A ERRADICAÇÃO DAS PIORES FORMAS DO TRABALHO INFANTIL: A CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

June 15, 2017 | Autor: Cleide Chaves | Categoria: Direitos Fundamentais e Direitos Humanos
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Mestranda em Direito pelo Centro Universitário UNISAL na linha de pesquisa Direitos sociais econômicos e culturais coletivos.E-mail: [email protected]


A ERRADICAÇÃO DAS PIORES FORMAS DE TRABALHO INFANTIL: A CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

Cleide S. Chaves
Fundamentos e Concretização dos Direitos Humanos

RESUMO: O presente trabalho analisa a tensão entre o ordenamento jurídico protetivo à criança e adolescente e a dura realidade de crianças trabalhando nas piores formas de trabalho infantil. Com efeito, é utilizado o Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente Trabalhador que descreve como a exploração do trabalho de crianças e adolescentes ainda encontra meios para se perpetuar no País. Assim, a presente análise explora o fato de que a concretização das piores formas do trabalho infantil faz com que o Direito, nesse aspecto, não seja responsável pela integração social entre o mundo da vida e os sistemas sociais.

PALAVRAS CHAVE: Erradicação. Trabalho. Infantil.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O Brasil possui um arcabouço jurídico de proteção à criança e ao adolescente. Contudo, esta vasta legislação protetiva não é suficiente para erradicação das piores formas do trabalho infantil. O que se indaga é que a pura semântica da lei não é suficiente para a erradicação do trabalho infantil ilegal. A resposta a essa indagação é investigada a partir da constatação de que o trabalho infantil contra a lei não é rejeitado por parte da sociedade brasileira.
O discurso a favor do trabalho infantil, mesmo irregular, é orientado pela ideia de que o pobre deve começar a trabalhar cedo. Ademais disso, pelo fato de que o trabalho contribui para renda familiar, mesmo com o sacrifício da educação escolar da criança.
O presente trabalho analisa a tensão entre o ordenamento jurídico protetivo à criança e adolescente e a dura realidade de crianças trabalhando nas piores formas de trabalho infantil.
O Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente Trabalhador tem por finalidade sistematizar as intervenções realizadas por diversos atores sociais e introduzir novas ações para assegurar a prevenção e eliminação do trabalho infantil e proteção ao adolescente trabalhador. (BRASI,2011).
Nesse sentido o Plano descreve como a exploração do trabalho de crianças e adolescentes ainda é forte e de certa maneira se impõe contra a lei. Com efeito, o Plano de Erradicação de o Trabalho Infantil objetiva criar as condições para que cerca de dois milhões de crianças e adolescentes de cinco a quinze anos de idade, sejam retirados do trabalho e a eles sejam garantidos todos os direitos inerentes à condição peculiar de pessoas em desenvolvimento. (BRASIL,2011).
O presente estudo objetiva analisar o fato de que a concretização das piores formas do trabalho infantil faz com que o Direito não seja responsável pela integração social entre o mundo da vida e os sistemas sociais.

2. O SISTEMA DE PROTEÇÃO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (UNESCO. Resolução 217 A (III), 1948) tem o escopo de amparar a infância e promover a assistência especial à criança. Nesse sentido foi concebida a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança.(BRASIL. Decreto 99710, 1990), tendo em vista a necessidade de se garantir a proteção e cuidados especiais à criança, em razão de sua imaturidade física e mental.
Os direitos humanos incorporaram os direitos das crianças e dos adolescentes e assim "realça a inalienabilidade desses direitos e compromete o Estado, tanto no âmbito interno quanto internacional, a respeitá-los, defendê-los e promovê-los".(PIOVESAN,2012). A par disso, pode-se dizer que o direito da criança, sob o ponto de vista da ordem interna de um país é considerado Direito Constitucional. Mas, na ordem internacional é considerado Direitos Humanos.
É flagrante o rol de direitos protetivos destinados à criança e adolescente, visto que existe diagnóstico de exploração do trabalho infantil no Brasil e demais países do mundo, principalmente pelos países mais pobres. É o que informa o Relatório da OIT – Organização Internacional do Trabalho:

"No Sudão, por exemplo, o trabalho infantil entre crianças oriundas de famílias de rendimentos mais baixos é mais de oito vezes superior ao trabalho infantil entre crianças provenientes de famílias de rendimentos mais elevados. No Congo, a diferença é um fator de cinco, na Bolívia, um fator de quatro, no Gana e no Brasil, um fator de três.(OIT,2013).

