A Escola de Babel: autodidatismo e autonomia no mundo virtual

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ESPECIALIZAÇÃO EM DOCÊNCIA DO ENSINO SUPERIOR

DANILO AUGUSTO DE ATHAYDE FRAGA

A ESCOLA DE BABEL:

AUTODIDATISMO E AUTONOMIA NO MUNDO VIRTUAL

Salvador 2015

DANILO AUGUSTO DE ATHAYDE FRAGA

A ESCOLA DE BABEL:

AUTODIDATISMO E AUTONOMIA NO MUNDO VIRTUAL

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado a Especialização em Docência do Ensino Superior da UNIFACS, como requisito parcial para obtenção do título de especialista. Orientador: Andersen Caribé de Oliveira

Salvador 2015

I love to rise in a summer morn, When the birds sing on every tree; The distant huntsman winds his horn, And the skylark sings with me: O what sweet company! But to go to school in a summer morn, O it drives all joy away! Under a cruel eye outworn, The little ones spend the day In sighing and dismay. (...) William Blake, The Schoolboy

Amo despertar em uma manhã de verão Quando a corneta me dá bom-dia E os passarinhos cantam sua canção E junto a mim a cotovia: Mas que doce companhia! Mas ir a escola em uma manhã de verão Ai, me rouba toda alegria! Sob um olhar duro os pequeninos terão O prazer de todo o seu dia Em suspiros e apatia! (...) William Blake, O Estudante, trad. livre

RESUMO

Este trabalho se atentará para os possíveis percursos que um estudante, desvinculado de instituições, pode traçar nos ambientes virtuais em busca de uma formação autônoma. Seguindo, assim, com um mapeamento introdutórios destes ambientes de aprendizagem e as novas potencialidades que eles oferecem. Seu desenvolvimento visará descortinar a existência de um novo ethos de leitura, formação e aprendizagem, que se torna possível pela natureza diversa, múltipla e veloz destes novos espaços, através do imperativo maior do autodidatismo. Palavras-chave: Autodidatismo; Autonomia; Aprendizagem; Espaços virtuais

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 5 2. NOSSO MOMENTO TECNOLÓGICO E SUAS POSSIBILIDADES ................................... 5 3. INTERDISCIPLINARIDADE, INTERTEXTUALIDADE E COMPLEXIDADE NO MUNDO VIRTUAL ................................................................................................................ 7 4. OS PERCURSOS DA LEITURA EM MEIO VIRTUAL: O CASO RASHOMON ................ 9 5. ALGUNS ESPAÇOS PARA A APRENDIZAGEM EM MEIO VIRTUAL ......................... 13 5.1 OS BANCOS DE LEITURA .............................................................................................. 144 5.2 AMBIENTES DE DISCUSSÃO E INTERAÇÃO ............................................................. 177 5.3 PLATAFORMAS DE CURSOS ........................................................................................ 199 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS E NOVAS CONSIDERAÇÕES: UMA CRÍTICA EM ABERTO ............................................................................................................................. 211 REFERÊNCIAS .......................................................................................................................... 23

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1. INTRODUÇÃO

Este trabalho de conclusão de curso terá como meta o mapeamento dos ambientes virtuais de aprendizagem e as novas potencialidades que eles oferecem, tendo como foco o estudante-internauta individual, autônomo e solitário. Seu desenvolvimento visará descortinar a existência de um novo ethos de aprendizagem que se torna possível pela natureza diversa, múltipla e veloz destes novos ambientes digitais, através do imperativo maior do autodidatismo. Portanto, ele se desenvolverá, em seu primeiro momento, em uma breve apresentação sobre a realidade e condição do aprendizado em ambiente virtual, seguido pelo mapeamento de algumas novas possibilidades disponíveis na contemporaneidade para, que um aluno com formação básica perfaça uma trajetória de aprendizagem e aperfeiçoamento efetiva. Este ambiente virtual – ciberespaços - exigirá do educando (Freire, 1997b) novas capacidades e ferramentas de leitura, ao mesmo momento em que apresentará a ele uma nova realidade de aprendizagem; como nos informou o filósofo da cibercultura, Pierre Lévy: “O termo [ciberespaço] especifica não apenas a infraestrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informação que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo. Quanto ao neologismo ‘cibercultura’, especifica aqui o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço.” (LÉVY, 1999, p. 17)

Por fim, tentaremos tecer uma breve crítica e considerações sobre essas possibilidades para o autodidatismo e autonomia presentes neste novo espaço e lógica de interações que elas nos oferecem.

2.

NOSSO MOMENTO TECNOLÓGICO E SUAS POSSIBILIDADES PARA A

APRENDIZAGEM

Dentro dos milhares de aspectos, particularidades e consequências do exponencial crescimento dos meios digitais para a educação, dois, certamente, devem ser elencados entre os primeiros: a acessibilidade e a velocidade.

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Hoje, a informação partilha com a luz seu poder metafórico de velocidade. Esta velocidade, virtualmente instantânea, gera uma condição criadora de uma acessibilidade supostamente universal. Um computador conectado à internet virou o símbolo contemporâneo da Torre de Babel; sendo, porém, continuamente e facilmente acessível ao sujeito no conforto de sua casa. Eu, brasileiro de classe média, jovem, tenho os meios materiais imediatos para acessar uma aula dada ontem na faculdade de Direito de Harvard. Tenho nas pontas dos dedos a miríade espelhada do conhecimento universal, utopia realizada do iluminismo de d’Alembert e Diderot: a Wikipédia. Em seus objetivos expostos no verbete homônimo a sua Enciclopédia, os dois nos informam sobre o ideal do conhecimento acumulado:

