A Estética do Riso no Universo das Animações: uma análise do cômico no design de personagens animados

May 22, 2017 | Autor: Turla Alquete | Categoria: Aesthetics, Animation, Animation Theory, Character Design
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SILVA, ALQUETE E EFREM (2013)

A ESTÉTICA DO RISO NO UNIVERSO DAS ANIMAÇÕES: UMA ANÁLISE DO CÔMICO NO DESIGN DE PERSONAGENS ANIMADOS W. C. Silva, T. Alquete, R. Efrem Grupo de Pesquisa sobre Design e Animação, Campus Cabedelo – Curso de Tecnologia em Design Gráfico - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba. E-mail: [email protected]; [email protected]; [email protected] Artigo submetido em junho/2013 e aceito em setembro/2013

RESUMO A animação tal como conhecida hoje se constitui numa mídia abrangente, voltada aos mais diversos públicos, e cada vez mais acessível. O humor, por sua vez, é um elemento recorrente nas animações, mesmo quando estas não são de cunho propriamente humorístico. Tal fato se justifica pelo poder que o humor tem de proporcionar bem estar aos espectadores, seja os divertindo através dos elementos de comicidade inerentes, seja pelo seu poder de tornar mesmo aqueles temas mais delicados acessíveis, tais como a violência, o sexo, a religião, entre outros. No contexto das animações, o personagem é certamente o elemento mais importante, dado que é ele quem da vida as estórias narradas. A depender da temática da animação, bem como da sua função na mesma, cada personagem

terá uma configuração visual condizente, que por ventura também deve traduzir seu caráter, combinando elementos simbólicos e estéticos. A comicidade dos personagens por sua vez é assimilada pelo espectador através de sua configuração estética, uma vez que esta se relaciona com o lado sensível dos indivíduos. A estética tem então, uma relação direta com o design de personagens, na medida em que reforça a comunicação visual dos mesmos, evocando nos espectadores as sensações e reações pretendidas. O presente trabalho objetiva identificar os elementos estéticos que denotam comicidade em personagens de séries animadas de teor humorístico, sobre a égide da teoria do riso bersoniana, uma das mais contundentes a tratar do tema, bem como identificar sua relação com o design de personagens.

PALAVRAS-CHAVE: Animação, Comicidade, Design de Personagens, Estética

ABSTRACT The animation as known today is a embracing media, aimed at different audiences, and increasingly affordable. The humor, in turn, is an recurrent element in animations, even when they are not properly of humoristic nature. This fact is justified by the power that humor has to provide welfare to the spectators, providing fun by the comic elements inherent, or by their power to make even those most sensitive issues accessible, such as violence, sex, religion , among others. In the context of the animations, the character is certainly the most important element, because he's responsible to give life to narrated stories. Depending on the theme of animation, as well as their role in it, each character will have a consistent visual

configuration, that thus also translate their character, combining aesthetic and symbolic elements. The comicality of characters in turn is assimilated by the viewer through their aesthetic configuration, since it relates to the sensitive side of people. Aesthetics then has a direct relationship with the character design, in that it reinforces the visual communication of the same, evoking the sensations and reactions viewers want. This paper aims to identify the aesthetic elements that denote comic characters in the animated series of humorous content, under the aegis of the theory of laughter bersoniana, one of the strongest to deal with the issue, as well as identify its relation to the character design.

KEYWORDS: Animation; Comic; Character Design, Aesthetics

Anais do Congresso Norte Nordeste de Pesquisa e Inovação, 2013 ISBN nº978-85-67562-01-8

