A escrita na sua toca: notas para uma etologia do animal literário (revisto e corrigido para Abralic)

July 11, 2017 | Autor: Eduardo Pellejero | Categoria: Maurice Blanchot, Julio Cortázar, Literatura, Filosofía, Existencialismo
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Eduardo Pellejero A escrita na sua toca Notas para uma etologia do animal literário

Esta maneira de ser me faz perder e ganhar. Perder, enquanto me aprisiona, me impede de enfrentar o mundo, e, todavia, me deixa à mercê do mundo. Mas, por outra parte, no reverso do mundo, onde eu me encontro, veem-se muitas coisas vedadas para os outros. Alejandra Pizarnik

El arte es el medio más seguro de aislarse del mundo así como de penetrar en él. Goehte

Foi e continua a ser um mistério para nós por que alguém se fecha num quarto para escrever, por que alguém se senta e dobra as costas para escrever, quando a vida está lá fora e é uma dança que exige ser bailada com fanatismo1. Não nos são estranhas as circunstâncias que levaram um ou outro escritor a recolher-se material ou simbolicamente: sabemos das idas e voltas de Kafka com as mulheres, do progressivo e definitivo isolamento de Alejandra Pizarnik, do retiro que Maurice Blanchot se impôs até o final dos seus dias. Também não nos é alheia a doce, a enlouquecedora experiência de atravessar a noite transportados pela leitura de um livro, para descobrir na manhã a estranheza do mundo e a precariedade do eu, reincorporando-se penosamente a partir das sombras da imaginação. O que ignoramos, o que estamos longe de saber, e ao mesmo tempo o que nos interroga de forma persistente e imperativa é a razão que subjaz esses gestos ao mesmo tempo ostensivos e reservados, nervosos e contidos, que subtraem o animal que somos dos ciclos da necessidade, e o homem que ensaiamos ser da ordem dos projetos. Em 19472, Julio Cortázar se colocava essa exata pergunta sobre o horizonte aberto pelas tentativas do surrealismo e do existencialismo, elevando a questão à ordem de

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uma manifestação paradoxal da humanidade do homem, das suas fontes secretas3. Cortázar não vê na experiência literária apenas um meio privilegiado para levar adiante empresas sociais ou políticas, morais ou pedagógicas, mas também não reduz essa experiência a um puro jogo formal. Conjugando uma aventura sem qualquer compromisso pragmático e uma responsabilidade sem determinações, a experiência literária transborda para ele os estreitos limites da vivência estética e a rígida dialética da tarefa histórica, dando conta de uma obscura intencionalidade que excede as suas obras. O meramente literário, o delicado ofício de dar forma a uma história, de buscar uma palavra justa, e também o prazer de acompanhar uma história, de dar com uma palavra que sentimos que poderia ser nossa (ou, melhor, de todos), tudo isso que se condensa no objeto que é para nós o livro, afeta a gravitação de fins e de valores extraliterários – que, por outra parte, não conhecem outro espaço que o literário para a sua manifestação. A literatura é um recinto fechado, com os seus princípios e os seus fins, mas no seu âmbito tem lugar a revelação de algo que excede a literatura, que a abre; lugar estranho onde é celebrada uma busca extralivresca, que exige a destruição da “gaiola dourada da literatura tradicional”4, mesmo quando dependa essencialmente da literatura (dos seus artifícios e das suas imposturas) para levar-se a cabo5. Alguns anos mais tarde, Maurice Blanchot praticava uma reformulação da questão que a literatura é para si, na qual, apesar da distância física e das diferenças linguísticas, ecoava a abordagem cortazariana6. Blanchot encontra novamente o ponto de partida da sua investigação no gesto, ao mesmo tempo de um desespero total e de um otimismo sem limites, do recolhimento radical ao qual se encontra associado o espaço literário. De desespero, porque voltar as costas ao mundo é assumir a vaidade da ação histórica, desistir de qualquer compromisso na luta pelo bem comum, recusar o apelo da comunidade. De otimismo, porque escrevendo a partir o abismo da sua solidão, o escritor pressupõe um leitor que eventualmente acolherá a sua obra numa solidão não menos profunda, dando conta da possibilidade de uma comunicação sem objeto, sem mensagem, sem fim. Otimismo desesperado, dir-se-ia, e paradoxal7. Numa época em que o absoluto se reconhece apenas na efetividade histórica, escrever é uma forma de deserção. Mas escrever é também, notavelmente, uma forma de regressar ao mundo a partir de uma perspectiva singular que conjuga a crítica e a criação, a aflição e a oportunidade. Pela literatura, com efeito, o homem é arrancado fora da esfera da ação possível, colocando em causa a suficiência dos seus empreendimentos concretos e, mais profundamente, o fundamento da ação histórica; mas, na mesma medida, pela literatura