Indeed, the purpose of an encyclopedia is to collect knowledge disseminated around the globe; to set forth its general system to the men with whom we live, and transmit it to those who will come after us, so that the work of preceding centuries will not become useless to the centuries to come; and so that our offspring, becoming better instructed, will at the same time become more virtuous and happy, and that we should not die without having rendered a service to the human race in the future years to come.1 (DIDEROT; D’ALEMBERT, V.5, P.655)

A coleta do conhecimento para a sua perpetuação, aperfeiçoamento e disseminação já não é desejo utópico para uma realização futura, mas sim regra regente de muito da nossa produção intelectual contemporânea em diversos espaços; não somente em sua concepção mais estrita da enciclopédia por verbetes. A própria realização deste trabalho, com consultas digitais e fruto de uma formação largamente realizada em ambientes virtuais, poderia ser tomada como uma evidência do poder emancipador da informação bitarizada, das novas possibilidades do teleaprendizado, pautado pelo imperativo maior do autodidatismo. Acessível porque veloz e múltiplo, ainda escapável às cobranças monetárias por débito automático, idealmente equalizador e emancipador de oportunidades. A utopia da informação intenta mesmo equalizar as condições materiais: a casa grande e a senzala se igualariam, na posse de um servidor online, como condição necessária para o desenvolvimento intelectual. Porém, quando se fala de internet – e quando se fala de educação- a linguagem se emprenha Em uma tradução livre: “Com efeito, uma enciclopédia se destina a coletar o conhecimento disseminado ao redor do globo; difundir seus mecanismos para os homens de nosso tempo e transmitilo para aqueles que virão depois de nós, para que, assim, o empenho dos séculos passados não caia na inutilidade para os séculos vindouros e, uma vez mais instruídos do que nos, nossos descendentes também se tornarão mais felizes e virtuosos; e, enfim, não haveremos de morrer sem prestar serviço ao futuro de nossa raça.” 1

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de medusas e de projeções idealizadas e podemos, como já repetidamente fizemos, confundir a ferramenta que temos em mãos com o fim que, através do seu uso e auxílio, uma vez desejamos alcançar. Porém, aqui, o recorte restrito deste trabalho me levará a, circunstancialmente, abandonar certas considerações acerca das contingências que perfazem a questão da autonomia em ambiente virtual e me atentar para esta figura do estudante individual, com letramento e formação básica realizada satisfatoriamente2 e assim, a partir deste ponto, ver as possibilidades e espaços nos quais ele pode exercitar, usufruir e dar prosseguimento à(s) sua(s) formação(ões). Para tanto, nos interessa investigar, afinal, o que a internet tem a oferecer a este estudante solitário, educando autodidata e autônomo. No Brasil, a maior parte de suas possibilidades ainda são largamente desconhecidas.

3.

INTERDISCIPLINARIDADE, INTERTEXTUALIDADE E COMPLEXIDADE NO MUNDO VIRTUAL

Hoje, a quantidade da produção intelectual que passa a estar disponível a cada 24 horas ultrapassou a capacidade de leitura – quanto mais de recepção – de centenas ou mesmo milhares de vidas humanas3. A informação é múltipla, heterogênea e massiva e se interconecta emaranhadamente pela rede, onde podemos acessá-la por caminhos que traçamos de forma particular, porém direcionada. Aqui, entendo e intento que cabe ao estudante e autodidata individual, munido de sua formação e ferramentas necessárias, percorrer este percurso com autonomia e a fim do seu propósito pessoal. Autonomia, como nos ensinou Paulo Freire em uma das suas definições mais famosas: “Nas condições de verdadeira aprendizagem os educandos vão se transformando em reais sujeitos da construção e da reconstrução do saber ensinado (...).” (FREIRE, 1997b). Pois, a lógica que rege esta “busca pelo conhecimento” do autodidata deverá ser aquela que determine que este conhecimento serve ao sujeito em sua individualidade e capacidade de cognição do mundo em que vive, em

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A saber: um letramento de nível fundamental nas humanidades, artes e ciências; alfabetização completa e boa fluência escrita em sua língua natal; letramento nas tecnologias digitais básicas. 3 Talvez, possamos dizer, em uma nova virada copernicana: o ser humano se viu alocado em um universo de informação que, descentrado, se expande irrestritamente para todas as direções..

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um momento anterior àquele destinado a um fim específico de qualificação, formação formal e profissional ou aplicação técnica. Assim, autonomia e formação para a compreensão do mundo em sua natureza complexa, se mesclam nesta aprendizagem, caminho percorrido por nosso autodidata solitário. Na internet, o estudante encontra sempre à mão a possibilidade de se desvincular do ensinamento preso e às suas aplicações mais engessadas, “conhecimentos disciplinares”, que, como nos avisa o filósofo da complexidade contemporânea, Edgard Morin: (...) trouxeram as vantagens da divisão do trabalho, mas também os inconvenientes da superespecialização, do confinamento e do despedaçamento do saber. Não só produziram o conhecimento e a elucidação, mas também a ignorância e a cegueira. (MORIN, 2006, pg 15)

Assim como: A hiperespecialização contribui fortemente para a perda da visão ou concepção de conjunto, pois os espíritos fechados em suas disciplinas não podem captar os vínculos de solidariedade que unem os conhecimentos. Um pensamento cego ao global não pode captar aquilo que une elementos separados. O fechamento disciplinar, associado à inserção da pesquisa científica nos limites tecnoburocráticos da sociedade, produz a irresponsabilidade em relação a tudo o que é exterior ao domínio especializado. (MORIN, 2005, pg. 72-73).