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A ESTÉTICA DO RISO NO UNIVERSO DAS ANIMAÇÕES: UMA ANÁLISE DO CÔMICO NO DESIGN DE PERSONAGENS ANIMADOS INTRODUÇÃO A animação, tal como conhecida atualmente, constitui-se num poderoso fenômeno de comunicação e entretenimento de massa, com públicos de diferentes gostos e idades. Os personagens animados por sua vez, se consagraram como o elemento central das narrativas animadas, sendo eles os principais responsáveis por despertar o interesse do público pela obra como um todo. As primeiras séries animadas centradas em personagens constantes surgiram ainda no começo do século XX, como uma tentativa de se criar um universo de personagens cativantes, capazes de atrair o público sempre que houvesse novos episódios. Além disso, personagens de sucesso como o Gato Felix, na década de 20, promoveram a abertura do mercado de licenciamento, uma das mais rentáveis atualmente. (NESTERIUK, 2011, p.30). A Disney, por exemplo, chega a faturar mais hoje com o licenciamento de seus personagens, do que com a bilheteria de suas animações. (MAYANA, 2012). Produzir uma série animada sempre foi um empreendimento que envolve muitos riscos e custos expressivos, de modo que exige minuciosos estudos de mercado e de viabilidade. Sob tal contexto, investir em personagens que possam não agradar ao público, pode se tornar fatal para uma obra, acarretando prejuízos expressivos as partes envolvidas. Assim, o design dos personagens, que envolve desde a concepção da personalidade a sua configuração visual, dentro do suporte específico, tem o papel de concebê-los da melhor forma possível, de modo a conquistar o público alvo. O design pode ser definido como uma linguagem projetual, que combina elementos técnicos e artísticos para comunicar algo a um público especifico. Criar personagens cativantes e concisos com as narrativas constitui um processo demasiadamente complexo, na medida em que, implica em construir personalidades interessantes (e atraentes) e traduzi-las visualmente, de forma simples e objetiva. Uma vez que o tempo para o espectador assimilar as informações pertinentes aos personagens costuma ser muito curto, um design bem elaborado é fundamental. (PINNA, 2006, p.226). A configuração visual dos personagens está relacionada ao formato, fisionomia, vestimentas, comportamentos entre outros elementos que traduzem visualmente a personalidade daqueles. Combina assim, elementos simbólicos, isto é, aqueles que os compõem expressando informações e significado e estéticos, que são os elementos responsáveis por evocar nos espectadores as sensações e sentimentos pretendidas com os mesmos, e que deste modo reforçam a comunicação visual. A depender das sensações evocadas nos indivíduos, a estética pode se dividir em categorias específicas, relacionadas às características dos ‘objetos estéticos’ e ao juízo de gostos de cada um, ainda que estes possam convergir, até certo ponto, para padrões vigentes na sociedade. Costuma-se, então, dividir as categorias estéticas em: belo, gracioso, sublime e trágico, ligados à noção de harmonia, equilíbrio e perfeição, e aquelas que divergem desses princípios, tais como o risível, feio, horrível e o cômico.

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O presente trabalho compreende uma análise estética de personagens cômicos, de séries animadas de cunho humorístico, e sua relação com o ‘design de personagens’, sobre a égide da teoria bergsoniana do riso, uma das mais contundentes para a compreensão de alguns aspectos do cômico, enquanto categoria estética. O humor e a comicidade sempre foram elementos recorrentes nas animações, ao logo da história, mesmo quando as mesmas não são propriamente de cunho humorístico, fato que contribuiu substancialmente para a sua aceitabilidade perante o público. Isso se justifica pelo poder que o humor tem de proporcionar o bem-estar aos espectadores, seja os divertindo através dos elementos de comicidade inerentes, seja pelo seu poder de tornar mesmo aqueles temas mais delicados acessíveis, tais como a violência, o sexo, religião, tabus em geral, entre outros. Ao longo do século passado e o atual, o humor foi testado em suas mais diversas nuances nas animações, seja nas suas formas mais singelas, comuns nos clássicos da Disney, seja nas suas formas mais alucinadas e escrachadas como nas animações da ‘Warner Bros’, ou satíricas como nos Simpsons, entre outras. Não por menos, é comum ao público associar animação e comicidade, dado que as obras mais emblemáticas costumam apresentar um forte apelo humorístico, ao passo que consagraram personagens como Pernalonga, Homer Simpsom, Pica Pau entre outros, mundialmente famosos. Assim, a análise estética dos personagens cômicos permite esclarecer quais elementos, presentes nos mesmos, denotam tal característica, e que por ventura embasam seus designers, o que é de grande importância, dada a relevância que o humor tem no universo das animações. O emprego da teoria bergsoniana da comicidade, ao passo que oferece substrato para análise, também confere um embasamento teórico, numa área em que parece imperar apenas a criatividade e percepção dos animadores para os elementos de comicidade em voga no momento. A TEORIA BERGSONIANA DO RISO Característica gerais da comicidade segundo Bergson Conforme colocado anteriormente, Henri Bergson é o autor de uma das mais importantes teorias do risível já elaborada. Ainda que sua obra não seja propriamente sobre estética, ela é completamente aplicável dentro do âmbito desta, na medida em que oferece substrato para compreensão de uma de suas categorias mais controversas, isto é, o cômico. O foco de Bergson não se encontra propriamente em definir o cômico, mas em definir seus mecanismos de produção. Assim, inicia sua análise com algumas observações fundamentais acerca daquele. Primeiramente, “não há comicidade fora do que é propriamente humano” (BERGSON, 1980, p.12). Ou seja, o cômico é limitado àquilo que pode ser vivenciado ou percebido pelos homens, ou mais especificamente, pelo intelecto humano. Mesmo animais, só seriam risíveis, quando surpreendem com atitudes (ou expressões) tipicamente humanas, enquanto que objetos inanimados, pela “semelhança com o homem, pela característica impressa pelo homem ou pelo uso que o homem faz dele faz” (BERGSON, 1980, p.12). Do ponto de vista psicológico, o risível se caracteriza por uma insensibilidade momentânea, configurando um exercício de pura inteligência. A emoção é para Bergson a maior Congresso Norte Nordeste de Pesquisa e Inovação, 2013