A definição de trabalho infantil consta do Plano de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (BRASIL,2011) e refere-se às atividades econômicas e/ou atividades de sobrevivência, com ou sem finalidade de lucro. Estas podem ser remuneradas ou não e são realizadas por crianças ou adolescentes em idade inferior a 16 (dezesseis) anos, ressalvada a condição de aprendiz a partir dos 14 (quatorze) anos, independentemente da sua condição ocupacional. Para efeitos de proteção ao adolescente trabalhador será considerado todo trabalho desempenhado por pessoa com idade entre 16 e 18 anos e, na condição de aprendiz, de 14 a 18 anos, conforme definido pela Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998.
O Brasil, em 1992, assinou o Programa Internacional para Erradicação do Trabalho Infantil. Trata-se de Convenção 182 da OIT – Organização Internacional do Trabalho que estabelece as Piores Formas de Trabalho infantil, que são: todas as formas de escravidão ou práticas análogas à escravidão, tais como a venda e o tráfico de crianças, a servidão por dívidas e a servidão e trabalho forçado ou compulsório, inclusive recrutamento forçado ou obrigatório de crianças para utilização em conflitos armados; a utilização, o recrutamento ou a oferta de crianças para a prostituição, produção de pornografia ou atuações pornográficas; a utilização, o recrutamento ou a oferta de crianças para atividades ilícitas, em particular a produção e o tráfico de drogas e, quaisquer trabalhos que possamos trabalhos prejudicar a saúde, a segurança ou a moral das crianças.(BRASIL Decreto 3597, 2000, art. 3).
A partir da legislação internacional, o Brasil aprovou a Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil (Lista TIP), pelo Decreto nº 6.481, de 12 de junho de 2008 que regulamentou os artigos 3o, alínea "d", e 4o da Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). (BRASIL Decreto 6481, 2008, art. 3).
A lista discrimina 93 (noventa e três) atividades das Piores Formas de Trabalho Infantil proibidas ao menor de dezoito anos. Estas foram divididas em dois grupos. O primeiro relaciona os Trabalhos prejudiciais à saúde e a segurança de maneira geral. Dizem respeito às atividades de Agricultura, Pecuária, Silvicultura e Exploração Florestal; Pesca; Indústria Extrativa; Indústria de Transformação e Distribuição de Eletricidade, Gás, Água; objetos pessoais e Domésticos; Transporte e Armazenagem; Saúde e Serviços Sociais; Serviços Coletivos, Sociais, Pessoais e Outros; Serviço Doméstico e todas as atividades relacionadas à limpeza de máquinas.
O segundo grupo das Piores Formas de Trabalho Infantil está relacionado aos Trabalhos prejudiciais à moralidade do menor de 18 anos. São aqueles prestados de qualquer modo em prostíbulos, boates, bares, cabarés, danceterias, casas de massagem, saunas, motéis, salas ou lugares de espetáculos obscenos, salas de jogos de azar e estabelecimentos análogos; de produção, composição, distribuição, impressão ou comércio de objetos sexuais, livros, revistas, fitas de vídeo ou cinema e cds pornográficos, de escritos, cartazes, desenhos, gravuras, pinturas, emblemas, imagens e quaisquer outros objetos pornográficos que possam prejudicar a formação moral; de venda, a varejo, de bebidas alcoólicas; com exposição a abusos físicos, psicológicos ou sexuais.
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu o Princípio Integral de Proteção à Criança e ao Adolescente pelo art. 227. Este artigo estabelece que a família, a sociedade e o Estado têm obrigação de assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Ainda, o mesmo artigo 227 da Constituição Federal determina que essa proteção seja prioritária. Ademais disso, em observância à concretização dessa proteção integral o parágrafo primeiro do referido artigo 227 estabelece a obrigação de o Estado promover programas de assistência integral à saúde da criança, do adolescente e do jovem.