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se afirma a pertença do homem a uma exterioridade sem intimidade nem limite, que os melhores escritores exploram temerariamente, sem resguardar-se nos refúgios do familiar. Isso quer dizer que na literatura se conjugam a renúncia a tudo o que não tenha a escrita por fim e a impossibilidade de encontrar na escrita um fim em si mesmo8. A literatura é um templo, dirá Blanchot, mas um templo para a manifestação de algo que excede a literatura (nas suas figuras históricas), um estranho templo onde é celebrada uma busca que exige a transgressão das suas leis, a perfuração dos seus muros e, em última instância, a destruição do próprio templo9. Nem a literatura, nem muito menos o universo, culminam no livro. A condição humana não é redutível esteticamente, e quando esquece isso o escritor falseia a sustância daquilo que pretende manifestar10. Cortázar observa que a atenção dos escritores surrealistas e existencialistas aponta noutra direção: destruir, através da escritura, o cristal esmerilado que nos impede a contemplação da realidade11, da qual a literatura também faz parte12. Não existe senão uma contradição superficial nisso. A literatura enquanto modo verbal do ser do homem denuncia a literatura enquanto condicionante da realidade13; a literatura enquanto apresentação imediata do âmbito vital completo da existência problematiza a literatura enquanto representação mediadora de ordens extraestéticas14.

Noutras palavras, as

formas rebeldes negam toda a ordem da representação, as categorias que dão uma figura à existência e um sentido à história, e inclusive os gêneros literários tradicionais enquanto modos de manifestação existencial ou crítica da realidade. Pretendem ser uma força cáustica, capaz de destruir, ao mesmo tempo que destroem a sua própria autoridade, os prestígios dessa reflexão séria, remitindo-nos a um lugar estranho, onde o indefinido do erro e do errar pode quiçá preservar-nos do disfarce do inautêntico15. O livro deixa de ser um recinto fechado onde proteger-se16, deixa de propor-se apenas como coisa literária ou experiência estética, exigindo ser aprendido como espantosa aventura humana onde uma aparência de ser, levantada no vazio que a literatura cava na linguagem, abate as fronteiras escolásticas da razão17. Cortázar e Blanchot também coincidem no singular papel que nisto atribuem à solidão. Sabemos que para Blanchot o recolhimento é uma espécie de disposição anímica fundamental, através da qual o escritor retira a linguagem do curso do mundo18. Só através da frequentação da solidão à qual a literatura submete a linguagem é possível o assalto às fronteiras, aos limites do que é humano19. Por sua vez, Cortázar associa a solidão a uma potência corrosiva perante a qual qualquer Weltanschauung ingênua faz-