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inimiga do riso, o que não significa dizer “que não se possa rir de alguém que nos inspire piedade, ou mesmo afeição: apenas no caso, será preciso esquecer por alguns instantes essa afeição, ou emudecer essa piedade” (BERGSON, 1980, p.12). Isso é bem plausível se considerar que os indivíduos são impelidos ao riso quando tomados de surpresa quanto a um evento degradante que acomete outra pessoa, mas logo em seguida tentam inibir o riso, seja por pena, afetividade ou remorso. A terceira observação de Bergson foca no ponto de vista psicossocial. De acordo esta, o riso demanda contato entre inteligências. Assim, as pessoas tendem a rir mais quando em grupo, pois se deixam contagiar umas pelas outras, e mesmo àquilo que não seria risível, passa a sê-lo, independente de compreenderem ou não seu sentido. Em sua última observação, Bergson atribui ao riso uma função social, que seria a de punir ou reprimir aqueles comportamentos que destoam dos padrões socialmente aceitáveis. De um modo geral, o cerne de toda a teoria da comicidade de Bergson está na ideia da superposição do mecânico ao vivo. Na concepção do filósofo, as ações humanas são caracterizadas, ou pelo menos deveriam ser, pela espontaneidade, liberdade, flexibilidade e caráter inventivo, enquanto que na natureza imperam os acontecimentos mecanizados. A mecanicidade pode se manifestar nos indivíduos de diversas formas, como nos movimentos, no caráter, em suas atitudes, ou o que for. Toda rigidez, leva a uma excentricidade, tendendo a ser vista com desconfiança pela sociedade. O riso seria, então, uma forma de defesa contra esse comportamento, uma forma de corrigi-lo. Como uma lei geral, Bergson (1980, p.15) ainda define que quando o efeito cômico deriva de certa causa, quanto mais natural se julga ela, mais engraçado parecerá. De modo que, por exemplo, um homem que simula uma queda de maneira forçada, é por isso não convincente, não chega a ser tão engraçado quanto alguém que cai por ser realmente desastrado, ou que deixa transparecer essa ideia. Os tipos principais de risível São basicamente cinco os tipos de comicidade identificados por Bergson: a comicidade de forma; a comicidade de movimentos; a comicidade de situações; a comicidade de palavras; e a comicidade de Caráter. Seus conceitos serão tratados a seguir. a) A comicidade das formas Na concepção de Bergson (1980, p.20), “Pode tornar-se cômica toda deformidade que uma pessoa bem conformada consegue imitar”. Tais deformidades decorrem de um hábito adquirido, uma mecanicidade, ou simplesmente uma rigidez que se instala no corpo ou na fisionomia dos indivíduos. Como por exemplo, um corcunda se faz risível pela sua obstinação em manter o mau hábito de andar curvado. Se, no entanto, a corcunda fosse decorrente de um acidente ou um problema de nascença, estaria fora da esfera do cômico, porque passa a sensação de dor e sofrimento. As fisionomias mais risíveis são aquelas que remetem a caretas enrijecidas, ou seja, aquelas que invariavelmente permanecem rígidas qualquer que seja a situação, como coloca Bergson (1980, p. 21): Congresso Norte Nordeste de Pesquisa e Inovação, 2013

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[...] um rosto é tanto mais cômico quanto melhor nos sugere a ideia de alguma ação simples, mecânica, na qual sua personalidade esteja encarnada para sempre. Há rostos que parecem estar chorando sem parar, outros que parecem estar rindo ou assobiando e outros mais ainda que parecem soprar eternamente um trompete imaginário. São as faces mais cômicas de todas.