A Constituição Federal de 1988 trouxe a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Este tem o sentido de " regular a situação jurídica dos indivíduos até a idade de 18 anos, definindo como criança o indivíduo até a idade de 12 anos e como adolescente o indivíduo com idade entre 12 e 18 anos", cuja aplicação é para todos indivíduos cuja idade seja inferior a 18 anos.
A proteção à criança, pelo texto constitucional, permite que seja realizada políticas públicas com a participação de entidades não governamentais, mediante políticas específicas em obediência à aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na assistência materno-infantil, a fim de se evitar a exposição da criança à vulnerabilidade social.
O conceito de vulnerabilidade pode ser entendido como um processo multidimensional que converge risco ou probabilidade de o indivíduo, família ou comunidade a ser feridos por situações externas ou internas. (BUSSO,2001). Com efeito, a vulnerabilidade social da criança traduz um conceito que envolve questões relacionadas com desastres econômicos, ambientais e naturais para a sua saúde física e mental. Assim, a exploração do trabalho infantil é abarcada pela vulnerabilidade social.
Essa abordagem diz respeito ao fato de as crianças e adolescentes estarem se desenvolvendo em seu aspecto biológico, em seu aspecto emotivo e em seu aspecto social.
Nesse contexto, o trabalho infantil é proibido porque ofende o processo e o desenvolvimento biológicos da criança. Por certo, a criança acumulará prejuízos incontáveis no âmbito de sua saúde, visto que enquanto trabalha está suscetível a acidentes. É o que diz a médica Pesquisadora Profª Maria Maeno no Seminário Trabalho Seguro, quando informa que "os s grupos mais vulneráveis aos acidentes de trabalho – e que sofre grande impacto social – são as crianças, os adolescentes e os empregados terceirizados."(MAENO,2011)
No Brasil a distribuição de pessoas com alguma ocupação, por faixa de rendimento , 70% da população ganham até dois salários mínimos (numa população de 101 milhões de pessoas economicamente ativas .Com efeito, 12,6% da população ocupada começaram a trabalhar antes dos nove anos de idade de forma ilegal, 38,6% até os 14 anos e 77% até os 17 anos. (MAENO,2011).
Outro ponto a ser considerado é o da formação social das crianças, em razão da fadiga a que são submetidas no trabalho. Chegam cansadas para estudar e esta tarefa é realizada já com déficit de atenção.
A criança que trabalha também tem o seu desenvolvimento psíquico prejudicado, quanto ao tempo que dispõe para laser e brincadeiras. Ela perde tempo trabalhando e não desenvolve a alegria e convivência comunitária.
No sentido de proteção à criança e ao adolescente, a Constituição Federal -Artigo 7° - XXXIII estabelece critério etário para o trabalho infantil. Até os 13 anos incompletos não são permitidos qualquer forma de trabalho. Entre 14 e 15 anos é possível o trabalho do aprendiz - aprendizagem – técnica. A partir de 16 anos é permitido desde que o trabalho não seja desenvolvido em ambiente insalubre, perigoso, noturno e que, também, não ofenda o desenvolvimento psíquico, social e emotivo da criança.
Vê-se, portanto, que o trabalho ofende o desenvolvimento biopsicossocial da criança e por isso ela é merecedora de proteção integral, na forma da Constituição Federal.
Contudo, parte da sociedade ainda defende o trabalho infantil.