Portanto, interessa-me aquilo que a internet pode oferecer, em termos de informação, conhecimento e espaços de aprendizado ao sujeito individual em um caminho relativamente autônomo4. E se considerarmos a figura deste autodidata solitário, também devemos nos atentar para a realidade da informação intranet, a um só tempo, reflexo e causa de nossa condição contemporânea de complexidades. A internet se compõe por uma miríade de espaços interligados de forma direta ou remotamente, através de outros pontos que, por sua vez, se interligam: uma estrutura rizomática. O rizoma - que, como nos avisam Deleuze e Guatarri em sua conceitualização do termo que vem ganhando vasta utilização – “(...) não começa nem conclui, ele se encontra sempre no meio, entre as coisas, inter-ser, intermezzo" (Deleuze; Guatarri, 1995). O rizoma estrutura análoga ao emaranhado dos ramos da relva, sem ordenamento valorativo (ao contrário de um “esquema de árvore”, por exemplo) – é figura que ilustra bem uma primeira 4

Autonomia, aqui, não significa ausência de colaboração, mas a desvinculação (como necessidade a priori) de instituições ou programas fechados, ou seja, ao seguimento de uma formação coletiva.

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acepção desta realidade dos espaços virtuais. Com ela, nós podemos entender que este sujeito que passeia por estes espaços e tem o intuito da formação e construção do conhecimento, deve reconhecer a característica complexa desta empreitada e valer-se de ferramentas apropriadas. Na internet, um mesmo tema pode perambular por diversos espaços, mídias e discursos exigindo o agenciamento de saberes diversos e de diferentes capacidades de leituras. Propriamente de natureza intertextual, a internet exige do estudante, a um só tempo, um estudo intersemiótico e uma preparação interdisciplinar, para acessar satisfatoriamente esta teia de complexidades que ela é. Ainda com Morin: (...) a um primeiro olhar, a complexidade é um tecido (complexus: o que é tecido junto) de constituintes heterogêneos inseparavelmente associados: ela coloca o paradoxo do uno e do múltiplo. Num segundo momento, a complexidade é efetivamente o tecido de acontecimentos, ações, interações, retroações, determinações, acasos, que constituem nosso mundo fenomênico (...). (MORIN, 2006, pg. 13)

Intertextualidade e interdisciplinaridade se emaranham, no mundo virtual, em uma rede de textos e necessidades que se retroagenciam, pois um mesmo tema que é tratado em diferentes formatos e mídias, também exige diferentes capacidades de leitura. Aqui, farei uma breve ilustração de como a leitura e o percurso do estudo em ambiente virtual são de natureza múltipla:

4. OS PERCURSOS DA LEITURA EM MEIO VIRTUAL: O CASO RASHOMON

Texto escrito, vídeo, imagem, música, realidades virtuais, softwares, hiperlinks são alguns tipos de mídias e textos que se entrecruzam em ambiente virtual, mas que podem, eles mesmos, apresentarem diferentes formatos, planos estéticos e organizações. Se ficarmos com o texto, em sua acepção lata, por exemplo, nada se mostrará mais amplo que a internet para receber e vincular suas variadas formas de apresentação. A título de ilustração, posso eleger um caso para percebermos como a intertextualidade do mundo contemporâneo ganha um espaço próprio de ser na internet (e como essa intertextualidade exigirá interleituras). Peguemos o caso de Rashomon5 5

Aqui, nos interessa menos falar sobre o filme, explicando-o e/ou comentando-o, do que utilizá-lo como exemplo para este “ethos” que rege a leitura (para a aprendizagem) em ambiente virtual.

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(Kurosawa,1950), cânone do cinema clássico e que aqui nos interessa pela sua vasta história de apropriações. Rashomon teve importância nos discursos filosóficos e psicológicos desde que foi apropriado por autores centrais destas duas disciplinas e, também, tem um vasto legado e influência na produção cultural tanto do Oriente como do Ocidente. Se quisermos conhecer sobre este filme, conhecer não somente no sentido de o assistirmos e tomarmos consciência da sua existência e enredo, porém, se quisermos conhecê-lo em uma perspectiva intelectualizante, que investigue seus mecanismos cinematográficos, que nos desvele os percursos e os porquês de suas apropriações, não haverá ferramenta melhor para este estudante do que a internet. A internet oferecerá uma ampla rede, um emaranhado intricado de produções interligadas, mais do que este estudante poderia ter acesso em qualquer outro espaço. De fóruns de discussão amadora a publicações de respeitadas revistas internacionais, de conteúdo de apropriações artísticas (como quadrinhos ou pinturas inspiradas na obra de Kurosawa) até cursos universitários e institucionais, em ambiente virtual, dedicados ao filme; o estudante autodidata terá que traçar seu próprio caminho de referências, a fim de não se perder nesta selva intertextual. Ele poderá escolher o caminho pelas leituras mais solidificadas, escolher apropriações mais clássicas ou permitir-se navegar à deriva através das cadeias de hiperlinks e retrorreferências; no entanto, desde o momento em que ele estabelecer que seu objeto é o filme cinematográfico dirigido por Akira Kurosawa – e suas teias de influências, apropriações e reapropriações -, a internet desabrochará sua estrutura rizomática frente à sua atividade de estudo e conhecimento. Podemos começar, por exemplo, verificando que a Wikipédia disponibiliza um extenso verbete sobre o filme em sua modalidade em português. Há, no total, 42 verbetes em 41 línguas diferentes (a Wikipédia disponibiliza o verbete, também, em “inglês simplificado”) que tratam das leituras mais consagradas do filme, seus aspectos técnicos e curiosidades e fatos conhecidos; porém, o verbete em português, incomumente, faz um trabalho mais extenso de análise. Nos primeiros parágrafos, o site nos oferece uma rápida introdução ao filme e alguns dos seus pontos mais referidos (pontos estes que irão reaparecer em diversas outras fontes de leituras e, também, em outras mídias): O filme tem uma estrutura de narrativa não-convencional que sugere a impossibilidade de obter a verdade sobre um evento quando há conflitos de pontos de vista. Tanto no inglês como em outras línguas, "Rashomon" se tornou um provérbio para qualquer situação na qual a veracidade de um evento é difícil de ser verificada devido a julgamentos conflitantes de diferentes testemunhas. Na psicologia, o filme emprestou seu nome ao