O autor ainda coloca que, as deformidades não precisam necessariamente decorrer de movimentos, como se curvar, fazer careta ou o que for, mas simplesmente lembrá-los. Deste modo, formas que fogem aos padrões sociais, como uma parte do corpo mais exacerbada (como o nariz, olhos, boca etc.) podem se tornar cômicos. Como por exemplo, uma pessoa bochechuda, remete ao ato de avolumar as bochechas para fazer uma careta. Por fim, qualquer defeito que remeta a uma rigidez corporal, pode vir a se tornar cômica. Isso permite entender a comicidade das caricaturas, que têm o poder de expor mesmo aqueles defeitos quase imperceptíveis por meio de sua ampliação. b) A Comicidade dos movimentos De acordo com Bergson (1980, p.23) as atitudes, gestos e movimentos do corpo humano se revelam risíveis quando passam à ideia de algo mecanizado, e por isso previsíveis. Por esse motivo, coloca Suassuna (2008, p.160), “que os tiques nervosos são cômicos: no lugar onde deveria haver algo de inventivo e sempre novo, diferentemente de cada vez, aparece num movimento mecanizado e repetido”. Assim, as imitações, em geral, se revelam risíveis, na medida em que reproduzem aquilo que os indivíduos têm de mecânico em seus movimentos, como evidencia Bergson (1980, p.23) “Imitar alguém é destacar a parte do automatismo que ele deixou introduzir-se em sua pessoa. É pois, por definição mesmo, torna-lo cômico. Não surpreende, portanto, que a imitação cause riso”. Sem tal mecanicidade, a imitação perde seu aspecto cômico. Essa característica do risível pode ser verificada, por exemplo, quando alguém imita um gago, a comicidade está justamente na reprodução da mecanicidade do ato. c) A comicidade de situação Verifica-se a comicidade de situações, quando estas parecem ser governadas por uma mecanicidade, que implica em eventos repetitivos, que se invertem ou que cruzam num ritmo mais ou menos frequente, quando deveriam ser aqueles livres e espontâneos, que sempre se renovam conforme a situação. (SUASSUNA, 2008, p.163). Como coloca Bergson (1980, p.42) “É cômico todo arranjo de atos e acontecimentos que nos dê, inseridas uma na outra, a ilusão da vida e a sensação nítida de uma montagem mecânica”. Seriam então para Bergson três as situações cômicas mais comuns: A repetição, a inversão e a interferência.  A repetição constitui-se naquela situação em que “uma combinação de circunstâncias, que se repete exatamente em várias ocasiões, contrastante vivamente com o curso cambiante da vida.” (BERGSON, 1980, p.51).