O DISCURSO DO TRABALHO INFANTIL PARA CRIANÇA POBRE: O MUNDO DA VIDA E OS SISTEMAS SOCIAIS

O discurso a favor do trabalho infantil para criança pobre pode ser entendido a partir da Teoria da Ação Comunicativa de Habermas. Segundo Habermas as formas de racionalidade na sociedade se revelam pela "racionalidade comunicativa" que é empregada pelos agentes no "mundo da vida", enquanto a "racionalidade estratégica" se apresenta nos sistemas sociais com vistas ao interesse particular e ao êxito. (apud DURÃO,2006). É possível considerar que a exploração do trabalho infantil se realiza pelo agir estratégico.
Ainda, em Teoria da Ação Comunicativa, Habermas significa o direito como o responsável pela integração social entre o mundo da vida e os sistemas sociais, visto que aos cidadãos é permitido o uso da racionalidade estratégica, bem como possibilita àqueles que agem pelo consenso. Isto resulta dois aspectos do direito, a facticidade, que surge pelo legislador, por suas leis. Tais leis deverão ser cumpridas socialmente pela ameaça de sanções pelo Estado.
O segundo aspecto é a validade nascida por normas do direito que se fundam em argumentos racionais e aceitáveis por seus destinatários (DUR.ÃO,2006). Neste ponto, é flagrante o discurso de alguns grupos favoráveis ao trabalho infantil para criança pobre.
A exploração do trabalho infantil é exemplo de não aceitabilidade da legislação protetiva à criança. Neste aspecto, é flagrante a tensão entre facticidade e validade (HABERMAS,1997) porque se apresenta como o modo que o direito da criança e do adolescente é percebido pelos atores da sociedade.
O trabalho infantil não é de todo rechaçado pela sociedade brasileira. É o que diz Leonardo Sakamoto:

"Quando trago algum texto sobre trabalho infantil, muitos leitores bradam: "eu trabalhei desde cedo e isso moldou meu caráter''; "aprendi a dar valor às coisas com meu suor desde pequeno''; "crianças ou está vagabundeando ou está trabalhando''.(SAKAMOTO,2012).

O discurso da importância do trabalho infantil não é acolhido pela classe média. Atualmente, o jovem da classe média estuda, faz pós- graduação, e só sai de casa depois de uma formação sólida.
Ainda Sakamoto (2012) relata:

"Para Rafael Dias Marques, da Coordenação Nacional de Combate à Exploração do Trabalho de Crianças e Adolescentes do Ministério Público do Trabalho (MPT), na visão de quem defende essa prática, o trabalho é um mal menor. "Essas pessoas não têm a concepção de que é altamente nocivo, de que pode trazer os mesmos prejuízos que as drogas e o crime", afirma. Ele acredita que elas não sabem das dificuldades de aprendizado causadas pelo trabalho infantil; do grande risco que crianças e adolescentes têm de se acidentar nessas atividades. Não levam em conta que são retirados do convívio familiar, afastados do lazer, da brincadeira, do ócio. "A sociedade entende o trabalho como solução para a criança pobre, no lugar da educação, de garantir a proteção integral por parte do Estado", completa o procurador do trabalho.(SAKAMOTO, 2015).

O discurso de que o trabalho infantil é bom para a criança pobre precisa ser desconstruído. Ainda, no mesmo sentido, o discurso de que o trabalho infantil afasta as crianças das drogas e da prostituição é uma falácia. O que se vê é que a família falha na condução da educação da criança. Neste aspecto, o Estado deve atuar no apoio da proteção integral à criança porque esta é a responsabilidade do poder público, pelo que estabelece o artigo 227 da Constituição Federal.
Segundo Ana Paula Vieira e Souza o discurso da vocação é mais um argumento para dissimular a condição da criança pobre.

"O trabalho infantil ideologicamente assumido interdiscursivamente pela lógica capitalista aparece como vocação, como valorização do cumprimento do dever e dos afazeres, aparece sempre como algo positivo, onde o sofrimento e a exploração são mascarados pela inclinação. Dissimula-se assim que seja algo a ser assumido pelas crianças e adolescentes das classes trabalhadoras, que são obrigadas e responsabilizadas pela sua condição de pobreza".(SOUZA,2014,p.137)

A Erradicação das Piores Formas de Trabalho Infantil consta do Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente Trabalhador é fruto do empenho da Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil (CONAETI) .
O referido Plano foi tornado público pela Resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA, nº 148 de 19/04/2011 com o objetivo de e eliminar as piores formas de trabalho infantil até 2015 e de erradicar a totalidade do trabalho infantil até 2020.
Contudo, a literatura científica aponta relatos de crianças trabalhando em atividade de pesca, agricultura do fumo e serviços domésticos aliados ao discurso de que criança pobre deve trabalhar. Esta realidade precisa ser combatida.
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CRIANÇAS TRABALHANDO EM ATIVIDADE DE PESCA, AGRICULTURA, MATADOURO E ATIVIDADE DOMÉSTICA