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chamado "Efeito Rashomon”. (...) A história se desvela em flashbacks conforme os quatro personagens (...) recontam os eventos de uma tarde em um bosque. Mas é também um flashback dentro de um flashback (...). (RASHOMON. In:Wikipédia)

Após esta leitura introdutória, o estudante poderá reencontrar este mesmo tema exposto neste verbete da Wikipédia em um ensaio de um crítico-especialista em cinema, em um site destinado, somente, à crítica especializada em cinema. Por exemplo, aqui nós podemos atestar como certa leitura, e mesmo sua expressão, passa de uma plataforma à outra; se trata da expressão “flashback dentro de flashback”:

A estrutura narrativa elaborada por Kurosawa se revela bastante ambiciosa quando observada com atenção. De fato, as ações são contadas em três tempos distintos, algo raro no cinema os fatos mais importantes são flashbacks dentro de flashbacks. (RASHOMON, In: Cine Repórter)

Porém, há, certamente, diversos outros textos críticos sobre o filme (em forma de ensaio, resenha ou outros formatos), de amadores ou especialistas, rapidamente acessíveis; muitos, inclusive, mantendo ou referenciando esta leitura que passa de texto a texto (“flashbacks dentro de flashbacks”). Posso citar, por exemplo, o trabalho do doutor em filosofia Luis Teixeira que, em seu ensaio “Heidegger entre Kurosawa e Akutagawa: filosofia, cinema, literatura” (Teixeira, 2008), publicado em uma revista universitária sobre cinema, fala das apropriações do filme feitas pelo filósofo Martin Heidegger que, por sua vez, se valeu largamente de dois contos do mestre da literatura japonesa Akira Akutagawa, uma das fontes primárias de inspiração e referência do filme de Kurosawa.6 Aqui, toda esta trama intertextual (própria da produção textual e intelectual da contemporaneidade) ganha evidência. A literatura deságua no cinema que deságua na filosofia que deságua na crítica acadêmica; porém, o que nos interessa é perceber como todo este percurso – mesmo sem a requisição de nenhuma preparação ou titulação à priori, sem contingências temporais ou espaciais - é acessível, de forma simultânea, ao estudante autodidata. Este estudante tem a possibilidade de passear por diferentes textos e leituras, mas, também, por diferentes plataformas. Neste breve exemplo, nós vimos:

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Portanto, estendo essa cadeia de referência até pontos anteriores ao nosso objeto central.

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1-

A Wikipédia: site wiki, de colaboração aberta, onde o “texto” não tem uma marcação autoral definida, mas pode sofrer diversas reedições, vastamente marcado por hiperlinks de redirecionamento a páginas de conteúdo correlacionado. Uma rede virtualmente infinita para a capacidade de leitura de uma vida humana;

2-

Sites e blogs pessoais, onde o conteúdo e a própria plataforma são autorais e pessoalistas,

porém

podendo

ter

características

diversas

(amadorismo,

profissionalismo, ativismo etc); 3-

Conteúdo de vinculação institucional e de caráter especialista: uma revista de pósgraduação com acesso livre na rede.

Continuando:

4-

O próprio acesso do filme de Kurosawa que é livre (com diversas legendas) em plataformas como o Youtube ou outras;

5-

O acesso às edições digitais -em PDF ou outros formatos - do livro “Rashomon e outras histórias”, de Akira Akutagawa.

Se prosseguirmos nosso caminho nos mecanismos de buscas sobre as referências, procedimentos e influências do filme, encontramos, ainda, diversas outras plataformas que servem à aprendizagem e ao estudo deste objeto em questão, como:

6-

Cursos programáticos online de cinema que se utilizam do filme em seu programa, oferecendo certificados autenticados por instituições, como The University of Londres7. Aqui, nós temos a vinculação institucional, o programa e avaliação, em moldes da escola tradicional transposta para o ambiente virtual.

7-

Também, conteúdos de apropriações artísticas e culturais, como remakes, adaptações em quadrinhos e uma série bastante extensa de referências gráficas e arte digital.

Porém, este é apenas um exemplo de um percurso de leitura possível. Ele serve para descortinarmos os variados ambientes que a internet nos oferece para a aprendizagem, sendo que cada qual tem particularidades e propósitos que podem se assemelhar ou divergir dos “The Camera Never Lies”, curso disponibilizado através da plataforma Coursera. Acessível em: www.coursera.org/course/lyingcamera 7

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demais. A internet, em sua acepção total, é um ambiente múltiplo e heterogêneo que integra diversos outros ambientes – as publicações, a escola, a reprodução de mídia, os ambientes de debates, entres outros - portanto, esta segunda parte deste trabalho se dedicará a apresentar ao leitor brasileiro alguns destes principais espaços; muitos estes que ainda permanecem desconhecidos, assim como permanecem desconhecidas as novas possibilidades que eles trazem. Tentarei, então, fazer uma pequena classificação das características e possibilidades apresentadas por eles.