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se pedaços, e dentro da qual o escritor, inclinado sobre si mesmo, compreende que pode entregar-se ao livre jogo das suas faculdades20. A apreensão de certas realidades não se dá em companhia, exige a deserção da cidade humana, e a recusa de qualquer forma de docência, de prédica, de sistema21. Nesse sentido, a solidão constitui um momento essencial para a afirmação da liberdade – “em torno da pessoa que escreve livros sempre deve existir uma separação dos outros”, dizia Marguerite Duras, “uma solidão real do corpo que se converte na inviolável solidão do escrever”22. O homem de ação pretende abreviar a solidão, poupar-se a solidão, comprometendo a autenticidade da sua existência. A práxis começa por uma tomada de posição no mundo, e isso significa uma limitação deliberada de possibilidades fáticas, uma redução da liberdade23. A literatura recusa essa limitação da experiência, não reconhece nenhum compromisso possível24. Não poderia ser de outra maneira, considerando o movimento que a define: avança em túnel, destruindo para construir, socavando os seus próprios fundamentos para levar a experiência sempre mais longe. Evidentemente, desertando do domínio da práxis, recusando a lógica da ação, o escritor descuida das reais condições da sua emancipação (e dos seus leitores), negligencia o que deve ser feito para que a ideia abstrata de liberdade devenha real 25. Daí a desconfiança que inspira nos homens engajados, que veem o recolhimento próprio da literatura como um aspecto de má fé: o apelo do escritor aos seus leitores lhes parece um apelo vazio, que expressa “somente o esforço de um homem privado de mundo para voltar ao mundo, mantendo-se discretamente na sua periferia”26. Mas o certo é que o recolhimento, sendo um momento necessário da experiência literária, não constitui o seu fim27. A solidão do escritor (tal como a do leitor) não é uma forma de clausura, nem muito menos de quietismo: a aparente imobilidade da carne oculta uma atividade ingente; a manifesta introspecção do olhar, uma abertura sem reparos. Acontece que, na solidão que define o espaço literário, as relações paradoxais que a escrita mantém com o mundo se subtraem às suas escalas de valores e aos seus horizontes de sentido28. No fundo, o que está em jogo na solidão radical da escrita é a suspensão de todos os marcos referenciais, históricos e trascendentales, isto é, a consumação da morte de Deus29. Isso não significa que, desde a solidão, o escritor não procure os outros. A literatura assume a solidão como pedra de toque, mas a partir da solidão procura superar e comunicar a experiência profunda que propicia a solidão: ser (e pensar) à intempérie.

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Kafka não pode viver com os outros, mas não sabe viver sozinho30. Simplesmente não é capaz de dar nada por pressuposto: nem uma natureza preestabelecida, nem uma linguagem comum, nem uma tradição compartilhada31. Mas se assume a solidão, é para transcendê-la. Blanchot dirá que solidão não é a condição autêntica do homem, mas que só na solidão pode manifestar-se autenticamente essa condição32. E Cortázar acrescentará que se a solidão abre o escritor a uma experiência do homem antes do homem, exige pelo mesmo ser partilhada, comunicada, para fundar o legítimo começo do homem33. Solidão fecunda, portanto34, dado que se começa como angústia espera acabar em encontro35 com a solidão dos outros36. Não invoco aqui nenhum esoterismo, mas apenas essa singular ideia de uma comunicação sem pressupostos que, ao mesmo tempo que torna impossível a realização da literatura, a relança continuamente além das suas configurações históricas. O certo é que o homem angustiado que é o escritor considera possível chegar à comunicação com os homens e ao contato com o cósmico sem recursos vicários 37. Se busca a solidão, o faz para facilitar o seu distanciamento dos horizontes dados de sentido, dos vetores de estabilização da linguagem e de sedimentação do imaginário. Mas o seu fim é tatear esse nada em comum sobre o qual repousam o escritor e os seus leitores, do qual a página em branco é metonímia imperfeita38. E dessa experiência o escritor espera poder dar testemunho. Não se faz ilusões. Sabe que o risco de cair numa linguagem privada não é menor que o risco de recair no sentido comum, e que a incomunicação não vale mais do que a tagarelice em que se compraz o mundo39. O importante é não perder de vista que, pela solidão, a literatura coloca o mundo entre parênteses, suspendendo as suas redes significantes (o valor das suas categorias e dos seus conceitos), remetendo a vida para uma dimensão anterior ao saber, expressando relações que procedem qualquer realização objetiva. E, fazendo isso, traz à superfície o fundo sem fundo sobre o qual assentam os nossos projetos e as nossas instituições. Essa aspiração a converter-se numa expressão problemática do absoluto não é pouco paradoxal, na medida em que o próprio dizer assenta justamente sobre a obliteração do fundo sem fundo da existência40. As formas, como dizia Flaubert, nunca são suficientes (nunca, pelo menos, para isso)41. Por essa razão, a literatura sempre difere de si e se confunde com uma aproximação indefinida à sua essência, que apenas pode realizar-se sob a forma de uma repetição indefinida (e infinitamente frustrada42).