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 A inversão, como o próprio nome sugere, remete a uma inversão de papeis e de situações que se voltam contra quem às criou. (BERGSON, 1980, p.53).  A Interferência de séries remete a uma situação que pertence concomitantemente a duas séries de fatos distintos, o que a leva a ser interpretada simultaneamente em dois sentidos totalmente diversos, gerando um efeito cômico (BERGSON, 1980, p.54). d) A comicidade de palavras Para Bergson (1980, p. 61), a comicidade das palavras corresponde à comicidade das ações e das situações, tal como projeções destas no plano das palavras, sendo, portanto, marcadas pela mesma rigidez que lhes é característica. Sua natureza é intelectual e, em geral, a comicidade se dá mediante a sugestão de ideias que divergem do sentido pretendido. Em suma, caracteriza-se pelo duplo sentido. Tal como para a comicidade de situações, Bergson define três leis que regem a comicidade de ditos, sendo as mesmas categorizadas como: Inversão, interferência e transposição. Bergson acredita que as frases cômicas se fazem obedecendo a qualquer uma delas, denominando as de “transformação cômica das proposições”. Assim: Na ‘inversão’, a frase se faz cômica quando apresenta o mesmo sentido mesmo quando invertida. Como no exemplo sugerido por Bergson (1980, p.65): “certo personagem grita ao locatário em cima, que suja sua varanda: ‘Por que você joga lixo na minha área?’, ao que o locatário responde: ‘Por que você põe sua área debaixo do meu lixo’”. Na ‘interferência’, a comicidade se faz quando uma frase exprime dois sistema e ideias. Na ‘transposição’ a comicidade da frase se dá pela transposição da ideia para uma tonalidade diferente. e) A comicidade de caracteres Para Bergson, um caráter se revela risível, na medida em que passa a ideia de que uma mecânica se instalou no espirito do individuo, levando-o a um endurecimento que o impede de se adaptar flexivelmente a vida social em comum. (SUASSUNA, 2008, p.161). Isso ocorre porque, a rigidez de caráter torna homem indiferente a tudo aquilo que naturalmente causaria comoção, como coloca Bergson (1980, p.72) “É cômico quem siga automaticamente o seu caminho sem se preocupar em fazer contato com outros. O riso ocorre no caso para corrigir o desvio e tirar a pessoa do seu sonho”. O automatismo é, então, na concepção de Bergson, a chave para o entendimento da comicidade de caráter, assim como o é para todos os tipos de risível. Ao se instalar no espírito do indivíduo, torna-o insociável, e, portanto, cômico. A figura do avarento é um típico exemplo de uma figura que apresenta comicidade de caráter, na medida em que, sua obsessão em juntar dinheiro o torna egoísta e insensível às necessidades alheias. Porém, a insociabilidade cômica não advém apenas de maus caráteres, excesso de virtudes pode ter o mesmo efeito, levando a excentricidades, excessos, grosserias quanto ao uso de franqueza, entre outros atos, que isole o individua da vida social, como coloca Bergson (1980, p. 77) “pouco importa um caráter bom ou mau: se é insociável, poderá vir a ser cômico”. Não por

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acaso, pessoas narcisistas, ou mesmo celebridades, entre outros, costumam ser alvos constantes de humoristas. Por fim, esse é para Bergson o tipo mais importante de comicidade, por que em geral, pode levar a todas as outras. Um personagem, que sempre se demonstra feliz independente da situação, por exemplo, pode exibir uma fisionomia fixa (um sorriso praticamente inabalável), gestos involuntários (cacoetes) e palavras inconscientes, que lhe coloque em situações cômica, pela sua rigidez em se adaptar as diversas situações, como num velório onde uma fisionomia alegre contrasta com o esperado para o ambiente. Assim, “Todo desvio é cômico. E quanto mais acentuado, mais sutil será a comédia” (Bergson, 1980, p.77). ANÁLISE, RESULTADOS E DISCUSSÕES O presente trabalho deriva de meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), apresentado como requisito parcial para a obtenção do grau de Tecnólogo em Design Gráfico pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba. O mesmo constituiu-se numa análise estética de 20 personagens cômicos de séries animadas de temáticas humorísticas, já exibidas no Brasil. Os personagens analisados são das séries “Os Simpsons”, “Family Guy”, “Looney Tunes”, “Pinky e Cérebro”, “O Pica-Pau”, Bob Esponja Calça Quadrada”, “Coragem, o Cão Covarde” e “South Park”. Para cada personagem, buscou-se identificar as formas de comicidade descritas por Bergson, de modo a atestar sua aplicabilidade no design de personagens cômicos. Devido a exigüidade de espaço, será apresentada a seguir, a título de exemplo, a tabela sobre as formas de comicidade encontradas no personagem Homer Simpson: Tabela 01 - Análise das Formas de Comicidade – Personagem Homer Simpson Personagens 01 Homer Formas de Comicidade

Forma

O personagem apresenta uma sobre barriga, decorrente de sua preguiça exacerbada e cultivo de maus hábitos, tais como o consumo de cerveja e rosquinhas em demasia. Isso o torna motivo de chacota em vários momentos da série. Suas expressões, em geral, são vazias e denotam sua baixa inteligência e displicência.

Movimento

Seu movimento mais característico é uma careta em sinal de reprovação seguido do bodão “D’oh!”, quando se dá conta de ter cometido algum ato estúpido.