5. ALGUNS ESPAÇOS PARA A APRENDIZAGEM EM MEIO VIRTUAL

Quando o estudante está em ambiente virtual ele não necessariamente se encontra em um processo específico para a aprendizagem. Como dito, a internet oferece diversos ambientes, e a grande maioria destes ambientes possui propósitos diversos àquele da leitura para a aquisição e desenvolvimento dos conhecimentos e saberes. Ainda, uma mesma plataforma pode oferecer diversas facetas, e estas facetas, por sua vez, podem ser moldadas pelas intenções deste estudante. Porém, aqui, me interessa evidenciar alguns destes espaços que colaboram e podem integrar um percurso de aprendizagem autodidata e consciente. Consciente no sentido de que o estudante não os percorre de forma desavisada e está a aprender em analogia como ele estaria, por exemplo, ao ver um filme, TV, ler ou adquirir conhecimentos de forma cotidiana e desinteressada, mas, sim, que ele realiza um processo de leitura programada e para algum fim determinado; seja este fim o aperfeiçoamento de algum plano de suas formações, a realização de produções intelectuais, a obtenção de certificados etc. A intenção – aliada à natureza breve e introdutória deste trabalho - é apresentar alguns dos ambientes mais significativos para o processo de aprendizagem autônoma (desvinculada de contingências formais) e consciente (com o intuito do estudo) no meio digital e tentar mostrar suas diferentes características. Aqui, vejo que posso dividir esses ambientes em três grupos generalistas:

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5.1 OS BANCOS DE LEITURA

Os bancos de leitura têm a natureza de serem acumulativos, não programáticos e sem vinculação institucional à priori. Eles podem ser verdadeiramente enormes e admitirem o depósito de diferentes mídias. Esses espaços não exigem a filiação para o acesso do seu conteúdo e integram o que poderíamos chamar de um ethos de informação livre, um dos valores mais defendidos dentro do que poderíamos chamar de uma utopia da internet. Eles não exigem filiação acadêmica e institucional, porém, podem apresentar, em exceções, a necessidade de uma filiação com sua plataforma (através de conta, login ou mesmo redes sociais) para acessar algum conteúdo ou espaço de forma completa. Nestes espaços, o estudante realizará uma leitura de maneira mais análoga às que acontecem nas mídias físicas. Será uma leitura, majoritariamente, unilateral, onde o estudante terá acesso a um conteúdo pré-estabelecido, desenvolvido e organizado por um autor ou autores. A lógica da interação, muito presente em outros espaços – e tão própria das características inerentes à internet -, aqui, tem uma importância minoritária, embora ainda possa ser presente. Alguns exemplos destes bancos de leitura são:

I. Sistemas WIKI

Os colaborativos e enciclopédicos sistemas WIKI (a exemplo da Wikipédia e seus Portais referentes a diferentes áreas do conhecimento). O sistema WIKI tem a característica de ser um sistema aberto e coletivo, onde um mesmo texto pode ser reeditado e passa pelo desenvolvimento de diferentes autores. Porém, este momento de edição e debate fica em um segundo plano, restrito a colaboradores vinculados à plataforma e com diferentes níveis de autorização e acesso à edição8. Aquilo que fica em primeiro plano e é de acesso imediato aos internautas é o ambiente de leitura. Os sites WIKI podem ser considerados como análogos às enciclopédias físicas e têm sua estrutura pautada pela coletânea de documentos, ligações em hipertextos e páginas em HTML. O mais famoso e, certamente, mais utilizado sistema WIKI é a Wikipédia9. Nela, nós podemos acessar gigantescos portais sobre áreas diferentes do conhecimento em dezenas de 8

Embora, em alguns casos, a princípio, esta possibilidade de colaboração e vinculação esteja aberta a todos. 9 www.wikipedia.org

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línguas. Por exemplo, o Portal de Filosofia, em sua modalidade em português, trará desde história da filosofia a discussões mais específicas de ramos da filosofia a problemas filosóficos colocados na contemporaneidade. Neste portal, se tem acesso a diferentes disciplinas filosóficas, como “Filosofia da Arte”; “Filosofia do Direito”; “Filosofia da Física” etc formando, assim, uma grande rede de conhecimentos introdutórios e didáticos sobre um assunto comum. Porém, há diversos outros exemplos de sites WIKI destinados à coletânea e divulgação de conhecimentos em áreas específicas como a literatura, física ou programação que não só a Wikipédia. Estes sites podem oferecer um conteúdo amador e generalista, mas também tem ambientes altamente especializados ou mesmo promovidos por instituições de nível superior. Por exemplo, olhando, especificamente, para o âmbito da literatura posso nomear alguns exemplos (entre tantos outros) de sistema WIKI para o estudo mais especifico, como o pynchonwiki.com, site destinado ao estudo e divulgação da obra do cultuado escritor americano Thomas Phynchon, ou o 1Q84.wikia.com, plataforma destinada ao acervo de escritos e debates sobre o livro 1Q84, do escritor contemporâneo, de grande sucesso comercial e crítico, Haruki Murakami. Claramente, há ainda diversos outros espalhados pela rede, sobre os mais variados assuntos.

II. Espaços de armazenamento e compartilhamento de conteúdo

Estes espaços se diferenciam dos sistemas WIKI por não terem natureza enciclopédica e não serem destinados, exclusivamente, à leitura para aprendizagem. O melhor exemplo para a ilustração seria o Youtube10. Nele, o conteúdo é livre e pode ser acessado de maneira não vinculada, não institucional e não linear. Porém, estes espaços também podem admitir a presença da instituição. Por exemplo, com o Youtube, nós temos os canais das universidades ou mesmo de cursos específicos que disponibilizam seus conteúdos em uma ordem programática e curricular. Muitas vezes, estes espaços podem ser utilizados como auxiliadores, ou paralelamente a um curso convencional e presencial para o acesso de seu conteúdo ou realização de tarefas e/ou leituras não presenciais. O Youtube armazena e compartilha vídeos - podendo estes vídeos ser videoclipes, peças cinematográficas, aulas gravadas, documentários, apresentações, como o Power Point,

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www.youtube.com

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etc –. Há, ainda, diversos outros exemplos de armazenamento e compartilhamento de conteúdos diversos, como o ISSUU11, plataforma eletrônica para a publicação de revistas, jornais, catálogos e outras produções (acadêmicas ou não), ou o SCRIBD12, plataforma para a leitura de livros online. Estes ambientes podem apresentar conteúdos ligados ao nível superior, à pesquisa ou à produção com características intelectual (crítica, ensaios etc), mas também outros tipos de produções culturais. Eles não necessariamente estão vinculados à academia e à leitura para a aprendizagem e formação pessoal, porém podem ser largamente utilizados para este propósito.