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Por isso mesmo, também, o modo essencial da autenticidade43 ao qual a literatura é associada por Blanchot e Cortázar não depende das imagens que propõe, mas do movimento que continuamente produz e reproduz, negando e redefinindo a sua essência. Operando dessa forma, a literatura exerce o seu ascendente sobre essa parte do homem que recobrem as suas determinações mundanas, chamando-nos à destruição de nós próprios, a uma desagregação infinita, que é também e sempre a possibilidade de um novo começo. Não podemos esquecer que para o homem medido e comedido, o quarto, como o mundo, é um lugar seguro, previsível, determinado. Mas para os homens desérticos que são o escritor e o leitor o mesmo espaço não oferece resguardo: é incalculável, imprevisível, ilimitado, um espaço no qual podem errar indefinidamente, sem destino44. Sob os seus pés, o solo firme do dado e do sabido, do pressuposto e do descontado, é constantemente comovido por uma infinidade de interconexões entre mundos infinitamente abertos45. Blanchot e Cortázar, cada um à sua maneira, reavivam a herança romântica nos alvores da literatura contemporânea. A literatura, para eles, não encontra o seu objeto nem o seu fim nas palavras. Sintomaticamente, Cortázar46 fala de uma visão extraverbal; Blanchot47, de uma morada de silêncio. Em ambos, a literatura aponta para o seu desaparecimento (junto com o de toda a ordem da representação), procurando responder ao compromisso profundo que tem com a (in)humanidade do homem (fim e final da literatura em sentido próprio). Isso não significa subordinar-se à lógica hegemônica da ação nem aos princípios da racionalidade política. Pelo contrário, implica o recolhimento do escritor num espaço próprio, singular, mas aberto, exposto a tudo o que pode afetar o homem, onde a literatura se aplica à sua própria destruição, até que o poético já quase não se distingue do existencial, e se converte na sua expressão, na sua revelação, peça essencial do seu devir48. Sabemos que o mundo faz pouco caso da nossa paixão pela literatura. A escrita surgiu na história como uma forma de levar o registro da administração do Estado e, fora disso, parece passar bem sem ela. Quatro mil e quinhentos anos não mudaram o fundamental: os signos que entrelaça um indivíduo na solidão do seu quarto podem encontrar nas nossas sociedades uma caução quando do que se trata é de ocupar os momentos de ócio, mas continuam sem ser admitidos como uma exploração, uma procura. Os volumes que atestam as nossas bibliotecas, e que sem descanso compulsam

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os especialistas nos seus gabinetes, são menos uma forma de culto que um modo de legitimar essa exclusão. Enquanto isso, recolhidos numa solidão tão grande que é a própria pessoa quem não está, os escritores que se expõem à experiência limite que comporta a escrita, ou que expõem a escrita a uma experiência limite, continuam a dar mostras de que esse instrumento mandarinesco que é a linguagem é capaz de manifestar uma potência incalculável, e ser o espaço para uma valente e implacável prospecção do enigma que é o homem, sem recurso a referências convencionais ou pontos de apoio tradicionais, teologias auxiliares ou esperanças teleológicas49. Não pretendo dizer com isso que a literatura possui uma verdade mais alta que as verdades das ciências ou da comunicação, da filosofia ou da política. Tampouco que, nos tempos capitais que vivemos, a literatura possa oferecer-nos uma referência absoluta na desagregação dos horizontes humanistas que deram um sentido à história depois da morte de Deus. Mas quiçá me atreva a dizer que, levada ao limite de si própria, a literatura por vezes precede ao homem como a profecia à história50, e então dá lugar a um laboratório do possível, a uma espécie de antropologia especulativa que, desincorporando a nossa subjetividade das identificações imaginárias que cobram a nossa adesão ao mundo tal como é, fala do homem tal como não é, isto é, tal como ainda não é51, como poderia ser52. Bataille dizia que o que nos distingue do resto dos animais é a ficção, tecida na distância que nos separa do real, da necessidade, e da morte. Só que a ficção não é no homem um salto evolutivo, é uma falha. A literatura é simplesmente a forma na qual, na nossa época, esgotadas as formas míticas e metafísicas de saná-la, convivemos com essa falha no homem, no animal que é o homem, e que é o mais profundo ascendente da sua humanidade. O olho, que durante séculos respondeu às necessidades da caça, dilata a pupila e se abandona a um exercício de contemplação sem objeto, sem conceito, sem fim; a coluna, cuja função fora em tempos manter o corpo ereto para abarcar melhor o horizonte, cede ao peso da cabeça e se curva sobre o papel; a mão, forte no punho, se abre indefesa para acolher os ditados da inspiração. Pela escrita o homem se expõe sem reservas, deixando atrás o animal fortemente territorial que é no domínio da necessidade, para explorar a forma possível do seu desejo. Aí não é nada, não pode nada, não quer nada, mas ao mesmo tempo, como dizia Pessoa, se encontra aberto a tudo e a todos – não de forma tranquila, porque o outro não se oferece jamais como

