estar próximo da potência que estava surgindo no continente americano numa associação em pé de igualdade, atendendo ao direito do mais fraco ao do mais poderoso. A III Conferência Internacional Americana, realizada em 1906 no Rio de Janeiro, foi a primeira ocasião em que um país sul-americano sediava tal evento e recebia um representante diplomático dos Estados Unidos, uma conquista de Joaquim Nabuco, como já mencionado. Segundo Fonseca Junior (2002), a agenda da conferência, com relativo controle pelos Estados Unidos e pelo Brasil, abordou principalmente os temas econômicos porque as relações econômicas entre os Estados Unidos e os países da América do Sul estavam se fortalecendo cada vez mais. Houve

também discussões mais utópicas: a proposta da construção de uma ferrovia pan-americana fez com que se criasse uma comissão permanente, cada país ficou responsável em convocar engenheiros, definir os custos, os terrenos, os impostos etc. Rio Branco chegou a afirmar durante a conferência que se fosse criado um acordo entre Argentina, Chile e Brasil, estas, pelo fato de serem as nações mais fortes e progressistas, exerceriam influência sobre as demais, evitando as guerras tão frequentes em alguns países. Segundo Bueno (2002), Rio Branco buscou praticar uma política de prestígio na região sul-americana, ao aproximar o Brasil das principais nações do segmento sul do continente, entretanto, buscava também isolar forças e impedir que qualquer uma delas viesse a exercer liderança ou jogar sua influência a favor de outras repúblicas de fala espanhola que tinham pendências com o Brasil. Porém, a Argentina não deixaria isso acontecer tão fácil. A esquadra brasileira foi rearmada, Rio Branco conseguiu rematar as velhas questões lindeiras e se aproximar ainda mais dos Estados Unidos, o que aumentou o sentimento de rivalidade da Argentina, que quis também se rearmar por medidas defensivas em face dos armamentos brasileiros. No setor econômico, segundo Bueno (2003), o Brasil tinha interesse em aumentar a presença de seus produtos no mercado da Argentina, que também lutava para manter suas exportações, especialmente a de farinha de trigo, no mercado brasileiro. O maior concorrente do país platino eram os Estados Unidos, que recebiam tratamento tarifário diferenciado em razão de serem o principal comprador do café brasileiro. Além de buscar maiores relações com os países da região, o Brasil não deixava também de acompanhava as relações desses países entre si, principalmente as relações da Argentina com os vizinhos territorialmente menores do Prata e com o Chile. Segundo Bueno (2003), o idealismo do início da República em relação às nações americanas foi substituído por uma atitude realista, preocupada com o aumento do quadro de atração da Argentina no contexto da bacia do Prata e atenta ao equilíbrio de forças no Cone Sul. Apesar de todas essas questões, as economias do Brasil e da Argentina eram complementares, o que se traduzia no intenso fluxo comercial da Argentina

para

o

Brasil.

As relações entre Brasil, Argentina e Chile, afirma Bueno (2002), também estavam se fortalecendo, alimentando possibilidades de criação de uma associação entre eles, chamada de Pacto do ABC. Mesmo não se concretizando, uma eventual aliança entre essas nações já preocupava os países menores que tinham algum tipo de pendência com eles. Para Rio Branco, segundo Bueno (2003), o Pacto do ABC não incluía equivalência

naval,

a

qual

veemente

descartava,

e

que

a

aproximação

Argentina-Brasil-Chile não se destinava a contrabalançar a influência norte-americana. O Brasil não tinha pretensão de hegemonia perante os outros países da região, na verdade, defendia uma influência compartilhada com a Argentina e o Chile.

4. Considerações finais Analisando o contexto e atuação de Rio Branco, podemos concluir que sua estratégia principal foi utilizar a Doutrina Monroe organizada pelos Estados Unidos como uma medida de proteção para a América Latina, e com uma política externa que estivesse de acordo com a doutrina norte-americana, seria possível para o Brasil construir e alcançar seu próprio espaço de atuação internacional. Assim, a partir de uma aproximação dos Estados Unidos (e um consequente afastamento do continente Europeu, por mais que não tenha sido absoluto), o Brasil buscaria viabilizar políticas que iriam de encontro com seus interesses nacionais - tanto políticas internas como externas focadas na região da América do Sul, que seria uma área alvo da influência direta por parte do Brasil. O objetivo defendido através desta política era que o Brasil fosse capaz de alcançar dentro da América do Sul um papel de liderança - e, pensando nas políticas internas, podemos apontar que a aproximação com os Estados Unidos era essencial também para garantir a manutenção da economia cafeeira. Como já discutido no decorrer do artigo, a criação da Embaixada brasileira em Washington, em 1905, pode ser considerada a concretização da estratégia política de aproximação entre Brasil e Estados Unidos defendida por Rio Branco - a medida ganha ainda mais visibilidade quando levamos em conta que as Embaixadas, na época, carregavam

um

status

reservado

às

principais

potências

mundiais.

Neste acontecimento entra o papel essencial de Joaquim Nabuco, nomeado por Rio Branco para assumir o cargo de primeiro Embaixador brasileiro nos Estados Unidos. Nabuco desempenhou um papel importante ao colocar em prática as políticas que eram desenvolvidas pelo Ministério das Relações Exteriores sob administração de Rio Branco - medidas estas que colaboraram para a manutenção da relação entre os dois países. Importante destacar também que Nabuco via na defesa do Pan-americanismo e na aproximação entre Brasil e Estados Unidos, a possibilidade do Brasil alcançar o papel que Nabuco considerava ser hegemônico dentro da América do Sul. O anseio pela hegemonia brasileira dentro da América do Sul refletia a oposição de Nabuco e Rio Branco, como já mencionado anteriormente, a criação de um bloco formado somente por nações latino-americanas. A ideia de um bloco que incluísse os Estados Unidos era muito mais interessante, porque estes seriam os líderes do norte, enquanto o Brasil poderia ser o líder do sul do continente. Isso reflete como as relações com os Estados Unidos influenciou nas relações com os outros Estados latino-americanos. Por fim, podemos destacar a importância do período analisado para a definição da relação entre Brasil e Estados Unidos, estruturada estrategicamente durante a chamada “Era Rio Branco” e que influenciou o direcionamento da Política Externa Brasileira no decorrer dos anos seguintes, mesmo após a saída de Rio Branco da chefia do Ministério das Relações Exteriores.

5. Referências bibliográficas AMORIM, Celso. “As duas vidas de Joaquim Nabuco: o reformador e o diplomata”. Brasília: FUNAG, 2010, 104p. BUENO, Clodoaldo. ”A Política Externa da Primeira República”. São Paulo: Paz e Terra, 2003. . “O Barão do Rio Branco e o Projeto da América do Sul: Anotações sobre a III Conferência Internacional Americana”. In: CARDIM, Carlos Henrique; ALMINO,

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