III. Espaços de produção, armazenamento e distribuição de conteúdo intelectual e acadêmico de acesso livre

Estes são espaços de compartilhamento de conteúdo de nível superior e de acesso a dados. Por exemplo, os espaços originados pelo Free Culture Movement, pautado pelo princípio da distribuição de conhecimento livre. Aqui, o acesso à produção intelectual e a pesquisa são feitas de forma desvinculada de instituições e não têm restrição de acesso ao seu conteúdo para pessoas “autorizadas”, “qualificadas” ou vinculadas pelo acesso pago. Um dos melhores exemplos destes espaços é o site Open Culture13, dedicado a publicações de pesquisa e crítica intelectual e acadêmica, possuindo caráter educacional e de divulgação de conteúdo. Outro exemplo é o Khan Academy14, que, apesar de oferecer cursos com natureza programática, não estabelece nenhuma vinculação com instituições acadêmicas, e se dedica a propósitos estritamente pedagógicos. Também, se pode incluir nesta categoria toda a publicação acadêmica disponível livremente para acesso na internet. Publicações ligadas a institutos de faculdades, de graduação e pós-graduação, disponibilizadas em PDF ou outras formas de editoração eletrônica. Essas revistas acadêmicas podem ser disponibilizadas diretamente pelo site de cada faculdade (os exemplos são inúmeros e variados), como também serem disponibilizadas em plataformas já citadas, como o ISSUU. 11

www.issuu.com www.scribd.com 13 www.openculture.com 14 www.khanacademy.org 12

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5.2 AMBIENTES DE DISCUSSÃO E INTERAÇÃO

A diferença destes espaços para os bancos de leitura é que eles promovem a discussão e a interação em ambiente virtual. Neles, o estudante autodidata não terá um papel somente de receptor do conteúdo, mas poderá, também, se engajar em um processo de produção ou crítica do conhecimento. Estes espaços podem oferecer discussões com intuitos amadores e estritamente de comentário, porém também podem ter atuações mais específicas, pautadas por áreas de conhecimentos especializados. Estes espaços são os chans, fóruns, sites de crítica, jornalismo ou de natureza intelectual etc. E podem ser divididos em:

I. Espaços de discussão pautada e especializada

São sites e fóruns de discussão de conteúdos variados que tanto podem disponibilizar conteúdo como oferecer espaços para debate. Os fóruns são ambientes próprios para o debate e desenvolvimento ou crítica de ideias e se organizam dentro de áreas especificas. Muitos fóruns de discussão especializada podem se originar a partir de um grupo universitário ou de pesquisa, ou seja, primeiramente fora do ambiente virtual, e se constituírem como a continuação ou prolongação de uma atividade acadêmica, de pesquisa ou profissional. Porém, há diversos fóruns de discussão desvinculada à formação especializada, pautados pelos interesses comuns de seus membros que se organizam para o debate e colaboração. Estes fóruns podem ter estruturas variadas e ir desde os altamente especializados, a fóruns de caráter bastante amador ou mesmo satíricos e de entretenimento. Seus exemplos disponíveis na internet variam de acordo com os diversos interesses e áreas do conhecimento: administração, artes, carros, astronomia etc15. Outro exemplo são sites de publicação de conteúdo e que oferecem espaço para debate. Estes sites podem ter pautas jornalísticas, ser páginas atualizadas por intelectuais, escritores, professores, etc, ou ser sobre determinados temas. Interessa saber que estes espaços não somente produzirão e disponibilizarão o acesso ao conteúdo, porém, também terão em seu meio o espaço e a oportunidade para o debate de ideias. 15

Um exemplo de fórum a cada uma dessas áreas, publica.maisforum.com; www.portaldasartesgraficas.com; www.astrociencia.forumg.biz/.

respectivamente: www.admwww.forumdecarros.com.br;

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Normalmente, estes espaços possuem forte teor e posicionamento político e são uma faceta do embate político e intelectual da contemporaneidade, podendo ser, normalmente, classificados ou identificados como ambientes “de esquerda”, “de direita”, “conservadores”, “progressistas” etc.

II. Espaços colaborativos e descentrados

O melhor exemplo destes espaços são os chans. Os chans se assemelham com os fóruns, porém têm características marcadas, como a prevalência do anonimato, o descentramento e o alto número de postagens. Estes sites podem apresentar áreas destinadas a assuntos específicos, porém não apresentam conteúdo próprio (produzido de forma autoral ou “assinados” pelo próprio site) e se constituem pelos comentários e imagens enviadas por seus membros. Um exemplo de chan é o 4chan16, site que por muito tempo foi o que mais gerou publicações em toda a internet. O 4chan é largamente conhecido por suas produções de memes que são reutilizados em outros espaços, assim como orquestração de ataques cibernéticos e armazenamento de conteúdo ilegal; porém também pode possibilitar a discussão de certos temas, em especial àqueles ligados à tecnologia ou produções literárias especificas. Os chans, como 4chan, normalmente são divididos em seções destinadas a temas específicos (literatura, cinema etc), porém, nestes espaços não há a intenção de discussões especializadas ou afilamentos profissionais /ou institucionais. Seus debates são marcados por um caráter aficionado, onde os membros se valem dos interesses comuns para a troca de conhecimentos ou crítica sobre um tema. Seria interessante saber que, mesmo sendo um ambiente desorganizado e aglutinando milhares de atuações, os chans podem servir como espaços para a produção, circulação ou debates de conteúdo. Por exemplo, a seção de literatura do 4chan, a /lit/, foi responsável pela produção do primeiro livro organizado e escrito totalmente por colaborações anônimas e aberta. O The Legacy of Totalitarianism in a Tundra (no original em inglês) foi escrito por mais de 2.000 internautas anônimos de 71 países, onde as contribuições de cada um podiam ser indefinidamente reeditadas. O livro já tem edições em três línguas (inglês, alemão e francês) e faz diversas e inúmeras referências a clássicos da literatura contemporânea e

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www.4chan.org

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moderna, especialmente autores, de língua inglesa, com alto rebuscamento linguístico e formal, como Joyce, Pynchon ou David Foster Wallace.