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resposta, mas “é invocado a meio da noite pelo trabalho de aprofundamento próprio da interrogação”53. Sempre foi e continuará a ser um mistério para nós o que se passa no corpo quando adota essa posição, porque alguém se fecha num quarto para escrever, quando a vida está lá fora e é uma dança que exige ser bailada com fanatismo. 8

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Referências BATAILLE, George. La felicidad, el erotismo y la literatura: Ensayos 1944-1961. Buenos Aires: Adriana Hidalgo Editora, 2001. BLANCHOT, Maurice. A parte do fogo. Rio de Janeiro: Rocco, 2011. BLANCHOT, Maurice. O espaço literário. Rio de Janeiro: Rocco, 2011. BLANCHOT, Maurice. O livro por vir. São Paulo: Martins Fontes, 2005. BLANCHOT, Maurice. La escritura del desastre. Caracas: Monte Avila Editores, 1990. CORTÁZAR, Júlio. Obra crítica / 1. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998. DERRIDA, Jacques. La escritura y la diferencia. Barcelona: Anthropos, 1989. DURAS, Marguerite. Escribir. Buenos Aires: Tusquets, 2010. HAASE, Ullrich & LARGE, William. Maurice Blanchot. New York: Routledge, 2001. MERLEAU-PONTY, Maurice. O homem e a comunicação. A prosa do mundo. Rio de Janeiro: Edições Bloch, 1974. MIRAUX, Jean-Philippe. Maurice Blanchot. Quiétude et inquiétude de la littérature. Paris: Editións Nathan, 1998. PIZARNIK, Alejandra. Diarios. Buenos Aires, Lumen, 2012. SAN PAYO, Patricia. “O ‘fora’ de Blanchot: escrita, imagem e fascinação”. In: ANGHEL, G. & PELLEJERO, E. ‘Fora’ da filosofia: As formas de um conceito em Sartre, Blanchot, Foucault e Deleuze. Lisboa: CFCUL, 2008. SANTIAGO, Hugo. Maurice Blanchot. Paris: France 3 & Institut National de l'Audiovisuel, 1998. SARTRE, Jean-Paul. “Aminadab o de lo fantástico considerado como un lenguaje”. In: ___. Situaciones I – El hombre y las cosas. Buenos Aires: Losada, 1960. VARGAS LLOSA, Mario. La verdad de las mentiras. Buenos Aires: Alfaguara, 2002.