A coleta de mariscos é atividade de pesca artesanal realizada pelas crianças na Orla Lagunar de Maceió.(SILVA,2010, p. 82). Trata-se de trabalho duro e penoso porque as crianças coletam o sururu da lama com as mãos, que depois é jogado nas canoas.(SILVA, 2010,p. 87).
Segundo Silva, as famílias das crianças que trabalham na coleta de mariscos possuem o entendimento de que esse trabalho é educativo, mas, na verdade ele tem o sentido de sobrevivência e de ajuda, em razão da extrema pobreza das famílias.
O trabalho na agricultura do fumo é outro exemplo das piores formas de trabalho infantil porque prejudica à saúde da criança.. De acordo com Deise Lisbôa Riquinho a criança trabalha em turno inverso ao horário da escola.

[...]As atividades agrícolas vinculadas ao fumo são realizadas predominantemente por pequenos produtores rurais em regime de agricultura familiar, utilizando prioritariamente a força de trabalho familiar (AFUBRA, 2009; ORR, 2000). Cerca de 90% do total de trabalhadores envolvidos nas atividades de cultivo provém da própria família e os 10% restantes são formados por trabalhadores temporários. Um fator em comum nos países produtores de tabaco onde a atividade agrícola se desenvolve no âmbito familiar é a presença do trabalho infantil, em que a criança colabora em turnos inversos à escola ou ainda em tempo integral, como um trabalhador ativo em todo o processo do cultivo (BRASIL, 2004b; MCKNIGHT; SPILLER, 2005).(RIQUINHO,2013, p.21))

Segundo Riquinho (2013,p.58) as crianças ficam expostas ao agrotóxico. Nesse sentido, a "exposição aos agrotóxicos, as intoxicações pela DFVT e esforços repetitivos provavelmente reduzirão a capacidade produtiva destes quando adultos, podendo acarretar adoecimentos de diversas ordens, como cânceres e depressão."
Ainda, É possível identificar o falso discurso de que o trabalho é educativo porque para os agricultores "é o meio pelo qual ensinam os "saberes da terra", numa lembrança saudosista às formas artesanais de aprendizagem anteriores à instituição da escola, do trabalho produtor de mais-valia e à forma industrial de produção.(CONDE,2012,p.29).
O Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho – SINAIT, por seus Auditores, encontrou crianças trabalhando em Matadouro em Fevereiro de 2015(SINAIT,2015), conforme relatado nesse trabalho:
"[...]De 9 a 13 de fevereiro as Auditoras-Fiscais do Trabalho Marinalva Cardoso Dantas e Virna Damasceno, e a Assistente Social Célia Maria Galvão de Menezes estiveram no município de São Miguel, no Rio Grande do Norte, para realizar fiscalização no Matadouro Público Municipal. A ação foi realizada a pedido da Promotoria de Justiça da Comarca de São Miguel que, no ano passado, enviou à Superintendência Regional do Trabalho e Emprego – SRTE/RN denúncia de que havia crianças e adolescentes trabalhando naquele ambiente, o que é proibido por lei. A denúncia veio acompanhada de reportagem impressa e em vídeo sobre as condições degradantes do matadouro. Coleta de informações. As Auditoras-Fiscais, antes de se encaminharem para a fiscalização propriamente dita, foram ao Conselho Tutelar da cidade, onde obtiveram a informação de que, mesmo com a repercussão da reportagem, as crianças continuavam trabalhando no matadouro. Os menores são filhos dos magarefes (açougueiros) e abatedores dos animais. Marinalva conta que ouviu dos conselheiros, com surpresa, o velho discurso de que é melhor que as crianças trabalhem do que fiquem nas ruas, se envolvendo com drogas. Para ela, esse é "um discurso bolorento, que combatemos há 22 anos, e mais enfaticamente nos últimos sete anos, depois que foi editado o Decreto das Piores Formas do Trabalho Infantil no Brasil". Os matadouros/abatedouros constam da lista por serem, comprovadamente, insalubres e perigosos. No item 38 do Decreto nº 6.481/2008, estão descritos como riscos e gravames causados pela atividade desenvolvida em matadouros e abatedouros em geral: esforços físicos intensos; riscos de acidentes com animais e ferramentas pérfuro-cortantes e exposição a agentes biológicos; afecções músculo-esqueléticas (bursites, tendinites, dorsalgias, sinovites, tenossinovites); contusões; ferimentos; tuberculose; carbúnculo; brucelose e psitacose. (SINAIT,2015).
O flagrante dos Auditores no Matadouro, explicita uma triste realidade. Foram identificadas situações impensáveis em relação aos danos à saúde das crianças, como riscos de acidentes com instrumentos cortantes e com a reação dos bois que reagem aos golpes que recebem dos meninos.
Os Auditores relataram que as crianças lavam o chão ensanguentado. Fazem isso descalço, enquanto os adultos usam botas. Ainda, as crianças passam o rodo, levam a água ensanguentada para uma vala que tem o mesmo destino do sangue que desce pela grade da sangria. Todas as crianças e adolescentes trabalham descalços ou com sandálias, tendo contato direto com o sangue, fezes e nacos de ossos e vísceras. Entretanto, ainda persiste o discurso retirado do relato acima " de que é melhor que as crianças trabalhem do que fiquem nas ruas, se envolvendo com drogas."(SINAIT,2015)
O trabalho doméstico, também consta na lista das piores formas de trabalho infantil. Para André Viana Custódio esta realidade fere a lei e a criança, quando afirma que:
[...] O trabalho infantil doméstico realiza-se à margem da legalidade, em condições informais que reduzem os custos para a utilização desse tipo de mão-deobra; além de estar geralmente protegido dos sistemas de controle e fiscalização por realizar-se no espaço doméstico. A mão-de-obra infantil é extremamente atrativa para o empregador, pois geralmente não reivindica seus direitos, não está representada em sindicatos e dificilmente exige melhores condições de trabalho, pois a exploração está mascarada pela velha prática da caridade. (2006,p.96).