5.3 PLATAFORMAS DE CURSOS

Estes espaços são as plataformas, nacionais e internacionais, de cursos online. A natureza diferencial destes cursos é a de poderem ser colaborativos e de possuírem um cronograma não fixo, mas também terem uma natureza programática, institucional e exigirem a filiação por parte do estudante: a exemplo das escolas tradicionais. Eles transportam parte da lógica da escola para dentro do ambiente virtual; e muitos são na verdade cursos de instituições escolares, porém com o grande diferencial de serem abertos e acessíveis a qualquer estudante com conexão a internet17. Nestes cursos, o aluno percorrerá o estudo de um assunto específico, podendo este assunto ser dado em moldes de uma disciplina universitária. O aluno terá tutores e ou professores, seguirá um cronograma de leituras e atividades e realizará avaliações periodicamente. Muitos destes cursos têm sistemas de autenticação18 para conceder certificados expedidos pelas próprias instituições. Alguns destes certificados podem mesmo validar a carga horária no prosseguimento de um curso superior de graduação ou pós-graduação, funcionando em uma lógica semelhante aos cursos à distância, os EAD. Porém, diferente dos sistemas EAD, estes são abertos, não exigem matrícula e pagamento de parcelas e não se prendem a um prosseguimento totalmente linear e institucional, com o destino maior da obtenção de um título com vinculação institucional (especialista, mestre etc). Os exemplos mais famosos destes cursos online são os MOOCs 19. Os MOOCs são caracterizados pela sua grande quantidade de estudantes filiados em cada curso. Estes estudantes seguirão um cronograma de aulas, leituras e atividades (a exemplo de uma disciplina presencial em uma instituição de nível superior), porém é muito comum que as atividades possam se dividir entre aquelas que são corrigidas e pontuadas por tutores e/ou

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E, como já exposto, com formação básica satisfatória. Aqui, se mostra indispensável, na grande maioria destes cursos ofertados, a fluência na língua inglesa. As exceções são os cursos nacionais, amostragem pequena frente ao que é disponibilizado internacionalmente. 18 Através da “impressão digital” da digitação de cada um, da webcam, termos de compromissos e outros mecanismos. 19 Do inglês, Massive Open Online Course.

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professores, como uma prova corrigida; aquelas que são feitas em softwares, a exemplo das múltiplas escolhas de resposta automática (mas também provas feitas em programas e plataformas desenvolvidas e/ou interconectadas com o curso20); e, também, aquelas realizadas dentro de uma lógica ondo os próprios estudantes avaliam o trabalho e a produção de seus colegas. Neste sistema de avaliação, o estudante deve avaliar, normalmente, de 3 a 5 outros trabalhos (tendo, portanto, várias avaliações do seu mesmo trabalho), e terá a sua nota como a média aritmética destas avaliações (podendo haver outras particularidades na contagem dos pontos de cada atividade). Estes cursos podem ser disponibilizados diretamente por uma instituição de ensino superior ou ser alocados em grandes plataformas. Um dos melhores exemplos de uma destas plataformas é o Coursera - atualmente, o maior provedor on-line de cursos abertos -, que tem parceria com dezenas de universidades ao redor do mundo e oferece cursos em diversas línguas (sendo a ampla maioria ofertada em inglês). O Coursera oferece cursos de instituições como Yale, Universidade de Tóquio, Universidade de São Paulo e Universidade de Munique. Alguns dos exemplos mais famosos e mais amplos de plataformas de disponibilização de cursos online, são: Internacionais21:

Nacionais22:

. Coursera

. Veduca

. edX

. E-Unicamp

. Open Learning . Stanford Online . Udacity

... Vale frisar que, como sãs generalistas as características aqui elencadas, elas podem se entrecruzar, sendo que um mesmo espaço, possuindo diversas facetas de atuação, pode apresentar diversas destas características. A organização aqui apresentada serve para a 20

Um bom exemplo, aqui, é o R, linguagem e ambiente de desenvolvimento para cálculo estáticos e gráficos. O R é o gerenciador de dados e simulador de gráficos estatísticos, que permite a realização de testes práticos em seus laboratórios. Ele é largamente utilizado em cursos on-line sobre analise de dados e estatística em diversas instituições. Pra saber mais acesso o www.r-project.org. 21 www.coursera.org ; www.edx.org ; www.open.edu ; www.online.stanford.edu ; www.udacity.com. 22 www3.veduca.com.br ; www.ggte.unicamp.br/e-unicamp/public/.