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Notas 1

Cf. BATAILLE, George. La felicidad, el erotismo y la literatura: Ensayos 1944-1961, 2001, p. 118: “Não há dúvidas de que a arte não tem essencialmente o sentido da festa”. 2 Isto é, sensivelmente antes da publicação do livro de Sartre sobre a literatura e em geral dos ensaios de Blanchot que comporiam A parte do fogo. 3 Cf. CORTÁZAR, Júlio. Obra crítica, Vol. 1, 1998, p. 99. 4 Ibidem, p. 33. 5 A convicção de Cortázar em relação a isto se funda nas experiências literárias às quais dirige a sua atenção: “os recursos verbais, entendidos a partir de uma atitude nova, excedem em eficácia e riqueza qualquer outra forma de manifestação e ação do homem”. Ibidem, p. 41. 6 A questão, poderia dizer-se, estava no ar do tempo. 7 Cf. BLANCHOT, Maurice. La escritura del desastre, 1990, p. 98: “‘Os otimistas escrevem mal’ (Valéry). Mas os pessimistas não escrevem”. 8 BLANCHOT, Maurice. A parte do fogo, 2011, p. 349. 9 Cf. Idem. O livro por vir, 2005, p. 303. 10 Cf. CORTÁZAR, Júlio. Obra crítica, Vol. 1, 1998, p. 46. 11 Cf. CORTÁZAR, Júlio. Obra crítica, Vol. 1, 1998, p. 66: “Esa agresión contra el lenguaje literario, esta destrucción de formas tradicionales, tiene la característica propia del túnel; destruye para construir”. 12 La literatura forma parte de ese cristal esmerilado en la medida y que, por un lado, las formas tradicionales imponen limites a lo expresable, empobreciendo el sentido de la experiencia, encerrando al hombre en el uso estético del lenguaje, y, por otro, en sus versiones escapistas, la palabra funciona como un somnífero y como una fábrica de sueños, ofreciendo sucedáneos de la experiencia y formas vicarias de vida. Cf. CORTÁZAR, Júlio. Obra crítica, Vol. 1, 1998, p. 77. 13 Cf. CORTÁZAR, Júlio. Obra crítica, Vol. 1, 1998, p. 49. 14 Cortázar é contundente nisso: “A história da literatura é a lenta gestação e desenvolvimento dessa rebelião. Os escritores ampliam as possibilidades do idioma, levam-no ao limite, buscando sempre uma expressão mais imediata, mais próxima do fato em si que sentem e querem manifestar, quer dizer, uma expressão não-estética, não-literária, não-idiomática. O ESCRITOR É O INIMIGO POTENCIAL — E HOJE JÁ ATUAL — DO IDIOMA” (Ibidem, p. 53.) 15 Cf. BLANCHOT, Maurice. O espaço literário, 2011, p. 270. 16 Claro que a fantasia de encontrar no livro um refúgio persegue os exploradores dos abismos mais intensos. PIZARNIK, Alejandra. Diários, 2012, p. 275: “Escrever apenas um livro em prosa, em lugar de um de poemas ou fragmentos. Um livro ou uma morada onde proteger-se?”. 17 Cf. CORTÁZAR, Júlio. Obra crítica, Vol. 1, 1998, p. 93. Cf. SAN PAYO, Patricia. “O ‘fora’ de Blanchot: escrita, imagem e fascinação”, 2008, p. 17: “[A experiência do fora própria da literatura] é a experiência do fora que se abra no interior da própria linguagem, um fora de todo o discurso significativo que, no entanto, não constitui um limite da linguagem, dado que se trata de uma abertura que a ilimita do interior.” 18 Cf. BLANCHOT, Maurice. O espaço literário, 2011, p. 17. 19 Cf. Idem. A parte do fogo, 2011, p. 26. 20 Cf. CORTÁZAR, Júlio. Obra crítica, Vol. 1, 1998, p. 91. DURAS, Marguerite. Escribir, 2010, p. 24: “Na vida chega um momento, e acredito que é fatal, ao qual não podemos escapar, em que tudo se põe em dúvida (...). E essa dúvida cresce em torno de nós. Essa dúvida está sozinha, é a da solidão. Nasceu dela, da solidão. Acredito que muita gente não poderia suportar o que digo, fugiria. Daí quiçá que não qualquer homem seja um escritor. Sim. É isso, essa é a diferença. Essa é a verdade. Não há outra. A dúvida, a dúvida de escrever. Portanto, é o escritor, também. E com o escritor todo o mundo escreve. Sempre se soube”. 21 Cf. CORTÁZAR, Júlio. Obra crítica, Vol. 1, 1998, p. 111; p. 84: “Mas o Ocidente retorna invariavelmente a um estilo social de cultura, contragolpeia toda a linha ‘oriental’ de individualismo com um acréscimo das problemáticas comuns. Ao lado de cada filósofo põe um mestre”. 22 DURAS, Marguerite. Escribir, 2010, p. 17. 23 “Quando adere a uma ordem histórica, mesmo que seja para combatê-la, o homem de ação perde eficiência, poder corrosivo, gravitação. Não pode realizar-se a si mesmo mediante a experiência e a ação, porque se vê obrigado a respeitar e sustentar formas dentro das quais ele age.” (CORTÁZAR, Júlio. Obra crítica, Vol. 1, 1998, p. 97n) 24 Cf. MIRAUX, Jean-Philippe. Maurice Blanchot. Quiétude et inquiétude de la littérature, 1998, p. 22: “o escritor recusa colocar a sua atividade específica em função das leis do mundo, dando expressão a um universo de inexistência, a um espaço sem lugar, a uma temporalidade desconectada do tempo”. 25 Cf. BLANCHOT, Maurice. A parte do fogo, 2011, p. 325.