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Situação

Repetição: É comum o personagem se envolver em situações degradantes e/ou dolorosas repetidas vezes, revelando uma mecanicidade que o impede de se adaptar a situação e evitálas. Inversão: É comum na série o personagem adotar um comportamento infantil e irresponsável enquanto que sua filha pré-adolescente adota uma postura responsável e equilibrada, chegando muitas vezes a repreendê-lo, caracterizando uma inversão de papeis. Outras situações corriqueiras para com o personagem, são as que o mesmo tenta se dar bem tomando vantagem sobre alguém, mas no final acaba sendo vítima de seus próprios atos e sabotagens. Interferência: Em várias ocasiões o personagem ao presenciar uma situação (em especial, de programas de TV), ou ouvir uma história, imagina-se naquela, tomando o lugar de algum personagem, o que resulta em desenvolvimentos nonsenses com tom de comicidade.

Ditos

O personagem é famoso por suas frases nonsenses, que de certo modo, denotam duplosentindo, ainda que pareçam ser não intencional, tais como: “A culpa é minha e eu a coloco em quem eu quiser.”, percebe-se claramente que o personagem, transpôs a frase para um tom totalmente diferente do esperado, resultando numa comicidade de ditos. O mesmo pode ser observado em outras frases suas tais como: “Eu não bebo água... Os peixes fazem sexo nela.”, ou “A fé move montanhas... dinamite então nem se fala.”, ou “Eu não acredito em duendes ele mentem muito.”, entre outras.

Caráter

O personagem é dotado de um baixo nível de inteligência, sendo em geral mais emocional do que racional, tendo desse modo uma visão limitada e simplista do mundo que o cerca e situações que vivencia. Caracteriza-se ainda por ser egoísta, irresponsável e preguiçoso. Comete atos inconsequentes com frequência e não hesita em tentar colocar a culpa nos outros se eximindo da responsabilidade. Verifica-se ainda, que o personagem é governado por uma mecânica, que o impede de se dar conta da incoerência de suas afirmações, levando-o a recitar constantemente frases nonsenses.

Fonte - Do autor Partindo das características gerais da comicidade, é possível verificar a contundência das observações de Bergson, nos personagens analisados. Primeiramente, observou-se que todos eles trazem atributos tipicamente humanos, de modo que, mesmo os não-humanos apresentam características antropomórficas, tanto nos aspectos físicos quanto psicológicos. A insensibilidade momentânea mencionada por Bergson ajuda a explicar a percepção da comicidade dos personagens, pois sendo eles caracterizados por aspectos ridículos, se fossem analisados a fundo pelos expectadores, seriam mais suscetíveis a provocar pena do que o riso. Quanto ao principio da superposição do mecânico ao vivo, percebeu-se que os personagens analisados apresentam elementos que atestam sua validade, na medida em que, os mesmos deixam claro que são governados por uma mecânica que se instala seja em suas formas, movimentos ou caráter, bem como nas situações em que se envolvem ou suas falas. A mecanicidade referida causa uma rigidez, que leva os personagens, de certo modo, a se tornarem excêntricos em algum aspecto, que é o que denota a comicidade dos mesmos. Com relação ao aspecto social da comicidade descrito por Bergson, verificou-se que os personagens analisados apresentam muitos elementos que destoam dos padrões socialmente aceitáveis, de modo que a comicidade por trás destes pode ser vista como uma espécie de Congresso Norte Nordeste de Pesquisa e Inovação, 2013