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apresentação introdutória destes espaços e suas possibilidades, não para sistematização e classificação de cada um deles.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS E NOVAS CONSIDERAÇÕES: UMA CRÍTICA EM ABERTO

Certamente, inovadoras são estas ferramentas que me permitem ter um curso online, aprender com horários flexíveis e sem contingências geográficas. Agora mesmo, estou vinculado ao Coursera, e tenho aulas promovidas por uma instituição do outro lado do globo, com colegas diversos e cosmopolitas. Todos escrevem em língua inglesa, condição mínima necessária, algo como um equalizador do perfil.23 Mas, ainda assim, como dizer que o homem moderno, no limiar do século XX, não se maravilharia no vislumbre de uma plataforma onde a informação viaja à velocidade da luz e é descentralizada? Porém, acontece que o aprendizado não possui velocidades virtualmente infinitas, não basta ao sujeito ter o acesso (se o tiver), ele não é uma plataforma e não é e nem deverá ser um receptáculo raso de conteúdo. Primeiro conhecimento que vem a trincar o tecido deste nosso afã por um aprendizado-online-universal é o de saber que não, a informação não é livre. Mais que bancada e dominada pelo patrono limitador da propaganda - débito não monetário, mas cognoscitivo do sujeito - o autodidatismo virtual sofre o fascismo proveniente da sua própria formulação: ele é padronizado. Foge da consciência do sujeito que, praticamente, toda a informação que ele “consome” - débito da propaganda ao nosso vocabulário – em ambiente virtual foi moldada (anunciada, vendida) para ele. Basta estar conectado a uma rede – facebook, google, e-mails, twitter etc – para perceber a internet se fazendo a parceira dos seus supostos interesses. Enquanto caminhamos cada vez mais para um ID único, uma identidade inescapável do nosso “eu intranet”, a internet coleciona nossas categorizações: "masculino”, “24 anos”, “vota em x”, “gasta tanto em”, “faz parte de tal e tal grupo” etc. Ao lado de toda a problematização ética 23

Como dito, a crítica das contingências referentes ao acesso desta informação e às possibilidades de aprendizagem na internet, não será propriamente desenvolvida neste trabalho. A saber, este estudante ao qual nos referimos deverá ter um letramento básico nas ciências, humanidades e artes, assim como dominar basicamente os recursos e ferramentas da computação e ter uma formação ao menos funcional na língua inglesa.

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contemporânea das teorias conspiratórias que foram, surrealmente, confirmadas - imagine-se no começo dos anos 2000 avisando a grande imprensa e a conhecidos sobre as operações da NSA - está o problema de, cada vez mais, só se encontrar, na internet, aquilo que se procura. Acredito ser esta uma das grandes questões para a educação contemporânea: “ela deve se render ou fazer frente à personalização do fornecimento de informação?”. A utopia do autodidatismo online se constitui, também, como uma falsa utopia e um perigo iminente, o sujeito - quando não está a pagar e fazer parte de instituições fechadas que oferecem o ensino linear e programático – está, verdadeiramente, a mercê de seus próprios interesses e opiniões, onde pode-se acabar só se encontrando aquilo que se procura. Então, ao despeito de toda a multiplicidade que vemos como inerente ao meio digital, a formação intelectual do sujeito quando é pautada de forma majoritária pela internet, poderá levar ele, progressivamente, a nichos e à acomodação. Isto acontece de forma enfática e amplamente visível em nosso cotidiano, basta realizar uma pesquisa em um navegador, digamos, acesse a página oficial de um partido (ou de um clube esportivo ou de uma organização social), faça um comentário lá dentro e se maravilhe ao entrar em sua página pessoal no facebook e ver as coincidentes sugestões. Além do mais, não se trata somente de informações moldadas, que têm como interesse maior a contabilização e a venda, um dos maiores problemas é que a educação sempre trouxe consigo a função de mostrar para o sujeito não somente a informação, mas aquilo que ele não sabe, que ele não sabia não saber e, mesmo, o que ele não queria saber. Esta função corre iminentes perigos de se perder no autodidatismo online. Aqui, o sujeito pode acabar a encontrar sempre o mesmo, eternamente contingente aos seus próprios interesses. Porém, uma das maiores belezas da educação é a descoberta do diferente, a descoberta do outro. Por isso, é necessário encarar os aspectos da rede como ferramentas, não como conquistas a serem louvadas. É necessário ao percurso de aprendizagem do indivíduo a colaboração, o planejamento, a troca e a transcendência do monopólio dos interesses individuais para se construir uma educação sólida dentro da internet. Neste sentido, vem se desenvolvendo os cursos online (com um pouco de lucidez não é difícil separar o joio do trigo), onde existe conteúdo programático, interação e revisão; assim como vem se desenvolvendo as perspectivas que utilizam esta característica tão fundamental da produção e aprendizagem virtual: a colaboração. Isso é a escola expandindo suas novas possibilidades de ser.

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REFERÊNCIAS

CARREIRO, Rodrigo. Rashomon (resenha crítica). Disponível em: < http://www.cinereporter.com.br/criticas/rashomon/>. Acesso em: 28 jan 2015. DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Felix. Mil Platôs. Capitalismo e Esquizofrenia. Vol. 1, São Paulo, Editora 34, 1995. DIDEROT, Denis; D'ALEMBERT, Jean le Rond. Encyclopedia (verbete). In: Encyclopedia. V.5. Tradução de Philip Stewart. University of Michigan Library: Scholarly Publishing Office and DLXS, 2007 FONTES-TEIXEIRA, Luiz Fernando. Heidegger entre Kurosawa e Akutagawa: flosofia, cinema, literatura. In: Orson Revista dos Cursos de Cinema do Cearte UFPEL. Disponível em:. Acesso em: 28 jan 2015. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997b. LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999. MORIN, Edgar. Ciência com consciência. Trad.: Maria D.Alexandre e Maria Alice Sampaio Dória. 2a ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998 ______ . Introdução ao pensamento complexo. Porto Alegre: Sulina; 2006.

RASHÔMON. Akira Kurosawa. Japão, 1950, Filme (88 min). RASHOMON. In: Wikipédia: a enciclopédia livre. http://pt.wikipedia.org/wiki/Rashomon>. Acesso em: 28 jan 2015.

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