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Ibidem, p. 326. Cf. Idem. O espaço literário, 2011, p. 230. 28 Começando pelo privilégio dado à lógica da ação histórica e à redução da humanidade do homem à ordem dos projetos. 29 O escritor é um deicida que assombra a cidade fabulando histórias que suprem sobre o plano da expressão as deficiências da história, tornando-as por isso mais evidentes, mais duras, eventualmente insuportáveis. Daí o poder sedicioso da literatura: “por si só, ela é uma acusação terrível contra a existência sob qualquer regime ou ideologia: um testemunho chamejante das suas insuficiências, da sua ineptidão para colmar-nos. E, portanto, um corrosivo permanente de todos os poderes” (VARGAS LLOSA, Mario. La verdad de las mentiras, 2002, p. 13). 30 Cf. BLANCHOT, Maurice. O espaço literário, 2011, p. 61. 31 A literatura moderna não se define por comunicar algo que teria outra origem que a literatura, mas por tornar possível “uma comunicação antes da comunicação”. No fundo, se trata da transmissão do intransmissível, da alteridade, sem pressupostos comuns. Noutro contexto, Merleau-Ponty dizia que “o problema moderno [é] saber como a intenção do pintor renascerá naqueles que olham os seus quadros (...). [O] espectador [que] é atingido pelo quadro, retoma misteriosamente por sua conta o sentido do gesto que o criou e, saltando os intermediários sem outra guia a não ser um movimento da linha inventada, um traço do pintor quase desprovido de matéria, alcança o mundo silencioso do pintor, a partir de então proferido e acessível”. Na perspectiva de Blanchot e Cortázar, a problematização do espaço literário implica a destruição de qualquer espaço comum, ao mesmo tempo que a busca de formas mais autênticas de ser em comum. “Quando ataca a Literatura, o homem do século sabe que ataca a Igreja; quando acaba com o gênero romance e o gênero poema, sabe que acaba com o gênero religião. De tanta ruína se eleva sua imagem solitária; mas essa solidão já é solidão de tantos, que anuncia para o homem que luta a hora da reunião em sua legítima realidade” (CORTÁZAR, Júlio. Obra crítica, Vol. 1, 1998, p. 99). 32 Blanchot dirá: “Escrevendo, [o escritor] não pode sacrificar a noite pura das suas possibilidades próprias, porque a obra só vive se essa noite – e não outra – se faz dia, se o que há nele de mais singular e mais afastado da existência já revelada se revela na existência comum” (BLANCHOT, Maurice. A parte do fogo, 2011, p. 317.) 33 Cf. CORTÁZAR, Júlio. Obra crítica, Vol. 1, 1998, p. 88. 34 Cf. CORTÁZAR, Júlio. Obra crítica, Vol. 1, 1998, p. 89n. 35 “A angústia do homem contemporâneo não morde a própria cauda: padecê-la na solidão é premissa e incitação para depois superá-la com altruísmo: ali se abre a etapa de reunião, de comunicação — de comunidade em seu legítimo e já atingido reino”. Ibidem, p. 97; p. 99: “[U]ma análise objetiva das ‘letras e artes’ do século mostra inequivocamente que a angústia do homem nasce em grande medida da dura, solitária e duvidosa batalha que trava consigo mesmo para escapar de qualquer tentação religiosa tradicional, de qualquer refúgio no religioso, da renúncia à sua humanidade no divino, numa mística e numa esperança de apocatástase; que a angústia, tal como a sentimos, é angústia fecunda e amarga do homem consigo mesmo, bastando-se para sofrer, depositando sua esperança na superação que será liberdade e encontro com os semelhantes”. 36 Onde “eu sei do teu eu”. Jean-Luc Nancy apud SANTIAGO, Hugo. Maurice Blanchot, 1998, 44’. Acaso a fugaz e precária relação do escritor e do leitor não prefigura uma articulação (im)possível entre liberdade e comunidade? 37 Cf. CORTÁZAR, Júlio. Obra crítica, Vol. 1, 1998, p. 99. 38 Imperfeita na medida em que se encontra sempre carregada de clichês. 39 CORTÁZAR, Júlio. Obra crítica, Vol. 1, 1998, p. 91: “[O] romancista, inclinado sobre si mesmo, compreende que está sozinho com a sua riqueza interior; que não possui nada fora de si porque não conhece nada, e o desconhecido é uma falsa posse. Está só e angustiado; angustiado porque só, angustiado porque a condição humana não é a solidão; angustiado porque é acometido pelo horror do círculo vicioso e, depois de descobrir que a realidade continua desconhecida, se pergunta se sua experiência gnosiológica não será uma contrapartida igualmente falsa, igualmente mal conhecida”. 40 Blanchot assinala que inclusive “esses que querem dar à sua atividade um sentido fundamental, o de uma pesquisa que implica o conjunto da nossa condição, só conseguem levar essa atividade a bom termo reduzindo-a ao sentido superficial que eles excluem, a criação de uma obra bem-feita” Idem. A parte do fogo, 2011, p. 23. 41 Gustave Flaubert apud DERRIDA, Jacques. La escritura y la diferencia, 1989, p. 45. Novalis dizia: “Procuramos sempre o absoluto e só encontramos coisas” (Novalis apud PIZARNIK, Alejandra. Diários, 2012, p. 33). 27