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chacota social a seus elementos ridículos, bem como a recusa dos indivíduos e se identificar como tais, isto é, apresentar características tais como a ganância do Sr. Burns o do Sr. Siriguejo, a demência do Pica Pau, a estupidez de Homer Simpson, Bob Esponja e Pinky, bem como o mau caráter de Cartman, entre outros. Em sequência, a identificação dos tipos de comicidade inerentes a cada personagem permitiu identificar certos padrões empregados nas animações de humor: 1 - A comicidade de caráter é comum a todos os personagens analisados, de modo que, percebeu-se que todos apresentam uma excentricidade inerente, que leva as demais formas de comicidade, sendo elas então um reflexo direto de suas personalidades. Este elemento, por sinal, é um dos norteadores das características visuais dos personagens do ponto de vista estético, se refletindo em seus aspectos físicos, fisionômicos, vestimentas, movimentos, entre outros. 2 - A comicidade de forma é comum a praticamente todos os personagens analisados. Identificaram-se alguns padrões, que descambaram em dois tipos predominantes de personagens cômicos, refletindo assim alguns estereótipos utilizados, cujas características físicas traduzem de forma simples e objetiva traços peculiares de suas personalidades. Sendo eles: Os personagens moribundos tais como Moe, Stewie, Cérebro, Estácio, Lula Molusco e Cartman, que têm predominância de uma fisionomia fechada/carrancuda; E os personagens mais estúpidos e/ou amalucados tais como Homer Simpson, Pinky, Pica Pau e Bob Esponja, que apresentam fisionomia predominantemente abobalhada e feliz (ou vazia). 3 - A comicidade de situação, ligada à repetição de eventos degradantes e nonsenses, é a mais comum para os personagens analisados. Conforme verificado esse fato decorre, em geral de uma mecanicidade inerente ao caráter dos personagens, que os impede de antever ou mesmo se adaptar as situações, de modo a evitá-las. Como por exemplo, o fato do Coyote sempre cair nas próprias armadilhas, o Moe sempre ser vitima de trotes telefônicos, o Bob Esponja sempre falhar no exame de direção, entre outros. 4 – A comicidade de movimentos, expressa por gestos e movimentos repetitivos, tal como a mecanicidade de forma, tem um importante papel na configuração visual da maioria dos personagens analisados. Em geral, ela denota uma espécie de marca registrada a cada personagem, na medida em que reflete um aspecto do seu caráter que melhor o define. Assim, a expressão facial do Homer Simpson, sempre que se dá conta de ter cometido um ato estupido, seguido do bordão D’oh! Expõe à estupidez do personagem, tal como os tiques verbais de Pinky. A risada do Pica Pau, sua marca registrada, reflete seu caráter brincalhão e debochado. Os espasmos violentos e ataques de tremedeira do Cão Coragem refletem sua covardia. E assim, por diante. Ou seja, os movimentos característicos, e mecanizados, dos personagens são tal como uma assinatura cômica que ajuda a traduzir visualmente suas personalidades, ao passo que, criam padrões que facilitam a identificação dos mesmos pelos espectadores. 5 – Por fim, a comicidade de ditos não apresenta uma correspondência direta com a configuração visual dos personagens, ainda que, tenha influencia no design dos mesmos, na medida em que reflete seus caráteres. Assim, tal como observou Bergson, verificou-se que este tipo de Congresso Norte Nordeste de Pesquisa e Inovação, 2013

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comicidade tem um caráter puramente intelectual. A análise permitiu identificar dois tipos básicos de personagens, aqueles mais astutos, que brincam com o sentido das palavras, em geral transpondo as ideias para outro tom, como forma de confundir e debochar dos outros, como é o caso do Pernalonga e o cachorro Brian; E os estúpidos, cuja comicidade de suas colocações refletem seu embaraço mental e, portanto, denotam baixa inteligência ou personalidade avoada, como é o caso do personagem Homer Simpson. CONSIDERAÇÕES FINAIS Conforme visto, os personagens constituem o elemento central das narrativas animadas, sendo o principal elo entre a obra animada e o espectador. Dentro do design dos personagens, a configuração estética é responsável por evocar nos espectadores sensações e sentimentos pertinentes a comunicação visual dos mesmos, tornando-os mais concisos com as estórias narradas e mais suscetíveis a conquistar a empatia do público. Por fim, conclui-se que a teoria bergsoniana do risível oferece substrato para se compreender boa parte dos aspectos estéticos de comicidade, presentes nos personagens analisados, evidenciando assim, padrões (ou mais especificamente estereótipos) empregados nas animações de teor humorístico. Os elementos cômicos identificados sobre a égide da teoria bergsoniana apresentam uma correspondência direta com a configuração visual dos personagens. Desta forma, possui grande relevância para o design de personagem, na medida em que reforça o elemento comunicacional, de modo simples e objetivo, extraindo do público as sensações e sentimentos que melhor expressam a mensagem que se quer passar.

REFERÊNCIAS 1.

BERGSON, H. O riso: Ensaio sobre a significação do cômico. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1980.

2.

MAYANA, P. Oportunidades no licenciamento de marcas e produtos. 2012. Disponível em: Acesso em 23 de fev. de 2013.

3. 4.

5.

NESTERIUK, S. Dramaturgia de série de animação. São Paulo: ANIMATV, 2011. PINNA, D. Animadas Personagens Brasileiras: A linguagem visual das personagens do cinema de animação contemporânea brasileiro. Rio de Janeiro: Pontifica Universidade Católica do Ride Janeiro; 2006. SUASSUNA, A. Iniciação à estética. 9. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2008.

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