Segundo Custódio (2006, ) as "famílias acreditam que existe um direito natural de aproveitar todos os recursos familiares para a garantia da sobrevivência e que o trabalho acarretaria efeitos benéficos para a educação e o desenvolvimento das próprias crianças e adolescentes.(2006, p. 98).
CONSIDERAÇÕES FINAIS

A exploração do trabalho infantil, em alguns aspectos, está acobertado pelo falso discurso a favor do trabalho para criança pobre. O "agir estratégico" do trabalho infantil que educa precisa ser descontruído.. A criança que trabalha de maneira irregular não está sob proteção de sua família. Esta é o primeiro lugar de socialização que a criança possui. Na falta desse espaço, o Estado deve agir, principalmente, no que diz respeito ao trabalho infantil e, ainda no que diz respeito às piores formas de trabalho estabelecidas pela Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho, conforme foi exposto neste trabalho
Para Lourival Nonato dos Santos (SANTOS, p.193) os órgãos que compõem a Rede de Proteção à Criança devem ser ampliados para dar atendimento às crianças que trabalham. Para tanto, as instituições Ministério Público do Trabalho, Conselho Tutelar, Ministério Público Estadual e Ministério do Trabalho e Emprego devem atuar em conformidade com o Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil.
A Erradicação das Piores Formas do Trabalho Infantil deve ser concretizada de maneira preventiva e repressiva pelos poderes públicos. Ademais disso, o falso discurso de que o trabalho infantil educa não pode ser tolerado e deve ser desconstruído.

REFERÊNCIAS

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BRASIL. Decreto 6481, de 12 de junho de 2008. Regulamenta os artigos 3o, alínea "d", e 4o da Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que trata da proibição das piores formas de trabalho infantil e ação imediata para sua eliminação, aprovada pelo Decreto Legislativo no178, de 14 de dezembro de 1999, e promulgada pelo Decreto no 3.597, de 12 de setembro de 2000, e dá outras providências. BRASIL. Lei 9610, de 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em: 17 nov. 2015.

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