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Eduardo Pellejero – A escrita na sua toca (Abralic 2015)

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Pizarnik convive con esa frustración de forma ambivalente, se queja de no saber escribir (la gramática), pero en el fondo su angustia tiene origen en el deseo, necesariamente fallido, de “una poesía que diga lo indecible – un silencio –. Una página en blanco” (PIZARNIK, Alejandra. Diários, 2012, p. 140). Cada pergunta produz uma resposta aparente (na obra), mas essa resposta é novamente exposta a uma dúvida radical, numa busca que não tem fim (e isso é a literatura). 43 “Um modo essencial da autenticidade não ligado à forma do verdadeiro” (BLANCHOT, Maurice. O espaço literário, 2011, p. 261). 44 Cf. BLANCHOT, Maurice. O livro por vir, 2005, p. 137. HAASE, Ullrich; LARGE, William. Maurice Blanchot, 2001, p. 33: “The firmness of the ground beneath our feet is seemingly replaced by the infinite interconnections between words, where one word refers to another word and so on, and where they could not constitute a totality or complex of concepts that would designate a discernible reality. It is true that we might speak of the universe or world of a novel or a poem, but this universe or world is not the world or universe in which we live or exist; rather, it is the work’s own world and universe, one that, unlike ours, is infinitely open, allusive and enigmatic spurring us on to endless interpretations that forever remain unsatisfied”. 45 Cf. Ibidem, p. 33. “O artista e o poeta receberam a missão de nos recordar obstinadamente o erro, de nos voltarmos para esse espaço em que tudo o que nos propomos, tudo o que adquirimos, tudo o que somos, tudo o que se abre na terra e no céu, retorna ao insignificante, onde aquilo que se aborda é o não sério e o não verdadeiro, como se talvez brotasse aí a fonte de toda a autenticidade” (BLANCHOT, Maurice. O espaço literário, 2011, p. 270n) 46 Cf. CORTÁZAR, Júlio. Obra crítica, Vol. 1, 1998, p. 48. 47 Cf. BLANCHOT, Maurice. O livro por vir, 2005, p. 320. 48 Cf. CORTÁZAR, Júlio. Obra crítica, Vol. 1, 1998, p. 73. 49 Cf. Ibidem, p. 88. 50 Cf. Ibidem, p. 95. 51 Sartre é sensível a esta inversão ou deslocamento, mesmo se afirma não compreender o seu sentido: “Kafka e Blanchot, para fazer-nos ver a partir de fora a nossa condição sem recorrer aos anjos, descreveram um mundo de cabeça para baixo. (...) Mas, nos perguntamos, por que há que descrever o mundo justamente ao contrário? Que plano mais estúpido descrever o homem de cabeça para baixo!”. SARTRE, Jean-Paul. “Aminadab o de lo fantástico considerado como un lenguaje”. Situaciones I – El hombre y las cosas, 1960, p. 97. 52 Cf. BLANCHOT, Maurice. A parte do fogo, 2011, p. 347. 53 DERRIDA, Jacques. La escritura y la diferencia, 1989, p. 46.

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